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N.º 11. SESSÃO DE 14 DE ABRIL. 1853.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 79 Srs. deputados.

Abertura: — A meia hora depois do meio dia.

Acta: — Approvada.

O sr. Presidente — Já passa da meia hora depois do meio dia, quando o regimento manda que a sessão se abra ás 11 horas; é verdade que difficillimo tem sido, em quasi todas as legislaturas, abrir-se a sessão ás 11 horas; todavia a camara já resolveu que a chamada se fizesse impreterivelmente ás 11 horas e meia, e se lançasse no Diario do Governo o nome daquelles senhores que a essa hora não estivessem presentes; e comtudo o que acontece é que, muitas vezes, nenhum sr. deputado se acha na sala: é por isso, e só por isso que tambem muitas vezes deixa de se fazer a chamada a essa hora.

No anno passado, por assentimento da camara, algumas vezes declarei ao meio dia que não havia sessão por não haver numero na sala. Eu desejaria muito que os srs. deputados me não collocassem na rigorosa necessidade de repetir o que se practicou no anno passado; porque algumas vezes aconteceu dividir-se a camara em secções, alguns minutos depois do meio dia por não haver numero.

A sessão está muito adiantada, e por circumstancias independentes de nós os nossos trabalhos estão muito atrasados, mas lendo cessado essas circumstancias, não desejaria que se podesse dizer que os trabalhos não progridem agora por circumstancias dependentes de nós. (Apoiados) Confio, por tanto, que os srs. deputados lerão a bondade de comparecer a tempo de ao meio dia poder abrir-se a sessão.

O sr. Cezar de Vasconcellos: — O que eu peço a v. ex.ª é, que quando fôr forçado a declarar ao meio dia que não ha sessão, se declare nessa occasião, principalmente, quaes foram os deputados que estiveram presentes, para se saber que não foi por culpa delles que deixou de abrir se a sessão.

O sr. Presidente. — É o que se fez no anno passado, e é o que se ha de fazer este anno, se por ventura a necessidade o exigir.

CORRESPONDÊNCIA.

Um declaração. — Do sr. Pinto de Almeida, participando que o sr. Gomes Corrêa não póde comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

Officios. — 1.º Do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, dando os esclarecimentos que lhe foram pedidos em differentes quesitos, relativos á camara ecclesiastica do patriarchado; satisfazendo assim a um requerimento da commissão ecclesiastica. — Á commissão ecclesiastica.

2.º Do ministerio da guerra, acompanhando a relação nominal dos empregados da dependencia do mencionado ministerio, satisfazendo assim no que lhe foi pedido pela commissão de fazenda. — Á commissão de fazenda.

3.º Do mesmo ministerio, acompanhando a seguinte

Proposta (n.º 18 B.) — Senhores: Tendo-se concedido por decreto de 29 de março proximo findo, constante da cópia inclina, ao major addido á companhia de veteranos dos Açôres, Pedro de Sousa Canavarro, a pensão annual, e vitalicia de 300$000 réis, para accumular aos vencimentos que actualmente percebe, em recompensa dos seus muito distinctos serviços, e por ter nos que ultimamente prestou na acção de Torres Vedras, ficado inteiramente cego, e por isso privado do respectivo accesso em sua carreira militar; proponho á approvação das côrtes o mencionado decreto, na conformidade do § 11.º do artigo 75.º do capitulo 2.º, titulo 5.º da carta constitucional da monarchia.

Secretaria de estado dos negocios da guerra, em 11 de abril de 1853. — Duque de Saldanha.

Foi remettido á commissão de fazenda.

4.º Outro officio do mesmo ministerio, acompanhando a seguinte

Proposta (n.º 18 C.) — Senhores: Tendo-se concedido por decreto de 2 do corrente mez constante da inclusa cópia, a D. Maria Mareia Serra Marcelly Pereira, a pensão annual e vitalicia de 720$000 réis em recompensa dos valiosos e relevantes serviços prestados por seu fallecido marido, o tenente general reformado, Filippe Marcelly Pereira; proponho á approvação das côrtes o mencionado decreto, na conformidade do § 11.º do artigo 75.º do capitulo 2.º, titulo 5.º da carta constitucional da monarchia.

Secretaria de estado dos negocios da guerra, em 11 de abril de 1853. — Duque de Saldanha.

Foi remettido á commissão de fazenda.

5.º Do mesmo ministerio, acompanhando o mappa da força do exercito em 28 de fevereiro ultimo, e declarando que foram expedidas as convenientes ordens, afim de que no mez de março proximo passado ficasse reduzida a força das praças de pret effectivas ao numero de 18 mil nos corpos de primeira linha. — Á commissão de fazenda.

SEGUNDAS LEITURAS.

Requerimento. — Requeiro que sejam remettidos da secretaria da camara dos srs. deputados todos os projectos ou quaesquer papeis que alli existam, e que digam respeito a foraes, para a commissão de legislação os tomar em consideração, juntamente com os projectos apresentados nesta sessão. — Pinto de Almeida.

Foi admittido, e approvado sem discussão., O sr. Leão Cabreira: — A deputação nomeada antes de hontem para assistir hontem ao Te Deum em acção de graças pelo restabelecimento de Sua Magestade o Imperador de Austria, cumpriu esta missão. A camara ficou inteirada.

O sr. Bordallo: — Mando para a mesa uma representação, não de um individuo, ou individuos, mas de uma corporação, ou corporações; não posso deixar de considerar assim os escrivães do 1.º e 3.º

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districtos criminaes desta cidade, quando todos juntos veem requerer a esta camara que se lhes faça justiça, representando os males e a miseria, que estão soffrendo.

Sr. presidente, os escrivães signatarios deste requerimento podiam escolher algum dos illustres julgadores, que aqui se sentam, para o apresentar, e. fazerem bem sensiveis á camara os seus males; entretanto preferiram-me, sómente por já ter exercido logar de delegado em uma destas vaias, e poder dar um testimunho para confirmar tudo quanto elles expõem no mesmo requerimento. Eu não posso, portanto, deixar de o fazer, para que se lhes faça justiça, e se dê remedio a estes males,

Não e agora occasião de eu pintar, ou descrever estes males, ou a sua situação: entretanto peço a v. ex., e á camara, que me dê licença sómente para lhes dizer, que ella e tal, que estes desgraçados não só não tiram os meios da subsistencia do seu improbo e insano trabalho, mas, demais a mais, são obrigados a contribuirem com papel e outros objectos para sustentar a administração da justiça criminal, tal e qual se acha na nossa primeira cidade e capital do reino!... Em fim, é tão desgraçada a situação dos signatarios deste requerimento, que alguns delles (parece incrivel) é verdade que teem ido para o tribunal, onde estão todo o dia e parte da noite sem tomarem alimento algum!... É sobre isto que eu chamo a attenção de v. ex.ª e da camara, porque e um facto. (Apoiados) E uma vergonha que precisa de prompto e efficaz remedio; porque desta maneira e impossivel que haja administração de justiça vigilante, prompta e efficaz; e muitas vezes se mandam fizer diligencias, que os empregados não podem de maneira alguma effectuar, porque lhes fallam os meios de se transportarem á localidade, onde ellas se hão de fazer; e de mais a mais não teem vestuario para se apresentarem decentemente! Eu não pude deixar de fazer estas considerações para chamar a attenção da camara, e da commissão de legislação, a quem, talvez, tem de ser remettido este requerimento, para que promptamente venha acudir com um remedio a este mal, e eu invoco o testimunho de muitos srs. deputados, e de alguns advogados, que teem conhecimento deste facto, para que elles confirmem o que eu acabo de dizer, e que os signatarios do requerimento representam (Apoiados) a fim de todos me ajudarem; e logo que se apresente qualquer projecto neste sentido, elle seja convertido em lei, para remediar um mal que é immenso, e que convem remediar, não só em relação nos signatarios desta representação, mas em geral ao paiz. (Apoiados)

O sr. Themudo: — Mando para a mesa o seguinte requerimento, pedindo informações ao governo. (Leu)

Ficou sobre a mesa pára ter amanhã o competente destino.

O sr. Cear de Vasconcellos: — Envio tambem o seguinte requerimento para a mesa, pedindo esclarecimentos ao governo. (Leu-o)

Continuando: — Aproveito esta occasião para chamára attenção dos meus illustres camaradas, membros da commissão de guerra, em cujo zelo e actividade eu muito confio, sobre a urgencia de apresentar um parecer sobre o objecto do projecto n.º 101 — A da camara transada, a respeito das reformas da guarda municipal de Lisboa e Porto. Talvez que o motivo por que não teem apresentado nm parecer sobre este projecto, seja por não ter a commissão podido ouvir á opinião do nobre marechal duque de Saldanha, em consequencia de não ter s. ex.ª podido vir á camara por grave padecimento; mas se for esta a causa da demora do parecer, peço licença aos meus amigos e camaradas para lhes observar, que o nobre marechal foi consultado no anno passado sobre este assumpto, e concordou com um projecto aqui apresentado pela commissão de guerra de então; e tanto elle concordou que, por uma medida da dictadura, foram já tirados daquella situação alguns dos officiaes que se achavam nas circumstancias daquelles a quem ha de aproveitar o projecto de que se Irada.

Creio que ha outra duvida da parte da commissão de guerra, e vem a ser, como este projecto tem referencia com um decreto da dictadura, e como em quanto não forem approvados os actos da dictadura, não são leis do paiz, lai vez a commissão espere pela decisão do parecer n.º 7, para emittir a sua opinião; mas tambem deve desapparecer essa duvida, porque no anno passado a commissão de fazenda, para ganhar tempo, apresentou um parecer, depois de estarem em discussão os actos da dictadura; e ainda que se rejeitem os actos da dictadura, neste caso só o que cumpria era mudar a redacção do projecto, e por isso convinha redigir o parecer sem referencia aos actos da dictadura, que ainda não são leis. Portanto espero tudo da boa vontade dos membros da illustre commissão de guerra, á qual não tive em vista fazer a mais leve censura, e que de certo hão de concordar comigo, que fui o auctor do projecto na sessão passada, e que constantemente sou instado neste negocio, de que é necessario tirar estes militares da crise desgraçadissima em que se acham ha muitos annos, e alguns delles tendo prestado mui bons serviços a este paiz. E por isso que chamo a attenção da illustre commissão sobre este projecto.

