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Discurso do sr. deputado Osorio de Vasconcellos, pronunciado na sessão de 12 do corrente, e que devera publicar-se a pag. 204 do Diario da camara.

O sr. Osorio de Vasconcellos (sobre a ordem): — Obedecendo, como me cumpre, ás prescripções do regimento, passo a ler a minha moção de ordem, que é uma substituição ao projecto de resposta ao discurso da corôa (leu).

Dizia n'uma das sessões passadas o sr. presidente do conselho de ministros, que quando fazia administração não fazia poesia. Provavelmente a antithese não é verdadeira, porque o nobre presidente do conselho quando faz poesia é que faz administração (riso).

Vejamos como é que fez poesia, em que circumstancias e com, que proveito para a sua pessoa. D'este modo poderemos avaliar os quilates administrativos de s. ex.ª

Ora, é de saber que o nobre presidente do conselho teve sempre em muito pouca conta todos aquelles que têem a infelicidade de conversarem com as nove irmãs. Poderia citar muitos exemplos. Contento me com um. Houve ahi um pobre homem, um poeta inspirado pelo fogo sagrado e cujo nome basta para immortaliser a nossa patria.

Chamava se João Baptista de Almeida Garrett, espanto e admiração de nós todos os parias e os ilotas da sciencia, e por isso mesmo desprezo e vilipendio do alto e poderoso senhor, que no patriciado tem o nome de marquez d'Avila o de Bolama!

Garrett era um pobre homem, que apenas escreveu uma duzia, se tanto, de livros immortaes, de obras primas — que o esculpiram nos bronzes eternos da historia, e inscreveram o seu nome com letras de oiro nos penetraes do templo da fama.

Era de feito um pobre homem aquelle bom Garrett. E tão pobre homem e tão humilde, sr. presidente, que ha de brilhar sempre no firmamento da nossa patria como estrella immorredoura, quando a memoria e o nome do sr. marquez d'Avila e de Bolama se houver sumido nas sombras da mais obscura vulgaridade (apoiados).

Este pobre homem immortal foi um dia desprezado e conspurcado, como de rasão, pelo sr. presidente do conselho, hoje marquez d'Avila e de Bolama, e então simples filho do povo — Antonio José d'Avila. Creio que o sr. d'Avila era então ministro, e Garrett, com a garra possante do genio, arremessou-lhe um stygma e disse lhe: D'onde vens tu e de que escombros te alevantaste? Nunca te encontrei nos campos de Marte, e muito menos nos campos de Minerva: quer dizer, nem no campo das glorias militares, nem no das glorias litterarias. Esse pobre homem proseguiu e empregou um figura de rhetorica um pouco picaresca, mas que está na mente de nós todos:

Vozes: — Diga, diga.

O Orador: — Querem ouvir? Todos sabem o que é.

O actual presidente do conselho foi comparado ao vaidoso marido da gallinha que cacareja empoleirado no seu throno de cannas (riso). Eu colloco-me á sombra d'aquelle que cantou a vida e os feitos do cantor das glorias portuguezas (apoiados).

Mas quão espantado e admirado ficaria ainda aquelle bom Garrett, se podesse surgir da campa, erguer o seu nobre vulto e assistir ás scenas a que temos assistido!

Como elle estaria maravilhado ao ver que a ave de Hypocrates se transformara na ave de Juno, o gallo em pavão! (Riso — apoiados.)

Apesar da lucidez soberana d'aquelle espirito altissimo, talvez não podesse dizer a causa d'este phenomeno espantoso, porque, se nós abstrahirmos do tempo que decorreu desde aquella epocha até agora, o salto maravilha; mas se lembrarmos os factos que têem corrido durante este largo espaço de tempo, não nos espantamos da transformação politica, social e sobretudo ornithologica (riso — apoiados).

Convem, para defeza da minha proposta, que eu conte em poucas palavras esta transformação, que nem as doutrinas do proprio Darwin, nem os principios da struggle for life e da natural eclection podem explicar. E senão que o diga

O meu amigo e mestre o dr. Thomás de Carvalho.

