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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

74.ª SESSÃO

(NOCTURNA)

EM 21 DE AGOSTO DE 1908

SUMMARIO. - Entra em discussão o capitulo IV do orçamento. - O Sr. Alberto Navarro apresenta um additamento ao artigo 95.°, que é approvado. - Usa da palavra o Sr. Queiroz Velloso -O Sr. Rodrigues Nogueira manda para a mesa emendas ao projecto n.° 25, que são enviadas á commissão. - O Sr. Ernesto de Vilhena pede e a Camara autoriza a reunião da commissão do ultramar durante a sessão. - Usam ainda da palavra os Srs. Conde de Arrochella e Antonio José de Almeida. - O Sr. Ernesto de Vilhena propõe e a Camara approva, que sejam aggregados mais Srs. Deputados á commissão do ultramar. - O Sr. Ascensão Guimarães pede para ficar com a palavra reservada, o que lhe é concedido.

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Presidencia do Exmo. Sr. Alfredo Pereira

Secretarios - os Exmos. Srs.:

Amandio Eduardo da Motta Veiga
João Pereira de Magalhães

Chamada: - Ás 8 horas e 3 quartos da noite.

Abertura da sessão: - Ás 9 horas.

Presentes: - 53 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel de Mattos Abreu, Abel Pereira de Andrade, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Pinheiro Torres, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Nogueira, Christiano José de Senna Barcellos, Diogo Domingues Peres, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Jardim de Vilhena, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Cabral Metello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Duarte de Menezes, João Feliciano Marques Pereira, João Henrique Ulrich, João Ignacio de Araujo Lima, João Pereira de Magalhães, João Soares Branco, João de Sousa Calvet de Magalhães, João de Sousa Tavares, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Mattoso da Camara, Jorge Vieira, José de Ascensão Guimarães, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Matta, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Julio Vieira Ramos, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria de Queiroz Velloso, José Mathias Nunes, José Ribeiro da Cunha, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel de Brito Camacho, Mariano José da Silva Prezado, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodrigo Affonso Pequito e Thomás de Aquino de Almeida Garrett.

Entraram durante a sessão os Srs.: Alvaro Rodrigues Valdez Penalva, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio José de Almeida, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Carlos Augusto Ferreira, Conde da Arrochella, Conde de Azevedo, Conde de Mangualde, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Emygdio Lino da Silva Junior, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, Henrique de Mello Archer da Silva, João José Sinel de Cordes, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, José Augusto Moreira de Almeida, José Coelho da Motta Prego, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim da Silva Amado, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Paulo Monteiro Cancella, José dos Santos Pereira Jardim, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luia Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Nunes da Silva, Manuel Telles de Vasconcellos, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Roberto da Cunha Baptista, Visconde de Coruche e Visconde de Olivã.

Não compareceram a sessão os Srs.: Abilio Augusto de Madureira Beça, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Affonso Augusto da Costa, Alexandre Braga, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur da Costa Sonsa Pinto Basto, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Reboredo Sampaio e Mello, Eduardo Burnay, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Xavier Correia Mendes, João Carlos de Mello Barreto, João Correia Botelho Castello Branco, João Joaquim Isidro dos Reis, João José da Silva Ferreira Neto, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim Pedro Martins, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Antonio da Rocha Lousa, José Caetano Rebello, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Malheiro Reymão, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Osorio da Gama e Castro, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis Filippe de Castro (D.), Luis da Gama, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Manuel de Sousa Avides, Maria Augusto de Miranda Monteiro, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça, Visconde de Reguengo (Jorge), Visconde da Torre e Visconde de Villa Moura.

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SESSÃO NOCTURNA N.° 74 DE 21 DE AGOSTO DE 1908 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 9 horas da tarde

Acta - Approvada.

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 25 (Orçamento Geral do Estado)

Lêem-se na mesa e entram em discussão os seguintes artigos do projecto:

CAPITULO IV

Ministerio dos Negocios da Justiça

a) Juizes e delegados addidos, no quadro, aggregados ou em commissão

Art. 90.° Os juizes de 1.ª instancia addidos á magistratura judicial podem ser collocados nas comarcas de que o respectivo juiz proprietario estiver ausente por impedimento legal, ficando inamoviveis, nos termos da lei, emquanto durar o impedimento do proprietario.

§ unico. Esta disposição é applicavel aos delegados do procurador regio, nas referidas circunstancias, excepto quanto á inamovibilidade.

Art. 91.° Os juizes collocados no quadro, sem exercicio mas com vencimento, quando tenha cessado a causa d'essa situação, os juizes addidos ou aggregados e os juizes em commissão, que por ella não sejam retribuidos, entram na effectividade de serviço pela ordem da respectiva antiguidade, e um por cada duas vacaturas que occorrerem e que corresponderem á sua categoria.

Art. 92.° Os magistrados do ministerio publico, nas situações indicadas no artigo antecedente, entram na effectividade do serviço nas vacaturas que houver, e segundo a ordem da respectiva antiguidade.

Art. 93.° Nos meses de janeiro e julho de cada anno proceder-se-ha a exame medico dos magistrados judiciaes e do ministerio publico que hajam sido collocados no quadro por motivo de doença.

Art. 94.° Ficam expressamente prohibidas quaesquer nomeações ou promoções em vacaturas que devam ser preenchidas, nos termos dos artigos 91.° e 92.° d'este decreto.

b) Congruas

Art. 90.° Ao actual Patriarcha resignatario, Cardeal D. José Neto, é fixada a côngrua de 3:000$000

Ao Bispo de Martinopolis coadjutor e futuro successor do Bispo de Viseu, D. Antonio Alves Ferreira, é fixada a congrua de .... 1:800$000

§ unico. A congrua do Cardeal Patriarcha, D. José Neto, deve ser paga desde a publicação do decreto de 7 de novembro de 1907; e a do coadjutor e futuro successor do Bispo de Viseu, D. Antonio Alves Ferreira, desde 1 de fevereiro de 1908.

CAPITULO V

Ministerio dos Negocios da Guerra

a) Creditos especiais por conta do fundo de remissões

Art. 96.° Todos os creditos especiaes abertos no Ministerio da Fazenda a favor do da Guerra, por conta do fundo de remissão do serviço do exercito, para pagamento dos encargos do empréstimo de 4.500:000$000 réis, para armamento, só produzem effeito, nas contas publicas, para a inscrição das respectivas importancias em receita.

b) Fundo permanente de defesa nacional

Art. 97.° São suspensas as disposições ainda não executadas dos n.ºs 1.° a 12.° do artigo 2.° do decreto n.° 7, com força de lei, de 10 de fevereiro de 1890,
relativo ao fundo permanente de defesa nacional.

O Sr. Alberto Navarro: - Tenho a honra de mandar para a mesa, de acordo com o Governo, o seguinte

A aditamento

Proponho que se addite ao artigo 95.° o seguinte artigo, sob epigraphe "recursos de decisões judiciaes":

"É declarado nullo o decreto ditatorial de 11 de julho de 1907, que estabeleceu recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões judiciaes de primeira instancia que negarem forca legal aos decretos do poder executivo, ficando em vigor a legislação anterior a esse decreto", = O Deputado, Alberto Navarro.

Foi enviado á commissão.

Sr. Presidente, o decreto que tenho a honra de propor que fique declarado nullo e desappareca assim das paginas da nossa legislação é aquelie decreto da ditadura que invertendo todos os principios de organização judiciaria e calcando todas as formulas, arrancou aos cidadãos as garantias que a Carta lhes conferia, ordenando que das decisões dos juizes de primeira instancia se interposesse desde logo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com preterição das Relações do continente do reino.

Pode parecer que não é esta a occasião opportuna para fazer esta proposta, mas é tão evidente a necessidade de fazer desapparecsr da nossa legislação esse diploma, é tão necessario o restabelecimento da legislação antiga, que o Sr. Ministro da Justiça desejou aproveitar a primeira, opportunidade que lhe appareceu para declarar nullo tal decreto. É por isso que eu tenho a honra de mandar para. a mesa esta proposta e espero que, mesmo sem necessidade d'ella ir á commissão, ficando em discussão juntamente com o projecto, a Camara, numa completa unanimidade, a approvará. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Queiroz Velloso: - Pediu a palavra para tratar de um dos mais importantes assuntos que hoje se debatem em todos os países civilizados: os assuntos de instrucção.