O sr. Placido de Abreu — Sr. presidente, eu não posso deixar de agradecer ao sr. Cesar a benevolencia com que tractou a commissão de guerra: entretanto devo dizer para informação de v. ex.ª e do illustre deputado, que a commissão tem-se occupado de todos os objectos que estão a seu cargo, e com especialidade do que diz respeito ás reformas dos officiaes da guarda municipal. A commissão tem até já lavrado o seu parecer, mas intendeu que não era possivel apresenta-lo antes de se discutirem os actos da dictadura, e tornar-se uma resolução acêrca do decreto de 6 de junho, e vêr, se deve ter applicação áquelles militares. Todavia se a camara resolver que se apresente antes disso, a commissão não tem duvida nenhuma a este respeito. Mas apenas passem as leis da dictadura, a commisão apresentará immediatamente o seu parecer.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do projecto n.º 7, sobre os actos da dictadura.

O sr. Presidente: — Continua com a palavra o sr. Casal Ribeiro, a quem ficou reservada de hontem.

O sr. Casal Ribeiro: — Sr. presidente, vou occupar-me do decreto de 30 de agosto, que é uma data historica, por isso que é esta a primeira medida da dictadura, era que se revela largamente a tendencia para desenvolver os melhoramentos mate-

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riaes do paiz; e por tanto este decreto, espoliador, bancarroteiro, e ao qual se tem dado tantos epithetos, é na minha opinião um dos actos mais brilhantes da dictadura.

Confessa-lo-hei com franqueza, sr. presidente, este decreto de 30 de agosto foi o primeiro dos actos do governo, que mais me decidiu a desculpar a dictadura de 1852, porque esse decreto caracterisa a marcha administrativa do governo, cortando -com a subserviencia a certas potencias monetarias, e ao mesmo tempo preparando um grande e importantissimo meio de prosperidade, como e a linha ferrea que deve ligar as duas primeiras cidades de Portugal.

Entrando na analyse do decreto de 30 de agosto, começarei pela questão se o fundo de amortisação é ou não um contracto, questão que foi primeiramente levantada por um deputado daquelle lado da camara (a esquerda); e sobre a qual disse depois um sr. depilado, e abalisado jurisconsulto, que tem assento no centro da camara, que se o fundo de amortisação não é um contracto, não sabe então o que é contracto; e finalmente um deputado da direita declarou, que se via na necessidade de vir ensinar á camara o que é contracto, para applicar essa doutrina ao fundo de amortisação.

Suppondo porém que o decreto de 19 de novembro de 1816 foi publicado em virtude de um contracto, quaes são as consequencias que de lai principio se queira tirar? Querer-se-ha por ventura concluir que o decreto de 19 de novembro não póde ser alterado por uma lei; ou pelo menos que não póde ser alterado senão de accôrdo com o banco? Se lai e o pensamento daquelles que tão affincadamente sustentam, que aquelle decreto é baseado em um contracto, significa isto dizer que aquelle decreto é irrevogavel; e não sei como se possa comprehender, que uma lei é irrevogavel, porque a irrevogabilidade das leis além de ser uma pertenção de prender e encadear a vontade da geração presente, iria ainda atacar a liberdade das gerações futuras, que ficariam assim condemnadas a soffrer talvez a má apreciação dos fados, que presidiu á feitura de uma lei. A irrevogalibilidade da lei é a contradicção do progresso, e a negação de todos os melhoramentos. (Muitos apoiados) Mas com relação mesmo ao direito de propriedade, é de notar que quando a carta permitte a expropriação, nos casos e em conformidade do que ella dispõe, só a propriedade do banco, o fundo especial de amortisação, pertende estar fóra da lei constitucional; só para o banco deve ser irrevogavel este direito!

Talvez se me possa redarguir que o decreto de 19 de novembro podia ser alterado, mas por uma lei; porém esse decreto foi tambem filho de uma dictadura, que de certo não foi mais legitima do que aquella de que se tracta; foram ambas exercitadas debaixo do regimen da caria; e se o banco quer a stricta legalidade, com que direito esteve a receber os rendimentos do fundo especial de amortisação até agosto de 1848, que foi quando o corpo legislativo approvou os decretos daquella dictadura? (Apoiados).

Desconfiando, porém, ss estaria em erro na apreciação dos fados, recorri a auctoridades insuspeitas. Se por ventura o decreto de 19 de novembro é um contracto, elle não comprehende só o fundo especial de amortisação, contém em si mais disposições, e é necessario ver como ellas tem sido comprehendidas por differentes individuos, e em diversas épocas. Esse decreto tornou permanente o curso forçado das notas, determinando que ellas entrariam como moeda corrente na totalidade dos pagamentos até 30 de junho de 1847; em dois terços até 31 de dezembro de 1848; e em metade até final amortisação; elevou as notas do banco de Lisboa em circulação a 5.000:000$000, e estabeleceu que o banco applicaria 18:000$000 réis mensaes para a amortisação: porém com relação a estas prescripções o que aconteceu? Veiu logo o decreto de 10 de março de 1847, da mesma dictadura, que revogou disposições essenciaes daquelle decreto, dispondo que as notas, que entravam no todo, nas receitas e nos pagamentos, entrassem sómente na metade desses pagamentos; a amortisação das notas foi por esse mesmo decreto elevada a 50:000$000 réis mensaes, quando pelo decreto de. 19 de novembro era apenas de 18:000$000 réis mensaes. Os illustres espoliadores que assignaram esse decreto, foram os srs. Visconde de Oliveira, D. Manoel de Portugal, Farinho, Barão de Ovar, e Conde do Tojal. Já se vê que chamando espoliadores a estes cavalheiros não adopto por minha esta designação, repito-a como consequencia do pensamento dos que seguem a opinião contraria.

Determinou se depois que se fizesse uma loteria nacional para mais promptamente se obterem os fins, que os ministros se tinham proposto naquelle decreto.

Mais ainda. Esta mesma dictadura, estes mesmos ministros em 15 de junho de 1847, promulgaram outro decreto, determinando que as notas só seriam recebidas por um terço tanto nos pagamentos ao estado, como entre particulares. Este decreto está assignado pelos srs. Francisco Tavares de Almeida Proença, Manoel Duarte Leitão, conde do Tojal, barão da Ponte da Barca. Ildefonso Leopoldo Bayard.

Em 9 de dezembro de 1847 fez-se mais. Os cavalheiros, que então eram ministros, reconhecendo os gravissimos inconvenientes que resultavam do agio das notas, reconhecendo que esse agio era um flagello insupportavel para o paiz, e era um principio de desorganisação para a fazenda, reconhecendo que o tributo se achava consideravelmente attenuado pela entrada do papel depreciado era todas as contribuições publicas, tomaram medidas que bem se póde dizer, que equivaliam á extincção do curso forçado.

Estas medidas foram, que desde o dia 20 de dezembro, as notas seriam recebidas em metade dos pagamentos, porém pelo seu valor no mercado) e não pelo valor nominal. Os nobres dictadores que assignaram este decreto são os srs. Antonio de Azevedo Mello o Carvalho, Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão, barão de Almofalla, barão da Luz, João de Fontes Pereira de Mello, e Marino Miguel Franzini.

Mas não foram só as dictaduras que atacaram o decreto de 19 de novembro de 1846, foram tambem as camaras Abriram-se as camaras em 1848, e promulgou-se a carta de lei de 13 de julho desse mesmo anno, que restringiu a quantidade das notas que entravam nos pagamentos, reduzindo-as a entrar por um quarto, mas pelo valor nominal, e extinguiu o curso forçado nas transacções particulares. Lançou-se por esta mesma lei um imposto addicional de 10 por cento sobre algumas das contribuições do estado, para

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com o producto desse imposto se apressar a amortisação das notas, encontrando-se o producto das notas amortisadas na divida do governo ao banco; e esta lei, votada pelas camaras de 1848, é referendada pelo sr. Falcão, então ministro da fazenda. Veiu depois a lei de 30 de abril de 1850, referendada pelo sr. Avila, que alargou o imposto das notas, estendendo-o a outras contribuições, que não tinham sido comprehendidas quando o imposto foi votado; e já disse, e repito hoje, que o sr. Avila fez uni serviço ao paiz com esta medida, porque, com quanto sympathise pouco com impostos addicionaes, comtudo o flagello das notas era um mal mil vezes maior, e a medida concorria para o abreviar; mas tanto esta medida como as anteriores atacaram o decreto de 19 de novembro.

E não é só, sr. presidente, no que diz respeito ás notas, que o decreto de 19 de novembro tem sido atacado pelos governos e parlamentos. Vejamos se o fundo de amortisação tem sido mais sagrado e inviolavel.

O fundo de amortisação, além do producto dos bens nacionaes e fóros, compunha-se tambem dos juros das inscripções e bonds que viessem a vagar para o thesouro, salvo as amortisações já estabelecidas para a divida publica, e compunha-se tambem da prestação de 120 contos pela alfandega; mas taes 120 contos nunca entraram no fundo, taes juros de inscripções nunca foram recebidos, e em 1818 a commissão de fazenda apresentou um parecer para ficar sem effeito esta prestação de 120 contos, e este parecer era assignado pelos srs. José Bernardo da Silva Cabral, Florido, A. Albano, Eugenio de Almeida, José Lourenço da Luz, Avila, e outros cavalheiros. Mais ainda; votou-se depois a carta de lei de 26 de agosto de 1848, que fixou a receita e despeza publica para o anno de 1848 a 1849, e nessa lei não estão incluidos na dotação do fundo de amortisação não só os 120 contos pela alfandega, mas mesmo os juros das inscripções.

Veiu depois a lei de 16 de abril de 1850, referendada pelo sr. Avila, e essa alterou em pontos essencialissimos o decreto de 19 de novembro de 1846 (Leu esta lei).

Art. 14.º O fundo especial de amortisação, creado pelo artigo 26. do decreto de 19 de novembro de 1846, é composto de:

1.º Fóros nacionaes, comprehendendo-se nesta expressão todos os fóros, censos, pensões e quaesquer direitos dominicaes, que pertençam ou venham a pertencer á fazenda publica.

2.º Quaesquer outros bens nacionaes que igualmente pertençam ou venham a pertencer á mesma fazenda.

3.º Quantias em dinheiro que entrarem no pagamento dos extinctos conventos e corporações religiosas, e todas as outras dividas que podem ser pagas por um modo especial, segundo as leis de 23 de maio, 28 de junho, 13 de julho, e 25 de agosto de 1818.

