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Discurso do sr. Mariano de Carvalho, que devia ler-se na sessão de 11 do corrente, a pag. 190, col. 1.ª

O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa a seguinte moção de ordem (leu).

Sustentando esta moção, deveria talvez começar justificando a necessidade do projecto voltar á commissão, para se lhe dar a devida redacção. Porém n'este trabalho fui em grande parte prevenido pelo illustre deputado que me precedeu, o sr. Rodrigues de Freitas, o qual muito bem desenvolveu as rasões que obstam a que a camara aceite como documento seu este projecto que se discute.

Apenas poucas palavras acrescentarei ao que disse o sr. Rodrigues de Freitas. As minhas observações dirigem-se principalmente ao § 1.°

Diz este §:

«Foi com jubilo que a camara dos representantes da nação viu em seu seio o augusto chefe do estado, satisfazendo uma das mais importantes obrigações do codigo fundamental, e mostrando assim a alliança entre o povo e a monarchia.»

Sr. presidente, se quizesse cingir me á analyse grammatical d'este documento, notaria que, segundo elle, as obrigações não são do soberano, mas sim do codigo fundamental, de maneira que o poder moderador vem a ser a carta e não o rei. Creio que não está esta phrase em harmonia com o bom senso, nem com a constituição do estado.

Vê-se tambem que a camara implicitamente condemna n'este periodo o chefe do estado todas as vezes que elle falta a abrir uma sessão, porque o accusa de não cumprir uma das suas mais importantes obrigações.

E nota-se mais que a camara julga El-Rei tão pouco acostumado a cumprir as suas obrigações, que quando o vê cumprir uma, manifesta logo o seu jubilo por um facto ao parecer desusado. Quando El-Rei cumpre o seu dever, a camara mostra por tal motivo o seu profundo jubilo, como se o monarcha não usasse cumprir os seus deveres.

Bastam estas considerações para mostrar os defeitos insanaveis d'este projecto de resposta.

Tambem não posso concordar com o final do terceiro periodo quando diz que «a nação muito aprecia as relações com o imperio brazileiro, nosso irmão pelo idioma, pela religião e pelas instituições».

Tenho para mim que as nações não se devem julgar irmãs só por que seguem o mesmo idioma ou a mesma religião. Nações ha com idiomas iguaes, com religiões similhantes e divididas apesar d'isso por taes rivalidades quasi seculares, que podem um dia perturbar gravemente a paz do mundo. Sabemos que não é tambem na igualdade de instituições que consiste a irmandade das nações, a qual mais depende da communidade de origem e da identidade de sentimentos. Alem d'isso é erro suppor que entre Portugal e Brazil haja identidade de instituições, quando ellas tanto differem.

Nada mais acrescento para justificar esta parte da minha proposta, e passo á outra.

Sr. presidente, a proposito da resposta ao discurso da corôa podem discutir-se todas as questões politicas, e particularmente a questão eleitoral aqui levantada por alguns illustres deputados, assim como a questão de fazenda, que é parte essencial da politica geral.

Contra a opinião geralmente sustentada n'esta casa, entendo que a questão de fazenda não é a primeira, nem a mais importante que o governo tem que resolver. Antes d'ella estão as grandes questões de principios, antes o bem-estar da nação, no qual se comprehendem a sua dignidade nacional, a moralidade, a consciencia do dever cumprido, a segurança do presente, as esperanças do futuro, todas as aspirações emfim de um povo que deseja o bello e o bom. Estas questões são bem mais altas e mais importantes que a da situação financeira. Quando é tão revolta e tempestuosa a situação da Europa, quando vemos o futuro tão carregado de nuvens sombrias, maior obrigação corre aos governos de meditar attentamente em interesses mais graves e mais altos que os dependentes da simples questão de fazenda. N'este ponto a experiencia concorda no momento actual com os dictames da rasão e da prudencia.

O paiz, desenganem-se o governo e a commissão, não se contenta só com o equilibrio entre a receita e a despeza, com o melhoramento do nosso estado financeiro. O paiz manifesta por todos os modos quaes são os seus desejos. O paiz anceia pelas reformas administrativas, pelas reformas economicas e pelas reformas politicas, das quaes todas as outras são apenas consequencias (apoiados).

Limitar me hei comtudo a tratar da questão de fazenda, não porque a ponha acima de todas as outras, como diz o projecto de resposta ao discurso da corôa caindo n'um erro de doutrina, e erro gravissimo na occasião presente, mas porque o modo brilhante como o sr. Rodrigues de Freitas tratou a questão constitucional e a competencia dos illustres deputados que a levantaram, me dispensam de entrar no terreno tão bem explorado por s. ex.ªs Alem d'isso a questão eleitoral tem que ser adiada para um pouco mais tarde, até que se imprimam os documentos que foram mandados para a mesa.

Julgo que tenho cumprido o meu dever se limitar as minhas observações á questão de fazenda, visto, repito, que as outras foram ou hão de ser por eloquentes oradores convenientemente tratadas.

Ainda assim a questão de fazenda merece particular attenção por ser a feição proeminente com que o governo pretende apresentar-se ao juizo da opinião, por ser o pretexto que elle invoca para que todos os partidos o sustentem, porque á sombra d'ella esses partidos pretendem esconder os verdadeiros motivos do seu apoio ao governo, apoio que, segundo a minha opinião, é já inconveniente e perigoso.

Tratarei pois de folhear algumas paginas da historia financeira do governo, e julga-lo pelo proprio criterio esta

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belecido por elle. Não vou mais longe, porque não é preciso.

Ao abrir-se a sessão legislativa que terminou violentamente pela dissolução, acto que classifico de inconstitucional e inconvenientissimo, o sr. presidente do conselho apresentou-se n'esta casa e expoz largamente o programma e o pensamento do governo.

