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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Eu apresento a este projecto mais outras modificações. Digo; por exemplo, no segundo paragrapho:

«Sente porém a camara que não houvesse reinado em todos os tratos do paiz a mais completa tranquillidade publica eleitoral, e bem assim que não fosse respeitada a liberdade de voto pela interferencia illegal e abusiva do poder central.».

E nos 5.° e 6.° paragraphos digo ainda:

«Muito folgaria a camara se podesse assegurar-se da sensivel melhoria do nosso estado fazendario, graças principalmente aos constantes e patrioticos exforços da camara transacta. Infelizmente, porém; a camara mal póde confiar no actual governo para o bom exito de tão difficil quão necessaria empreza de extingir o deficit do orçamento de receita, apesar da energia e boa vontade dos representantes do povo.»

Estas asserções estão já inteiramente confirmadas pelo que hontem aqui se disse, pelos actos praticados pelo governo, pelo que acabei de referir, e principalmente por aquelle discurso que proferiu n'esta casa o sr..ministro da fazenda; discurso que pretendeu fazer-nos rir a todos, discurso que a ninguem convenceu senão de uma cousa, e é, que s. ex.ª é o peior ministro da fazenda que alguem, que andasse com um microscopio a procurar, podia ter encontrado (riso).

Fallo em microscopio, porque o sr. ministro da fazenda, por mais que procure augmentar em grandeza, é sempre microscopico.

Nunca ha de ser um ente telescopico.

Todo ancho e vaidoso, disse-nos o sr. ministro da fazenda, respondendo a uma accusação que lhe foi feita pelo sr. Mariano de Carvalho, o seguinte: «Pois porventura o ministro da fazenda em Inglaterra, mr. Lowe, ficou deshonrado porque foi rejeitado o imposto sobre os phosphoros, que elle havia proposto? Não, senhores, de modo algum ficou deshonrado, e eu tambem não fiquei deshonrado por a camara ha muito tempo ter rejeitado as propostas fazendarias que lhe tenho apresentado».

S. ex.ª quiz escapar á sombra de mr. Lowe, e fez muito bem, porque a auctoridade é em verdade importante. Ha, porém, só uma pequena differença, e é que mr. Lowe é mr. Lowe e o sr. Carlos Bento é... o sr. Carlos Bento. Ha esta pequenina differença, mr. Lowe tinha alguma cousa a perder; tinha a perder a sua reputação de respeitavel economista, tinha a perder a reputação de um homem que ha muito tempo conquistou os seus fóros de nobreza scientifica. O sr. Carlos Bento nada tem a perder senão a sua cadeira de ministro, a qual parece que em theoria lhe produz um horror espantoso, mas para a qual, na pratica, vemos que tem uma irresistivel força de attração.

Ha, em verdade, um ponto de contacto entre o sr. Carlos Bento, ministro da fazenda em Portugal, e mr. Lowe, ministro da fazenda em Inglaterra: é que mr. Lowe ha pouco tempo, quando foi essa questão dos phosphoros, para entrar no parlamento teve necessidade de seguir por umas ruas afastadas e escuzas, e passou por umas catacumbas e subterraneos. E ainda assim foram lá attaca-lo. Pois o sr. Carlos Bento, para saír uma vez, de um edificio publico teve de empregar a escada aeria. É este o unico ponto de contacto que ha entre o sr. Carlos Bento e mr. Lowe.

Vozes: — Não foi elle.

O Orador: — O sr. ministro da fazenda não passou pela escada aeria? Pois parece que devia ter passado; até em virtude d'aquellas tendencias para o funambulismo, de que a camara já devia ter desconfiado ha muito (riso).

S. ex.ª veio aqui dizer que o partido reformista queria lançar uma decima sobre os juros da divida fundada; s. ex.ª veiu dizer isto com aquella pujança palavrosa de argumentação, que eu ha muito tempo respeito no illustre ministro. Mas não se lembrou que esta seta ía ferir, se por acaso podia ferir alguem, o illustre deputado o sr. Eduardo Tavares.