4.º Finalmente, quaesquer bonds, apolices e inscripções da divida fundada, que de qualquer modo se resgatarem, salvas as amortisações da divida publica, que se acham determinadas por lei.

Nesse mesmo anno votou-se tambem a lei de 23 de julho de 1850, que fixou a receita e despeza para o anno economico de 1850 a 1851, e nessa lei tambem não são comprehendidos na dotação do fundo não só os 120 contos, que lhe tirára a lei de 16 de abril, porém nem mesmo os juros das inscripções que lhe tinham sido conservados.

Mas não foram só os cavalheiros pertencentes ao partido que representa o lado direito, que atacaram o fundo de amortisação, tambem o lado esquerdo o juiz atacar. A commissão de fazenda do anno passado, por occasião da discussão da capitalisação, apresentou um projecto de lei, no qual se lê nada menos do que este artigo. «Fica extincto o fundo especial de amortisação.» (Riso). Não será isto atacar o fundo de amortisação! E quem eram os espoliadores, os bancarroteiros que assignaram este projecto! Eram os srs. Soure, Preto Giraldes, Thomaz de Aquino (vencido), Passos (Manoel), barão de Almeirim (Riso), Passos (José) Faustino da Gama (com declaração), Holtreman, Marreca, J. J. da Silva Pereira (vencido), J. M. Grande (com declaração), C. Manoel Gomes, Cesar de Vasconcellos (com declaração. J. F. Pinto Basto (vencido), Maya (vencido), e eu.

Como posso eu hoje chamar contracto irrevogavel e sagrado ao fundo de amortisação, cuja revogação pedi na sessão passada? E facil increpar um homem de incoherente, é facil dizer a vós, cujos deveres é velar e manter as liberdades publicas, votais hoje por uma dictadura; mas antes da censura de incoherencia aos outros, convem vêr, se aquelles que a fazem, não estão em maior incoherencia.

E porque ha, sr. presidente, tanto accôrdo entre os governos, dictaduras e parlamentos para se violar o decreto de 19 de novembro de 1846? Este accôrdo deve ter alguma causa. Eu passo a dizer a razão desse acôrdo, como a intendo; é porque o decreto de 19 novembro não se podia cumprir) era o impossivel, e quem decreta o impossivel, não póde contar com a sua execução.

Diz se que a historia do banco de Portugal é pouco mais ou menos a historia de todos os bancos; mas eu digo, que a historia do banco de Portugal é uma historia singularissima, e não tem precedente. É verdade que no ministerio do sr. duque de Palmella se decretou a suspensão dos pagamentos do banco; mas que paridade ha entre a suspensão temporaria de pagamentos, e as disposições do decreto de 19 de novembro? A suspensão temporaria de pagamentos tem sido concedida aos bancos de outros paizes pelos seus respectivos governos. A suspensão temporaria dos pagamentos foi concedida ao banco de França depois da revolução de 1848; mas teve uma duração limitadissima. Entre todas as suas suspensões de pagamentos, que são frequentes na historia dos bancos, a mais notavel por certo é a que foi concedida por Pitt ao banco de Inglaterra, e que durou por mais de 20 annos, até que lhe pôz um termo sir Roberto Peei. Este facto que se liga com a politica de Pitt, que derivou da lucta emprehendida por elle contra o gigante do nosso seculo, Napoleão I, esse facto, digo, tem sido apreciado muito differentemente por muilos escriptores; e alguns muito distinctos consideram-no ainda como um erro politico e financeiro. Mas, sr. presidente, que fosse um erro, ou um acerto, não vem para aqui discutir a politica de Pitt) mas muito menos vem comparar-se esse facto e as suas causas, com as causas que deram origem á fusão do banco de Lisboa com a companhia Confiança, e com as disposições completamente originaes do decreto de 19 de novembro.

Mas o decreto de 19 de novembro não decretou a

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suspensão permanente. Esse decreto disse ao banco «elevai a 5:000 contos a circulação das notas do banco de Lisboa; escrevei nessas notas que pagareis á vista ao portador, e não pagueis nunca á vista ao portador; estas notas serão amortisadas n'um largo periodo, mas nunca serão pagas á vista.» Onde está aqui a suspensão temporaria do pagamento? O que está é a suspensão permanente.

Alem disso, o decreto de 19 de novembro contem provisões que não tem analyse. Este decreto tinha por auxiliar outro decreto, que applicava as penas da ordenação do livro 5.º áquelles que não recebessem notas do banco de Lisboa, pelo seu valôr nominal; e esqueceu, que a ordenação fallava daquelles, que não recebessem moeda de el-rei, quando tivesse o peso e loque!... Que peso e toque tem uma nota depreciada?

O decreto de 19 de novembro diz no seu relatorio — que vinha salvar o credito e regular o meio circulante: — mas não é preciso passar largas horas em lucubrações, sobre os escriptos dos economistas, desde Smith até Coquelin, como as que passou um illustre deputado daquelle lado (o direito), para descobrir que o transtorno que soffria então o meio circulante, provinha da circulação forçada da moeda fraca; mas por esse decreto, longe de se retirar da circulação essa moeda fraca, elevou-se a importancia das notas.

Sr. Presidente, o fundo de amortisação está julgado pelos seus resultados. O sr. ministro da fazenda apresentou uma nota das quantias de divida do governo ao banco, que tinham sido amortisadas pelo fundo de amortisação, durante o periodo de seis annos que elle tem existido, e dessa nota, que não foi contestada, colhe-se em resumo, que o fundo de amortisação durante todo o tempo da sua existencia diminuiu a divida do governo ao banco nas acções com juro 31+ contos, e nas acções sem juro, 60 contos, total 374 contos; e por outro lado augmentou a divida no mesmo periodo por juros que ficaram em divida, 740 contos! É o augmento de divida liquido — 366 contos. Então o fundo de amortisação é um machinismo para crear divida, ou para acabar com ella?

Póde-se dizer, que se o findo de amortisação não amortisou, foi porque o governo não cumpriu integralmente as condições, que tinham sido estabelecidas; que não entregou a prestação dos 120 contos, e os juros das inscripções; mas isto em nada altera o facto; o augmento da divida dar-se-ía em todo o caso, porque se estas quantias tivessem sido entregues integralmente ao banco, não deixavam por isso de ser deduzidas na receita publica: o desfalque lá ficava em outra parte, o facto existia, e traduzia-se em deficit accumulado, em atraso de pagamentos, em antecipações, e a final em banca-rota.

Allegou-se tambem o encargo que foi imposto ao banco, pelo decreto de 19 de novembro, de trocar as acções com juro pertencentes a diversos credores do estado, que não fossem o banco de Lisboa e a Companhia Confiança Nacional, por inscripções reputadas a 62, o que equivalia a 74 em dinheiro.

O proprio relatorio diz, que esse encargo é imposto ao banco para repartir com certos e determinados credores o beneficio da circulação das notas do banco de Lisboa, beneficio immenso que equivalia a um grande emprestimo forçado e gratuito levantado sobre a nação. Quiz-se repartir esse beneficio com os credores privilegiados, mas esqueceu-se reparti-lo com os outros credores do estado; esqueceu reparti-lo com o paiz, que é sempre o elemento esquecido, quando se tracta destes grandes arranjos financeiros (Apoiados), Mas o banco linha encontrado o meio de converter esse encargo em beneficio, porque nunca vendeu as acções com juro por menos de 80 por cento; é evidente que considerando o decreto um encargo a compra por 74, é porque se suppunha que o valor real dessas acções era inferior; mas o banco vendendo por um preço superior fez do encargo beneficio, disfructando, em quanto as não vendia, os juros respectivos.

E tendo-se estabelecido para a venda dos bens nacionaes um certo methodo de pagamento, de sorte que nelle entravam em parte as acções sobre o fundo de amortisação com juro, e em outra parte as acções sem juro, e essas acções com juro só o banco as tinha, succedia que o banco linha o monopolio do que se póde chamar meio circulante para estas transacções, e quem queria comprar propriedades publicas linha de recorrer ao banco, e daqui resultava que o banco podia exaggerar a seu bel-prazer o valôr desses titulos, e essa é a razão porque os vendia por 80; mas o resultado era a difficuldade na transmissão da propriedade, a quasi impossibilidade de que a propriedade, desaproveitada quasi sempre, quando existe em poder do estado, pasmasse para as mãos dos particulares; o resultado finalmente era a esterilisação da terra.

Tendo-se dicto que o decreto de 19 de novembro foi feito para salvar algumas fortunas, que estavam quasi arruinadas, respondeu-se, que o fim desse decreto foi salvar o credito; mas o credito não se podia salvar unindo dois estabelecimentos que estavam em estado de fallencia, um dos quaes ainda tinha recursos importantes, quando os do outro eram em grande parte muito duvidosos; o credito não se salva por estes artificios financeiros, salva-se com a verdade; e o decreto de 19 de novembro será tudo, menos a verdade.

Sr. presidente, eu procurei intender a demonstração por cifras, que o sr. deputado Antonio da Cunha mandou para a mesa, por isso que desejava convencer-me, ou habilitar-me para a contrariar, mas não pude comprehenderá. Não quero alterar as proprias palavras do sr. deputado, e por isso passo a ler o que vem no Diario (Leu) «Que desde 22 de setembro até hoje todos os ministros da fazenda teem pedido dinheiro ao banco; e quereis saber, senhores (disse o orador) qual é a somma emprestada? São 90.864:000$000, quasi um milhão de milhões!) - 90:000 contos não é nem a decima parte de um milhão de milhões de réis. Esta cifra está escripta no Diario.

O sr. Cunha Sotto-Maior — Eu responderei.

O Orador: — V. ex. póde responder-me, e eu espero que usará da sua alta intelligencia para derrotar o Besout, e provar-me que os 90:000 contos são um milhão de milhões.

Mas o que se quer dizer com isto? Que significa dizer que o banco tem emprestado ao governo 90:000 contos? E o mesmo que pegar n'um livro de caixa de qualquer commerciante, e sommar todas as verbas de seu credito durante um largo periodo, e calcular por ahi a importancia de seu giro. Se isto provasse alguma cousa, podia provar que qualquer cambista do Rocio é mais rico que Rottchild. Se a somma das quantias emprestadas ao governo é de 90:000 contos, e se essas quantias se acham reduzidas a 9:200 contos, é porque o banco emprestou muitas vezes ao governo

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certas sommas, que depois recebeu, ganhando os juros e emprestando-as de novo.