Deve notar-se que a sessão passada differiu da actual n'um ponto essencialissimo. O governo era então facundo e não irado, agora é irado e não facundo. Na sessão passada, por exemplo, depois de uma modificação ministerial, o governo apresentou-se á camara, explicou essa modificação e affirmou o seu programma politico. Agora, dá-se uma modificação politica revestida de circumstancias muito extraordinarias e muito pouco decorosas para o gabinete, mas o sr. presidente do conselho não dá explicações nenhumas. Antes pelo contrario sempre se tem apresentado mais irado que facundo.

Ha grande differença entre o governo de ha pouco tempo e o governo de hoje, e não será grande arrojo attribui-la á differença de composição da camara.

O sr. presidente do conselho, ao abrir-se a sessão parlamentar e estando então facundo, dizia:

«Nós vamos resolutamente occupar-nos da solução da questão de fazenda, e contâmos com a benevolencia da camara para nos ajudar a levar ao cabo esta empreza, que não é hoje só do governo, mas do paiz inteiro.»

Portanto, para o governo, a questão vital n'aquelle momento era a questão de fazenda.

A resolução da questão de fazenda póde, creio eu, reduzir se a um axioma muito claro: «obter o maximo resultado com o minimo esforço, e dispor dos meios necessarios para conseguir esse resultado».

A primeira parte é o principio das economias; isto é, desempenhar os serviços publicos com o menor dispendio e com as menores difficuldades. O principio das economias apresentava-o o governo como uma das condições fundamentaes do seu programma; e logo lerei á camara as suas declarações a este respeito.

A segunda parte, isto é, obter os meios necessarios para conseguir o resultado appetecido, é o recurso ao imposto.

Promettia pois o governo recorrer tambem ao imposto nos limites das faculdades da nação, para poder fazer face ás despezas publicas.

Examinarei como o governo cumpriu, na questão das economias, a promessa solemne que fez, e como procedeu na questão tributaria.

Sobre a questão das economias, dizia o sr. ministro da fazenda n'esta camara:

«O programma do ministerio póde resumir-se na pessoa do sr. presidente do conselho, homem que antes de se inventarem as economias, já as fazia.»

A minha recente e honrosissima posição de membro da commissão de pescarias auctorisava-me, salvo o respeito que eu consagro pessoalmente ao sr. presidente do conselho, a servir-me de uma adivinhação popular, que viria muito para o caso. Abstenho-me porém de o fazer, mas lembro á camara que o sr. marquez d'Avila fazia economias ainda antes de haver economias. Antes de ser economico já o era.

Continuava ainda o sr. ministro da fazenda (peço a attenção da camara para estes pontos, porque tratâmos de avaliar o modo como o governo cumpriu a promessa que fez em relação á questão de fazenda, e se é merecido o apoio que certos partidos lhe dão):

«A minha idéa é que se podem effectuar reducções, até á importancia de 500:000$000 réis, nos differentes ramos da administração; podendo contar, alem d'isso, com a economia resultante de operações que se façam, relativamente a despezas que não podem ter uma acção duradoura da mesma fórma.»

Alem d'isso, o sr. ministro da fazenda contava com reducções nos juros da divida fluctuante, e com o aproveitamento das sobras do ultramar. S. ex.ª dizia que se podiam effectuar reducções até á quantia de 500:000$000 réis nos differentes ramos da administração, sem contar a reducção nos juros da divida fluctuante, a economia de 300:000$000 réis com os reformados e o aproveitamento das sobras do ultramar,

Temos por consequencia estabelecido o primeiro ponto do programma economico do governo — fazer 500:000$000 réis de economias nos diversos serviços publicos, sem contar as reducções provenientes da divida fluctuante, nem as que podessem provir da lei relativa aos reformados, nem as que resultassem do aproveitamento das sobras do ultramar.

Vejamos como tres mezes depois o governo mostrou realisado o seu programma de economias.

Na sessão passada não consta a ninguem que o sr. ministro da fazenda, ou algum dos seus collegas, apresentasse aqui qualquer proposta de lei ou tomasse providencia administrativa que ao menos se approximasse dos 500:000$000 réis. Pelo contrario; na sessão de 24 de março houve taes declarações da parte do sr. presidente do conselho e do sr. ministro da fazenda, que o sr. Barros e Cunha, illustrado membro do partido historico, se viu obrigado a exclamar com espanto que o governo dizia — os impostos são propostos por mim, as economias os illustres deputados que as proponham! Taes eram as declarações de s. ex.ªs, que até o sr. Barros e Cunha, que apoiava o governo, se viu obrigado a fazer-lhes uma censura d'esta ordem.

Mas vamos a ver se no tempo decorrido desde o fim da sessão passada até hoje o governo de algum modo se approximou do cumprimento do seu programma de 500:000$ réis de economias nos diversos ramos do serviço publico.

Abro o orçamento rectificado, documento elaborado pelo governo, e encontro a paginas 5 da introducção o seguinte:

A despeza ordinaria é reduzida:

No ministerio da fazenda................108:518$939

No ministerio do reino.................. 3:294$877

No ministerio da guerra................. 3:449$974

No ministerio da marinha................ 222:565$445

No ministerio das obras publicas.......... 14:133$430

No ministerio dos estrangeiros............ 590$000

352:552$865

Mas é augmentada:

Na junta do credito.................... 168:222$515

No ministerio da justiça................. 232$108

184:098$242

E havendo na despeza extraordinaria uma diminuição de 30:226$920 réis,

conclue-se que as reducções de despeza são de 214:325$162 réis.

Como v. ex.ª e a camara vêem, ainda admittindo que todas estas economias sejam reaes e realisadas com os diversos ramos dos serviços publicos, 214:000$000 réis ficam longe dos 500:000$000 réis tão solemnemente promettidos pelo governo.