A Allemanha e o Japão teem-se levantado á custa da instrucção e podem hoje, nesta materia, dar lições a todo o mundo. A instrucção deve pois ser considerada como uma fonte de progresso e de civilização e, portanto, tratada como merece.
Infelizmente, comparando o nosso orçamento de instrucção com o de outros países mais pequenos e de menor população, vê-se que é ridiculo; quando se querem fazer economias é sempre as despesas com a instrucção que se reduzem, como fez a commissão de fazenda; e a propria commissão da orçamento apenas teve em mim fazer reducção de despesa, sem se importar se isso ia ferir as condições hygienicas e pedagogicas, como provo, comparando o decreto de 29 de agosto de 1905 com o actual projecto da commissão; na emenda apresentada hontem ao artigo 80.°, a commissão destruiu tudo o que tinha feito até ahi, e o § unico d'essa emenda está em contradição com a emenda ao artigo.

O numero maximo de alumnos fixados nessa emenda ainda não satisfaz as condições hygienicas e pedagogicas.

O § unico não se pode pôr em pratica no nosso país, porque os edificios não são feitos de proposito, nem as salas são sufficientemente vastas para conter o numero de alumnos fixado na emenda. Se ella for approvada, as despesas não são inferiores a 200 contos de réis. A proposito lê um documento em que estão mencionadas as dimensões

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das salas dos lyceus de Lisboa, excepto das do Lyceu do Carmo.

Por aqui se vê que a commissão não estudou a area d'esses lyceus, pois, se a tivesse estudado, teria visto que a sua emenda não estava em acordo com a sua orientação geral de reducção de despesa.

Portanto, emquanto não estiverem prontos os lyceus em construcção, peço á commissão que retire a sua emenda. O melhor, porem, seria voltar-se ao systema antigo, que é de todos o melhor.

Trata do aumento de numero de horas de trabalho. O decreto de 1905 estabelecia 12 horas para numero maximo de horas de trabalho por semana, pagando-se a mais as horas de excesso. A commissão, aumentando esse numero para 14 horas, provocará um aumento de despesa maior do que havia pelo regime anterior, embora fossem pagas em separado as horas de excesso.

A commissão funda-se para isto no que se faz em França; porem em França hoje faz-se o contrario, como o orador prova com documentos. Lá protegera-se os professores e protege-se o ensino; o orador cita os vencimentos dos professores franceses, mostrando a exiguidade dos vencimentos dos professores portugueses.

Pede á commissão que não conserve esta disposição, porque ella vae prejudicar os interesses dos professores.

Alem d'isso, não haveria tanta despesa se os quadros dos professores effectivos estivessem completos, pois, presentemente, ha nelles vinte e cinco vagas.

Lê em seguida uma estatistica do numero de alumnos matriculados nos lyceus, e vê que de 1900 a 1907 aumentaram de 3:596 a 7:437, isto é, 106 por cento. É a este aumento que é devido o acrescimo collossal de dês pesas, concluindo-se alem d'isso, d'estes numeros, que o Estado tem o dever de dar toda a attenção a um ensino onde se matriculam 7:500 crianças.

Não é cortando verbas, aumentando o numero de alumnos nas aulas, nem aumentando as horas de trabalho dos professores, que o Governo cumpre o seu dever.

Nos outros países dá-se uma importancia extraordinaria a assuntos de instrucção; na Allemanha, uma commissão nomeada em 1900 para estudar estes assuntos ainda não apresentou o seu relatorio e, no entanto, ainda ninguem lhe pediu contas.

Pede a todos os Governos que não resolvam estes assuntos no ar e que entreguem o seu estudo a commissões de profissionaes e que se façam inqueritos para que se estudem as condições ethnicas da nossa raça, para a ellas se adaptar o ensino.

Os programmas precisam de uma reforma radical; o de philosophia, que é destinado a crianças de dezaseis annos, não pode comprehender o problema philosophico, sociologico e anthropologico, como actualmente comprehende. Os programmas devem conjugar-se intimamente, de maneira que o ensino seja feito com o menor trabalho possivel para os alnmnos.

Apoia em seguida uma representação dos pães dos alumnos, em que se pede a reducção do preço dos livros; effectivamente o Governo eove fixar o preço dos livros, não permttindo que haja especulações.

O Sr. Presidente: - Aviso o orador de que fala ha uma hora, tendo mais um quarto de hora para terminar o seu discurso.

O Orador: - Tambem nessa representação se pede a construcção de lyceus.

Realmente em Portugal não ha edificios nem bens que justifiquem uma divida publica tão elevada que consome 48,6 por cento das receitas publicas. Sobre a reclamação a respeito da reforma da Escola Normal Superior, entende elle, orador, que sé deve proceder a uma reforma completa, de maneira que ella seja transformada numa verdadeira faculdade de letras e que os professores que de lá saem não sejam nomeados logo effectivos.

Trata, a seguir, da Instrucção primaria ; sabe que o Governo já pensou na situação dos professores primarios; realmente assim deve ser, porque a renda das casas, os subsidios, as gratificações por exames e os premios são pagos com muito atraso.

Termina, pedindo á commissão que reconsidere e que, em vez do artigo 80.° do projecto, ponha em vigor as disposições do decreto de 1905.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Pedi a palavra para, de acordo com o Governo, mandar para a mesa a seguinte a emenda:

Proposta de emenda

Projecto n.° 25.

Proponho as seguintes emendas:

1.ª Ao artigo 43.°. - Em vez de "os empregados" por "os actuaes empregados"; e em vez de "são dispensados" por a serão dispensados"

2.ª Ao § unico do artigo 43.° - Acrescentar entre as palavras "artigo" e "quando" o seguinte: "e o artigo 46;° do decreto de 29 de junho de 1907" ; e supprimir as palavras "da natureza d'aquelles".

3.ª Ao artigo 111 ,° - Acrescentar, depois das palavras "artigo 43.° desta lei", o seguinte: "e seu § unico".

Proponho mais que se acrescentem os seguintes artigos:

"Artigo ... Para coadjuvar o serviço da Inspecção Geral dos Telegraphos e Industrias Electricas poderá ser nomeado um engenheiro ajudante, sendo, neste caso, diminuido no pessoal do quadro auxiliar de obras publicas, que presta serviço nesta inspecção, um logar de conductor e um de desenhador".

"Artigo ... É o Governo autorizado a conceder em concurso publico um subsidio, cuja importancia não exceda a quantia de 2 contos de réis, a uma empresa que estabeleça um serviço regular de transportes, por meio de barcos automotores, entre Bestida e Ferreira, concelho de Estarreja.

§ unico. As despesas que resultarem da applicação d'este artigo, durante o actual anno economico, serão satisfeitas por parte da verba inscrita no artigo 24.° do orçamento da despesa do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria. = A. R. Nogueira.

Foram enviadas á commissão.

O Sr. Ernesto de Vilhena (por parte da commissão do ultramar): - Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que a commissão do ultramar reuna durante a sessão.

Foi autorizado.

O Sr. Conde de Arrochella: - Não estava rado para responder ao Sr. Queiroz Velloso e, por isso, apenas fará breves considerações sobre o seu discurso. Dirá apenas que, se o ordenado dos professores deve ser aumentado, se deverá começar por aumentar o vencimento dos das escolas superiores, que, pela exiguidade da retribuição, se vêem obrigados a exercer outros legares e a darem aulas a horas pouco commodas, prejudicando o ensino. A causa dos programmas não serem cumpridos é principalmente o grande numero de feriados que ha durante o anno.
Pelo menos, durante o seu curso houve bastantes feriados.

Passa em seguida a justificar emendas ao projecto, que envia para a mesa. São as seguintes:

Propostas de emenda

Artigos 1.° e 5.° - Proponho que os artigos 1.° e 5.° se redijam de forma que o aggravamento da lei de 1892 não seja considerado permanente.

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Artigo 3.° - Proponho que se supprima a primeira parte do artigo 3.° por inutil.

Artigo 10.° - Proponho que se supprima o fundo de instrucção primaria e que se encorporem as respectivas receitas nas do Estado.

Artigo 11.° - Proponho que no artigo 11.° se substitua a palavra "descreve" por "fisco".

Artigo 42.° - Supprima-se.

Artigo 43.°, § unico - Substituir a palavra "idoneo" por "em igualdade de circunstancias".

Artigo 64.° - Supprima se.

Artigo 84.° - Supprima-se o n.° 3.°

Conde de Arrochella.

Foram enviadas á commissão.

(O discurso será publicado na integra, quando o orador restituir as notas tachygraphicas),

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Antonio José de Almeida.