Ha porém outro ponto ainda mais curioso na demonstração do illustre deputado.

Este illustre deputado disse — quereis saber quanto o banco perdeu com os decretos espoliadores da dictadura? Foram 4,243:973$204 reis. — E uma cifra tão exacta, que até não esqueceu por Os 4 réis; mas examinando esta demonstração achei o seguinte:

Reducção no valor das acções ao das obrigações do thesouro..........2.679:000$000

Reducção nos juros das dietas acções:

Pelos vencidos para cima de....... 341:000$000

Pelos que se vencerem para cima annualmente.................... 82:000$000

E assim por diante, sommando-se em cada uma das especies a reducção no valor do capital, e a reducção no juro annual.

Esta demonstração, em primeiro logar, tem um pequeno inconveniente, que é começar pelo fim. O que o illustre deputado devia demonstrar era, que effectivamente o banco perdia 2:000 contos com a reducção das acções a obrigações do thesouro, mas isto é que não tractou de demonstrar.

Posso suppôr, e quero acreditar, que fosse exacta esta proposição, mas só pela auctoridade que reconheço no illustre deputado, pelo respeito que voto ao seu talento e estudos, mas fóra daqui, não vejo na chamada demonstração cousa que se pareça com o nome que se lhe dá.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Faça a impugnação, que eu responderei.

O Orador: — Mas se eu procuro a demonstração, e não a acho! E uma demonstração impalpavel; não a encontro: encontro o resultado, mas não os calculos que a produziram — que quer o nobre deputado que eu impugne? E que significa sommar a reducção do capital com a perda no juro annual? Uma verba exclue a outra. Estas duas verbas, que se acham uma a par da outra, são inimigas capitaes.

Se a perda do banco se aprecia pela reducção do capital, não póde sommar-se esse resultado com o da reducção dos juros. (Apoiados)

Accumular uma perda com a outra é inteiramente impossivel; mas ainda o nobre deputado foi pouco generoso com a sua demonstração, porque deste modo, em logar de se contar só um anno, podiam-se contar muitos annos, e a:é a eternidade; desta maneira podia-se mostrar, que o banco tinha perdido muito mais, que o celebre milhão de milhões.

Não posso deixar de declarar, que estou convencido, que o illustre deputado não examinou o documento, que mandou para a mesa, porque, de contrario, não o leria apresentado. Talvez s. ex. no meio dos seus numerosos, e variados trabalhos, não tivesse tempo para examinar este documento, que apresentou; porque se o tivesse considerado bem, faço-lhe a justiça de acreditar, que o não teria apresentado (O sr. Nogueira Soares — Ouçam; ouçam).

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu estou ouvindo, e agradeço ao sr. Nogueira Soares o seu cuidado.

O sr. Presidente: — O não fallar para a mesa tem um grande inconveniente: excita mais as interrupções, e dialogos.

O Orador: — Mas as cifras são oppressoras e tyrannicas: este milhão de milhões pésa de tal modo? sobre nós, que quando conseguimos desembaraçar-nos delle, não póde deixar de sentir-se um certo allivio.

Não me importa a vida passada do banco, e pouco me importa tambem saber se o banco fez contractos com grandes usuras, nem tão pouco, se a portaria do sr. Avila, quando ministro, é exacta, como acredito. Ainda que tudo isto seja verdadeiro, peço uma amnistia para o banco; mas o que a camara não póde dispensar-se de fazer, é examinar as condições em que o banco se acha em relação a todos os grandes interesses, que elle é chamado a fomentar.

Para este fim a camara nomeou uma commissão de inquerito, cujo resultado se deve aguardar; e com quanto confie completamente nesta commissão de inquerito, não posso deixar de observar desde já, que me parece, que um banco é alguma cousa mais do que o interesse dos seus accionistas. Um banco não é uma conesia, nem um feudo; é, ou deve ser, um grande instrumento para facilitar a baixa do juro, baixa que é uma grande necessidade, que actua sobre nós, mais fortemente ainda do que sobre os paizes, que se acham mais adiantados do que nós. É assim que se intente o que é um banco, em toda a parte onde elles existem.

O banco de França desconta a 3 por cento, e o banco de Inglaterra reduziu a taxa do juro a 2 4 por cento; mas em Portugal o banco deste paiz sustenta a taxa de 5 por cento, com condições tão amesquinhadas, que é quasi impossivel que alguma industria aproveite o beneficio do desconto. Esta é a minha opinião.

Não quero, sr. presidente, alargar mais a questão, mas não posso ainda deixar de dizer, que creio muito pouco em bancos privilegiados (Apoiados t. Não tracto a questão em these, apenas emitto a minha opinião; não creio em bancos privilegiados, assim como não creio em privilegio nenhum.

O giro do banco é estreitissimo. Quer a camara saber quanto o banco tinha em fevereiro do anno corrente em leiras? Tinha 465 contos. E emprestimos sobre penhores tinha 241 contos: total 706 contos, isto com um capital de 8:000 contos!! As notas do banco de Portugal em circulação sobem apenas a 725 contos. Será isto um giro que possa alimentar a industria, já não digo do paiz, nem da capital, mas mesmo de um bairro! Isto mostra que o proprio banco não póde aproveitar o seu privilegio da maneira por que está organisado.

Pergunto então, qual é o motivo porque se combate o decreto de 30 de agosto? Será pelo respeito á propriedade do banco? Parece-me que essa propriedade atacada por todas as dictaduras, e por todos os parlamentos, em nome do credito e em nome das bancarotas, em nome da sanctidade dos contractos, e em nome da espoliação póde ser atacada em nome de um grande interesse publico. Sustentais a propriedade do banco, ou não quereis caminhos de ferro?

Sr. presidente, eu já disse que tambem assignei o parecer da commissão de fazenda do anno passado, em que se dava ao fundo de amortisação uma nova applicação, e que por conseguinte tambem me competia a pecha de bancarroteiro; mas se se lhe disser — qual quereis vós, que o fundo de amortisação seja applicado para o caminho de ferro do norte, ou que se lhe dê o destino que a commissão de fazenda propunha no seu projecto — eu respondo que prefiro se

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applique antes ao caminho de ferro; e tenho bastante franqueza para assim o dizer, porque não tenho a pretenção de que o meu pensamento seja sempre o melhor.

Os caminhos de ferro já não póde haver ninguem que os combata de frente. Póde-se querer difficultar, embaraçar e impedir este grande melhoramento: póde-se pretender que o governo o não leve a effeito, podem combater-se por intrigas politicas, por inveja, odio, ou ambição. De frente ninguem ataca os caminhos de ferro.

Já se disse que nunca haviamos de ter caminho de ferro do norte, porque o fundo de amortisação não chega para isso. O caminho de ferro póde importar em 12 mil contos, e o fundo não póde valer essa somma. Tambem se tem dicto — não se acredite no caminho de ferro de leste, porque a companhia Hislop não tem fundos, o seu deposito é um deposito imaginario. — Mas, porque o fundo de amortisação não chega, póde concluir-se daqui, que não seja um poderoso auxilio para que esta obra se faça? Não vêdes que em muitas nações mais adiantadas, está estabelecido o principio, do governo entrar com uma parte nas acções de uma companhia de caminhos de ferro? Não vêdes que neste principio vai mesmo uma grande vantagem da intervenção do governo nos trabalhos e gerencia de uma companhia, que toma encargos tão serios, e que implicam tantos interesses publicos E que me imporia a fortuna de cada um dos accionistas da companhia? Admira-me tanto escrupulo! Supponhamos por exemplo, que a companhia não póde fazer o caminho de ferro: o que se segue daqui, é que a companhia Hislop perdeu os trabalhos que tiver feito, perde o deposito, e o estado não perde nada (Apoiados).

Acreditará alguem que, se por ventura o governo não tivesse adoptado as bases que adoptou, bases que hão de ser sujeitas ao pailamento, viria outra companhia fazer o caminho de ferro! Se ha quem o acredite, está enganado.

Eu não vejo perigo nenhum para o estado, na maneira porque se assentaram as bases do contracto com a empreza dos caminhos de ferro de leste. Creio em caminhos de ferro, e creio nos caminhos de ferro de leste, e do norte; e a minha crença assenta menos no fundo de amortisação, e na companhia Hislop, do que no consenso universal da nação; esta é a rasão capital da minha crença. Ha tempos, quando se faltava em caminhos de ferro em Portugal, dizia-se — bellos sonhos; — porém hoje todos pensam que elles são uma necessidade imperiosa. Os caminhos de ferro hão de ser em pouco tempo um facto consummado, que nenhuma opposição poderá impedir, nem nenhum governo deixar de realisar, porque, se qualquer governo, ou qualquer poder deixar de realisar estes melhoramentos, ha-de cair immediatamente debaixo de um brado geral de reprovação (Muitos apoiados).

Passo agora, sr. presidente, a Iniciar do decreto da conversão, e desejo dizer alguma cousa sobre o que considero origem do decreto de 18 de dezembro e do decreto de 3 de dezembro, sustentando ainda a minha opinião já emittida em outra occasião.

O decreto de 3 de dezembro na minha opinião nasceu:

1.º Do atrazo dos pagamentos, que impossibilitava a regularidade do serviço publico.

2.º Das antecipações das receitas herdadas das administrações anteriores.

3.º Da antecipação de grande parte das decimas, pelo emprestimo dos 450 contos do si. Franzini.

4.º Da antecipação de grande parte do rendimento das alfandegas pela creação dos bilhetes do sr. Ferrão, e pela permissão do pagamento em leiras, que o governo descontava.

Nestas circumstancias o governo deixou de pagar um semestre de juros da divida fundada externa e interna, e do emprestimo dos 4:000 contos. Eu intendo, que o governo fez o melhor que podia fazer na situação difficil em que se achava, e na impossibilidade de recorrer a meios, que não fossem ruinosos. Apesar de violento o meio de que o governo lançou mão, não duvido approva-lo, como já o approvei na camara passada.

Mas o governo decretou a capitalisação não só do semestre, que tinha deixado de pagar, mas dos outros tres semestres em divida, e de parte da divida fluctuante. Nesta parte intendi, e intendo ainda hoje, que a capitalisação foi um máo expediente.