O sr. Thomás de Carvalho (com ironia): — É verdade. A sciencia é muda perante estes mysterios.

O Orador (continuando): — Sr. presidente. Ha uma fabula franceza intitulada «l'aigle et le roitelet», a aguia e o regulo.

Um dia a gente alada entendeu que devia de eleger um rei; estava farta da republica, do socialismo e não sei se até do communismo. Queria ordem. Parece que havia por lá tambem as conferencias.

Como era natural, o rei devia ser aquelle que mais soubesse voar, que desferisse um vôo mais arrojado e mais elevado. Foram chamados a grande conclave todos aquelles que compunham o reino alado.

O sr. Thomás de Carvalho: — Conclave, não; isso é só para os papas.

O Orador: — Peço desculpa; não é conclave. Foi um synhedrio.

Juntaram-se todos, e abrindo as azas começaram a sua tarefa; isto é, a ver qual havia de voar mais alto, qual havia de desferir um vôo mais possante. Aconteceu o que era de esperar. A aguia, abrindo a envergadura enorme, sulcou as regiões celestes, foi topetar com as nuvens, e quando estava bem no alto, lançou um olhar humilde (como o sr. presidente do conselho poderá lançar para a minha pessoa) para as profundezas da terra e para os ultimos abysmos. Viu cá em baixo uns pontos negros. Eram as outras aves que redemoinhavam estonteadas.

Depois de fitar o sol (os poetas é que dizem que a aguia fita o sol); com a vista aguda (isto diz a sciencia); depois de fitar a multidão alada que revoluteava terra a terra veiu pousar soberana sobre o solo. Immediatamente se levantou uma enorme grita de enthusiasmo, e a aguia foi proclamada soberana. Foi n'este momento que um passarinho salta d'entre as azas da aguia, dá um pulo em terra, e diz: o rei sou eu. Pois não vos lembrastes que eu era mais esperto, e que me agachei entre as azas da aguia, e aproveitando o seu vôo subi mais alto que a propria soberana? Eis aqui como eu, sem o menor trabalho, sem ter batido as azas, alcancei a corôa.

«Não serás rei; serás apenas regulo, disseram as aves.» E regulo ficou, exactamente como o sr. marquez d'Avila, que é regulo. (Riso e apoiados.)

Appliquemos agora o conto.

O sr. Joaquim Antonio de Aguiar, a quem n'outra sessão já me referi, foi em certo tempo encarregado de organisar um ministerio. O regulo, o passarinho humilde e desconhecido poz-se entre as azas e disse: «também eu sou rei» tambem eu quero ser ministro. Lá o porque e o como, ninguem sabe, mas o sr. Antonio José d'Avila foi ministro.

Este é o facto. Foi ministro o então sr. Antonio José d'Avila hoje guindado ás maiores alturas sociaes, marquez d'Avila e de Bolama, com o peito recamado de arco iris e constellações brilhantes, que nem a mesma Syrius lhe chega (riso).

Caiu a aguia, caiu o sr. Joaquim Antonio de Aguiar e o regulo com todo o cuidado e sem o menor incommodo, salta de sobre as pennas da aguia ao chão e foi procurar para se elevar, uma outra aguia. Esta foi o sr. conde de Thomar. Empregando os mesmos meios foi tambem nomeado ministro com aquelle estadista, mas o sophisterio ía já sendo comprehendido de mais, e quando veiu outra evolução não póde com elle alcançar aquelles resultados mirificos que tinham até então sido expediente adoptado com maravilhosos resultados.