(Estabelece se sussurro nas galerias).

O Sr. Presidente: - Advirto as galerias de que se não podem manifestar. (Apoiados). Previno-as assim, para não ter que proceder nos termos do regimento. (Apoiados).

O Sr. Antonio José de Almeida: - Sr. Presidente: a questão da alienados envolve dois aspectos diversos: o de humanitarismo e o de defesa social.

É uma cousa indigna deixar andar os doidos pelas ruas, divertindo a boçalidade que passa, como se agitassem os guizos do jogral, e é uma cousa deshumana deixá-los sofrer no fundo das prisões, espancados e algemados.

Mas tambem é uma cousa perigosa deixá-los ao abandono, na pratica tremenda da suggestão da sua doença, na execução tragica dos seus designios malfazejos e no exercicio pathologico das suas funcções reproductoras.

Crimes pavorosos, suicidios inesperados, attentados cruéis, tantas vezes desconhecidos, que se passam no seio das familias - tal é a consequencia da falta de resguardo e policia social em referencia a esses morbidos productos humanos, que desarranjam a dynamica das sociedades em que vivem.

É consequencia mais grave ainda, porque ella não se limita a um momento determinado em que se exerça, mas continua, na serie implacavel, a sua acção perturbadora, é á procreação dos alienados, fazendo, na expansão liberrima das leis physiologicas, uma larga sementeira de loucos e degenerados, que, salpicando a massa humana de que são rebentos doentios, a deterioram e pervertem.

Pois é isso mesmo o que se vê em Portugal.

Nenhum, país com pretensões a civilizado se encontra tão atrasado como o nosso em relação a este assunto de gravidade excepcional.

Só tarde começamos a considerar os pobres loucos dignos de assistencia e piedade.

Só tarde, seguindo na esteira das outras nações, os consideramos, através do seu desarranjo, como continuando a fazer parte da humanidade.

Mas essa concepção theorica é um sentimento esteril, porque, na pratica, somos uns desleixados cruéis, que para com os alienados temos o desprezo sinistro ou a repulsão barbara, ao lado dos quaes chegava a ser humana a aniquilação pela morte, que, nas trevas da idade media catholica, se empregava como uma sentença de Deus.

Vejamos a questão nos seus detalhes; apresentemos numeros, façamos estatisticas e, banindo frases, deixemos os factos na eloquencia descarnada da sua significação.

O que se tem praticado em Portugal, neste capitulo da beneficencia publica, é um crime repugnante de cuja nodoa jamais poderão limpar-se os seus malévolos causadores.

Nem os pobres doidos escaparam ao tributo que a todas as classes violentamente foi arrancado para custear o deboche governativo, que fez dos adeantamentos o seu capitulo mais repugnante.

E os homens maus e sem escrupulos, que, em largos annos de orgia, inventaram processos inauditos para sugar o dinheiro do contribuinte em beneficios da oligarchia dominante, não esqueceram o cofre dos alienados e de lá foram tirando tudo até o deixar exhausto, embora esses desgraçados, cobertos de desprezo e tantas vezes victimas da barbaridade, vagueiem pelas praças como doentes ou agonizem nas enxovias como bandidos!...

Ha dois annos houve em Milão um congresso de assistencia aos alienados, em que o problema attingiu alturas notaveis.

Quasi todos os países da Europa se fizeram representar e trezentos homens da especialidade discutiram e aprofundaram questões pendentes com nobre e sincera competencia.

Mal os trabalhos começaram, o dr. Franck, suisso, num discurso eloquente, de vasta e soberba architectura, disse que era optimo fazer manicomios cada vez melhores, estimular alienistas e enfermeiros a estudarem crescentemente o ramo da sua especialidade, alargar, cada vez mais, as funcções das colonias e granjas de cura, etc.

Mas que pode - acrescentava - fazer-se cousa mais completa e perfeita: atacar directamente as causas da loucura e travar a acção do mal, destruindo-o na sua origem.

É o talentoso alienista dissertou largamente sobre a hereditariedade, sobre o alcoolismo, sobre a syphilis, sobre todas as causas, emfim, que contribuem largamente para o povoamento dos nossos asylos "quer preparando as de generescencias futuras da raça, quer determinando no individuo uma ou outra forma de doenças mentaes".

E, num gesto de ampla solidariedade, o alienista frisou a vantagem de todos se porem de acordo para ferir batalha contra o inimigo commum, para o que propôs a criação de um instituto internacional com "o fim de estudar e combater as causas das doenças mentaes".

O congresso vibrou estimulado por esta ideia e logo um congressista suisso, Loubant, offereceu o seu castello de Lugano para sede do futuro instituto internacional e o congresso, approvando a proposta de Frank, nomeou uma commissão internacional que lhe desse execução, e procurasse previamente interessar na humanitaria empresa os Estados das diversas nações.

Compare-se este amor enthusiastico pelo bem da humanidade e pelo prestigio da sciencia com o abandono, o desleixo, o desprezo e o marasmo a que Portugal tem votado o assunto. Compare-se a solicitude com que os differentes Estados seguem de perto o estudo dos seus alienistas com a indifferença, nem sempre isenta de ironia, com que os Governos, em Portugal, attendem os rogos dos homens iltustres, como Julio de Mattos, Magalhães Lemos e Bombarda, que se não teem cançado de bradar em favor dos doidos, mas cuja voz, perdida no espaço, não encontrou ainda eco no peito duro; egoista e tacanho dos nossos governantes.

Compare-se a lição que d'ali se tira, que é eloquente. Entre a ideia de Frank, de uma concepção tão larga e generosa, e a indifferença alvar com que em Portugal se deixam andar a monte, victimas da troça ou da brutalidade dos transeuntes, quando não da propria autoridade, milhares de alienados; entro um e outro extremo, ha um espaço enorme, que só pode ser preenchido pela condemnação implacavel e severa dos exploradores do poder, que, para a paga dos seus caprichos e má intenção do seu predominio politico, defraudaram, cavilosamente, como adeante provarei, o dinheiro dos doidos.

Concretizemos, porem.

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Segundo o Sr. Dr. Magalhães Lemos, illustre e devotado alienista portuense, para uma população de 5.423:132 habitantes ha, com todas as probabilidades, em Portugal, 12:000 alienados, dos quaes apenas 1:460 estão hospitalizados.

Julio Gama, intelligente e activo secretario do Conde de Ferreira, é da mesma opinião. De maneira que Portugal, hospitalizando actualmente um alienado por 5:000 habitantes, 99 por cento proximamente dos loucos existentes andam em plena liberdade, causando todo o mal que d'ahi, por varias razões e vias diversas, resulta.

Tomemos um ponto de reparo.

A Allemanha, por exemplo, hospitalizava, em 1890, um alienado por 1:000 habitantes, ou seja cinco vezes mais do que nos. Actualmente, a desproporção é muito maior, porque a Allemanha tem progredido constantemente na sua assistencia aos alienados.

Em Portugal temos quatro estabelecimentos consagrados aos alienados.

Dois são importantes: o hospital do Conde de Ferreira, no Porto, e o hospital de Rilhafolles, em Lisboa. Dois são pequenos: um para homens, no Telha, e outro para mulheres, em Bellas (Idanha).

Ha ainda um outro instituto para alienados no Funchal: o manicomio Camara Pestana. Mas este é apenas um ensaio; por emquanto; só com difficuldade comporta vinte e dois doentes.

Não valerá a pena falar de casas particulares. Ha apenas duas em Portugal que recebem alienados com regularidade: uma no Porto e outra em Lisboa. Ambas comportam uma media de vinte doentes.

Reparemos agora na distribuição da população enferma por estes manicomios (numeros redondos):

Rilhafolles .... 748
Conde de Ferreira .... 530
Telhai .... 84
Idanha (Bellas).... 76
Funchal (Camara Pestana).... 22
Somma .... 1:460

Tomemos novo ponto de reparo.

A Allemanha possuia em 1890, para uma população de 40.855:704 habitantes, 122 asylos publicos de alienados, com 43:251 doentes e 370 medicos. Era de 7 a numero de estabelecimentos consagrados aos idiotas, de 19 o dos asylos e colonias para epilepticos, entre os quaes alguns verdadeiramente modelos, como o de Brielefeld. As colonias de alcoolismo eram 8. Nos estabelecimentos penitenciarios havia 3 pavilhões reservados para os presos que enlouquecessem.