As principaes razões que tenho para assim pensar são, que a capitalisação prejudica os credores pela abundante emissão de novos titulos, que fazem depreciar no mercado o valôr da divida consolidada; e é prejudicial ao estado, porque augmenta a despeza em 272 contos; e demais apressa 2 annos a escala ascendente, fazendo passar logo no primeiro semestre de 1853 o juro destas dividas de 4 para 5 por cento. Os factos posteriores confirmaram as apprehensões que a capitalisação suscitou.

A meu vêr o decreto de 18 de dezembro ordenou a conversão forçada, porque a escala ascendente estava á porta, e os juros augmentados pelo decreto de 3 de dezembro. A compensação allegada a favor da capitalisação desappareceu, porque a base sobre que se estabeleceu a conversão da divida interna, fazia que o. credores desta divida perdessem um quinto de suas rendas.

Apresentarei um exemplo: antes de 3 de dezembro quem possuisse uma inscripção de 4 por cento no valor de 1:000$000 reis, tinha de renda, abatida a deducção, 30$000 réis.

O decreto de 3 de dezembro capitalisando 4 semestres elevou o capital a 1:120$000 réis, e a renda a 33$600. O decreto de 18 de dezembro reduziu o capital primitivo a 80 por cento 800$000 reis, e conservou o capital proveniente da consolidação dos juros 120$000, total réis 920$000, renda a 3 por cento 27$000. Daqui se vê que a compensação fica annullada.

Por outro lado o relatorio do decreto de 18 de dezembro calcula em 350 contos a economia proveniente da conversão; mas se descontarmos desses 350 coutos os 272 da capitalisação, fica apenas uma economia de 78 contos; isto é senão houvesse capitalisação nem conversão, a despeza seria só maior do que fica sendo, 78 contos: mas isto mesmo é só nos primeiros 10 annos, porque o decreto de 18 de dezembro mandou passar titulos de divida differida com pagamento de juro de 3 por cento depois de 10 annos, pela deducção que se fez de 25 por cento nos juros, desde o segundo semestre de 1842 até ao fim de 1852. Eu intendo, que não ha obrigação de pagar essas deducções, porque se se parte dos nossos apuros financeiros para ordenar a reducção do juro, essa mesma causa justifica a deducção dos 25 por cento.

A importancia desses titulos de divida differida não

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se pode calcular em menos de 3:600 contos aproximadamente; porque os juros da divida fundada importam, pouco mais ou menos, segundo os orçamentos, em 3:200 contos, e assim vem a ser a deducção annual dos 25 por cento, 800 contos, o que dá em 4 annos e meio aquella somma de 3:600 contos; e assim vem a ser o encargo correspondente a esta nova divida 108 contos; o que annulla a economia dos 78 contos, e dá um augmento de despeza de 30 contos.

E por estes motivos que eu voto contra a capitalisação, como votei na sessão passada, e voto tambem contra a conversão que della derivou; e neste sentido mandei para a mesa uma proposta. Se porém a camara approvar a capitalisação, então approvarei a conversão, porque julgo peor a capitalisação sem a conversão, do que sendo seguida desta segunda medida, que attenua os seus effeitos, estende a tornar possiveis os seus encargos.

Não concordo porém com a opinião daquelles que dizem, que a reducção do juro é um facto sem precedente. O precedente está na propria deducção dos 25 por cento, que não é outra cousa mais que a reducção forçada do juro, e só se distingue da que foi decretada em 18 de dezembro, em que esta é mais fiança e mais leal.

Tambem não sei a que vem propôr-se como modêlo a conversão que recentemente se propoz em França. Essa conversão é um resultado do credito; a nossa quando haja de fazer-se, póde ser um meio de obter o credito.

O juro da divida é enorme, e não basta dizer que é preciso pagai. O credito na minha opinião não existe sem dois elementos essenciaes: e preciso que o credor confie não só na boa vontade de pagar, mas tambem na possibilidade de pagar (Muitos apoiados) e este ultimo elemento é quasi sempre eliminado nos calculos daquelles que se inculcam exclusivos defensores do credito.

Não se pode suppôr que qualquer governo deixe de pagar por sua vontade, podendo pagar. Não acredito em credito, quando se promette o impossivel, porque destes creditos está o paiz mais que saciado. Creditos desta natureza tem havido muitos, e delles não resulta outra cousa, que não seja a ruina e a banca-rota, e a banca-rota está decretada, desde o momento em que se promette aquillo que se não póde dar.

O verdadeiro credito só póde nascer da convicção da solvabilidade do devedor.

Não confio tambem, sr. presidente, nas minas da Califórnia, e Australia, em que o illustre deputado o sr. Avila põe, ao que parece, muita fé para os seus planos de conversões futuras; respeito muito a opinião do nobre deputado; mas permitta-se-me que eu expenda a minha; e esta e que não é exacto, que a baixa dos juros provenha da maior quantidade de numerario, mas sim do augmento dos capitaes e da facilidade da sua circulação. A producção do ouro póde duplicar, e o juro conservar-se estacionario, se não houver augmento na massa dos capitaes e no seu movimento (Apoiados).

Ninguem ignora, que em Inglaterra, onde a circulação do metal é diminuta, o juro é geralmente mais baixo que em França, onde o numerario abunda muito mais.

Allega-se a auctoridade de Michel Chevalier; mas esse distincto economista nunca affirmou, que a maior producção do ouro determinava a baixa do juro. Se por um lado póde parecer, que o valor dos titulos de divida fundada deve subir na razão da depreciação da moeda, é essa a verdadeira traducção economica do augmento dos preços determinado» por essa causa; por outro lado deve attender-se que o valor da renda diminue na mesma proporção, porque a renda e paga nessa mesma moeda depreciada (Apoiados).

Por consequencia a relação fica a mesma: nem a taxa do juro corrente, nem a taxa da divida publica lhe parece que se altere com o augmento da producção nas especies metalicas. Respeito muito a opinião do illustre deputado, mas estou convencido de que a Califórnia, e a Australia nunca hão-de vir salvar as nossas finanças; posso estar em erro, mas é esta a minha opinião. A Califórnia em que eu confio, é nos grandes melhoramentos de que precisa o paiz: (Apoiados) é na facilidade da circulação dos nossos productos; é no fomento vigoroso á instrucção publica, no desenvolvimento e progresso da industria (Apoiados).

Sr. presidente, passarei a fazer algumas considerações ácerca do codigo penal com o qual não sympathiso, e intendo que os defeitos capitaes que nelle se encontram, procedem de não lerem assentado muitas das suas disposições em uma base unica e filosófica. Intendo que ha falta de systema no codigo (não e uma falla de uma belleza symmetrica) porque um codigo penal não póde deixar de attender ao fim da penalidade; ao fim que o legislador se propoz obter por meio da incriminação e das penas — assim hade ser determinada a imposição das penas e a sua graduação.

Sinto tambem que o codigo penal contenha esta pena reprovada pelo coração e pela intelligencia — a de morte! — Julgo que neste ponto a esquerda e a direita se acham em perfeito accordo (Apoiados). Não acredito tambem nem na efficacia, nem na bondade, nem na justiça da pena de morte. Queria que o codigo penal attendesse ao principio da rehabilitação do criminoso, e não apresentasse a pena de isolamento e do trabalho como aggravação da pena, mas sim como meio de reforma, segundo as opiniões de Tocqueville, Duspetiaux, e Lucas, cujos trabalhos em materia de criminalidade não devem ser considerados como de utopistas.

Passarei a analisar, ainda que rapidamente alguns artigos do codigo.

Art. 14.º O condemnado em mulcta é obrigado a pagar para o estado uma quantia proporcional no seu rendimento, até tres annos, arbitrada na sentença, de modo que por dia não seja inferior a 100 réis, nem exceda 2000 reis salvo nos casos em que a lei taxar quantias determinadas.»

Notarei em primeiro logar neste artigo, como já observou um illustre jurisconsulto nesta casa, que não comprehendo o modo como possa ser determinada a mulcta em proporção do rendimento, por uma sentença crime. Um processo criminal não póde confundir-se e complicar-se com um piocesso de liquidação de rendimentos; álem disso o minimo de 100 réis diarios é de uma exaggeração excessiva, por 100 réis de mulcta por dia póde ser a perda da vida para um desgraçado, ti eu que condemno a pena de morte, não posso deixar de condemnar do mesmo modo a da perda da vida pela fome: 100 reis

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é o salario do trabalhador em muitos pontos da provincia.

Art. 101.º «Quando a lei decretar a pena de mulcta, se o crime fôr commettido por muitos correos, a cada um delles deve ser imposta essa pena, salvo os casos em que a lei declarar, que uma só mulcta seja distribuida por todos.»

§ 1.º «Todos os auctores ou cumplices do mesmo crime, ou da mesma contravenção, que foram condemnados em uma só mulcta na mesma sentença, sem que nella se declare a parte que deve pagar cada um, são solidariamente responsaveis pelo pagamento da mesma mulcta.»

§ 2.º «A obrigação de pagar a mulcta passa aos herdeiros do condemnado, se em vista deste a sentença tiver passado em julgado.»

Não sei o que quer dizer a solidariedade da mulcta para o pagamento, quando a parte que a cada um toca, não se declare na sentença: parece ter-se trazido para aqui os principios da contribuição de repartição, como se a mulcta fosse um imposto. Tambem não admitto que os herdeiros fiquem responsaveis pelas mulctas: porque é um principio consignado na cai la constitucional, de que a pena não passa da pessoa do delinquente. (Apoiados) Ainda aqui me parece ler-se dado á mulcta natureza de imposto: parece querer lançar-se um imposto sobre o crime.

Não comprehendo caso algum em que a suspensão da execução do crime, por effeito da vontade do criminoso, não destrua a criminalidade; e no entanto, o que se lê no artigo 9.º?

«Nos casos especiaes em que a lei qualifica como crime consummado a tentativa, a suspensão da execução deste crime por effeito da vontade do criminoso não é causa justificativa.»

De maneira que aquelle, que não chegou a consummar o delicto, por effeito de vontade, tambem soffre a pena 1

A theoria da tentativa é uma das mais melindrosas do direito penal, mas todos os criminalistas ensinam, e fallo diante de uma auctoridade respeitavel, o sr. Bazilio Alberto, que a tentativa só é punivel, quando o crime deixou de ser consummado por motivos independentes da vontade.

