SESSÃO NOCTURNA N.° 74 DE 21 DE AGOSTO DE 1908 5
Artigo 3.° - Proponho que se supprima a primeira parte do artigo 3.° por inutil.
Artigo 10.° - Proponho que se supprima o fundo de instrucção primaria e que se encorporem as respectivas receitas nas do Estado.
Artigo 11.° - Proponho que no artigo 11.° se substitua a palavra "descreve" por "fisco".
Artigo 42.° - Supprima-se.
Artigo 43.°, § unico - Substituir a palavra "idoneo" por "em igualdade de circunstancias".
Artigo 64.° - Supprima se.
Artigo 84.° - Supprima-se o n.° 3.°
Conde de Arrochella.
Foram enviadas á commissão.
(O discurso será publicado na integra, quando o orador restituir as notas tachygraphicas),
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Antonio José de Almeida.
(Estabelece se sussurro nas galerias).
O Sr. Presidente: - Advirto as galerias de que se não podem manifestar. (Apoiados). Previno-as assim, para não ter que proceder nos termos do regimento. (Apoiados).
O Sr. Antonio José de Almeida: - Sr. Presidente: a questão da alienados envolve dois aspectos diversos: o de humanitarismo e o de defesa social.
É uma cousa indigna deixar andar os doidos pelas ruas, divertindo a boçalidade que passa, como se agitassem os guizos do jogral, e é uma cousa deshumana deixá-los sofrer no fundo das prisões, espancados e algemados.
Mas tambem é uma cousa perigosa deixá-los ao abandono, na pratica tremenda da suggestão da sua doença, na execução tragica dos seus designios malfazejos e no exercicio pathologico das suas funcções reproductoras.
Crimes pavorosos, suicidios inesperados, attentados cruéis, tantas vezes desconhecidos, que se passam no seio das familias - tal é a consequencia da falta de resguardo e policia social em referencia a esses morbidos productos humanos, que desarranjam a dynamica das sociedades em que vivem.
É consequencia mais grave ainda, porque ella não se limita a um momento determinado em que se exerça, mas continua, na serie implacavel, a sua acção perturbadora, é á procreação dos alienados, fazendo, na expansão liberrima das leis physiologicas, uma larga sementeira de loucos e degenerados, que, salpicando a massa humana de que são rebentos doentios, a deterioram e pervertem.
Pois é isso mesmo o que se vê em Portugal.
Nenhum, país com pretensões a civilizado se encontra tão atrasado como o nosso em relação a este assunto de gravidade excepcional.
Só tarde começamos a considerar os pobres loucos dignos de assistencia e piedade.
Só tarde, seguindo na esteira das outras nações, os consideramos, através do seu desarranjo, como continuando a fazer parte da humanidade.
Mas essa concepção theorica é um sentimento esteril, porque, na pratica, somos uns desleixados cruéis, que para com os alienados temos o desprezo sinistro ou a repulsão barbara, ao lado dos quaes chegava a ser humana a aniquilação pela morte, que, nas trevas da idade media catholica, se empregava como uma sentença de Deus.
Vejamos a questão nos seus detalhes; apresentemos numeros, façamos estatisticas e, banindo frases, deixemos os factos na eloquencia descarnada da sua significação.
O que se tem praticado em Portugal, neste capitulo da beneficencia publica, é um crime repugnante de cuja nodoa jamais poderão limpar-se os seus malévolos causadores.
Nem os pobres doidos escaparam ao tributo que a todas as classes violentamente foi arrancado para custear o deboche governativo, que fez dos adeantamentos o seu capitulo mais repugnante.
E os homens maus e sem escrupulos, que, em largos annos de orgia, inventaram processos inauditos para sugar o dinheiro do contribuinte em beneficios da oligarchia dominante, não esqueceram o cofre dos alienados e de lá foram tirando tudo até o deixar exhausto, embora esses desgraçados, cobertos de desprezo e tantas vezes victimas da barbaridade, vagueiem pelas praças como doentes ou agonizem nas enxovias como bandidos!...
Ha dois annos houve em Milão um congresso de assistencia aos alienados, em que o problema attingiu alturas notaveis.
Quasi todos os países da Europa se fizeram representar e trezentos homens da especialidade discutiram e aprofundaram questões pendentes com nobre e sincera competencia.
Mal os trabalhos começaram, o dr. Franck, suisso, num discurso eloquente, de vasta e soberba architectura, disse que era optimo fazer manicomios cada vez melhores, estimular alienistas e enfermeiros a estudarem crescentemente o ramo da sua especialidade, alargar, cada vez mais, as funcções das colonias e granjas de cura, etc.
Mas que pode - acrescentava - fazer-se cousa mais completa e perfeita: atacar directamente as causas da loucura e travar a acção do mal, destruindo-o na sua origem.
É o talentoso alienista dissertou largamente sobre a hereditariedade, sobre o alcoolismo, sobre a syphilis, sobre todas as causas, emfim, que contribuem largamente para o povoamento dos nossos asylos "quer preparando as de generescencias futuras da raça, quer determinando no individuo uma ou outra forma de doenças mentaes".
E, num gesto de ampla solidariedade, o alienista frisou a vantagem de todos se porem de acordo para ferir batalha contra o inimigo commum, para o que propôs a criação de um instituto internacional com "o fim de estudar e combater as causas das doenças mentaes".
O congresso vibrou estimulado por esta ideia e logo um congressista suisso, Loubant, offereceu o seu castello de Lugano para sede do futuro instituto internacional e o congresso, approvando a proposta de Frank, nomeou uma commissão internacional que lhe desse execução, e procurasse previamente interessar na humanitaria empresa os Estados das diversas nações.
Compare-se este amor enthusiastico pelo bem da humanidade e pelo prestigio da sciencia com o abandono, o desleixo, o desprezo e o marasmo a que Portugal tem votado o assunto. Compare-se a solicitude com que os differentes Estados seguem de perto o estudo dos seus alienistas com a indifferença, nem sempre isenta de ironia, com que os Governos, em Portugal, attendem os rogos dos homens iltustres, como Julio de Mattos, Magalhães Lemos e Bombarda, que se não teem cançado de bradar em favor dos doidos, mas cuja voz, perdida no espaço, não encontrou ainda eco no peito duro; egoista e tacanho dos nossos governantes.
Compare-se a lição que d'ali se tira, que é eloquente. Entre a ideia de Frank, de uma concepção tão larga e generosa, e a indifferença alvar com que em Portugal se deixam andar a monte, victimas da troça ou da brutalidade dos transeuntes, quando não da propria autoridade, milhares de alienados; entro um e outro extremo, ha um espaço enorme, que só pode ser preenchido pela condemnação implacavel e severa dos exploradores do poder, que, para a paga dos seus caprichos e má intenção do seu predominio politico, defraudaram, cavilosamente, como adeante provarei, o dinheiro dos doidos.
Concretizemos, porem.