O ensino das doenças mentaes era, á data, assegurado, nas 19 universidades allemães, por outras tantas cadeiras de psychiatria, 13 sociedades de patronato soccorriam os alienados curados, á sua saída dos manicomios. Muitas escolas especiaes ensinavam enfermeiros de ambos os sexos. Existiam 6 revistas especiaes de doenças mentaes e 10 sociedades de psychiatria.

Era uma cousa bellã e grande essa obra de sciencia e de humanidade que a Allemanha exercia em favor dos alienados. Apesar de tudo, a grande nação não descansou, e, avançando sempre, foi progredindo constantemente.

Em 1898, a população tinha subido de 40.655:704 a 52:279:901 habitantes e logo o numero de asylos ascendera de 122 a 142, o numero de hospitalizados de 43:251 a 55:877, o numero de médicos desses manicomios de 370 a 559.

Isto pelo que respeita a asylos publicos.

Observando agora os particulares, vemos que em 1898 a Allemanha estava tambem muito sufficientemente servida, não podendo eu fazer a comparação com o anno de 1890, por não ter dados referentes a esse anno.

Em 1898, pois, havia na Allemanha 120 estabelecimentos particulares para a hospitalização de alienados, com 18:210 doentes e 182 médicos.

Ou seja ao todo, para o anno de 1898 : 262 estabelecimentos, 74:087 doentes (41:841 homens e 32:248 mulheres, e 741 medicos.

Em 1898, finalmente, na Allemanha havia para 100:000 habitantes 154 doentes hospitalizados em estabelecimentos publicos e particulares, com um medico para 105 doentes.

Ora, fazendo a comparação de Portugal de 1908 com a Allemanha de 1898, que é legitimo porque o numero de doidos, segundo dizem os competentes, deve andar na mesma proporção nos dois países - nos com os 5 milhões de habitantes, numeros redondos, deviamos hospitalizar 7:700 doentes. Hospitalizamos apenas 1:460.

Emquanto a Allemanha, ha 10 annos, hospitalizava 154 alienados por 100:000 habitantes, nos hoje, hospitalizamos 29 por 100:000. Mais ainda.

Emquanto na Allemanha os estabelecimentos particulares hospitalizam menos da quarta parte do total dos doidos internados, em Portugal esses estabelecimentos internam e tratam metade, pouco mais ou menos!... Porque é de notar que o Conde de Ferreira, embora exercendo funcções de hospital publico, é pela sua origem e administração um estabelecimento particular.

Mas não é tudo.

Se ao menos os 5 estabelecimentos que ha em Portugal prestassem sempre verdadeiros e autenticos serviços, ainda o mal não seria tão pavoroso. Mas qual!
Tanto Rilhafolles como o Conde de Ferreira teern muitos dos seus compartimentos occupados por incuraveis epilepticos, idiotas, dementes inoffensivos, loucos criminosos, etc., gente, emfim, com a qual a therapeutica nada tem que ver e que estão occupando o Jogar d'aquelles que, cá por fora, uivando pelos campos ou enjaulados nas cadeias de provincia como feras, cobertos de ferros, eram susceptiveis de cura. O Telhai e a Idanha são mais asylos do que outra cousa. De maneira que podemos sem receio de errar, chegar a esta conclusão tragica: os doidos hospitalizados são pouquissimos é não ha, porque o não pode haver, visto a mingua de manicomios, criterio scientifico, humano e socialmente proveitoso na escolha dos alienados que são internados.

O talentoso hygienista portuense Dr. Magalhães Lemos diz, numa das suas communicações, que ha doentes que, apos o seu pedido de admissão para o hospital Conde Ferreira, teem esperado um, dois e mesmo tres annos!...

Isto é degradante e enxovalha um povo, cortando-lhe os direitos que porventura se attribua a ser um povo civilizado.

A psychiatria é uma das sciencias que mais dolorosa travessia tem feito na historia sob o açoite de mil preconceitos. Mas finalmente venceu, e, pela noticia que dê no principio do meu discurso, do congresso de Milão, se vê como ella é hoje uma sciencia alta, batendo com o seu nobre esplendor uma multidão de problemas. Ella está esclarecendo duvidas que pareciam insoluveis e marcando no destino das sociedades, roteiros que pareciam intransmissiveis!

Nestes tempos de agitada intellectualidade e tão desencontradas emoções, é á hygiene psychiatrica que os povos vão buscar uma cuidadosa interferencia, que estabeleça a ponderação nos factores desequilibrados da mentalidade do nosso tempo.

Mas para chegar a este ponto, que aliás não é ainda a ultima etape, que atormentada viagem pelo tempo fora, sob perseguições, sob doestos, sob erradas theorias e desleaes controversias, sob o desprezo, o abandono, o desleixo das gentes ignaras, malévolas, estupidas ou banaes.

O tratamento da loucura no Egypto antigo era singu-

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larmente esclarecido e humano. Foi-o ainda na velha Grecia, tcão cheia de aspirações scientificas e tão dedicada ao culto da arte immortal. Hippocrates, medico e philosopho, nega para a loucura, como para as outras doenças, uma genese divina. A loucura, para elle, era já - maravilhosa intuição - uma doença de cerebro, como a pneumonia era uma moléstia dos pulmões. Hippocrates descobriu a insensibilidade physica dos alienados, a apparição mais frequente das doenças mentaes na primavera, a produção das perturbações cerebraes apos uma longa continuidade de pezares ou de receios, a união da melancolia e da epilepsia, a difficuldade de curar a loucura que se declara passados os quarenta annos, etc., etc. E já Hippocrates applicava tratamentos physicos e tratamentos moraes.

Estas ideias tão claras mergulharam, porem, na noite medieval, como nella mergulhou toda a cultura esthetica e intellectual na magnifica Grecia, da arte e da eloquencia. Esse periodo da meia idade, sepulcral e gelado, foi de facto o ergastulo dos doidos e a sciencia que os diagnosticava o tratava, acossada, quasi desapareceu deixando aos padres em delirio a cura pela destruição dos pobres alienados. A loucura então, como o determinavam as ideias da epoca, foi quasi exclusivamente religiosa. Os conventos foram um viveiro de hystericas debatendo-se nas convulsões do mysticismo, e os grandes fornecedores d'esses possessos, que os papas sanguinarios relaxavam, em nome de Deus, para a fogueira ou para a forca.

O alienado não se tratava. Se era inoffensivo, que vagueasse pelas das e pelos montes. Se era perigoso, possuido ao demonio, ia, coberto de cadeias, para o fundo das prisões ou, coberto de injurias, para os queimadeiros. Afora a morte pela fogueira ou pela forca, tal qual como hoje em Portugal...

Só no país de Treves, em alguns annos, foram supliciados 6:500 loucos.

A Igreja dava-se a meudo ao prazer destas bachanaes de sangue e uma escolatica vazia e subtil, um mysticismo metaphysico, absorvendo a attenção dos homens chamados da sciencia, não lhes deixava tempo para ver o que Hippocrates, acceitando por base unica da sciencia a observação e a experiencia, tinha visto com optima clareza.

Depois vem um pouco de acalmação neste deboche sanguinolento. Os doidos vão- escapando á morte. Tratados ainda como cães, já não são tão frequentemente assassinados. Já apparece Felix Plater, que deixa importantes trabalhos de pathologia mental, mas que acceita ainda a intervenção, na origem da loucura, dos espiritos diabolicos.

Já uma ou outra terra, como Elbing, recebia e hospitalizava alguns doidos. Em Hamburgo guardavam-se os alienados em um hospicio.

Era a reconsideração que começava.

Todo o seculo XVIII é atravessado por um sopro de humanidade relativa.

Os processos da contensão dos doidos são ainda brutaes, mas, emfim, elles são considerados doentes e não os expulsam da humanidade.

No hospital de Brunswick, em 1749,. finalmente, affixam-se instrucções pelas quaes se reconhece o que Hippocrates estava farto de saber, isto é, que pela medicina e outras medidas uteis se chegava a curar a loucura.

A epoca scientifica da assistencia aos alienados, porem, só começa no principio do seculo XIX com Langermann e Reil, que inauguraram o tratamento racional das doenças mentaes em asylos especiaes, pondo em relevo a importancia do tratamento moral e o valor therapeutico do trabalho para certas formas de loucura.

Essa epoca caminha lentamente por todo o seculo passado, assinalando-se pela reforma realizada em França por Pinei e em Inglaterra por Tuke, que supprimiram as cadeias dos alienados, pela criação de novos asylos apropriados ao seu fim e onde se podia fazer a especificação de certos tratamentos.