Uma das applicações do artigo 9.º está no artigo 163.º, § 1.º

«O attentado (contra a vida do Rei ou Rainha) consiste na execução ou na tentativa.» A este crime applica-se a pena de morte, e qual ha-de ser o juiz que ousará condemnar á morte aquelle, que se deteve na execução do crime, aquelle que o não commetteu talvez por um arrependimento sincero?

Acredito que a consciencia publica se revoltará contra tal condemnação.

Tambem se applica o principio consignado no artigo 9.º na disposição do

Art. 227.º «Seia punida com prisão de um a seis mezes, e com a mulcta de 5 a 200 mil réis.»

1.º Toda a colligação entre aquelles que empregam quaesquer trabalhadores, que tiver por fim produzir abusivamente a diminuição do salario, se fôr seguida do começo de execução;

2.º Toda a colligação entre os individuos de uma profissão, ou de empregados em qualquer serviço, ou de quaesquer trabalhadores, que tiver por fim suspender ou impedir, ou fazer subir o preço do trabalho regulando as suas condições, ou de qualquer outro modo, se houver começo de execução.

Isto quer dizer, que se os operarios de uma fabrica se juntarem pedindo ao mestre uma elevação no salario; se declararem que abandonam o trabalho, não lhe sendo deferida a pertenção; se o mestre recusar, e elles, apesar disso, voltarem tranquillos e sossegados para o trabalho, ainda assim os alcança a inflexibilidade da penal.

Vê-se neste artigo a incriminação de um facto que; não póde nem deve estar sujeito á acção da lei criminal

Todos os crimes que se acham designados debaixo do titulo do monopolio, não são crimes, á excepção dos que practicarem violencias e ameaças em qualquer arrematação publica; este facto é criminoso, mas como falta de respeito á auctoridade e como ataque á liberdade individual, e não como crime de monopolio. Todos os mais factos incriminados neste titulo sáem dos limites de uma penalidade rasoavel. Não intendo que a lei diga ao operario — tu não podes pedir o augmento do salario, não podes reunir-te e colligar-te para estabelecer quaesquer condições a esse respeito; os factos economicos exigem a liberdade como a sua primeira condição. Só pela liberdade se podem conciliar e harmonisar os interesses das diversas classes, que concorrem para a producção.

Mas, sr. presidente, um dos artigos que se torna mais notavel é o artigo 198.º, que diz:

«Aquelle que voluntariamente e habitualmente acolher, ou der poupada a malfeitores, sabendo que elles teem commettido crimes contra a segurança do estado, ou contra a tranquillidade e ordem publica, ou contra as pessoas ou propriedades, quer seja dando successivamente este acolhimento, quer seja fornecendo-lhes logar de reunião, será punido como cumplice dos crimes que, posteriormente ao seu primeiro facto do acolhimento, esses malfeitores commetterem.»

Não sei como se possa tornar responsavel qualquer individuo que acolhe outro em sua casa pelos crimes futuros que aquelle commetter. Vejo neste artigo uma especie de fiança, que não é auctorisada por nenhuma previsão possivel: aquelle que acolheu em sua casa um criminoso, talvez por um principio de compaixão, fica responsavel não só pelos crimes passados, mas ainda pelos crimes futuros desse criminoso! Não sei onde os auctores do codigo encontraram os motivos que dictaram este artigo.

Nos effeitos das penas notarei tambem o artigo 53.º

«O condemnado a qualquer das penas perpetuas de trabalhos publicos, prisão ou degredo, etc.

§ 1.º Sómente poderá receber dos seus bens, ou rendimentos, a porção que o governo julgar conveniente auctorisar.»

A disposição deste artigo importa a intervenção do governo, aggravando ou alliviando a pena, porque ninguem dirá que a pena não é mais ou menos grave, segundo fôr concedido ao condemnado o uso mais ou menos extenso dos seus rendimentos.

Do mesmo modo não me parece que seja defensavel a doutrina do artigo 129.º, porque ella estabelece a intervenção do governo na suspensão dos direitos politicos.

Art. 129.º «O condemnado a pena temporaria, que tenha por effeito a perda dos direitos politicos,

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não póde recobra-los pelo cumprimento da pena, sem que obtenha a rehabilitação.

§ 2.º A rehabilitação e concedida pelo governo passados tres annos depois do cumprimento, ou perdão, ou prescripção da pena temporaria, precedendo as necessarias informações das auctoridades administrativas. -.

§ 3.º Quando a pena da perda dos direitos politicos fôr importa como principal, póde tambem, passados 15 annos, ter logar a rehabilitação, nos termos do paragrafo antecedente.»

No que respeita a direitos politicos, ainda a intervenção do governo me parece mais perigosa, e mais insustentavel, que em outra qualquer pena; e bem patente o abuso que um governo pouco escrupuloso póde fazer, aproveitando-se desta disposição.

Acêrca dos artigos do codigo penal sobre materia religiosa, não entrarei em largo desenvolvimento a este respeito; mas quem lê esses artigos, logo reconhece que não está em harmonia com os principios consignados na carta constitucional, e que se ressentem fortemente de intolerancia religiosa.

Finalmente ha no decreto do processo criminal uma disposição, a qual no caso de não ser retirada, me obrigara a votar contra todo o codigo; é a que estabelece o processo correccional sem jury nos crimes, em que o maximo da pena é de 2 annos de prisão, 2 annos de desterro, 2 annos de mulcta ou 6 annos de suspensão dos direitos politicos. Espero dos srs. ministros, que não insistirão nesta disposição. Eu reconheço no governo espirito de liberdade e tolerancia: não sou daquelles que pertendem inferir das disposições do codigo, que o governo é um déspota, que não é tolerante, que não ama as liberdades publicas; mas a verdade e que estas disposições que se acham no codigo, não estão em nada absolutamente de accôrdo com a politica tolerante e liberal, que o governo tem seguido. Estou persuadido que se isto dependesse do governo, e, se elle continuar a gerir os negocios publicos, ha-de ser o primeiro a empregar todos os meios ao seu alcance para prevenir os resultados que podem vir da execução de uma tal doutrina

Espero sobre este ponto declarações cathegoricas por parte do governo, e repito que ligo a isto mais importancia do que a todas as disposições do codigo, porque intendo que é melhor um codigo dacronimo com uma lei de processo liberal, do que um codigo liberal com uma lei de processo sem garantia e sem jurado. (Apoiados)

Sr. presidente, uma das medidas da dictadura que muito honra os cavalheiros que a assignaram, e pela qual votava com todo desassombro, e com a convicção plena de que foi bem recebida do paiz e a da — reforma postal — (Apoiados) que veio arrancar a repartição dos correios da anarchia em que se achava, introduziu nella grandes melhoramentos; estabeleceu-se um systema uniforme de administração; antes da reforma o serviço só se fazia por administração em Lisboa, Porto, Coimbra e Braga e havia nas outras terras do reino uma especie de rendeiros pagando uma pensão, e fazendo seu o producto das cartas. Com este methodo era impossivel a regularidade do serviço; adoptou-se o sêllo de franquia, e estabeleceu-se o correio diario para todas as cabeças de districto.

As vantagens desta disposição já são appreciadas e reconhecidas practicamente, porque ninguem ignora, que, ainda ha bem pouco tempo, era mais facil escrever uma carta para Londres e receber a resposta, do que ter a resposta de alguns pontos do reino, de cartas que para alli se tivessem escripto, e eu não posso deixar de aproveitar esta occasião para dar um testimunho publico de consideração e respeito ao digno empregado, que está á testa daquella repartição, o Sr. João de Sousa Pinto de Magalhães (Apoiados) homem de um caracter respeitavel e respeitado por todos, cujo zêlo e intelligencia elevada comprehendeu perfeitamente a grande vantagem, que resulta para o paiz da immediata applicação desta reforma, e que se tem esforçado em leva-la a effeito, como já tem conseguido em muitas partes do reino.

Tambem julgo de grande vantagem publica o decreto que adoptou o systema metrico. A urgencia desta medida era geralmente sentida: a questão que se suscitava era sobre a nomenclatura; e eu intendo, que o governo resolveu esta questão pela opinião mais rasoavel, porque a applicação dos nomes antigos ás novas medidas era um principio de confusão, que não podia deixar de prejudicar a generalisação do systema.

Em quanto ao decreto da 11 de outubro, acêrca da questão do Douro, sobre elle a minha opinião e que se as medidas adoptadas sobre este negocio não o resolvem definitivamente, pelo menos são um grande passo que se dá no sentido da extincção do monopolio. (Apoiados)

Em quanto á decima de repartição, contra a qual tanto se tem clamado, e em que eu voto com toda a convicção, e quasi com enthusiasmo, peço aos seus impregnadores, que tanto receiam a elasticidade do imposto, que a comparem ao systema de lançamento, e digam, em consciencia, senão veem a mesma elasticidade do imposto n'este systema, quando o governo e o parlamento não são bastante prudentes para calcular o imposto, em relação ás forças contribuintes.

Eu vejo a elasticidade tanto n'um, como n'outro systema: reparem bem que a decima não e a decima parte do rendimento liquido; é mais djll por cento, e tem subido a esta percentagem pelos impostos addicionaes: álem da decima ha os 5 por cento addicionaes; mais 15 por cento para estradas; mais 10 por cento para notas e o sello; e sempre que as urgencias do estado, bem ou mal intendidas, reclamaram o augmento do imposto, se lançaram os addicionaes.

Porém pela repartição não se tracta de augmentar o quantum do imposto, mas de o distribuir melhor (O sr. Ministro da fazenda: — Apoiado). Ninguem ignora o modo como são feitos os lançamentos da decima; ninguem ignora todas as reclamações que se têem apresentado pelas desigualdades palpitantes entre as grandes divisões administrativas, como de concelho para concelho, de individuo para individuo.

E para sentir que estejamos tão atrazados em trabalhos estatisticos, que não se possa demonstrar cabalmente pela evidencia das cifras essa verdade reconhecida pela consciencia publica, e que cada um aprecia pelo que vê practicar no seu concelho ou no seu districto: mas o peior é que a desigualdade é grande, e contra a pequena propriedade. (Apoiados)

Apresentarei á camara, na falla de outros dados estatisticos mais completos, os que foram publicados

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em 1851, pelo sr. Claudio Adriano da Costa, tirados dos lançamentos officiaes em relação ao anno de 1841 a 1842, com referencia a 20 concelhos do districto de Lisboa, para se apreciar a maneira como eram feitos esses lançamentos.