Veiu depois o movimento politico chamado da regeneração e s. ex.ª indignado e cheio de furia e sanha collocou-se aqui, n'esta casa do parlamento á frente da opposição. Exactamente por essa occasião houve em Italia um congresso estatistico, cadastral, ou o que quer que fosse, e s. ex.ª para se sacrificar pela patria e levantar mais alto o

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renome d'este paiz, não duvidou trocar as glorias infructuosas de chefe da opposição pelas de representante do seu paiz n'aquelle citado congresso. Se então já aqui tivesse assento um homem que se chama José de Moraes, que foi muito tempo representante do circulo da Figueira, diria que tinha havido n'isto um rapto parlamentar (riso). N'esse tempo não se conhecia a phrase mas já se sabia qual o objecto que ella expressava. O sr. d'Avila deu a prova experimental (apoiados).

Depois, emprehendendo ainda o primeiro meio, isto é, o do regulo e da aguia, foi s. ex.ª chamado a tomar parte no ministerio formado pelo sr. marquez de Loulé, e que representava uma politica opposta aquella que s. ex.ª representara na ultima vez que tinha sido ministro. Mas o sr. marquez d'Avila, camaleão admiravel, representa diversas politicas, conforme vae aos interesses... publicos, já se vê, que lá dos proprios não cura elle (riso). Entrou s. ex.ª, e parece-me que foi n'esta occasião que o paiz se felicitou por ver pela vez primeira o sr. Carlos Bento na posse de uma pasta, parece-me que a da marinha. Das façanhas heroicas d'este estadista fallarei adiante.

Chegámos a 1865, e o partido historico que até então tinha presidido aos destinos da nação, caíu. N'essa epocha, não sei se s. ex.ª já era conde d'Avila, entrou n'uma situação que apenas durou breves dias, e á qual me parece que pertencia v. ex.ª, sr. presidente.

Uma voz: — Não, senhor.

O Orador: — Foi erro. V. ex.ª fez parte do ministerio que caíu. Em 1865 o sr. marquez d'Avila dissolveu a camara e trouxe aqui uma outra que immediatamente lhe deu um cheque politico em consequencia do que s. ex.ª teve de saír, bem contra vontade.

Não sei, mas parece-me ter dito s. ex.ª, como hontem affirmou aqui com documentos, o sr. Rodrigues de Freitas, que havia de vir um dia era que se riria d'aquelles que o obrigavam a dissolver n'essa occasião.

Vozes: — É verdade, disse isto.

O Orador: — Pois diga-se de passagem que chegou esse momento, e eu logo tratarei d'este ponto importante. Continuemos, porém, n'esta narrativa edificante.

Veiu a situação chamada fusão, e s. ex.ª fez-lhe opposição constante e intractavel na camara dos pares. Mas foi exactamente n'essa mesma occasião que a s. ex.ª se deparou sacrificar-se outra vez pelo bem do paiz.

Era necessario que s. ex.ª representasse a sua patria na exposição internacional de París. Era necessario que s. ex.ª com o seu grande nome e auctoridade inconcussa, suspendesse uma torrente que então já rodopiava na vizinha Hespanha, que podia ser-nos fatal. Por isso não espanta que s. ex.ª fosse nomeado nosso representante em Madrid, e chefe, director, ou não sei que seja, d'aquelles cavalheiros que foram mandados á exposição de París para estudar os progressos da industria e bem assim d'aquelles que mandavam para lá os seus productos.

Tudo isto parece um rapto parlamentar. Mas não foi, com quanto s. ex.ª deixasse de fazer opposição ao governo. Entendeu que mais uma vez devia sacrificar-se por este paiz, que tanto lhe deve e tão ingrato tem sido para com s. ex.ª (riso —apoiados).

Veiu a janeirinha, a revolução pacifica de 1868, e s. ex.ª, sem se saber como, nem por que, viu-se com grande espanto d'este paiz, chefe d'esse movimento; isto é: passou de exercer funcções de confiança junto do governo que tinha caído perante o embate da revolução, a collocar-se immediatamente á frente d'ella.

Já se vê que a lei da continuidade não é aquella que s. ex.ª mais respeita! (Riso.)