Finalmente, de ha trinta ou quarenta annos, graças aos progressos realizados em Inglaterra e França e ao impulso eommunicado ao estudo da psychiatria nas universidades allemãs e norte-americanas, a assistencia aos alienados soffre uma transformação importante, da qual neste momento está vivendo.

De facto, a concepção dos asylos de alienados foi-se modificando á medida que se iam impondo os systemas de opendoor e non restraint, á medida que se formavam mais nitidamente as exigencias do tratamento racional das doenças mentaes.

Muitas reformas foram feitas com a criação de pequenos hospitaes de tratamento e de varias colonias agricolas; a grande extensão dada ao tratamento em liberdade, á colonização, á assistencia familiar dos alienados; o abandono quasi completo de todos os meios de contensão dos alienados; a transformação das condições materiaes dos asylos; a reacção contra o isolamento cellular; a criação de estabelecimentos especiaes sobre a forma de colonias para os epileticos, alcoolicos, etc.

Assim seguiu a psychiatria na sua dolorosa ascensão para a verdade, por essa Europa culta alem.

Em Portugal, a despeito da direcção que lhe teem querido impellir alguns sabios alienistas, ella ficou nas alturas pouco mais que medievaes, em que a unica concessão feita aos doidos sobre a crueldade cntholica daquella época é... não os mandar para a fogueira.

Para rivalizar com essa Europa intellectual e psychiatrica, temos o Conde de Ferreira, feito por legado de um benemerito; Rilhafolles, velho edificio adaptado em 1848; o Telhai, Bellas e Camara Pestana, do Funchal, que são minusculos institutos particulares. Quer dizer: o Estado só nos deu Rilhafolles, que foi na origem um velho barracão que se affeiçoou ao mester de recolher doidos.

É pavoroso! O Estado em Portugal até os doidos roubou!

Mas tentou-se, ao menos, fazer alguma cousa?

Disse-se, ao menos., que alguma cousa se ia fazer, promettendo fazê-la?

Sim; mas faltou se ao compromisso, o que torna ainda mais repugnante o procedimento havido para com os pobres loucos.

Vejamos:

Em 4 de julho de 1889 foi promulgada uma lei, chamada lei de beneficencia publica aos alienados, obrigando o Governo a construir quatro manicomios (tres hospitaes e um asylo), e estabelecer enfermarias de alienados annexas ás penitenciarias centraes e a converter em asylo de incuraveis b hospital de Rilhafolles.

O mesmo decreto criou numerosas e abundantes fontes de receita para fazer face a estes encargos.

Esta lei, que tinha defeitos, mas apresentava tambem muitas vantagens e que, em todo o caso, foi uma tentativa pratica do systematização e, sobretudo, um movimento de piedade generoso e humano, é devida á iniciativa fecunda, vigorosa e altruista do fallecido psychiatra Antonio Maria de Senna.

Este benemotito professor, que tanto se interessou pela sorte dos loucos, lutou sem descanso até que conseguiu arrancar a forceps do ventre rebelde dos poderes publicos aquella lei, que iniciaria um novo periodo na evolução da assistencia aos alienados em Portugal, se porventura não tivesse sido criminosamente olvidada.

Ha cerca de vinte annos, Senna, no sou relatorio do serviço clinico e administrativo do Hospital Conde de Ferreira, referindo-se ao movimento de piedade que, desde os fins do seculo XVIII, se espalhara pela Europa e pela America, dizia que "entre os países cultos foi Portugal aquelle em que o movimento de misericordia e amor pelos loucos encontrou consciencias mais duras a amortecer-lhe a energia". Senna, de resto, não estranhava o facto,

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porque elle "tinha explicação psychologica na educação mortificante que nos tem dominado".

Senna, sem duvida, se referia á educação catholica e jesuitica, que, como um opio funesto, nos tem adormecido a consciencia numa hypnose secular. E, numa nota do seu relatorio, o illustre psychiatra fazia esta revelação impressionante: "Está recolhido neste hospital (Conde de Ferreira) um alienado que esteve provisoria e preventivamente onze annos numa cadeia, por deliberação exclusiva do administrador do concelho". E, comparando-nos com a Inglaterra, dizia que esta, ao tempo, hospitalizava 90:000 dos seus 100:000 alienados, emquanto Portugal com mais de 8.000 hospitalizava menos de 1:000.

Hoje estamos nas mesmas condições, sem excluir a cadeia e as algemas para os desgraçados loucos que perturbam pelas aldeias a tranquillidade dos caciques eleitoraes.

Antonio Maria de Senna era, porem, um grande espirito, cheio de energia e de fé, e, á força de trabalhar, conseguiu a lei de 1889 que não era a ultima palavra para a época, mas representava um grande, enorme progresso.

"Artigo 1.° O continente do reino e ilhas adjacentes é dividido, para os devidos effeitos do serviço dos alienados, em circulos, compostos de districtos administrativos.

§ unico. O primeiro circulo será constituido pelos districtos de Vianna do Castello, Braga, Bragança, Villa Real, Porto e Aveiro; o segundo pelos districtos de Coimbra, Viseu, Guarda, Castello Branco e Leiria; o terceiro pelos districtos de Santarem, Lisboa, Portalegre, Evora, Beja, Faro e Funchal, e o quarto pelos districtos de Horta, Angra do Heroismo e Ponta Delgada.

Art. 2.° E autorizado o Governo a construir e mobilar, nos limites da receita criada para esse fim, os seguintes estabelecimentos para alienados:

1.° Um hospital para 600 alienados dos dois sexos, em Lisboa, devendo ter condições especiaes para o ensino de clinica psychiatrica e duas enfermarias, uma para cada sexo, em condições adequadas para n'ellas se recolherem os alienados criminosos que tenham de ser sequestrados por ordem da autoridade publica;

2.° Outro, pelo mesmo modelo, para 300 alienados dos dois sexos, em Coimbra;

3.° Outro para 200 alienados dos dois sexos, na ilha de S. Miguel;

4.° Um asylo para 200 idiotas, epilepticos e doentes inoffensivos, dos dois sexos, no Porto ou nas suas proximidades, uma vez que se encontre perto desta cidade algum edificio que possa adaptar-se com facilidade para esse fim;

5.° Enfermarias annexas ás Penitenciarias Centraes, em condições proprias para nellas se tratarem alienados.

Art. 3.° E igualmente autorizado o Governo a converter, Ingo que as circunstancias o permitiam, o actual Hospital de Rilhafolles em asylo para 300 idiotas, epilépticos e dementes inoffensivos, dos dois sexos".

Como se conclne desta leitura, as providencias que se tomaram eram variadas e importantes. E se não bastassem, lá estava o artigo 6.° para preencher as falhas. que dizia assim:

"Artigo 6.° Quando os estabelecimentos criados pela presente lei forem insufficientes para hospitalizarem regularmente os alienados de cada circulo, é autorizado o Governo a subdividir o circulo em que se der esse facto, e a dotar cada sub-circulo com os estabelecimentos indispensaveis, devendo propor ás Cortes a criação da receita necessaria para esse fim, se não bastar a criada por esta lei".

As receitas tambem não faltariam, porque houve o cuidado de lhes destinar varias fontes que a lei claramente indicava.

Reparemos:

Art. 8.° É criado um fundo de beneficencia publica aos alienados, que será constituido por:

1.° Um imposto especial de sello, cuja importancia será respectivamente de 4$500, 15$00, 12$000 e 1$000 réis, sobre os documentos seguintes:

a) Breves aos diplomas de dispensa para casamentos entre consanguineos.

b) Diplomas de titulos nobiliachicos.

c) Licenças para casas de penhores.

d) Orçamentos de todas as irmandades e confrarias, e bem assim estatutos de todas as associações sujeitas á approvação do governo civil, não sendo comprehendidos n'esta disposição os orçamentos das misericordias e ainda os orçamentos annuaes inferiores a 50$000 réis de receita, das irmandades, confrarias, asylos e outros estabelecimentos desta natureza.

2.° Um imposto especial de sello igual ao estipulado nas verbas n.ºs 152 a 172 da tabella de 26 de novembro de 1885 e recaindo sobre os mesmos actos e documentos de que tratam as citadas verbas n.° 152 a 172.

3.° 50 por cento da parte do imposto do sello sobre lotarias estrangeiras que o thesouro arrecadar, alem do producto dessa receita no auno economico de 1887-1888, e bem assim metade do excesso do producto do mesmo imposto nas lotarias nacionaes sobre a arrecadação do dito imposto no anno de 1887-1888.