Nesses 20 concelhos a somma total das quotas da decima que não chegam a 100 íeis, são 5:034; as de 100 a 200 reis, são 5:919; as de 200 a 500 réis, são 8:141; as de 500 a l:000 réis, são 5:697; as de 1$000 a 2$000 réis, são 3:362; as de 2$000 a 5$000 réis, são 2:167; as de 5$000 a 10$000 réis, são 738; as de 10$000 a 50$000 réis, ião 672; as de 50$000 a 100$000 réis, são apenas 43; as de 100$000 até 200$000 réis, não passam de 16.

Em algum dos concelhos onde a desproporção é mais notavel, como por exemplo, no concelho de Sines, encontram-se: quotas até 100 réis, 457; de 100 a 200 réis, 398; de 200 a 500 réis, 227; de 500 a 1$000 réis, 90; de 1$000 a 2$000 réis, 32; de 2$000 a 5$000 réis, 11; de 5$000 a 10$000 réis, 3; de 10$000 a 50$000 réis, 2,; e daí para cima nada.

O sr. Avila: — De que data são os lançamentos!

O Orador. — De 1841 a 1842.

O sr. Avila: — Eram os mais imperfeitos.

O Orador: — Tambem não os dou por completos: não venho apresentar estes dados como um argumento irrecusavel, mas os poucos ensaios estatisticos que temos, taes quaes se nos apresentam, deixam vêr claramente o que a convicção geral tem reconhecido.

Eu estou convencido, que as pequenas quotas avultam consideravelmente na decima (é um facto conhecido de todos). O que significam estas quotas tão miseraveis de 100 réis, de 70 réis e dê menos? Estas quotas não devem lançar-se nunca. (Muitos apoiados) Em logar de uma receita são um completo desperdicio. (Apoiados) Mas como quereis tornar igual a distribuição do imposto, torna lo proporcional, senão interessando todos os contribuintes nesta proporcionalidade?

Uma grande differença que ha entre o systema de lançamento e o de repartição, é que neste o contribuinte interessa na boa distribuição. É que a acção dos diversos interesses tende a destruir a desigualdade.

Sr. presidente, a questão do imposto é uma questão gravissima, que prende com muitos interesses, e occupa por toda a parte a attenção dos homens que pensam.

Hoje não é só a justiça, mas a prudencia que obriga, que deve determinar a todas as classes a quem a sorte collocou em uma posição mais elevada, a acceitar a missão de ajudar os outros que a sorte collocou mais abaixo, a partilhar as vantagens da civilisação. — O progresso tem duas manifestações: a 1.ª é o desenvolvimento da prosperidade publica; e a 2.ª é um numero cada vez maior a gozar dessa prosperidade; o progresso sem esta condição é um progresso falso, que eu rejeito em nome das idéas democratas, que me prezo de ter.

Tambem para impugnar a contribuição — de repartição — se citou Cobdene Peel, estes dois homens celebres; mas parece-me que esta citação veiu pouco a proposito em tal objecto.

Disse-se, que elles tinham mostrado no parlamento inglez, que durante um certo periodo tinha diminuido o imposto territorial; mas esqueceu dizer, que Peel, terminou propondo o income tax, que Cobden Votou o income tax; este homem que na nossa historia contemporanea tem um dos nomes mais bellos entre o nome dos verdadeiros amigos da humanidade, esse homem, que tractou de promover por todos os modos o beneficio a todas as classes mais desvalidas do seu paiz, não pensou em seduzir com utopias fallazes, mas procurou realisar muitos beneficios e vantagens para as classes pobres: Cobden não póde ser citado para combater o imposto directo, e a sua distribuição equitativa. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Quando eu fallar, eu lhe direi qual é a historia do income tax — lêa — Bastiat).

O Orador: — Tambem li Bastiat, e Garnier, não me envergonho de o confessar francamente, de certo não tenho a habilidade de aprender a historia nos meus sonhos ou devaneios; aprendo-a lendo.

Tambem se disse, que a contribuição de repartição produziu a revolução de 1846; tambem veiu este argumento ad terrorem, e a este respeito devo confessar que ouvi isto com pasmo.

Eu tenho o peccado talvez, mas de que não estou arrependido, de ter tomado parte no movimento politico de 1846. Estava até aqui persuadido que tinha sido um demagogo, um inimigo da propriedade, um inimigo da carta, um violador dos contractos; pelo menos era isto que tinha ouvido chamar nos revolucionarios de 1846; agora porém sei o contrario disto, agora vejo que, aquelles que resistiam á revolução de 1846 é que eram os demagogos, é que eram os inimigos da curta e da propriedade; não esperava que havia de vir receber agora a minha amnistia! Ouvi dizer muitas vezes que a revolução de maio de 46 era um brado da demagogia, mas pelo que actualmente tenho ouvido, vejo que a revolução de maio de 46 foi um brado contra a demagogia. O que é certo, porém, é, que a revolução de maio de 1846 não nasceu nem da demagogia, nem da contribuição de repartição; esta é que é a verdade; (Apoiados) nasceu de muitos aggravos publicos, que pesavam sobre o paiz; (Apoiados) nasceu dos fuzilamentos eleitoraes de 1845 (Apoiados) nasceu das perseguições e da intolerancia politica desse tempo; (Apoiados) nasceu, por assim dizer, do presentimento popular que se tinha generalisado de que havia uma certa organisação de companhias de credito, que não tendiam a outra cousa mais senão a sugar toda a substancia publica, sem proveito algum para o paiz. (Apoiados) A revolução de 1846 foi um grande presentimento popular; posso dize-lo sem atacar prerogativa nenhuma: na mesma proclamação de 6 de outubro se declara, que a revolução de maio era um facto respeitavel. (Apoiados)

A revolução de maio de 1846 não teve por causa a contribuição de repartição; as causas foram as que acabo de expor. Mesmo a causa occasional tambem não foi a contribuição de repartição; a causa occasional da revolução de maio de 46, appello para o testimunho de alguns cavalheiros que me ouvem, e que presenciaram os primeiros acontecimento», a causa occasional foi o imposto sobre um cadaver; esta foi a causa occasional, que excitou a indignação dos povos do Minho. (Apoiados) Era um cadaver que a lei não permittia enterrar, que as auctoridades não consentiam que se désse á sepultuea, sem se pagar previamente um certo imposto a titulo, não sei de que emolumento. Eis ahi está o que deu logar ás primeiras desordens; a causa não foi a con-

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ribuição de repartição; clamou-se depois contra ella, como se clamou contra todas as medidas do governo de então, porque desse governo nada havia a esperar a bem do paiz O que contribuiu então para tornar impopular esse imposto, foi a complicação do methodo Talvez muito perfeito como arte, mas muito vexatorio na practica, porque aconteceu em muita parte, que os empregados exigiam do contribuinte para encherem as declarações, mais ainda, que as quotas que devia pagar.

Não se pertende desde já. como então, attingir essa perfeição de methodo, e folgo de vêr que o governo calculou as circumstancias, não compromettendo a execução da medida por uma perfeição mais ou menos dispensavel.

Tal como se apresenta, despido de todos esses atavios, aliás muito bellos, muito bons talvez, segundo as regras da arte, mas muito improprios para plantar neste paiz esse systema de imposto, acredito que ha de ser recebido pelos povos sem repugnancia. (Apoiados)

Sr. Presidente, vou concluir, mas antes de o fazer, devo declarar á camara, que não quero de modo algum que se intenda, que o meu voto a favor da contribuição de repartição parte de menos consideração, de menos attenção ás grandes vantagens que devemos esperar do maximo desenvolvimento, da mais esperançosa das nossas industrias, da industria agricola. — Eu quero toda a protecção, toda a consideração pela industria agricola, mas não a quero pela excepção do imposto proporcional.

Quero a protecção á industria agricola por um largo systema de viação, baseado nos caminhos de ferro, e completando-se por uma rede de estradas bem combinada, de sorte que os productos agricolas possam facilmente ser transportados aos fócos de consumo e aos portos de mar: intendo que o governo se deve occupar, desde já, de achar os meios de levar a effeito, com promptidão, uma vasta rede de estradas, que alimentem os caminhos de ferro, e que façam sentir o seu beneficio a todo o paiz. Não intendo que se deva começar pelas estradas para depois ler vias ferreas, mas acredito que as estradas são um complemento indispensavel.

Quero o desenvolvimento da industria agricola pelo aperfeiçoamento dos methodos de cultura, e para o obter approvo com todas as minhas forças o decreto de ensino agricola, porque vejo neste decreto, não só o estudo da sciencia, como se tem pertendido inculcar, mas tambem o estudo practico e de exemplo: vejo adoptadas na organisação deste ensino as bases, que não precisam mais que ser convenientemente desenvolvidas e ampliadas, e que são aquellas que se veem geralmente adoptadas nos paizes, onde se reconhece a importancia deste ensino technico.

Quero o desenvolvimento e melhoramento da industria agricola, facilitando a transmissão da propriedade (Apoiados). E este um ponto importante que deve chamar a attenção do governo. Nós vêmos que uma grande parte dos nossos terrenos fertilissimos se acham esterilisados pelas leis, que tolhem a sua passagem para quem melhor a possa aproveitar A lei dos morgados, e muitas das provisões sobre fóros são uma anomalia no seculo; esta legislação se não caír agora, não virá longe o tempo em que tambem ha de ceder ás exigencias do progresso. (Apoiados)

Quero o desenvolvimento da riqueza agricola pela applicação, em larga escala, dos capitaes á terra, mas para isto não hasta decretar o credito agricola, porque esse credito ha de nascer naturalmente, quando existam as condições em que elle possa estabelecer-se.

E preciso primeiro que tudo acabar por uma vez com esse trafico improductivo e desmoralisador de agiotagem, que attrae os capitaes pelo engodo de lucros excessivos, affastando-os das applicações productivas.

E preciso tractar, e tractar com muita urgencia da revisão do nosso systema hypothecario, ou antes da sua organisação, porque não temos systema; sem isto mal póde existir o credito agricola.