É pois o proprio governo que, n'um documento official, apresentado cinco mezes depois das suas promessas solermnes, nos diz que as reducções são apenas possiveis na quantia de 214:000$000 réis em logar de 500:000$000 réis. Logo o governo faltou ao seu programma.

Mas, note v. ex.ª, que n'esta reducção de 214:000$000 réis entra uma verba de

91:000$000 réis de juros de divida fluctuante, a qual não está comprehendida na promessa do sr. ministro da fazenda, confirmada pelo sr. presidente do conselho; entra igualmente a verba de 12:000$000 réis na restituição dos direitos de tonelagem, tambem não comprehendida n'essa promessa; entra finalmente a verba de 142:000$000 réis de despeza paga pelos orçamentos do ultramar, igualmente não comprehendida na promessa dos 500:000$000 réis. Estas verbas sommadas dão 245:000$000

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réis, e portanto prova-se que o governo não só não fez a promettida economia de 500:000$000 réis, mas até augmentou 31:000$000 réis na despeza com os serviços publicos. A nnalyse mais miuda ha de dar augmento de despeza ainda superior.

Percorrendo os diversos ministerios encontra-se o seguinte: No ministerio da fazenda a reducção que o sr. ministro da fazenda diz que se fez na despeza publica é de 108:000$000 réis. Esta reducção provém de tres fontes: Reducção nos juros da divida fluctuante 91:000$000 réis. Reducção por não haver restituições de direito de tonelagem 12:000$000 réis. E finalmente a reducção de 7:000$000 réis em consequencia da morte de diversos empregados. Não sei se entrava no systema de economias do sr. ministro da fazenda o assassinar os empregados (riso), visto que s. ex.ª considera a morte dos empregados publicos como elemento de economias feitas pelo governo. Ora, a camara concordará commigo em que as economias provenientes do fallecimento de empregados, que são reaes, de modo nenhum se podem attribuir a actos proprios do governo, e por consequencia não podiam entrar no calculo de 500:000$000 réis de economias que s. ex.ª disse que se fariam por iniciativa e pensamento do governo.

Não posso tambem admittir a supposta economia de 91:000$000 réis nos juros da divida fluctuante.

O sr. ministro da fazenda tinha-nos promettido a respeito da divida fluctuante cousas tão excepcialmente maravilhosas, que não sei se houve alguem de tão boa fé que podesse acredita-las.

Eu acho, por exemplo, na declaração do sr. ministro da fazenda na sessão de 27 de março o seguinte (leu).

«Tambem espero alcançar reducção nos encargos da divida fluctuante approximadamente de 300:000$000 réis. É modesta a avaliação.»

Ao mesmo tempo o sr. ministro da fazenda contava (sessão de 27 de março) que no fim de abril a divida fluctuante externa estaria reduzida a 3.700:000$000 réis; pois no fim de abril, segundo as publicações officiaes, essa divida estava em 4.100:000$000 réis. Ora note-se que se o sr. ministro da fazenda dissesse que contava que no fim de abril a divida fluctuante externa estivesse reduzida a 3.700:000$000 réis, os factos podiam ter destruido as previsões de s. ex.ª e inutilisado os seus esforços; mas s. ex.ª foi muito mais claro na sua declaração, porque disse que, segundo as disposições já tomadas, a divida fluctuante externa seria apenas de 3.700:000$000 réis no fim de abril, e comtudo essa divida subiu a mais de 4.000:000$000 réis apesar das disposições já tomadas! Outra falta de verdade.

Mas s. ex.ªs promettiam ainda mais. O sr. presidente do conselho dizia em 11 de março: «Os encargos da divida fluctuante não excedem a 10 por cento, e temos a esperança de que estes mesmos encargos hão de ir diminuindo gradualmente até chegarem a um estado normal». V. ex.ª sabe, segundo o orçamento rectificado, quaes são os encargos da divida fluctuante externa, não em 11 de março, mas depois que foi assignado o orçamento rectificado? Ainda excedem 10 por cento, de modo que, em logar de se realisarem as promessas que o sr. ministro fez, augmentou o encargo, e esse augmento é muito grave.

Mas dizia eu, sr. presidente, que não posso admittir a supposta economia de 91:000$000 réis nos juros da divida fluctuante. Vou demonstrar esta asserção.

O sr. ministro da fazenda, depois de ter permittido economias de 300:000$000 e 200:000$000 réis nos juros da divida fluctuante, quando se chegou a discutir o orçamento do seu ministerio na commissão de fazenda, recusou se terminantemente a admittir qualquer reducção na verba proposta no orçamento para juros e amortisaçoes a cargo do thesouro. Dizia s. ex.ª, e dizia bem, que no principio do anno economico não era possivel calcular com exactidão a quantia necessaria para esse encargo, que depende das circumstancias do thesouro e do estado dos mercados.

Agora fez s. ex.ª exactamente o contrario, como se prova do orçamento rectificado. Verificando bem ou mal, não sei, porque nos faltam documentos, que os encargos da divida fluctuante eram de 853:829$511 réis em 31 de maio, pede-nos essa mesmo quantia para todo o anno economico, embora s. ex.ª saiba que augmentou essa divida em julho para pagar o coupon da divida externa, que a ha de novamente augmentar em janeiro para o mesmo fim, e finalmente que se vê forçado a acrescenta-la para fazer face ao deficit de um anno. É portanto falsa essa economia supposta de réis 91:000$000.

Igualmente não provém de economias com os serviços publicos a verba de 12:000$000 réis, proveniente dos direitos de tonelagem.

Finalmente, por fallecimento de empregados aposentados ou fóra dos quadros, ha uma diminuição de despeza de réis 7:978$000 proveniente do fallecimento de empregados. Sommando todas estas quantias que, ou representam falsa economia ou provém de factos independentes da vontade do governo, vê-se que a despeza devia diminuir 110:964$789 réis no ministerio da fazenda. Porém o orçamento rectificado accusa apenas uma diminuição de 108:518$939 réis. Logo por actos proprios do governo, e da sua responsabilidade, a despeza no ministerio da fazenda cresceu 2:4450850 réis. Não é mau principio para chegarmos a uma economia ou a uma diminuição de 500:000$000 réis com os diversos ramos do serviço publico.

