1260 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
ao que eu lhe tinha pedido que regularisasse e fiscalisasse; ou que, se realmente está n'elles garantido esse seu compromisso, é n'esse caso a direcção ou a administração actual do banco quem sophisma a lei e não a cumpre. E n'este caso concordando em que a lei está sendo sophismada e os estatutos offendidos, necessariamente o governo deve exercer o direito que lhe confere, o artigo 50.°, o direito de decidir a este respeito em ultima instancia. (Apoiados.)
Como v. exa. vê, já o anno passado, quando aqui se discutiu a organisação do banco emissor, dois deputados da opposição vinham fazer-se echo n'esta casa do que se preparava e tramava na sombra e não foi, portanto, por falta de prevenção que a commissão de fazenda e o governo não acautelaram, como deviam, este acto de moralidade, e os interesses, não são só dos particulares, mas do estado. (Apoiados.)
Os consules foram avisados, e, se não tomaram providencias, foi por não quererem, ou não saberem, posto eu acredite que sabiam mais do que precisariam. (Apoiados.)
Dá-se n'esta questão uma circumstancia que me faz pena, que me punge e entristece.
Quando funccionava o antigo banco de Portugal, elle ]á se governava, lá geria os seus interesses e administrava a sua fortuna, sem que chegasse cá fóra um só echo, uma unico rumor de quaesquer luctas intestinas que dentro d'elle se travassem, originadas pelos interesses controvertidos dos accionistas, que aliás todos geriam com verdadeira isenção. (Apoiados) Eu nunca ouvi fallar do banco de Portugal, senão no sentido de se assegurar que os seus negocios eram muito bem administrados. (Apoiados.) E o que succede hoje?
Disse-nos o sr. Centeno, deputado, que deviamos sempre partir do principio de que a direcção de qualquer banco administra como deve os seus negocios. (Apoiados.) Mas ha quem não concorde com tal principio; é o sr. Centeno, não o deputado, que ainda hontem se reuniu com outros accionistas para protestar contra a direcção de um banco que s. exa. suppõe não gerir bem os interesses que lhe estão confiados. (Apoiados.}
E não será isto realmente para lamentar? Não é isto um facto novo que deve entristecer-nos profundamente?
No banco de Portugal, repito, emquanto elle teve o caracter de uma instituição bancaria, perfeitamente particular, nunca se levantaram clamores na opinião publica, nunca houve lucta entre os seus accionistas por motivos d'esta ordem; mas, apenas convertido n'um banco official, logo que ao estado coube uma parte da responsabilidade na administração d'aquelle estabelecimento, o cabe-lhe realmente desde que tem n'elle um governador e um secretario da sua escolha, dias depois, ao primeiro acto importante praticado pela direcção, veja v. exa. quantas supeitas, quantas duvidas, quantas representações por parte de homens sem côr politica; porque, de mais a mais, esta questão não é politica; (Apoiados.) ao lado do sr. Centeno, não o deputado, estou eu, e ao meu lado está s. exa.! (Apoiados.- Riso.)
Não é isto realmente para lamentar? (Apoiados.)
Parece má sina d'este governo; em tudo que toca, era todos os actos de administração que pratica, deixa sempre alguma cousa que ou torna incompleta a organisação que se propõe estabelecer, ou, como na questão dos tabacos e n'esta, dão origem a boatos e versões que concorrem para a tal depressão do systema politico contra a qual s. exa. clamara, mas de que são os principaes fautores. (Apoiados.)
Ora, sr. presidente, eu já disse e demonstrei, que a deliberação da direcção do banco do Portugal é contra os estatutos e contra os interesses do estado, (Apoiados.) e que n'estas condições o governador devia tel-a suspenso e recorrido para. o governo. (Apoiados.)
Mas o que é mais extraordinario é que esta deliberação é tambem contra o accionistas; e isto tudo por aquella rasão que eu ha pouco indiquei. É contra os accionistas e veiu dar logar a uma guerra feita por financeiros contra financeiros. (Apoiados)
Ao mesmo tempo que por um lado se organisou um syndicato para comprar a 120$000 réis todas as acções que não se subscrevam ou não possam subscrever-se, (Apoiados.) e isto é importante, por que ha sem duvida muitos accionistas que não poderão subscrever, (Apoiados.) contando com esta probabilidade ou antes com esta impossibilidade, appareceu logo outro financeiro que no pleno uso do direito que lhe assisto de promover os seus interesses, prometteu logo 30$000 de premio por cada titulo de cinco acções aos accionistas que não podessem usar do direito de preferencia ás novas acções; isto é, aos accionistas pobres que no praso de 5 dias não poderem arranjar dinheiro para pagarem a primeira prestação. (Apoiados) Porque tão sómente de cinco dias é esse p raso, para preferir, e ao mesmo tempo procurar o dinheiro, 10 por cento, para a primeira prestação!
Esse praso termina no dia 30 de abril, e o pagamento da primeira prestação é Jogo no dia l de maio! De fórma que quem viver era Melgaço, no Algarve, ou no centro do paiz não terá tempo para fazer a respectiva declaração. (Apoiados.) E não é tanto a estreiteza do tempo, como a impossibilidade de arranjar dinheiro em tão curto praso para poder satisfazer essa primeira prestação. (Apoiados.)
Alem d'esse financeiro, consta que ha já um outro que dá 32$000 réis de premio! (Apoiados.)
Não será isto o leilão da pobreza? (Apoiados)
Não são por certo os ricos os que se aproveitam d'este offerecimento, porque estes podem facilmente levantar n'um banco os dinheiros necessarios para o pagamento da primeira prestação; são os accionistas pobres, que não podendo alcançar dinheiro com facilidade preferirão perder alguma cousa a perderem tudo. (Apoiados.)
E o que faz o governo, sr. presidente? O governo considera esta questão uma questão politica e fecha os ouvidos aos brados dos deputados da opposição e dos accionistas d'aquelle banco!
Accionistas ha que já representaram á direcção do banco de Portugal. Se não encontrarem justiça, recorrerão para o governo, e se este lh'a negar recorrerão provavelmente para o parlamento.
Recorreram primeiro para a direcção do banco porque era a primeira instancia. E assim que procede quem quer tratar de defender os seus interesses.
Repito, o governo tem direito de intervir porque na lei estão marcados taxativamente os casos em que o póde fazer, e prescripta por uma maneira clara essa intervenção. Se não interveiu, foi porque não quiz; se não intervem é porque não quer.
Mas depois não se queixe das nossas accusações, porque me parece que, se tudo isto vae passando sem difficuldades e sem obstaculos, nós teremos de deixar de ser deputados para nos convertermos em accusadores.
Um governo combate-se; mas se um grupo de homens, como o que se senta n'aquellas cadeiras, fecha os seus ouvidos ao que ha de mais sensato, e insiste unicamente em se conservar no poder, então esse grupo de homens accusa-se para o forçar a sair d'ali, visto que deixou de constituir um governo que administre, embora mal, para constituir um governo que, acima de tudo, desmoralisa a nação; e isto é que é importante.
Já uma vez eu disse n'esta camara que em Portugal já se viveu sem dinheiro. Em 1851 eramos pobrissimos, porque nos faltava tudo o que constituia os differentes recursos dos outros paizes da Europa. Mas então saíamos da guerra civil e não da guerra financeira. Para vivermos havia ainda, como capitaes, os sacrificios do patriotismo e a abnegação. Hoje ha somente a politica de interesses. (Apoiados. )
De então para cá as cousas têem mudado.