Concluo, sr. presidente, chamando sobre estes pontos a attenção do governo, e especialmente do meu nobre amigo o sr. ministro da fazenda e obras publicas, e estou convencido que s. ex.ª, pela elevação da sua intelligencia, pelo seu zelo pelo bem publico, se terá occupado destes assumptos, e espero que ha de ter por elles toda a attenção que merecem os interesses mais vitaes do paiz. (Muito bem — apoiados — O Orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados).

Foi lido na meia o seguinte,

Additamento: — Exceptuam-se o decreto de 3 de dezembro de 1851 na parte relativa á capitalisação; e o decreto de 18 de dezembro de 1852, que ordenou a conversão das dividas publicas. — Casal Ribeiro

Foi admittido, e ficou conjunctamente em discussão.

O sr. C. M. Gomes: — Sr. presidente, tomei parte no parecer da commissão de fazenda de 1852, relativo ao decreto de 3 de dezembro de 1851, e fui um dos que votaram contra esse decreto. Esses actos que eu então partilhei, foram seguidos da dissolução da camara, duma dictadura, e da promulgação de mais 235 decretos de natureza legislativa.

Isto basta para a camara me relevar o occupar por alguns momentos a sua attenção; accrescendo ainda a circumstancia de que, como deputado pelo Ultramar, não estou nesta cadeira por virtude de um mandato subsequente ao appêllo que o executivo fez para a nação. Estou sem ser julgado, e por isso preciso justificar-me.

Sr. presidente, eu votei contra o decreto de 3 de dezembro, e tenciono votar contra elle este anno, pelos fundamentos que ha poucos dias foram allegados pelo sr. ministro da fazenda. — «O credito consiste em não prometter pagar mais do que se póde pagar.» — O exame do orçamento de 1852 a 1853 deu-me a plenissima convicção de que o deficit ía muito além de 190 contos que se apresentava, e por conseguinte que se ía prejudicar o credito, promettendo mais do que era possivel pagar; pondo de parte a desigualdade de attender a uns credores do estado, despresando as reclamações de outros, talvez mais fundadas. O decreto de 18 de dezembro de 1852 veiu confirmar plenamente as minhas previsões; assim como veiu justificar plenamente a commissão de fazenda, e a camara transacta.

Os decretos de 3 e 18 de dezembro são o pelo árctico e o pelo antárctico das finanças. Um chamou os semestres de juros, que pacificamente vivam em atrazo — os ordenados dos servidores do estado, cujo apreço era denunciado pelo valor do mercado — as

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ferias do arsenal, que todos se recordam como foram afferidas naquella camara — e os fornecimentos de 1846 e 1847, e disse-lhes: — vinde cá; quero-vos pagar integralmente (todas, menos as ferias do arsenal); tenho muitos recursos; o deficit é nada: assustar-me com elle seria vergonha. Estou rico, mas não tenho dinheiro em caixa, e por isso vos pago em obrigações com juro de 4 por cento.

O outro decreto salta para o extremo opposto, e comparando os nossos recursos com a enormidade da divida consolidada, que absorve um terço da renda do estado, allegando que não devem haver promessas fallazes, impossiveis de cumprir, conclue por uma reducção no capital e no juro da divida fundada interna e externa.

O decreto de 1852 é o poenitet me do de 1851. Mas pouco me importa, se esses decretos se contradizem.

Eu, sr. presidente, não tomei a palavra por opposição. Tenho todas as sympathias pelos membros do governo; mas uso da palavra para justificar o meu procedimento transacto, e o meu voto futuro. Impugno esses decretos, porque a minha posição me obriga a ser consciencioso, a não sacrificar os interesses do meu paiz ás finezas que tenho recebido do sr. ministro da fazenda, e que são publicas; e aproveito esta occasião para dar um testemunho dessas finezas, e pela publicidade que lhes deu.

E, sr. presidente, se eu aproximo os dois decretos, se faço sentir as suas dissidencias, é para que se veja que o proprio governo veiu em apoio das idéas da commissão de fazenda de 1852.

Porém vamos aos factos. Segundo os proprios orçamentos do governo, a divida fundada foi augmentada nestes ultimos dois annos de 26 milhões de cruzados (dos quaes 224 pertencem ao decreto de 3 de dezembro); e apesar das reducções no capital ainda o accrescimo ficou em 231 milhões. Nos juros houve um augmento de perto de milhão e meio, e não obstante as reducções ainda o accrescimo é de 100 contos de réis.

Observar-se-me-ha talvez, que não havia recursos, e que era forçoso havel-o». Alas de toda essa enorme capitalisação, que quantia aproveitou a essa necessidade urgente. Os juros dum semestre — 3 milhões. Cara operação!

Eu sei que me hão de dizer que as economias nada produziam; e eu concordo que não davam para tanto, de prompto j mas a commissão de fazenda de 1852 algumas apresentou, que eram, pelo menos, de um bom auxilio.

Sobre economias disse hontem na camara uma voz eloquente e auctorisada, que ou haviam de ser em grande, e eram impossiveis, ou mesquinhas, e não tinham as sympathias do illustre deputado. Eu respeitando, sr. presidente, o illustre deputado que assim se expressou, como um espirito elevado, e como meu mestre que foi, permitta-me com tudo s. s. como eu intendo exequiveis as economias em grande; fazendo-as limitadas, mas repetidas e incessantes. Creio que grandes economias se podem fazer, havendo tres coisas — prudencia, vontade e tenacidade.

Vaga um logar — preencha-se por alguem que esteja feira dos quadros. Um empregado fallou aos seus deveres — use-se de todo o rigor nos interesses do thesouro. Um corpo insubordinou-se — extinga-se o corpo. Vagaram pensões — não se preencha senão uma ou duas vagas, que um dever imperioso reclame. Não se façam mais paizanos alferes para o Ultramar, para no dia seguinte passarem para o exercito de Portugal... (O sr. Ministro da Fazenda — Paizano! Nenhum. Isso é contra lei).

Sr. presidente, os remedios que estou indicando, não são para os males do tempo da actual administração. Tracto dos males novos e velhos; tracto da entidade governo, e da entidade nação. Se não sairam alferes da classe de paizanos, não se póde negar o que diariamente se lê no Diario, e é, que individuos despachados alferes para o Ultramar, em seguida, e sem saírem do reino, são transferidos para o exercito de Portugal, onde de certo não ha falta de officialidade.

Mas já que s. ex.ª o sr. ministro da fazenda me fez a honra de me dirigir uma observação sobre alferes do Ultramar, seja-me permittido uma pequena divagação.

Sr. presidente, havendo em Gôa muitos officiaes inferiores com os estudos da sua arma, e ainda com estudos superiores, a promoção que teve logar, sendo eu secretario daquelle governo, só pôde competir aos inferiores, que além das habilitações tinham mais de; 7 annos de serviço. Alguns porém que não tem os estudos, e mesmo com menos annos de praça, pedem e obteem aqui o sairem alferes, mas para Moçambique, para onde não ha grande concorrencia; e não sei como, pouco tempo depois, são passados para o exercito de Gôa. Agora mesmo acabo de ver no Boletim exemplos desta ordem.

Não me demoro em fazer vêr, como será recebido um similhante facto por officiaes inferiores, que tem mais annos de serviços, e o estudo da arma.

Sr. presidente, eu já disse que reputo muito exequiveis economias importantes; mas talvez isto não seja bem acceito. Mas que lhe hei-de eu fazer? Siga-se a escóla de Hauterive: dar o estado muito, para que haja muito consumo, e por conseguinte glande receita. Observarei comtudo, de passagem, que Luiz Napoleão apesar de ser desta escóla, mandada escrever por seu tio; apesar de dever o imperio ás bayonetas, teve de fazer reducções, que só no ministerio da guerra importaram em dois annos em 10 milhões de francos.

Eu tenho ouvido declamar muito contra operações mixtas, porque uma parte do capital é recebida em moeda depreciada. Mas o que foi a capitalisação de 1851, senão uma operação em que, não parte, mas todo o capital foi recebido em moeda fraca? O estado recebeu juros em divida, recibos de ordenados, ferias do arsenal, e vales de fornecimentos, e passava titulos de divida com juros, como se recebesse metal tonante.

Sei que podem allegar em favor do systema da capitalisação o exemplo recente do paiz visinho; mas álem de que nem sempre adopto o exemplo dos outros, e além da rasão já aqui apresentada, de que a Hespanha não é paiz modêlo — em Hespanha dá-se a particularidade de que puderam alli, por annos, deixar de pagar os juros; mas tractaram de reformas importantes — abriram caminhos de ferro, e só agora, depois de montada a fabrica, convocaram os credores; entretanto que nós nos empenhámos, accommodando os credores em 1851, para depois pensarmos nos meios de intentar as grandes emprezas.

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Sr. presidente, talvez provenha do acanhamento das minhas idéas, mas assusta-me este repetido endireitar de finanças, que se não endireitam, e estabelecem uma escala ascendente de encargos no futuro. Em 3 de dezembro de 1851 augmentou-se a divida fundada com 22 milhões e meio, e o encargo annual com perto de 1 milhão, para que o governo tivesse meios de acabar com o deficit e antecipações, que no dia 31 de dezembro de 1851 eram orçadas em 2.140:000$ reis. Com effeito os recursos, de que pelo mencionado decreto o governo lançou mão, não só cobriam aquella somma, mas ainda a excediam em mais de 100 contos de réis, a saber:

Juros e amortisação — em semestre 1.850:000$000

Imposto para amortisação das notas — dicto................... 300:000$000

5 por cento nos ordenados e pensões — dicto.................. 80:000$000

Commissões e corretagens — diclo.. 20:000$000

Total..... 2.250:000$000

E que vemos nós em seguida? Que um anno e 15 dias depois se allega a necessidade de outra grande medida financeira, porque era indispensavel extinguir o deficit.

A camara de 1852 não leria as melhores idéas, mas teve por certo uma muito feliz, rejeitando o decreto de 3 de dezembro.

Sr. presidente, deu a hora, e por isso peço que me fique reservada a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: — Tendo representado alguns membros de commissão, que é preciso dar alguns dias para trabalhos de commissões; e como tambem ha sobre a mesa varios pareceres de commissões que precisam ser resolvidos pela camara, para lerem o competente destino, por isso ámanhã, depois da leitura da acta, ler-se-hão pareceres de commissões; e finda essa leitura dividir-se-ha a camara em trabalhos de commissões. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castre Freire de Macedo.

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