Passemos ao ministerio do reino. Encontramos n'este ministerio offerecida pelo governo a consideravel economia de 3:294$877 réis! N'um ministerio em que eu sustento que se podem fazer as mais valiosas economias, onde estão reunidas a administração politica e civil, a instrucção em todos os seus graus, a beneficencia, a hygiene e a segurança publica, apenas uns magros 3:294$877 réis.

Quer v. ex.ª saber como é feita esta economia? Ha em consequencia de fallecimentos de empregados a quantia de 6:218$000 réis de diminuição de despeza!

Mas a diminuição que traz o orçamento é de 3:294$877 réis, logo o governo augmentou a despeza em mais réis 3:610$323 por actos seus e da sua responsabilidade. Vamos assim voando para economias promettidas de 500:000$000 réis.

Passemos ao ministerio da justiça. O augmento accusado pelo governo é de 232$108 réis, mas a despeza devia diminuir 8:538$868 réis por morte de diversos empregados. Como effectivamente não diminue segue-se incontestavelmente que o governo, por actos seus, augmentou a despeza d'este ministerio com 8:770$976 réis.

No ministerio da guerra: a reducção apparente de despeza, segundo o orçamento rectificado, é de... (Vozes: — Ouçam.) 3.449$974 réis. Quer a camara saber emquanto importa a verba que diminuiu n'aquelle ministerio em consequencia dos fallecimentos? Em 23:844$000 réis, dos quaes mais de 21:000$000 réis são respectivos a militares reformados. Mas no orçamento apparece só a reducção de réis 3:449$974, logo o governo, por actos seus e da sua responsabilidade, augmentou 20:394$026 réis nas despezas d'este ministerio.

Não posso talvez explicar completamente este augmento consideravel, mas no documento official, que ha pouco foi remettido para a camara, acha-se uma demonstração parcial de como o governo tem procedido no ministerio da guerra.

Encontro com relação ás forragens que o sr. José Maria de Moraes Rego, ministro da guerra, tem recebido uma forragem, como se o sr. ministro da guerra exercesse as funcções de general.

Pergunto se alguma vez o ministro da guerra esteve fazendo o serviço de general? Pergunto tambem se o sr. ministro da guerra recebe 50$000 réis de gratificação como recebem todos os generaes que se acham em serviço? Pois se não tem a gratificação não póde ter a forragem, por

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que uma e outra são inherentes ao exercicio de commissões de serviço militar, e o cargo de ministro da guerra é um cargo politico, e nunca uma commissão de serviço militar.

No ministerio da marinha encontra-se a diminuição de 80:545$078 réis. Esta diminuição provém directamente do desarmamento de navios e da reducção do pessoal que não é necessario. Mas figuram n'ella 30:065$400 réis, proveniente de empregados que falleceram, ou cujos logares não estavam providos. A economia, proveniente de actos proprios do governo, e apenas de 50:479$678 réis.

Ainda apparece no ministerio da marinha uma reducção de 142:020$367 réis. Esta provém em parte de que varias despezas do ultramar, que eram pagas pela metropole, ficaram a cargo das respectivas provincias. Creio que não provém de actos proprios do governo, porque a prosperidade do ultramar é devida a circumstancias naturaes e ás providencias dos governos anteriores. D'este apenas temos visto decretos nomeando, demittindo ou transferindo empregados. De quaesquer providencias economicas ou financeiras não ha noticia. A outra parte é causada por terminar em outubro o contrato de navegação por vapor para Africa.

Diga a camara se é acto proprio do governo o facto de terminar em outubro o praso pelo qual foi contratada com a empreza lusitana, ha tres annos, a navegação por vapor para Cabo Verde, S. Thomé e Angola.

Mas ainda quando estes 142:000$000 réis constituissem verdadeira economia realisada pelo governo, não poderiam ser contados nos 500:000$000 réis promettidos pelo sr. Carlos Bento, porque a economia proveniente do orçamento do ultramar era, segundo as proprias palavras de s. ex.ª, independente d'aquella.

No ministerio dos estrangeiros a reducção é apparente.

Diz o governo que realisa a portentosa economia de réis 590$000, porém como a despeza devia diminuir 650$000 réis por morte de empregados, segue-se que realmente, e em virtude da administração actual, a despeza augmentou 60$000 réis.

No ministerio das obras publicas as reducções offerecidas pelo governo sobem a 14:133$630 réis, mas como réis 6:498$110 provém de morte de empregados ou de não provimentos de empregos prohibidos por lei, segue-se que o governo póde apenas contar a seu favor 7:635$520 réis.

Ha no orçamento extraordinario do ministerio das obras publicas uma supposta economia de 50:000$000 réis, porém não posso conta-la assim. Uma reducção da despeza com a construcção de estradas póde ser mais ou menos justificada conforme as circumstancias economicas do paiz e financeiras do thesouro, mas nunca deve dizer-se economia. Alem d'isso os 500:000$000 réis promettidos pelo sr. ministro da fazenda eram nos diversos ramos do serviço publico, e nunca na despeza com os melhoramentos materiaes.

Feitos todos os calculos que resultam d'esta rapida apreciação do orçamento rectificado, vê-se que as reducções de despeza, devidas ao actual ministerio, nos diversos ramos do serviço publico, são de 58:114$898 réis; porém como os augmentos de despeza importam em 203:503$690 réis, segue-se que o governo, em vez de fazer economia de réis 500:000$000, augmentou a despeza com 145:000$000 réis! D'este modo cumpriu elle uma parte importante do seu programma!

