SESSÃO NOCTURNA N.° 74 DE 31 DE MAIO DE 1898 1329
estabelecimentos careciam para serem convenientemente abastecidos.
O ministerio das obras publicas approvou por uma portaria essa dotação, fixando-a para todos os estabelecimentos do estado.
Sabe v. exa. o que acontece? Sabe qual é uma das rasões importantes da enorme divida do governo á companhia? E o completo e absoluto desprezo pela tabella da distribuição,, gastando cada estabelecimento o que muito bem entende e quer, sem se lhe impor a competente responsabilidade logo que cada estabelecimento exceda a tabella da sua lotação, áparte os casos extraordinarios que Decorressem. Os directores d'esses estabelecimentos, ou emfim quem n'elles superintende e os fiscalisa, deveria ser obrigado a pagar da sua algibeira o excesso do consumo.
Seria isto uma medida de moralidade e necessaria desde já, independentemente da celebração d'este contrato.
O estado tem uma enorme divida á companhia, parte perfeitamente justificada e outra parte que não o é. A parte não justificada provém dos abusos, que é necessario corrigir, tornando responsaveis os directores dos estabelecimentos pelo consumo alem da tabella, quando se não demonstre que condições excepcionaes, circumstancias extraordinarias obrigaram a exceder a dotação.
Eu tambem tenho inspeccionado muitos edificios pertencentes ao estado e tenho visto abusos extraordinarios no consumo, chegando a duplicar-se o quantitativo da tabella da distribuição sem necessidade.
Não é justo que o estado, que tanto carece de meios para satisfazer os seus encargos, esteja a gastar dinheiro inutilmente, e se por parte de todos os ministros houver um completo desejo, uma vontade harmonica de impor a responsabilidade a quem de direito for, creia v. exa. que o encargo do estado para com a companhia ha de diminuir consideravelmente sem que por isso os serviços sejam prejudicados.
Faço este appello ao sr. ministro das obras publicas (e n'este ponto refiro-me a todos os estabelecimentos dependentes de todos os ministerios), podendo-se adoptar esta medida desde já para todos elles.
Vou indicar os topicos principaes das representações enviadas a esta camara e mostrar que muitas d'ellas são realmente fundamentadas.
Assim, por exemplo, a primeira que reclamou, e com rasão, foi a associação dos proprietarios, sobre a obrigação que a companhia das aguas lhes impõe de fazer a construcção dos canos desde a tubagem geral até á fachada do predio! Só a companhia das aguas é que lança este encargo sobre os proprietarios, sem rasão absolutamente nenhuma, exigindo, sob pretexto de reparação, quantias mais ou menos valiosas. Isto é intoleravel. (Apoiados.)
Assim, a companhia dos carros americanos, por exemplo, destroe a canalisação particular, e quem paga é o proprietario, que nem sequer tem ingerencia na via publica para fazer ou deixar de fazer qualquer cousa!
A companhia do gaz, honra lhe seja, paga todas as obras de reparação que o proprietario não póde impedir, e que a final é quem paga as custas!...
Isto é cruel, injusto e é um abuso extraordinario.
V. exa. sabe que a tabella d'estes concertos, approvada por decreto de 1880, é já bastante exagerada; mas como não é dado aos proprietarios fazer por sua conta esses trabalhos, tem de pagar pela tabella o que a companhia quer, qualquer que ella seja!...
Este projecto não devia ser approvado emquanto se não expungisse esta obrigação, ficando a cargo das companhias a construcção e conservação da canalisação desde a ligação geral até á fachada do predio, e á conta do proprietario o estabelecimento da canalisação interior. (Apoiados.)
E demais, a companhia em todos os tempos tem abusado d'esta cconcessão, (Apoiados.)
V. exa. sabe que nenhum proprietario póde fazer a canalisação do predio sem ser riscada pela companhia, nos termos do regulamento, e a companhia obriga os proprietarios a fazer a canalisação de modo que ella a possa cortar quando e como entender! alterando o traçado primitivo quando lhe apaz.
A companhia, que não se importa de onerar os proprietarios com um encargo d'esta ordem, não faz senão augmentar a indignação publica; e o facto é que, sendo uma companhia genuinamente portugueza e com capital portuguez, nunca mereceu sympathias á população de Lisboa.
Tendo realmente esta companhia prestado um enorme serviço á capital, não se tornou sympathica pelo seu procedimento, quasi sempre injusto e attentatorio do direito dos proprietarios. A população de Lisboa não tem pela companhia das aguas a sympathia que deveria ter, se ella houvesse tido com os proprietarios as contemplações que elles merecem.
Mas deixemos isto, e vamos a outro ponto sobre que representaram a camara municipal e a associação dos proprietarios - o contador.
Dizem estas duas entidades que, sendo, a companhia a interessada na venda da agua, a medida por que a venda se faz é da companhia; exigir, ainda por cima, do consumidor que elle lhe pague esse meio que ella tem de fiscalisar a venda parece-me injusto, tanto mais que o aluguer do contador corresponde a um juro de 30 por cento do custo d'aquelle bocado de folha de ferro quasi sem valor, mas de que a companhia apura annualmente importantissimas quantias pelo serviço que lhe presta a ella, e que é pago pelo consumidor.
Tambem a camara municipal e a associação dos proprietarios representaram ácerca de uma nova exigencia da companhia, porque quem quizer um contador de pressão tem de assignar uma obrigação para um consumo minimo mensal de 5 metros ou treze pipas de agua!
Sr. presidente, v. exa. sabe, e sabe a camara, que hoje nenhum projecto de construcção urbana tem logar sem que as respectivas plantas, memoria descriptiva e alçados sejam approvados pela repartição technica da camara, que, é claro, obriga os proprietarios a construirem como deve ser e em harmonia com os principios de hygiene. N'estes termos, em todas as casas, mesmo nas de rendas mais modicas, é necessario o contador de pressão para que a agua tenha o impulso indispensavel para ir servir as retretes, as casas de banho, etc., pois a companhia das aguas não consente que uma familia de modestos teres possa manter na sua casa a hygiene, que é a base fundamental da saude, sem que lhe pague um grosso encargo!
Na representação que os proprietarios fizeram, por intermedio da sua associação, elles já se contentavam com que o minimo de consumo baixasse a 4 metros, isto é, contentavam-se com pouco, e era tão facil á companhia conquistar as sympathias do consumidor que, realmente, custa-me a crer que ella não transija com este pedido, que é de todo o ponto justo.
Eu já indiquei dois pontos da representação que merecem ser attendidos n'este contrato, e com que o parlamento se honrava acceitando-os, tanto mais que a companhia não seria prejudicada, porque é sempre bom para os seus interesses ter do seu lado a população da capital a quem serve.
Assim, nós sabemos que muitos e muitos consumidores empregam todos os meios para se esquivarem aos encargos, que julgam exagerados, que a companhia lança sobre elles, o que não fariam se ella fosse mais equitativa e tivesse mais em attenção a situação precaria dos moradores da capital.
Dizem mais que, pelo regulamento de 1880, é obrigatorio o encanamento de agua para todos os predios, cuja renda seja superior a 60$000 réis.