S. ex.ª falsificou completamente o programma, as idéas, os principios da revolução de 1868; e a camara que s. ex.ª elegeu sob o influxo d'esses principios foi a mesma que lhe deu o cheque, o qual o obrigou a saír das cadeiras onde estava renegando o credo que confessara.

E vem agora, muito de passagem, justificar essa revolução pelo consenso unanime na aceitação dos principios por ella proclamados (apoiados).

Hoje não ha partido militante que não aceite o labaro sacrosanto d'essa revolução; não ha ninguem que rejeite as severas economias; todos se conformam com ellas, todos as desejam, todos lutam por ellas (apoiados), todos as inscrevem na sua bandeira (apoiados.)

Portanto não foi uma ociosidade, não foi um capricho; foi um bom principio, que é por todos aceito (apoiados).

Passarei por cima dos acontecimentos que se succederam desde essa epocha até ao momento em que o partido reformista soffreu s. ex.ª como presidente do conselho.

Vejo no rosto de alguns cavalheiros que estão aqui sentados, florear um sorriso, julgando talvez que vou collocar-me n'um terreno falso, pelo qual me posso precipitar.

Não devo dispensar-me de salvar a minha responsabilidade. E humilde, bem sei, mas pertence-me, e tenho de a defender como cousa minha.

Na sessão passada mostrei n'este logar a grandissima inconveniencia com que o partido reformista aceitou o sr. marquez d'Avila como presidente do conselho.

Eu já o disse. Nós nunca vimos em s. ex.ª o representante proximo ou remoto, directo ou indirecto das nossas, idéas...

Uma voz: — Declararam que era o chefe.

O Orador: — Nunca declaramos isso. O illustre deputado está enganado. Não trato, porém, de proseguir agora n'este ponto, porque o meu fim é outro, e já tive occasião de mostrar como soffremos o sr. d'Avila.

Mas o sr. presidente do conselho, fazendo mais uma vez o que o sr. Latino Coelho disse que s. ex.ª fazia muitas vezes; passando de simples conviva, aliás mal visto pela sociedade, a amphytrião, pretendeu collocar-se á frente d'este partido, e veiu declarar que era seu representante, seu chefe natural, e que marchava com elle á conquista de melhores destinos para a nação.

Ainda mais. S. ex.ª uma vez, em um dos seus rasgos oratorios, que todos estamos ha muito tempo acostumados a admirar, disse que tinha sido s. ex.ª o progenitor do partido reformista.

Mal sabiamos nós que o partido nascido, como se ha dito, na lama da rua e nas arruaças populares, tinha tão nobre estirpe, e que lhe corria nas veias sangue tão illustre e azul (riso—apoiados).

Vieram os acontecimentos de janeiro passado, e o meu collega o sr. Saraiva de Carvalho e o sr. bispo de Vizeu, tiveram que saír do ministerio. Mas o sr. presidente do conselho vinha todos os dias para esta casa proclamar a necessidade de fazer economias; vinha proclamar que era mais economico do que ninguem; que elle marchava na vanguarda de todos, e que era a elle que competia, et par droit de conquête et par droit de naissance, o bastão do commando.

S. ex.ª todos os dias nos dizia que havia de fazer grandes economias e grandes reducções na despeza, e apresentava-nos um tão quantioso rol de promessas douradas, admiradas e mirificas, que mostrava quasi que tinha descuberto a pedra philosophal e o pó projectivo (riso).

Então nós entendemos por dever da nossa consciencia e em satisfação aos desejos de que estavamos inspirados, amparar o governo, e fizemos isto sabe Deus com que difficuldades. Pelo menos eu, sr. presidente, sempre tive a infelicidade de não acreditar em s. ex.ª como ministro de qualquer pasta (apoiados).

Mas cedo veiu o desengano e esta camara estará lembrada, ou os membros d'esta camara que pertenceram á transacta, bem como o paiz estarão lembrados das scenas vergonhosas que se passaram aqui promovidas e representadas pelo governo.