O sr. ministro da fazenda prometteu apresentar uma proposta importante ácerca da despeza com os reformados, aposentados e jubilados, despeza que vae crescendo n'uma proporção assustadora (apoiados). Promettia s. ex.ª uma economia de 300:000$000 réis. Não só nunca appareceu tal proposta, mas até durante a gerencia de s. ex.ª a despeza com essas classes augmentou 3:847$038 réis. Como sempre augmento de despeza em vez da promettida economia!

«A minha opinião, dizia o sr. Carlos Bento, é que se póde effectuar uma economia de 500:000$000 réis nos differentes ramos do serviço, outra de 300:000$000 réis com os reformados, outra tambem de 300:000$000 réis com a divida fluctuante»; e por fim apparecem-nos em vez de réis 1.100:000$000 de reducções de despeza, os serviços publicos augmentados com 145:000$000 réis, a despeza dos reformados com quasi 4:000$000 réis, e apenas na divida fluctuante uma falsa diminuição de 91:000$000 réis.

Taes são os resultados que apresentam os documentos officiaes elaborados pelo proprio governo. A camara que julgue.

E deve dizer-se que pouco custaria ao sr. ministro da fazenda apresentar uma proposta de lei ácerca dos aposentados, reformados e jubilados. S. ex.ª, que tanto copiou, podia ter ido á gerencia do sr. Braamcamp, e lá acharia uma proposta de lei sobre os reformados e aposentados; se quizesse recorrer a fonte mais modesta, acharia um projecto que eu apresentei na camara. Comtudo não consta que, apesar das suas promessas solemnes, s. ex.ª apresentasse nenhuma proposta de lei a este respeito. O que dizem os factos é que a despeito d'essas promessas solemnes, consignadas no Diario da camara, a despeza com os aposentados, desde a apresentação do orçamento do estado até á apresentação do mesmo orçamento rectificado, augmentou em quasi 4:000$000 réis! Apparece augmento de despeza, as reducções de despeza promettidas por s. ex.ª essas não apparecem!

Mas se s. ex.ªs não fizeram economias reaes, pelo menos foram abundantes em economias imaginarias. Na sessão de 11 de março ultimo, o sr. presidente do conselho, de accordo com o sr. ministro da fazenda, promettia taes economias, que seriam para nós uma grande fortuna. O sr. Coelho do Amaral, esse illustre deputado que, em troca dos seus serviços ao paiz e do seu patriotismo e virtudes, recebeu dos agentes do governo uma completa assuada (muitos apoiados), estranhava que o governo tantas economias promettesse e nenhuma fizesse. O sr. presidente do conselho, depois de declarar-se de accordo com o sr. Coelho do Amaral, emquanto ás economias, e dispondo talvez já no seu animo os meios de o mandar apupar pelos seus galopins, o sr. presidente do aconselho acrescentava:

«O meu collega da fazenda já tem praticado outras economias que devem chamar a attenção da camara, e que s. ex.ª ha de explicar melhor no relatorio que prometteu trazer á camara, e que esperava que viesse hoje, mas que não foi possivel; está-se copiando a toda a pressa.»

Em 11 de março este relatorio tão fallado devia vir brevemente, estava-se a copiar, a toda a pressa, não tardava; achâmo-nos em 11 de agosto e ainda não veiu (riso)!

E não era só o sr. presidente do conselho que estava mal informado, era tambem o sr. Carlos Bento, o qual dizia:

«Peço licença á camara para não entrar em mais considerações, visto que tenciono dar a este assumpto maior desenvolvimento no relatorio que apresentarei á camara.»

A camara ainda hoje espera a apiesentação do famoso relatorio, que o sr. Carlos Bento escreveu, que o sr. presidente do conselho viu, que em 11 de março estava sendo copiado a toda a pressa e que hoje 12 de agosto ainda não está talvez copiado. Digam-me, se isto é serio e decoroso?

Mas para a camara ficar bem convencida de como, em vez de economias reaes, tinhamos as mais perfeitas economias imaginarias, mas de um grande alcance, notarei que continuava o sr. presidente do conselho dizendo:

«Imaginem os illustres deputados que a divida fluctuante montava a 10.000:000$000 réis, custava 12 por cento; o encargo era 1.200:000$000 réis. Custando 6 por cento, importaria o encargo em 600:000$000 réis e poupar-se-íam 600:000$000 réis.»

S. ex.ª punha assim uma hypothese, que valia tanto como dizer: o governo se fizer 600:000$000 réis de economias, faz 600:000$000 réis de economias.

Porém posta a hypothese, e logo no periodo seguinte do seu discurso, s. ex.ª passando da hypothese para a reali-

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dade, da imaginação para os factos, dizia com desplante notavel: «Já vêem v. ex.ªs que o sr. ministro da fazenda não se tem contentado com fazer promessas, tem-as realisado com todo o rigor».

É inacreditavel, mas é verdade, s. ex.ª apresentava não 300:000$000 réis de economias reaes, mas 600:000$000 réis de economias imaginarias! (Riso.)

Entrei tambem ha pouco no rol das promessas não cumpridas; esse rol é extensissimo, e a camara permittir-me-ha que, como demonstração da confiança que deve haver na sinceridade das palavras e das promessas do governo, faça ainda mais algumas citações.

Dizia o sr. presidente do conselho de ministros:

«O orçamento das nossas provincias ultramarinas, que o sr. ministro da marinha ha de apresentar á camara, manifesta que não só não ha deficit, mas que ha algum excedente.»

