APPENDICE Á SESSÃO N.° 74 DE 21 DE AGOSTO DE 1908 11
Discurso proferido pelo Sr. Deputado Conde de Arrochella, que devia ler-se a pag. 4 da sessão n.° 74 de 21 de agosto de 1908
O Sr. Conde de Arrochella: - Sr. Presidente desde já declaro que pedi a palavra unicamente para fazer algumas considerações sobre o orçamento e mandar algumas emendas para a mesa.
Não tenho duvida em assim proceder porque a proposta é hoje da absoluta responsabilidade da commissão, que deu ao orçamento uma feição nova entre nós, e declara no relatorio desejar a collaboração de todos; e portanto as considerações que vou fazer e emendas que tenciono apresentar não significam hostilidade ao Governo, que continuo apoiando.
Antes de entrar propriamente no assunto direi que concordo com muitas das considerações que fez o illustre par lamentar que me precedeu-o Sr. Dr. Queiroz Velloso. Não offerece duvida que a instrucção secundaria e prima na carecem de reformas profundas que possam não igualar-nos, mas ao menos aproximar-nos das outras nações, a Allemanha, a França, etc., e espero que o Governo no proximo anno apresentará propostas nesse sentido.
S. Exa. acha os professores do lyceu mal pagos e que teem muitas horas de serviço, e a mim parece-me que os seus vencimentos não são pequenos comparados com os dos outros empregados do Estado; e que se alguns professores são mal remunerados são certamente os das es colas superiores, que tendo de ensinar materias muito mais difficeis, complexas e de maior responsabilidade não recebem o bastante para viver, tendo sempre de recorrer a outras occupações, o que lhes torna a vida muito penosa por terem de estudar para as aulas e com a maior parte do dia tomado nos outros mesteres.
O mau resultado do ensino não provem do excesso de trabalho do professor, mas sim do grande numero de feriados, que lhe não permitte cumprir os programmas, vendo-se obrigados, em prejuizo dos alumnos e mais trabalho seu. a dar lições maiores, que áquelles não aproveitam.
Feitas estas ligeiras considerações vou passar propriamente ao assunto..
Os artigos 1.° e 5.°, que tornam fixas as taxas da lei de 1892, de salvação publica, convinha que fossem redigidos de forma que a aggravante que esta lei produziu não fosse considerada permanente.
Até hoje estas disposições da lei de 1892 eram renovadas todos os annos e na esperança de que algum anno viria em que as melhores condições do Thesouro permittissem não continuar a vigorar.
Pela forma como estão redigidos estes dois artigos vamos transformar uma medida de salvação publica, portanto temporaria, em disposição permanente, o que não me parece logico debaixo de nenhum ponto de vista. Talvez o mesmo prejudicial para o nosso credito porque equivale a declarar que perdemos a esperança de conseguir melhorar a nossa situação financeira.
No artigo 2.° estabelece-se a maneira da cobrança da contribuição predial, mas como é sabido, nos estamos num regime de transição do systema de contribuição de repartição para o systema por quotas.
Com o systema de repartição succedia geralmente que todas as propriedades estavam avaliadas muito por baixo do seu valor, havendo grandes desigualdades nas avaliações, e portanto a contribuição predial não era geralmente muito exagerada; mas agora com uma quota de 10 por cento para o Estado, 3 por cento para o districto, podendo elevar, até 75 .por cento para o municipio, e ainda com os sellos, chegamos a percentagens de mais de 20 e 21 por cento, o que é enorme.
Chamo portanto a attenção da Camara para este ponto, parecendo-me necessario alterar o Codigo Administrativo na parte que diz respeito ás contribuições.
No artigo 3.° proponho que se supprima a primeira parte por inutil. Com effeito não é necessario dizer-se que se não deve exceder a verba inscrita no orçamento, isso é uma norma que é de lei; não é necessario especificar para este caso em especial.
No artigo 10.° define-se qual o fundo especial de instrucção primaria; ora na verdade não ha razão nenhuma que justifique a existencia deste fundo, do momento que é o Estado quem paga todas as despesas e hoje este serviço ser igual a qualquer conta do Estado.
Agora o dinheiro que constitue este fundo especial de instrucção primaria é depositado na Caixa Geral de Depositos, que por ordem da contabilidade paga os respectivos cheques, mas como o dinheiro depositado não chega e o, o Estado quem paga o que falta, para que haver esta distincção de fundo, que só serve para dar logar a um duplicado de escrituração, complicando-a.
Proponho pois que se supprima e que seja encorporada nas receitas do Estado.
Vamos agora tratar do artigo 11.°
Na verdade o artigo 11.° estabelece uma boa doutrina, mas é um exagero de uma boa ideia. É bom que na lei de receita e despesa não sejam inseridas disposições que muitas vezes alteram serviços completos, mas a lei de receita e despesa pode ás vezes convir para uma pequena e simples modificação dessas para que não vale a pena um projecto de lei com as suas demoras e que não vae alterar profundamente nenhum serviço.
Vamos agora ao § 1.° do mesmo artigo. Este paragrapho se for interpretado com todo o rigor, como se interpretam leis, não tem grande alcance nem perigos, pode-se mesmo dizer que o alcance é quasi nullo, porque medidas annuaes sem as quaes seja impossivel realizar a gestão financeira do orçamento são raras.
Tomemos agora o § 1.° numa accepção mais lata.
Neste caso o § 1.° com as suas restrições é inutil, porque por mais pequena que seja a latitude dada ás medidas annuaes para a gestão financeira do orçamento permitte-se tudo porque ha sempre maneira de encarar qualquer medida para um lado financeiro e poder-se-hia portanto á sombra d'esse introduzir outras disposições. De mais este artigo é ou inefficaz ou inconstitucional. Com effeito na nossa legislação só a Carta Constitucional é que goza do privilegio de não poder ser alterada por qualquer lei; necessita de Cortes investidas de poderes especiaes para levar a effeito qualquer alteração ou modificação da Carta, todas as outras leis são susceptiveis de ser revogadas por outras leis ordinarias, portanto o artigo 11.° pode ser revogado por outra lei de receita e despesa.
Basta inserir alguma disposição mais ou menos clara no orçamento, para desapparecer este artigo, que se torna inutil. Supponhamos agora que este artigo 11.°, passa a gozar de privilegios especiaes e que não pode ser revogado por qualquer simples disposição legislativa, temos o seguinte facto curioso que é de criarmos uma classe de leis intermedias, inda não existentes na legislação portuguesa, que serão