4.° Todos os valores apprehendidos, nos termos da legislação vigente, nas casas de jogos prohibidos.

5.° Metade dos bens dos conventos que se extinguirem depois da promulgação desta lei.

6.° Uma terça parte do producto do trabalho dos presos que, por lei vigente, pertença ao Estado.

§ 1.° Ficam isentos do imposto especial do sello os passaportes passados em favor de empregados do Estado, ou de operarios que sairera do país em desempenho de serviço, ou para se instruirem por conta do Estado.

§ 2.° A verba proveniente da disposição do n.° 5.° será empregada em titulos da divida publica, não amortizaveis, os quaes serão averbados para a beneficencia publica dos alienados.

E se esta receita não chegasse, o art. 10.° resolvia a dificuldade da seguinte maneira:

Art. 10.° No caso de serem insufficientes as receitas criadas por esta lei para manter os estabelecimentos de alienados, o Governo apresentará ás Cortes annualmente uma proposta indicando a verba com que devem contribuir os districtos de cada circulo para a manutenção dos seus hospitaes de alienados.

E para que não houvesse demoras na execução deste plano vasto e até certo ponto grandioso, a lei determinava:

Art. 9.° E o Governo autorizado a levantar por concurso até a quantia de 672:200$000 réis para construir e mobilar em Lisboa o hospital mencionado no n.° 1 do artigo 2.°, destinando para amortização em 50 annos e para o juro que não excederá a 5 por cento ao anno, das sommas levantadas, a parte que for necessaria das receitas criadas por esta lei.

Até hoje porem, o Estado, com uma immobilidade de esphinge, não teve um gesto para cumprir este decreto que foi approvado, publicado no Diario do Governo e satisfez ás mais formalidades para ter força de lei.

Quer dizer, o Estado tem apenas tido um gesto: o movimento regular, methodico, implacavel com que ha mettido no bolso o dinheiro auferido por aquellas receitas.

E não deve ser pouco. Os melhores calculos orçam a quantia total em somma superior a 450 contos de réis.

Só o imposto a que se refere o n.° 2.° do artigo 8.° e

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que incidia sobre os passaportes e bilhetes de residencia passados nos governos civis e sobre os salvo conductos, vistos nos passaportes e bilhetes de residencia passados nas administrações dos concelhos - só este imposto, que Vigorou até 1907, deve, segundo os melhores cálculos, ter produzido para cima de 25 contos de réis.

Mas ha mais.

O Estado, que apanha aquella receita, tratou de a devorar ou de a dar a comer á turba famélica, real ou plebeia, que lhes pedia adeantamentos illegaes, deixando perder todas as occasioes de com vantagens economicas a applicar para o fim a que tinha sido destinada.

Assim, a mesa da Santa Casa da Misericordia do Porto, numa representação dirigida ao Rei, em 14 de fevereiro de 1902, pedia ao Estado que lhe entregasse a quantia de 100 contos de réis, que devia ser o custo do asylo para 200 internados, a que refere o n.° 4.° do artigo 2.° da lei de 1889, dando ella para isso um vasto e hygienico terreno de que dispunha.

Se o Estado tivesse annuido a este honrado pedido, acceitando tão generosa offerta, as vantagens seriam enormes.

Não só pelos 100 contos de réis se podia fazer um edificio melhor do que em qualquer parte, porque, na vasta cerca que a Misericordia offerecia, havia uma pedreira e um pinhal, mas ainda o Estado lucrava immensamente, porque a cargo da Santa Casa ficava a administração e a sustentação dos 200 asylados.

Não falando, é claro, em que a Santa Casa, dirigindo a construccão, applicaria, bem melhor os 100 contos de réis do que o Estado o faria, porque, como é sabido, as obras que este dirige, feitas á barba longa, levam sempre rios de dinheiro.

O meu amigo, e nosso illustre collega nesta Camara, Sr. Adriano Anthero, que é um espirito brilhante e alevantado, já sobre o mesmo assunto, nesta Camara, fez considerações de valor. Não é preciso que eu me explane mais.

No entanto fique este ponto assente: a honrada Misericordia do Porto, cuja seriedade de processos tem por si uma antiga e solida reputação, fez este valioso offerecimento ao Estado, que o não quis acceitar.

Mas ao menos terá o Estado guardado com zelo e lisura o dinheiro arrecadado? Não se sabe, mas crê se que não. Depois de muito investigar e esquadrinhar apenas descobri cousas que são altamente irregulares. Quanto ao resto, porem nada apurei.

Demais, como o dinheiro não foi empregado nos edificios que foram determinados por lei, era de suppor que levasse caminho, por não ser crivei que, em epoca de adiantamentos, se conservasse em pé de meia.

O decreto de 22 de junho de 1898 determina que o Hospital de Riihafolles, sob a administração do Hospital de S. José e Annexos, seja considerado desde 1 de julho de 1892, para os effeitos do disposto no § unico do artigo 1.° da carta de lei de 4 de julho de 1889, como o estabelecimento instituido em Lisboa pela mesma lei para a hospitalização dos alienados dos districtos do sul do reino e do districto do Funchal.

Esta lei foi arrancada ao Parlamento, que a votou sem pensar no que fazia.

Sendo assim, é de crer que alguma da receita colhida pela lei de 1889 fosse applicada a Riihafolles. Mas de que forma?

Lá construiram-se uns annexos, é certo. Foram nada menos de tres. Mas dois, o velho e o de segurança, foram construidos antes da lei de 1898, pois o primeiro acabou-se em 1893 e o segundo em 1896.

Portanto, não podiam ser pagos ao abrigo da lei de 1898.

E não o foram, ao que me consta, como o não foi o annexo novo, que se concluiu em 1900, porque todos elles foram pagos pelas obras publicas.

Mas para onde foi o dinheiro?

Depois de muito trabalho consegui saber que para a administração do Hospital de S. José foram entre 1899 e 1905 154:866$189 réis, pois é esta a somma das verbas que n'aquelle periodo foram entregues aquella administração.

Mas a que titulo e com que, direito é que se desviou dos fins da lei de 1889 aquella verba? E porque Rilhafolles, dependente administrativamente do Hospital de S. José, beneficiou de toda aquella quantia, ou porque ella foi dividida pelos encargos geraes da administração dos hospitaes.

Que houve desvio, não ha duvida, resta saber de que tamanho elle foi.

Sairia do cofre dos alienados a verba, que não pode ser superior a 15 contos de réis, que se despendeu no annexo do Conde de Ferreira e que se destina á observação medico-legal? Creio que não. De resto, era o Governo quem tinha obrigação de o mandar construir porque o Conde de Ferreira não tinha onde receber os criminosos suspeitos de loucura que lhe são enviados pela Morgue do Porto. A construcção d'esta morgue implicava a construccão do annexo, por isso que o hospital, não sendo do Estado, mas da Misericordia do Porto, não podia ser constrangido a receber criminosos em observação, não tendo logar para elles.

De resto a situação é clara como agua. A lei de 4 de julho de 1889 criou uma certa receita para ter uma certa applicação. Não podia dar-se-lhe outra. Verdade seja que, em 22 de junho de 1898 vem uma lei determinando que o Hospital de Rilhafoles passa a ter a categoria de manicomio, como foi determinado pelo § unico do artigo 1.° da citada lei de 1889, mas isso, que aliás foi um erro, não significa autorização para dar á administração do Hospital de S. José 154:866$179 réis, sem mais explicações nem detalhes.

Tudo isto mostra, Sr. Presidente, a falta de criterio e sobretudo de escrupulo que tem presidido á administração publica em que os dinheiros adquiridos com os fins mais sagrados são desviados e dissipados.

Quanto a mim, porem ainda devem existir em cofre, ao menos, 300 contos de réis produzidos pela lei de 4 de julho de 1889. Onde param elles? E os juros, que teem vencido? Ignora-se.

Ora é preciso que nos entendamos.

O país não quer ser lubibriado mais tempo, e eu, que sou, aqui, seu representante, hei de defender até á ultima os seus direitos.

O Sr. Ministro do Reino tem que vir responder sem ambiguidades e claramente ás seguintes perguntas:

1.ª Tem a lei de 4 de julho de 1898 sido cumprida?

2.ª Quanto em virtude d'ella se tem arrecadado?

3.ª Gastou-se do dinheiro arrecadado alguma quantia?

4.ª No caso affirmativo, em que e com que autorização?

5.ª Quanto existe em cofre e onde para esse quantitativo?