V. ex.ª dá-me noticia d'este orçamento das provincias ultramarinas, que o sr. presidente do conselho já conhecia em 11 de março e que estava para ser apresentado á camara? Não dá. Tambem não appareceu como o relatorio de fazenda. Sustentava o sr. ministro da fazenda que, alem das suas fabuladas economias, era preciso augmentar os impostos. O sr. presidente do conselho de ministros abundava nas mesmas idéas. Porém, como a camara e o paiz se queixassem da desigualdade tributaria de districto para districto, de concelho para concelho e de contribuinte para contribuinte, o sr. ministro da fazenda, para socegar a camara, acudiu logo:

«Brevemente deve ser publicado um decreto com o fim de regular, quanto possivel, a proporcional distribuição do imposto. Este decreto tomará por base do lançamento da contribuição a publicidade e a inspecção directa.»

Pergunto á camara se viu algum decreto do sr. ministro da fazenda com estas condições? Outra promessa não cumprida. A este respeito sei apenas que os delegados do thesouro têem andado em correição pelos concelhos e, seguindo as luminosas instrucções do governo, pretenderam sem resultado que as matrizes fossem feitas pelas declarações dos valores dos predios á companhia do credito predial. Parece incrivel, mas é verdade. Sei, embora pareça impossivel, que os delegados do thesouro têem escolhido para louvados os socios da lavoura dos escrivães de fazenda. Mas do promettido decreto nem eu nem ninguem póde dar noticia.

Tambem o sr. ministro da guerra, para imitar o exemplo dos seus collegas, declarou n'esta casa, em resposta ao sr. Pinheiro Borges, que estava encarregada uma commissão de formular um plano de organisação do exercito, que essa commissão tinha os seus trabalhos muito adiantados, e que logo que estivessem promptos traria á camara uma proposta de reforma do exercito; comtudo tal reforma não appareceu, embora devesse julgar-se essencial pela necessidade imperiosa de robustecer a defeza nacional e de economisar os dinheiros publicos.

Hoje podemos, comtudo, dizer que a defeza nacional está segura desde que o sr. ministro da guerra resolveu aterrar a Europa com a compra de seis metralhadoras! É inaudito a este respeito o procedimento do governo, que pisa aos pés o decoro da nação. Quando um paiz se vê nas tristes circumstancias de poder adquirir apenas seis metralhadoras, os ministros não o cobrem de vergonha publicando essa miseria. Poderia apontar muitos mais factos para demonstrar que o governo não tem cumprido nenhuma das suas promessas, mas não vale a pena. Limitar-me-hei, apenas, a mencionar ainda um, que é importante.

N'uma das sessões da commissão de fazenda prometteu o sr. presidente do conselho que, se o governo se encontrasse na necessidade de apresentar a lei de meios, havia de incluir n'ella todas as economias que a commissão de fazenda approvasse nos diversos orçamentos.

Estava discutido e approvado na commissão e na camara o orçamento da marinha, e na commissão o das obras publicas com importantes economias, porém a lei de meios appareceu, e mais esta promessa do sr. presidente do conselho deixou de ser cumprida. Este facto é importante, porque não se diga que a crise politica, que rebentou no fim da sessão passada, nasceu, como disse o sr. Rodrigues de Freitas, da questão dos bancos; a crise politica nasceu toda do empenho que o governo tinha em salvar o commando geral da armada (apoiados).

As economias não foram incluidas na lei de meios, porque o governo pretendia a todo o transe salvar o commando geral. Esta verdade explica o procedimento inaudito do sr. ministro da marinha que, sabendo estar o governo compromettido pela sua honra (se negar, eu lhe direi como, onde e por quem o compromisso foi tomado), a aceitar a extincção do commando geral e outras economias, veiu na camara renegar e violar esse compromisso solemne.

Note v. ex.ª que eu não venho apontar aqui as ignominias por que o governo passou na commissão de fazenda; ignominias taes e tantas, que um dos mais illustres e honestos cavalheiros d'esta camara, o sr. Rodrigues de Freitas, um dia teve que velar a face para não presencear tal abatimento do poder executivo.

Não conto os vexames por que passou o sr. ministro da marinha, por exemplo, quando o sr. Arrobas em altos brados commandava a manobra que devia executar o sr. ministro da marinha, para n'um mappa da força dos marinheiros militares achar o numero de praças existentes no quartel, com o qual o ministro não podia atinar. Não refiro nada d'isso, limito-me a consignar que o governo na camara veiu faltar aos compromissos formaes que tomára com os membros da commissão de fazenda. Quando o sr. ministro da marinha aqui declarou que não aceitava a suppressão do commando geral da armada, devia lembrar-se de que o governo estava compromettido a aceitar aquella reforma.

E a proposito vem mencionar que todas as causas allegadas para justificar a dissolução da camara electiva hoje estão condemnadas pelo governo.

Na questão dos bancos acaba de ser renovada a iniciativa do projecto primitivamente approvado n'esta camara; a lei de meios foi em junho votada com restricções, e agora tambem.

A questão dos bancos é a condemnação formal do governo. Votou esta camara a lei que obrigava todos os bancos ao pagamento do imposto; passou a lei para a outra camara e lá ficou parada. Instado o sr. ministro para fazer com que a lei passasse na outra camara; incitado aqui e pela imprensa, deixou o projecto parado cinco mezes, e só no fim da sessão é que fez com que saísse da commissão da camara dos pares, onde jazia sepultado.

O sr. ministro da fazenda deixou alterar o projecto e trouxe-o de novo aqui, quando já não havia tempo para o discutir, a fim de poder com a urgencia do tempo abafar a voz e violar a consciencia da camara electiva, que não consentia protecções odiosas a determinados estabelecimentos. Até á ultima hora não consta por nenhum facto publico que o sr. ministro da fazenda instasse por que o projecto, fosse discutido na camara alta! Na verdade, este governo tem comsigo o condão de fazer tudo á ultima hora e á pressa. Na sessão passada projecto de bancos á ultima hora, lei de meios á ultima hora; este anno lei de meios tambem á ultima hora. Sempre para evitar as discussões. Quando a camara na sessão passada restringiu a auctorisação para a cobrança dos impostos até 30 de julho, não procedeu de modo leviano, cingiu-se á opinião do sr. presidente do conselho, expressa n'esta casa em 1865, quando s. ex.ª dizia que bastavam quinze dias ou tres semanas para se fazer uma eleição geral.

