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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Osorio de Vasconcellos, pronunciado na sessão de 12 do corrente, e que devera publicar-se a pag. 204 do Diario da camara.

O sr. Osorio de Vasconcellos (sobre a ordem): — Obedecendo, como me cumpre, ás prescripções do regimento, passo a ler a minha moção de ordem, que é uma substituição ao projecto de resposta ao discurso da corôa (leu).

Dizia n'uma das sessões passadas o sr. presidente do conselho de ministros, que quando fazia administração não fazia poesia. Provavelmente a antithese não é verdadeira, porque o nobre presidente do conselho quando faz poesia é que faz administração (riso).

Vejamos como é que fez poesia, em que circumstancias e com, que proveito para a sua pessoa. D'este modo poderemos avaliar os quilates administrativos de s. ex.ª

Ora, é de saber que o nobre presidente do conselho teve sempre em muito pouca conta todos aquelles que têem a infelicidade de conversarem com as nove irmãs. Poderia citar muitos exemplos. Contento me com um. Houve ahi um pobre homem, um poeta inspirado pelo fogo sagrado e cujo nome basta para immortaliser a nossa patria.

Chamava se João Baptista de Almeida Garrett, espanto e admiração de nós todos os parias e os ilotas da sciencia, e por isso mesmo desprezo e vilipendio do alto e poderoso senhor, que no patriciado tem o nome de marquez d'Avila o de Bolama!

Garrett era um pobre homem, que apenas escreveu uma duzia, se tanto, de livros immortaes, de obras primas — que o esculpiram nos bronzes eternos da historia, e inscreveram o seu nome com letras de oiro nos penetraes do templo da fama.

Era de feito um pobre homem aquelle bom Garrett. E tão pobre homem e tão humilde, sr. presidente, que ha de brilhar sempre no firmamento da nossa patria como estrella immorredoura, quando a memoria e o nome do sr. marquez d'Avila e de Bolama se houver sumido nas sombras da mais obscura vulgaridade (apoiados).

Este pobre homem immortal foi um dia desprezado e conspurcado, como de rasão, pelo sr. presidente do conselho, hoje marquez d'Avila e de Bolama, e então simples filho do povo — Antonio José d'Avila. Creio que o sr. d'Avila era então ministro, e Garrett, com a garra possante do genio, arremessou-lhe um stygma e disse lhe: D'onde vens tu e de que escombros te alevantaste? Nunca te encontrei nos campos de Marte, e muito menos nos campos de Minerva: quer dizer, nem no campo das glorias militares, nem no das glorias litterarias. Esse pobre homem proseguiu e empregou um figura de rhetorica um pouco picaresca, mas que está na mente de nós todos:

Vozes: — Diga, diga.

O Orador: — Querem ouvir? Todos sabem o que é.

O actual presidente do conselho foi comparado ao vaidoso marido da gallinha que cacareja empoleirado no seu throno de cannas (riso). Eu colloco-me á sombra d'aquelle que cantou a vida e os feitos do cantor das glorias portuguezas (apoiados).

Mas quão espantado e admirado ficaria ainda aquelle bom Garrett, se podesse surgir da campa, erguer o seu nobre vulto e assistir ás scenas a que temos assistido!

Como elle estaria maravilhado ao ver que a ave de Hypocrates se transformara na ave de Juno, o gallo em pavão! (Riso — apoiados.)

Apesar da lucidez soberana d'aquelle espirito altissimo, talvez não podesse dizer a causa d'este phenomeno espantoso, porque, se nós abstrahirmos do tempo que decorreu desde aquella epocha até agora, o salto maravilha; mas se lembrarmos os factos que têem corrido durante este largo espaço de tempo, não nos espantamos da transformação politica, social e sobretudo ornithologica (riso — apoiados).

Convem, para defeza da minha proposta, que eu conte em poucas palavras esta transformação, que nem as doutrinas do proprio Darwin, nem os principios da struggle for life e da natural eclection podem explicar. E senão que o diga

O meu amigo e mestre o dr. Thomás de Carvalho.

