SESSÃO NOCTURNA N.º 74 DE 21 DE AGOSTO DE 1908 9
que incidia sobre os passaportes e bilhetes de residencia passados nos governos civis e sobre os salvo conductos, vistos nos passaportes e bilhetes de residencia passados nas administrações dos concelhos - só este imposto, que Vigorou até 1907, deve, segundo os melhores cálculos, ter produzido para cima de 25 contos de réis.
Mas ha mais.
O Estado, que apanha aquella receita, tratou de a devorar ou de a dar a comer á turba famélica, real ou plebeia, que lhes pedia adeantamentos illegaes, deixando perder todas as occasioes de com vantagens economicas a applicar para o fim a que tinha sido destinada.
Assim, a mesa da Santa Casa da Misericordia do Porto, numa representação dirigida ao Rei, em 14 de fevereiro de 1902, pedia ao Estado que lhe entregasse a quantia de 100 contos de réis, que devia ser o custo do asylo para 200 internados, a que refere o n.° 4.° do artigo 2.° da lei de 1889, dando ella para isso um vasto e hygienico terreno de que dispunha.
Se o Estado tivesse annuido a este honrado pedido, acceitando tão generosa offerta, as vantagens seriam enormes.
Não só pelos 100 contos de réis se podia fazer um edificio melhor do que em qualquer parte, porque, na vasta cerca que a Misericordia offerecia, havia uma pedreira e um pinhal, mas ainda o Estado lucrava immensamente, porque a cargo da Santa Casa ficava a administração e a sustentação dos 200 asylados.
Não falando, é claro, em que a Santa Casa, dirigindo a construccão, applicaria, bem melhor os 100 contos de réis do que o Estado o faria, porque, como é sabido, as obras que este dirige, feitas á barba longa, levam sempre rios de dinheiro.
O meu amigo, e nosso illustre collega nesta Camara, Sr. Adriano Anthero, que é um espirito brilhante e alevantado, já sobre o mesmo assunto, nesta Camara, fez considerações de valor. Não é preciso que eu me explane mais.
No entanto fique este ponto assente: a honrada Misericordia do Porto, cuja seriedade de processos tem por si uma antiga e solida reputação, fez este valioso offerecimento ao Estado, que o não quis acceitar.
Mas ao menos terá o Estado guardado com zelo e lisura o dinheiro arrecadado? Não se sabe, mas crê se que não. Depois de muito investigar e esquadrinhar apenas descobri cousas que são altamente irregulares. Quanto ao resto, porem nada apurei.
Demais, como o dinheiro não foi empregado nos edificios que foram determinados por lei, era de suppor que levasse caminho, por não ser crivei que, em epoca de adiantamentos, se conservasse em pé de meia.
O decreto de 22 de junho de 1898 determina que o Hospital de Riihafolles, sob a administração do Hospital de S. José e Annexos, seja considerado desde 1 de julho de 1892, para os effeitos do disposto no § unico do artigo 1.° da carta de lei de 4 de julho de 1889, como o estabelecimento instituido em Lisboa pela mesma lei para a hospitalização dos alienados dos districtos do sul do reino e do districto do Funchal.
Esta lei foi arrancada ao Parlamento, que a votou sem pensar no que fazia.
Sendo assim, é de crer que alguma da receita colhida pela lei de 1889 fosse applicada a Riihafolles. Mas de que forma?
Lá construiram-se uns annexos, é certo. Foram nada menos de tres. Mas dois, o velho e o de segurança, foram construidos antes da lei de 1898, pois o primeiro acabou-se em 1893 e o segundo em 1896.
Portanto, não podiam ser pagos ao abrigo da lei de 1898.
E não o foram, ao que me consta, como o não foi o annexo novo, que se concluiu em 1900, porque todos elles foram pagos pelas obras publicas.
Mas para onde foi o dinheiro?
Depois de muito trabalho consegui saber que para a administração do Hospital de S. José foram entre 1899 e 1905 154:866$189 réis, pois é esta a somma das verbas que n'aquelle periodo foram entregues aquella administração.
Mas a que titulo e com que, direito é que se desviou dos fins da lei de 1889 aquella verba? E porque Rilhafolles, dependente administrativamente do Hospital de S. José, beneficiou de toda aquella quantia, ou porque ella foi dividida pelos encargos geraes da administração dos hospitaes.
Que houve desvio, não ha duvida, resta saber de que tamanho elle foi.
Sairia do cofre dos alienados a verba, que não pode ser superior a 15 contos de réis, que se despendeu no annexo do Conde de Ferreira e que se destina á observação medico-legal? Creio que não. De resto, era o Governo quem tinha obrigação de o mandar construir porque o Conde de Ferreira não tinha onde receber os criminosos suspeitos de loucura que lhe são enviados pela Morgue do Porto. A construcção d'esta morgue implicava a construccão do annexo, por isso que o hospital, não sendo do Estado, mas da Misericordia do Porto, não podia ser constrangido a receber criminosos em observação, não tendo logar para elles.
De resto a situação é clara como agua. A lei de 4 de julho de 1889 criou uma certa receita para ter uma certa applicação. Não podia dar-se-lhe outra. Verdade seja que, em 22 de junho de 1898 vem uma lei determinando que o Hospital de Rilhafoles passa a ter a categoria de manicomio, como foi determinado pelo § unico do artigo 1.° da citada lei de 1889, mas isso, que aliás foi um erro, não significa autorização para dar á administração do Hospital de S. José 154:866$179 réis, sem mais explicações nem detalhes.
Tudo isto mostra, Sr. Presidente, a falta de criterio e sobretudo de escrupulo que tem presidido á administração publica em que os dinheiros adquiridos com os fins mais sagrados são desviados e dissipados.
Quanto a mim, porem ainda devem existir em cofre, ao menos, 300 contos de réis produzidos pela lei de 4 de julho de 1889. Onde param elles? E os juros, que teem vencido? Ignora-se.
Ora é preciso que nos entendamos.
O país não quer ser lubibriado mais tempo, e eu, que sou, aqui, seu representante, hei de defender até á ultima os seus direitos.
O Sr. Ministro do Reino tem que vir responder sem ambiguidades e claramente ás seguintes perguntas:
1.ª Tem a lei de 4 de julho de 1898 sido cumprida?
2.ª Quanto em virtude d'ella se tem arrecadado?
3.ª Gastou-se do dinheiro arrecadado alguma quantia?
4.ª No caso affirmativo, em que e com que autorização?
5.ª Quanto existe em cofre e onde para esse quantitativo?
Só depois de ter resposta a estas perguntas poderei dizer o que entendo se deve fazer de futuro, relativamente á assistencia aos alienados.
Não basta ter hospitaes e asylos. É preciso possui-los em boas condições, de maneira que satisfaçam ás exigencias da sciencia moderna. É indispensavel alargar os meios de combate contra a alienação mental.
As colonias de familia, as colonias-officinas, as granjas de alienados, etc., são outros, tantos meios de tratamento de loucura.
O isolamento é uma necessidade na therapeutica dessa doença. Mas isolamento não quer dizer sempre sequestração numa cellula ou mesmo num edificio. Quer dizer li-