Portanto, não procediamos levianamente quando marcavamos o praso de dois mezes, e antes contavamos com o tempo necessario para haver uma discussão amplissima.

Se o governo demorou mais que devia a convocação dos

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collegios eleitoraes, a culpa foi sua e só sua. Pertence-lho inteira a responsabilidade de não ter mandado fazer as eleições, o mais tardar no dia 2 de julho. Não o fez, porque precisava tempo para attentar contra a liberdade eleitoral.

Sr. presidente, encarei o procedimento do governo, e parece me ter demonstrado, de um modo explicito e á face de documentos officiaes, o que valem as promessas solemnes feitas n'esta casa pelo governo. A tudo faltou, nenhuma promessa cumpriu.

Vamos a ver agora qual é a historia financeira do governo em materia tributaria.

Para mim o pensamento financeiro do sr. ministro da fazenda é um só, e não consiste em outra cousa senão em rebuscar nos archivos algum projecto dos seus antecessores, adultera-lo, torna-lo bem defeituoso, peiora-lo e traze-lo á camara. Este é o pensamento financeiro mais claro de s. ex.ª Outro não o vimos ainda.

A respeito da contribuição pessoal s. ex.ª copiou tres ou quatro artigos de um projecto do sr. Braamcamp, e apresentou aqui na primeira sessão parlamentar da legislatura passada uma proposta completamente inaceitavel.

Limitava-se s. ex.ª a propor que em todas as ordens de terras descessem os minimos sobre os quaes recáe a taxa complementar. Engenhoso plano. Como s. ex.ª não augmentava o total da contribuição, como esta é de repartição e a taxa sobre as rendas das casas apenas complementar, a unica vantagem da proposta era, sem dar mais um ceitil ao thesouro, alliviar as classes ricas e sobrecarregar as pobres. De certo este plano financeiro não se segue nos outros paizes, e n'este ponto foi o sr. Carlos Bento original.

Fui nomeado relator d'este projecto, e depois de pensar sobre o assumpto, não vendo meios de saír de difficuldades, representei ao governo que a proposta era inaceitavel. O sr. presidente do conselho pediu me então que não desse parecer sobre ella. Querendo ainda salvar o sr. ministro da fazenda, lembrei-lhe que o mais conveniente era adoptar o expediente da contribuição pessoal ser dividida em duas taxas independentes, uma sobre a renda de casas e outra sumptuaria.

Disse-lhe tambem que a taxa sobre a renda das casas devia ser progressiva e não proporcional. Effectivamente devendo o imposto ser proporcional ao rendimento dos contribuintes e, crescendo este mais rapidamente que as rendas, a proporcionalidade do imposto exigia progressão sobre a renda, signal da riqueza. O sr. ministro da fazenda approvou a idéa, mas não a aceitou pela unica rasão de ser novidade. A proposta ministersal morreu asphixiada.

Na sessão seguinte tive a honra insperada de ver que o sr. ministro da fazenda poz de parte a sua originalidade para aceitar a minha idéa. Até de mim, obscuro e humilde, se dignava de copiar!

Declaro que não tenho grande amor a este pensamento; não me parece absolutamente bom, e entendo que em these a reforma da contribuição pessoal deve ir muito mais longe. Porém uma vez apresentada a proposta pelo governo, o unico alvitre que se podia aceitar era o meu.

A nova proposta do governo foi pois discutida, modificada e approvada com a annuencia completa do sr. ministro da fazenda. Mas o nobre ministro tambem a deixou morrer na camara dos pares. Veiu a lei de meios e n'ella se attendeu á contribuição pessoal, não segundo o projecto votado n'esta camara, mas conforme a legislação em vigor. É verdade que o projecto não fôra approvado na camara alta, mas a responsabilidade é do sr. ministro. Falta o mais curioso.

Quando na commissão de fazenda se discutiu a lei de meios, s. ex.ª declarou que a proposta da contribuição pessoal approvada com a sua annuencia daria em resultado diminuição de receita. D'esta singular confissão podem dar testemunho os dignos membros da commissão de fazenda, que eram dezenove (apoiados). Pois se o fim do sr. Carlos Bento era augmentar a, receita, o via que o projecto da commissão a diminuía (o que contesto), porque não poz a sua pasta n'esta questão vital? Como classificar o ministro que de tal modo despreza as mais elementares conveniencias.

Passemos á proposta da contribuição industrial, cuja historia não é menos curiosa.

Logo que s. ex.ª apresentou a proposta sobre esta contribuição, de toda a parte do paiz se levantaram clamores. Todas as classes se pronunciaram contra as tabellas d'aquella contribuição inventada pelo sr. Carlos Bento; s. ex.ª, revestindo-se de maxima humildade, que bem pouco condiz com a humildade de hoje, repetidas vezes declarou, que aceitava todas as modificações n'essas tabellas. Estava então na sua phase pacifica.

O illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, lembrou se um dia de atacar essas tabellas e de mostrar quão absurdas eram; então o sr. ministro da fazenda inventou uma resposta digna da sua seriedade. Preciso citar as proprias palavras do ministro, aliás ninguem acredita. Foram assim pronunciadas na sessão de 21 de maio:

«Tambem é verdade que quando apresentei esta proposta tive por fim fazer desapparecer d'esta contribuição os addicionaes, e por os calculos que são feitos suppondo que 40 por cento de imposto de viação é addicional á base da taxa. são inexactos, porque o governo não tem em vista n'esta proposta addicionar nenhum imposto aquelles que são estabelecidos nas taxas, motivo este por que foram reduzidas as classes e augmentadas as taxas.»