(Ápartes.)

O sr. Eduardo Tavares: — Peço a palavra.

O Orador: — S. ex.ª o sr. ministro da fazenda declarou aqui hontem, que o partido reformista na execução do seu plano financeiro, pretendia lançar uma decima sobre os juros da divida fundada, e eu digo que não foi o partido reformista que aventou tal idéa, senão o sr. Eduardo Tavares que sustenta o governo.

O sr. Eduardo Tavares fundamentou perfeitamente o projecto e disse que era a primeira victima d'elle, por isso que possuia inscripções.

Isto nunca podia ser arma de ataque contra a opposição, em primeiro logar porque a opposição não tinha culpa, e em segundo logar porque o fundamento d'este projecto de lei não dizia nada a respeito da vida publica do partido reformista.

Isto prova a verdade e a clareza da argumentação do sr. ministro da fazenda, quando não se remette ao silencio.

Não ha muito tempo ainda, que o meu illustre collega o sr. Pereira de Miranda, pedio ao governo uma nota do estado actual da nossa divida fluctuante, e este documento era necessario para a nossa argumentação, e o sr. ministro da fazenda entendeu que devia responder ainda com o silencio.

(Interrupção.)

É verdade. É como o tal relatorio que estava a copiar em 11 de março, e que ainda hoje está a copiar.

Isto é que é velocidade negativa!

Uma grata noticia me deu o sr. ministro da fazenda, era que o deficit, este monstrum horrendum, essa hydra de Lerna perante a qual o proprio Hercules fugiria espavorido, esse rochedo de Sysipho que nos estava esmagando o peito, e não quero agora empregar outros mythos da fatalidade antiga, o deficit, repito, estava a morrer. Que rara felicidade, sr. presidente!

O sr. Carlos Bento, quem tal diria? Representou o papel de cavalleiro andante e da tavola redonda. Ouviu fallar do dragão alado do deficit, e poz-se a caminho para dar cabo d'elle. Entrou na caverna, e enterrou a lança no mais intimo do coração do monstro, o qual começou a deitar golphadas de sangue negro e pastoso, e afinal morreu. Morreu o deficit. Acabou com elle o partido reformista. Está o deficit extincto! E se o não está desde já, se-lo-ha d'aqui a um ou dois annos, porque está reduzido á microscopica quantia de 3.100:000$000 réis.

O sr. ministro tem uma balança rigorosa, pesa as mais pequenas parcellas, 3.100:000$000 réis, nem mais nem menos!

Será o caso de lançar fogo de artificio, de repicarem os sinos, de levantar uma estatua de bronze na qual se represente o sr. ministro da fazenda em acção de enterrar a lança pelas visceras do dragão medonho!

O que eu sinto, sr. presidsnte, é que já não haja um Miguel Angelo para fazer a estatua!

Um Canova ou um Thorwaldsen podiam ainda substituir o Buonarotti, e o sr. Carlos Bento seria, como merece, immortalisado pelo bronze e pelo marmore (riso e apoiados).

O sr. ministro da fazenda, querendo arreigar na camara a crença de que acima de tudo está a questão de fazenda, por ser de todas as questões a mais importante, disse cheio do maior enthusiasmo: «olhae que á França cançada, ensanguentada e dilacerada pelas feridas recebidas no campo da batalha, levantou-se do estado de abatimento em que jazia por meio de um patriotico emprestimo».

Isto faz-me lembrar o caso do Harpagon que dizia: venha dinheiro, venha mais dinheiro, venha sempre dinheiro. O sr. ministro da fazenda está no mesmo caso. Na apreciação que fez do estado da França, o objecto principal para s. ex.ª foi o emprestimo; todas as grandes qualidades civicas de um povo, a sua abnegação, o seu heroismo, a sua dedicação, o seu patriotismo, tudo isto não vale nada perante o sr. ministro da fazenda; tudo o que não seja dinheiro é zero para s. ex.ª