Só depois de ter resposta a estas perguntas poderei dizer o que entendo se deve fazer de futuro, relativamente á assistencia aos alienados.

Não basta ter hospitaes e asylos. É preciso possui-los em boas condições, de maneira que satisfaçam ás exigencias da sciencia moderna. É indispensavel alargar os meios de combate contra a alienação mental.

As colonias de familia, as colonias-officinas, as granjas de alienados, etc., são outros, tantos meios de tratamento de loucura.

O isolamento é uma necessidade na therapeutica dessa doença. Mas isolamento não quer dizer sempre sequestração numa cellula ou mesmo num edificio. Quer dizer li-

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bertação do doente relativamente ao meio em que vivia e onde a sua doença foi originada.

É preciso subtrai-lo á influencia deleteria das causas externas que representam tamanho coefficiente, por vezes a totalidade, na causa da sua loucura.

Mas para isso não se devem encerrar no segredo impenetravel da cellula quasi presidiaria.

Só para certas loucos e por certo periodo convém um isolamento radical, mas sempre humano. No geral o que convém é que o doente tenha a illusão de uma vida social que,sem ter os estimulos que, no meio primitivo, causaram o seu desarranjo cerebral, antes tenham outros que tendam a combater esse desarranjo.

O Sr. Manuel Laranjeira, jovem e distincto medico, tomando calor por este assunto, publicou ha dois meses no Porto-Medico um artigo interessante em que recommenda a criação de um destes meios complexos, uma espécie de "cidade de loucos", que hoje são reclamadas pela sciencia em toda a parte.

De resto, os methodos de non-restraint e do open-door cada vez estão mais generalizados e cada um d'elles traduz a liberdade, condicionada, é claro, porque se o non-restraitit é a ausencia dos meios de detenção, como correntes, camisolas de força, etc., o open door é a máxima circulação possivel do doido dentro ou fora dos hospitaes.

Mas para se fazer um trabalho ordenado e productivo é preciso conhecer a questão em toda a sua complexidade.

Assim, é preciso estudar a nosographia dos alienados portugueses, traçando-lhe o mappa. É preciso, depois, fazer a sua distribuição por categorias conforme o género da assistencia de que carecem. É indispensavel, em seguida, estudar a melhor maneira de fazer a sua distribuição pelos manicomios que se reconhecerem necessarios e organizar junto delies as cadeiras de psychiatria, porque é uma vergonha que esse estudo esteja em Portugal englobado na sciencia medica geral e nunca se faça.

Quer dizer, visto que nada se fez até agora, é preciso proceder de maneira que o que se levar a cabo seja o mais scientifico possivel. Isto é, visto que a lei de 1880 ficou sem execução, por culpa criminosa do Governo, é de necessidade imprescindivel que essa lei seja refundida de maneira a satisfazer as exigencia actuaes da psychiatria.

De 1889 a 1908 vão 18 annos e neste periodo de tempo a sciencia de assistir aos doidos fez estupendos progressos...

Mas isso fica para ser tratado, modestamente, é claro, mas com boa vontade, noutro discurso que tenciono fazer sobre o assunto.

Demais, eu sei que o Sr. Dr. Bombarda está elaborando um projecto de lei que será presente a esta Camara, logo no principio da proxima sessão. Será então o momento de eu dizer qual é o meu modo de pensar.

O Sr. Dr. Bombarda falará como mestre, eu como modesto medico, que nem sequer é da especialidade, mas que toma pelo assunto grande interesse.

E assim alguma cousa se conseguirá fazer, podendo o Sr. Dr. Bombarda contar, desde já, com o meu modesto auxilio.

O que, porem, é preciso saber quanto antes, porque se torna imprescindivel para o traçado do plano a seguir, é quanto se encontra á hora actual no cofre dos alienados. Basta de mystificações, de fraudes e de enganos.

Tem a palavra o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Ernesto de Vilhena: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que sejam aggregados á commissão do ultramar os Srs. Deputados:

Cordeiro de Sousa.
Marques Pereira.
Matta e Oliveira.
Canto e Castro.

O Deputado, Ernesto Jardim de Vilhena.

Lida na mesa e consultada a Camara, foi approvada.

Mando tambem para a mesa o parecer da commissão do ultramar, sobre a proposta de lei n.° 42-C, applicação differencial de 50 por cento ao açucar produzido na provincia de Moçambique.

Foi a imprimir com urgencia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ascensão Guimarães.

O Sr. Ascensão Guimarães: - Como a hora vae muito adeantada, peço a V. Exa. o obséquio de me reservar a palavra para a sessão seguinte.

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. com a palavra reservada.

A próxima sessão é amanhã, 22, á hora regimental, sendo a ordem do dia: na 1.ª parte, a discussão dos projectos n.ºs 48, 24, 41, 32 e 45; na 2.ª parte, a continuação da discussão do projecto n.° 22.

Está levantada a sessão.

Eram 11 horas e 40 minutos da noite.

O REDACTOR = Arthur Brandão.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 74 DE 21 DE AGOSTO DE 1908 11

Discurso proferido pelo Sr. Deputado Conde de Arrochella, que devia ler-se a pag. 4 da sessão n.° 74 de 21 de agosto de 1908

O Sr. Conde de Arrochella: - Sr. Presidente desde já declaro que pedi a palavra unicamente para fazer algumas considerações sobre o orçamento e mandar algumas emendas para a mesa.

Não tenho duvida em assim proceder porque a proposta é hoje da absoluta responsabilidade da commissão, que deu ao orçamento uma feição nova entre nós, e declara no relatorio desejar a collaboração de todos; e portanto as considerações que vou fazer e emendas que tenciono apresentar não significam hostilidade ao Governo, que continuo apoiando.

Antes de entrar propriamente no assunto direi que concordo com muitas das considerações que fez o illustre par lamentar que me precedeu-o Sr. Dr. Queiroz Velloso. Não offerece duvida que a instrucção secundaria e prima na carecem de reformas profundas que possam não igualar-nos, mas ao menos aproximar-nos das outras nações, a Allemanha, a França, etc., e espero que o Governo no proximo anno apresentará propostas nesse sentido.

S. Exa. acha os professores do lyceu mal pagos e que teem muitas horas de serviço, e a mim parece-me que os seus vencimentos não são pequenos comparados com os dos outros empregados do Estado; e que se alguns professores são mal remunerados são certamente os das es colas superiores, que tendo de ensinar materias muito mais difficeis, complexas e de maior responsabilidade não recebem o bastante para viver, tendo sempre de recorrer a outras occupações, o que lhes torna a vida muito penosa por terem de estudar para as aulas e com a maior parte do dia tomado nos outros mesteres.

O mau resultado do ensino não provem do excesso de trabalho do professor, mas sim do grande numero de feriados, que lhe não permitte cumprir os programmas, vendo-se obrigados, em prejuizo dos alumnos e mais trabalho seu. a dar lições maiores, que áquelles não aproveitam.

Feitas estas ligeiras considerações vou passar propriamente ao assunto..

Os artigos 1.° e 5.°, que tornam fixas as taxas da lei de 1892, de salvação publica, convinha que fossem redigidos de forma que a aggravante que esta lei produziu não fosse considerada permanente.

Até hoje estas disposições da lei de 1892 eram renovadas todos os annos e na esperança de que algum anno viria em que as melhores condições do Thesouro permittissem não continuar a vigorar.

Pela forma como estão redigidos estes dois artigos vamos transformar uma medida de salvação publica, portanto temporaria, em disposição permanente, o que não me parece logico debaixo de nenhum ponto de vista. Talvez o mesmo prejudicial para o nosso credito porque equivale a declarar que perdemos a esperança de conseguir melhorar a nossa situação financeira.

No artigo 2.° estabelece-se a maneira da cobrança da contribuição predial, mas como é sabido, nos estamos num regime de transição do systema de contribuição de repartição para o systema por quotas.

Com o systema de repartição succedia geralmente que todas as propriedades estavam avaliadas muito por baixo do seu valor, havendo grandes desigualdades nas avaliações, e portanto a contribuição predial não era geralmente muito exagerada; mas agora com uma quota de 10 por cento para o Estado, 3 por cento para o districto, podendo elevar, até 75 .por cento para o municipio, e ainda com os sellos, chegamos a percentagens de mais de 20 e 21 por cento, o que é enorme.

Chamo portanto a attenção da Camara para este ponto, parecendo-me necessario alterar o Codigo Administrativo na parte que diz respeito ás contribuições.