Deve notar-se que esta extraordinaria declaração de s. ex.ª contradizia perfeitamente a proposta de lei que s. ex.ª apresentava, porque no fim da tabella lá estavam exceptuados unicamente os 50 por cento addicionaes da contribuição extraordinaria, mas de nenhum modo eram eliminados os 40 por cento para viação. Portanto o ministro contradizia-se a si proprio. Mas, não contente com isso, caía n'um absurdo enorme para salvar o seu proprio absurdo.

Segundo as antigas tabellas, por exemplo, a taxa da 1.ª classe, nas terras de primeira ordem, comprehendendo todos os addicionaes, era de 152$000 réis. Segundo as tabellas novas, era de 196$000 réis; e segundo a declaração de s. ex.ª apenas de 140$000 réis! Quer dizer, o sr. ministro da fazenda annunciava um augmento de imposto; mas para defender as suas absurdas tabellas, fazia effectivamente uma diminuição! Pergunto se isto é serio?

Ainda mais.

S. ex.ª formulou uma tal tabella, em que para uns contribuintes havia augmento de 300 e 500 por cento, e para outros apenas de 10 ou 12 por cento. Depois de ter comprehendido que sustentava uma doutrina tão absurda disse que os 40 por cento para viação já entravam no augmento da taxa, o que dava nem mais nem menos do que uma diminuição de imposto para muitas classes, e principalmente para as classes ricas, que são as menos tributadas! É incrivel!

Outro absurdo era o da reducção das classes. Quanto mais se reduzirem as. classes mais elementos heterogeneos se comprehendem na mesma taxa, e maiores se tornam as desigualdades sem nenhuma vantagem do thesouro.

Resta acrescentar que, tendo-se declarado prompto muitas vezes o sr. Santos e Silva para relatar a proposta de contribuição industrial, o sr. ministro da fazenda sempre pediu adiamento; tanto reconhecia que a sua obra não podia sustentar a mais leve analyse.

Vamos agora á contribuição predial. A primeira proposta de lei de contribuição predial foi apresentada na sessão que terminou em dezembro de 1870, e reduzia se a um addicional de 30 por cento.

O sr. ministro da fazenda exigia proximamente réis 500:000$000 de augmento de imposto predial, e a commissão de fazenda respondia-lhe que não tinha duvida nenhuma em conceder este augmento, mas que não podia tolerar tão injusta distribuição como a que se propunha.

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A commissão comparava, por exemplo, o districto de Evora com o de Beja. Viu que Beja tem maior area, maior população absoluta e relativa, maior rendimento collectavel, maior producção segundo as estatisticas officiaes, e comtudo paga só? do que paga Evora. Desde que se manifestavam factos d'esta ordem, a commissão não podia aceitar a divisão proposta, votando comtudo o augmento.

Em todo o caso a proposta de lei foi para as mãos do sr. Arrobas, amigo declarado do governo, e lá ficou provavelmente de accordo com o governo. O que sei é que a proposta de contribuição pessoal, que me foi entregue, nunca teve parecer, porque os srs. ministro da fazenda e presidente do conselho me pediram que não o desse. Provavelmente fizeram o mesmo pedido ao sr. Arrobas.

Em março appareceu outra proposta, era ainda um addicional de 1 por cento sobre o rendimento collectavel. A proposta como era rasoavel foi á mão do illustre deputado relator, o sr. Arrobas, e lá ficou. Assim vemos que, emquanto á contribuição industrial, o illustre deputado, o sr. Santos e Silva, que está presente, relator que foi d'essa proposta, frequentes vezes se declarou na commissão habilitado a discutir a proposta, e o governo pediu o adiamento. Emquanto á contribuição predial distribuida ao sr. Arrobas, amigo intimo do governo, nunca appareceu parecer. De maneira que estas propostas ficaram na commissão por vontade do governo.

Não preciso justificar a commissão de fazenda da camara transacta, mas se precisasse recorreria aos registos parlamentares, e lá encontraria nos extractos das sessões os elogios constantes feitos á commissão e á camara pelos srs. presidente do conselho e ministro da fazenda.

Se a commissão não deu parecer a respeito das propostas tributarias, foi porque o governo assim o quiz e assim o desejou. A respeito d'aquellas sobre que deu parecer, como o governo se não empenhava na sua discussão, ficaram pendentes, sem resolução, como a proposta relativa aos bancos.

Vou terminar, estou cansado e não quero abusar por mais tempo da paciencia da camara.

Parece-me ter apresentado as rasões da minha falta de confiança politica no governo; falta de confiança que procurei justificar, pela sua inhabilidade completa para resolver a questão de fazenda; falta de confiança politica, em relação á questão constitucional, como foi já justificado pelo sr. Rodrigues de Freitas; e falta de confiança politica em materia eleitoral, que está justificada pelos factos de Arganil, de Villa Verde e de Vouzella, e que ha de ser mais justificada ainda pela discussão das eleições de Mirandella e Macedo de Cavalleiros. A camara póde, se quizer, continuar a dar o seu apoio ao governo; mas pergunto se o illustre partido regenerador, que nos seus jornaes e pelos seus oradores principaes sustenta que os governos devem trabalhar e ter iniciativa, póde consentir que esteja á frente dos negocios publicos um ministerio que não trabalha, que não tem iniciativa e que falta a todas as suas promessas?

Pergunto se elle póde sustentar um governo tal, e que, alem d'isso, não cumpre o programma regenerador, que não governa segundo os principios d'este partido, e que se prova que, para resolver a questão de fazenda, é completamente inhabil?

Assim como me dirijo ao partido regenerador, dirijo-me tambem ao partido historico, e lembro a estes dois partidos que, quaesquer que sejam as consequencias, o nosso dever é collocar n'aquellas cadeiras governo que governe e que tenha iniciativa (apoiados).

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

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