6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Segundo o Sr. Dr. Magalhães Lemos, illustre e devotado alienista portuense, para uma população de 5.423:132 habitantes ha, com todas as probabilidades, em Portugal, 12:000 alienados, dos quaes apenas 1:460 estão hospitalizados.
Julio Gama, intelligente e activo secretario do Conde de Ferreira, é da mesma opinião. De maneira que Portugal, hospitalizando actualmente um alienado por 5:000 habitantes, 99 por cento proximamente dos loucos existentes andam em plena liberdade, causando todo o mal que d'ahi, por varias razões e vias diversas, resulta.
Tomemos um ponto de reparo.
A Allemanha, por exemplo, hospitalizava, em 1890, um alienado por 1:000 habitantes, ou seja cinco vezes mais do que nos. Actualmente, a desproporção é muito maior, porque a Allemanha tem progredido constantemente na sua assistencia aos alienados.
Em Portugal temos quatro estabelecimentos consagrados aos alienados.
Dois são importantes: o hospital do Conde de Ferreira, no Porto, e o hospital de Rilhafolles, em Lisboa. Dois são pequenos: um para homens, no Telha, e outro para mulheres, em Bellas (Idanha).
Ha ainda um outro instituto para alienados no Funchal: o manicomio Camara Pestana. Mas este é apenas um ensaio; por emquanto; só com difficuldade comporta vinte e dois doentes.
Não valerá a pena falar de casas particulares. Ha apenas duas em Portugal que recebem alienados com regularidade: uma no Porto e outra em Lisboa. Ambas comportam uma media de vinte doentes.
Reparemos agora na distribuição da população enferma por estes manicomios (numeros redondos):
Rilhafolles .... 748
Conde de Ferreira .... 530
Telhai .... 84
Idanha (Bellas).... 76
Funchal (Camara Pestana).... 22
Somma .... 1:460
Tomemos novo ponto de reparo.
A Allemanha possuia em 1890, para uma população de 40.855:704 habitantes, 122 asylos publicos de alienados, com 43:251 doentes e 370 medicos. Era de 7 a numero de estabelecimentos consagrados aos idiotas, de 19 o dos asylos e colonias para epilepticos, entre os quaes alguns verdadeiramente modelos, como o de Brielefeld. As colonias de alcoolismo eram 8. Nos estabelecimentos penitenciarios havia 3 pavilhões reservados para os presos que enlouquecessem.
O ensino das doenças mentaes era, á data, assegurado, nas 19 universidades allemães, por outras tantas cadeiras de psychiatria, 13 sociedades de patronato soccorriam os alienados curados, á sua saída dos manicomios. Muitas escolas especiaes ensinavam enfermeiros de ambos os sexos. Existiam 6 revistas especiaes de doenças mentaes e 10 sociedades de psychiatria.
Era uma cousa bellã e grande essa obra de sciencia e de humanidade que a Allemanha exercia em favor dos alienados. Apesar de tudo, a grande nação não descansou, e, avançando sempre, foi progredindo constantemente.
Em 1898, a população tinha subido de 40.655:704 a 52:279:901 habitantes e logo o numero de asylos ascendera de 122 a 142, o numero de hospitalizados de 43:251 a 55:877, o numero de médicos desses manicomios de 370 a 559.
Isto pelo que respeita a asylos publicos.
Observando agora os particulares, vemos que em 1898 a Allemanha estava tambem muito sufficientemente servida, não podendo eu fazer a comparação com o anno de 1890, por não ter dados referentes a esse anno.
Em 1898, pois, havia na Allemanha 120 estabelecimentos particulares para a hospitalização de alienados, com 18:210 doentes e 182 médicos.
Ou seja ao todo, para o anno de 1898 : 262 estabelecimentos, 74:087 doentes (41:841 homens e 32:248 mulheres, e 741 medicos.
Em 1898, finalmente, na Allemanha havia para 100:000 habitantes 154 doentes hospitalizados em estabelecimentos publicos e particulares, com um medico para 105 doentes.
Ora, fazendo a comparação de Portugal de 1908 com a Allemanha de 1898, que é legitimo porque o numero de doidos, segundo dizem os competentes, deve andar na mesma proporção nos dois países - nos com os 5 milhões de habitantes, numeros redondos, deviamos hospitalizar 7:700 doentes. Hospitalizamos apenas 1:460.
Emquanto a Allemanha, ha 10 annos, hospitalizava 154 alienados por 100:000 habitantes, nos hoje, hospitalizamos 29 por 100:000. Mais ainda.
Emquanto na Allemanha os estabelecimentos particulares hospitalizam menos da quarta parte do total dos doidos internados, em Portugal esses estabelecimentos internam e tratam metade, pouco mais ou menos!... Porque é de notar que o Conde de Ferreira, embora exercendo funcções de hospital publico, é pela sua origem e administração um estabelecimento particular.
Mas não é tudo.
Se ao menos os 5 estabelecimentos que ha em Portugal prestassem sempre verdadeiros e autenticos serviços, ainda o mal não seria tão pavoroso. Mas qual!
Tanto Rilhafolles como o Conde de Ferreira teern muitos dos seus compartimentos occupados por incuraveis epilepticos, idiotas, dementes inoffensivos, loucos criminosos, etc., gente, emfim, com a qual a therapeutica nada tem que ver e que estão occupando o Jogar d'aquelles que, cá por fora, uivando pelos campos ou enjaulados nas cadeias de provincia como feras, cobertos de ferros, eram susceptiveis de cura. O Telhai e a Idanha são mais asylos do que outra cousa. De maneira que podemos sem receio de errar, chegar a esta conclusão tragica: os doidos hospitalizados são pouquissimos é não ha, porque o não pode haver, visto a mingua de manicomios, criterio scientifico, humano e socialmente proveitoso na escolha dos alienados que são internados.
O talentoso hygienista portuense Dr. Magalhães Lemos diz, numa das suas communicações, que ha doentes que, apos o seu pedido de admissão para o hospital Conde Ferreira, teem esperado um, dois e mesmo tres annos!...
Isto é degradante e enxovalha um povo, cortando-lhe os direitos que porventura se attribua a ser um povo civilizado.
A psychiatria é uma das sciencias que mais dolorosa travessia tem feito na historia sob o açoite de mil preconceitos. Mas finalmente venceu, e, pela noticia que dê no principio do meu discurso, do congresso de Milão, se vê como ella é hoje uma sciencia alta, batendo com o seu nobre esplendor uma multidão de problemas. Ella está esclarecendo duvidas que pareciam insoluveis e marcando no destino das sociedades, roteiros que pareciam intransmissiveis!
Nestes tempos de agitada intellectualidade e tão desencontradas emoções, é á hygiene psychiatrica que os povos vão buscar uma cuidadosa interferencia, que estabeleça a ponderação nos factores desequilibrados da mentalidade do nosso tempo.
Mas para chegar a este ponto, que aliás não é ainda a ultima etape, que atormentada viagem pelo tempo fora, sob perseguições, sob doestos, sob erradas theorias e desleaes controversias, sob o desprezo, o abandono, o desleixo das gentes ignaras, malévolas, estupidas ou banaes.
O tratamento da loucura no Egypto antigo era singu-