O sr. Thomás de Carvalho (com ironia): — É verdade. A sciencia é muda perante estes mysterios.

O Orador (continuando): — Sr. presidente. Ha uma fabula franceza intitulada «l'aigle et le roitelet», a aguia e o regulo.

Um dia a gente alada entendeu que devia de eleger um rei; estava farta da republica, do socialismo e não sei se até do communismo. Queria ordem. Parece que havia por lá tambem as conferencias.

Como era natural, o rei devia ser aquelle que mais soubesse voar, que desferisse um vôo mais arrojado e mais elevado. Foram chamados a grande conclave todos aquelles que compunham o reino alado.

O sr. Thomás de Carvalho: — Conclave, não; isso é só para os papas.

O Orador: — Peço desculpa; não é conclave. Foi um synhedrio.

Juntaram-se todos, e abrindo as azas começaram a sua tarefa; isto é, a ver qual havia de voar mais alto, qual havia de desferir um vôo mais possante. Aconteceu o que era de esperar. A aguia, abrindo a envergadura enorme, sulcou as regiões celestes, foi topetar com as nuvens, e quando estava bem no alto, lançou um olhar humilde (como o sr. presidente do conselho poderá lançar para a minha pessoa) para as profundezas da terra e para os ultimos abysmos. Viu cá em baixo uns pontos negros. Eram as outras aves que redemoinhavam estonteadas.

Depois de fitar o sol (os poetas é que dizem que a aguia fita o sol); com a vista aguda (isto diz a sciencia); depois de fitar a multidão alada que revoluteava terra a terra veiu pousar soberana sobre o solo. Immediatamente se levantou uma enorme grita de enthusiasmo, e a aguia foi proclamada soberana. Foi n'este momento que um passarinho salta d'entre as azas da aguia, dá um pulo em terra, e diz: o rei sou eu. Pois não vos lembrastes que eu era mais esperto, e que me agachei entre as azas da aguia, e aproveitando o seu vôo subi mais alto que a propria soberana? Eis aqui como eu, sem o menor trabalho, sem ter batido as azas, alcancei a corôa.

«Não serás rei; serás apenas regulo, disseram as aves.» E regulo ficou, exactamente como o sr. marquez d'Avila, que é regulo. (Riso e apoiados.)

Appliquemos agora o conto.

O sr. Joaquim Antonio de Aguiar, a quem n'outra sessão já me referi, foi em certo tempo encarregado de organisar um ministerio. O regulo, o passarinho humilde e desconhecido poz-se entre as azas e disse: «também eu sou rei» tambem eu quero ser ministro. Lá o porque e o como, ninguem sabe, mas o sr. Antonio José d'Avila foi ministro.

Este é o facto. Foi ministro o então sr. Antonio José d'Avila hoje guindado ás maiores alturas sociaes, marquez d'Avila e de Bolama, com o peito recamado de arco iris e constellações brilhantes, que nem a mesma Syrius lhe chega (riso).

Caiu a aguia, caiu o sr. Joaquim Antonio de Aguiar e o regulo com todo o cuidado e sem o menor incommodo, salta de sobre as pennas da aguia ao chão e foi procurar para se elevar, uma outra aguia. Esta foi o sr. conde de Thomar. Empregando os mesmos meios foi tambem nomeado ministro com aquelle estadista, mas o sophisterio ía já sendo comprehendido de mais, e quando veiu outra evolução não póde com elle alcançar aquelles resultados mirificos que tinham até então sido expediente adoptado com maravilhosos resultados.

Veiu depois o movimento politico chamado da regeneração e s. ex.ª indignado e cheio de furia e sanha collocou-se aqui, n'esta casa do parlamento á frente da opposição. Exactamente por essa occasião houve em Italia um congresso estatistico, cadastral, ou o que quer que fosse, e s. ex.ª para se sacrificar pela patria e levantar mais alto o