No artigo 3.° proponho que se supprima a primeira parte por inutil. Com effeito não é necessario dizer-se que se não deve exceder a verba inscrita no orçamento, isso é uma norma que é de lei; não é necessario especificar para este caso em especial.

No artigo 10.° define-se qual o fundo especial de instrucção primaria; ora na verdade não ha razão nenhuma que justifique a existencia deste fundo, do momento que é o Estado quem paga todas as despesas e hoje este serviço ser igual a qualquer conta do Estado.

Agora o dinheiro que constitue este fundo especial de instrucção primaria é depositado na Caixa Geral de Depositos, que por ordem da contabilidade paga os respectivos cheques, mas como o dinheiro depositado não chega e o, o Estado quem paga o que falta, para que haver esta distincção de fundo, que só serve para dar logar a um duplicado de escrituração, complicando-a.

Proponho pois que se supprima e que seja encorporada nas receitas do Estado.
Vamos agora tratar do artigo 11.°

Na verdade o artigo 11.° estabelece uma boa doutrina, mas é um exagero de uma boa ideia. É bom que na lei de receita e despesa não sejam inseridas disposições que muitas vezes alteram serviços completos, mas a lei de receita e despesa pode ás vezes convir para uma pequena e simples modificação dessas para que não vale a pena um projecto de lei com as suas demoras e que não vae alterar profundamente nenhum serviço.

Vamos agora ao § 1.° do mesmo artigo. Este paragrapho se for interpretado com todo o rigor, como se interpretam leis, não tem grande alcance nem perigos, pode-se mesmo dizer que o alcance é quasi nullo, porque medidas annuaes sem as quaes seja impossivel realizar a gestão financeira do orçamento são raras.

Tomemos agora o § 1.° numa accepção mais lata.

Neste caso o § 1.° com as suas restrições é inutil, porque por mais pequena que seja a latitude dada ás medidas annuaes para a gestão financeira do orçamento permitte-se tudo porque ha sempre maneira de encarar qualquer medida para um lado financeiro e poder-se-hia portanto á sombra d'esse introduzir outras disposições. De mais este artigo é ou inefficaz ou inconstitucional. Com effeito na nossa legislação só a Carta Constitucional é que goza do privilegio de não poder ser alterada por qualquer lei; necessita de Cortes investidas de poderes especiaes para levar a effeito qualquer alteração ou modificação da Carta, todas as outras leis são susceptiveis de ser revogadas por outras leis ordinarias, portanto o artigo 11.° pode ser revogado por outra lei de receita e despesa.
Basta inserir alguma disposição mais ou menos clara no orçamento, para desapparecer este artigo, que se torna inutil. Supponhamos agora que este artigo 11.°, passa a gozar de privilegios especiaes e que não pode ser revogado por qualquer simples disposição legislativa, temos o seguinte facto curioso que é de criarmos uma classe de leis intermedias, inda não existentes na legislação portuguesa, que serão

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

as futuras leis de receita e despesa, porque toda e qualquer lei tendo a faculdade de poder revogar outra, as futuras leis de receita e despesa não teriam força para modificar ou supprimir o artigo 11.°, que constitue uma, lei.

Isto daria grandes modificações na nossa legislação porque não se diz no actual projecto 20 quaes seriam as condições a que uma Camara teria de satisfazer para ter o direito de revogar esta disposição votada por umas Cortes ordinarias, teriamos Carta Constitucional; doutrina do artigo 11.° com poderes do mesmo genero que os da Carta Constitucional, leis vulgares e leis intermédias, que seriam as de receita e despesa de ora. avante.

Ora como este caso de poderes não se pode dar, segue-se que o artigo 11.° não passa de uma disposição vulgar, em que o disposto nelle constitue os bons principies que todos devemos acatar pela comprehensão do nosso dever e não por imposição legislativa.

A verdadeira observancia do artigo 11.° está em que os Governos não solicitem das Camaras medidas que não devem, e as Camaras comprehenderem bem a sua missão, não votando medidas desnecessarias ou prejudiciaes. No fim ,do artigo vem a observação de que deve ser inserida no regimento da Camara e que alem de ir contra a soberania da Camara o artigo 225.° do regimento é já contra a doutrina estabelecida no mesmo artigo, pois aproveitamos a lei de receita e despesa para fazer uma alteração no regimento da Camara, medida que segundo me parece não é necessaria para a gestão financeira do orçamento.

Alem d'isso a commissão em varias disposições fez alterações que não eram de tal necessidade que não pudéssemos esperar pelo proximo periodo parlamentar.

Comprehendo que dado o ponto de vista da commissão ella tivesse este anno (anno de transição) que inserir novas disposições, mas a verdade é que introduzidas sem ser essenciaes vieram dar-me razão para dizer que o § 1.° do artigo 11.° sendo tomado com um pouco menos de rigor permitte tudo, e que portanto é inutil.

Passo agora a notar varios casos onde a commissão alterou e não cumpriu o artigo 11.° e § 1.°

Passemos ao artigo 19.°, § 4.°. Lendo-o não percebi, e como no relatorio não ha nada que lhe diga respeito, achava bom aclará-lo.

Artigo 20.° A disposição do n.° 27.° do contrato com a Companhia dos Fosforos não estipula nenhuma receita para o Estado, mas sim despesa para a companhia, e como nelle se diz que é Estado pagará directamente aos seus fiscaes (no que concordo e acho muito melhor) é preciso saber se a companhia está disposta a entregar ao Estado a respectiva importancia, pois o contrato nada estipula.

Isto só serve para mostrar, que a commissão não cumpriu com o disposto no artigo 11.°. Como fala em fosforos chama a attenção do Governo para o que se está passando: da companhia não lançar no mercado fosforos de enxofre que são os da classe pobre.

Artigo 36.° Não vejo que ligação tenham as ultimas palavras d'este artigo com a doutrina nelle estabelecida. só temos mais alterações que certamente não são necessarias para a gestão financeira.

Artigo 42.° Não vejo que a doutrina nelle estabelecida seja estimulo para o bom desempenho das funcções dos empregados; succederá que innumeras vezes empregados de graduação inferior desempenhem cargos mais elevados, tendo como consequencia a applicação das gratificações estabelecidas no § 2.° do artigo 52.°, o que não é muito moral. Alem de que ha funccionarios a quem não percebo como se possa applicar: são estes os juizes de direito.

Com effeito, passando ao quadro deixa vaga que deverá ser preenchida por outra da mesma categoria, mas não podendo, haver aumento de despesa não poderá haver promoção e portanto ficará a comarca servida por juizes substitutos?

Não pode ser, e a prova é que sendo esta disposição de 1907 nunca foi cumprida no Ministerio da Justiça; portanto o artigo 42.° é votado tambem para o não ser.

Chegamos ao artigo 64.°, que confesso não percebo.

Diz:

"É suscitada a exacta observancia da lei de 11 de abril de 1877".

Ora na Camara não se suscita a observancia de leis, ou as leis estão em vigor e então é o poder executivo quem suscita a sua observancia, se estão revogadas teem de ser substituidas por nova disposição legal.

Alem d'isto temos que alei de 1877 diz:

"É o Governo autorizado a criar dois logares de vogaes supplentes ao Supremo Tribunal de Contas, cada um com a gratificação de 800$000 réis annuaes".

Portanto o artigo 64.° envolve uma autorização, e proponho que se supprima.

O artigo 77.° traz uma nova modificação que tambem me não parece ser absolutamente necessaria para a gestão do orçamento e que altera a constituição de uma repartição que ficará sem chefe, e ao mesmo tempo não apresenta a sua remodelação.

Artigo 82.° Neste dá-se subsidios a dois lyceus municipaes. Não concordo porque acho que estes lyceus não são proveitosos; os professores em meios muito pequenos estão sempre mais ou menos influenciados pelas camaras municipaes, que exercem pressão, porque d'ellas depende o pagamento dos seus vencimentos.

Parece-me mais util que se aumente o ensino primario, diminuindo-se os lyceus municipaes.

Por estas considerações vê-se bem que tinha razão dizendo que o artigo 11.° e seus paragraphos eram votados para não ser cumpridos, e nos não somos obrigados a respeitá-lo visto que é a propria commissão do orçamento que e não cumpre.

Repito, nos é que devemos acceitar a doutrina do artigo, cumprindo-a como é nosso dever e não como disposição legislativa que não tem valor algum, como julgo ter demonstrado mostrando que no projecto 25 se inserem Disposições contrarias á doutrina estabelecida no mesmo artigo.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador que foi muito cumprimentado não reviu o seu discurso).

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