Todos se lembram das contradicções flagrantes em que caíram os srs. ministros. Na commissão de fazenda diziam

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uma cousa, pediam segredo e depois vinham á camara dizer exactamente o contrario.

Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — Quem ousa negar isto? Que se alevante e sofrerá o mais solemne e merecido desmentimento.

Sim, sr. presidente, o governo pedia segredo e depois, cavilosa e traiçoeiramente vinha aqui dizer exactamente o contrario (apoiados).

Vozes: — É verdade.

O Orador: — Eu já tive occasião de desenrolar perante a camara este sudario de tantas miserias e incoherencias; mas é necessario que o paiz se convença de uma maneira categorica e solemne, de que os cavalheiros que se sentam n'essas banquetas, são improprios para governar. E quero lembrar estes factos para depois dirigir uma apostrophe de um homem de bem, a outros homens de bem, quaes são os que compõem os partidos historico e regenerador. Quero perguntar-lhes, se conformemente com os seus deveres de cidadãos, podem manter o governo que se senta n'aquellas cadeiras (apoiados)?

Dizia-se que iamos discutir o orçamento; dizia-se que o governo se colocava á frente d'esta cruzada santa, que havia de ser o Pedro Ermita d'ella; que havia de fazer todas as reducções compativeis com o bom serviço; dizia-se tudo isto; e exactamente porque a camara tomou a serio estas promessas, é que foi dissolvida. É preciso dizer estas verdades (apoiados). Merecia-o, o partido reformista. Merecia-o, sim, porque foi assás innocente para acreditar n'estas fallazes promessas (apoiados).

Em politica as innocencias são grandes crimes (apoiados). Em politica a boa fé é um peccado irremissivel, peccado que se paga, pousando a sua cabeça no cêpo sob o cutello dissolutorio do verdugo (muitos apoiados).

Esta é a verdade.

(Com muita vehemencia) Dizia-se que se fariam réis 500:000$000 de economias; que se ía propor a organisação do exercito; que se ía tratar de melhorar a marinha; que se havia de apresentar uma reforma descentralisadora da administração publica; que se havia de tratar seriamente da instrucção primaria, secundaria e superior; que se iam cortar cerce e pela raiz todas as excrecencias, todas as sobejidões e todos os privilegios; que não se admittia nenhum previlegio perante o imposto. Pois foi a despeito d'estas promessas, ou por causa d'essas promessas, que a lei dos bancos voltou a esta casa como uma epigraphe de escandalosos previlegios; foi por isso que nenhuma das economias apontadas no ministerio da marinha, com as quaes o ministerio disse que concordava, e especialmente o sr. marquez d'Avila; foi exactamente por isso, digo, que nenhuma das economias apontadas no ministerio da marinha foi aceita pelo governo; e foi tambem por isso que todas as promessas foram inteiramente falseadas e burladas (apoiados).

Depois a dissolução era fatal, era logica, posto que inconstitucional, permitta me v. ex.ª que o diga. Então na camara havia um partido numeroso, o partido reformista, que tinha maioria, que podia formar governo; e para isso não acontecer é que a camara foi dissolvida, porque o sr. marquez d'Avila e de Bolama queria uma camara fraccionada, uma camara em que s. ex.ª podesse governar, não com maioria propria, mas fazendo a solidão em torno de si, como um d'aquelles tyrannos que Tacito amarrou eternamente ao pelourinho da execração publica. «Solitudinem faciunt, pacem que appellant.» (Vozes: — Muito bem).

O sr. presidente do conselho faz a solidão em volta de si e chama lhe a paz; quando a paz aqui não é senão a impotencia e o fraccionamento. E n'isto consiste a alta esperteza politica do sr. presidente do conselho! N'isto e só n'isto!! (Apoiados.)

Sim, sr. presidente, n'isto e só n'isto se resume a esperteza politica do sr. marquez d'Avila e de Bolama.

Todos os seus recursos inventivos, toda a sua mestria, se cifra em andar colleando, com uma serpente, por entre ruinas e fragmentos dispersos, tacteando terrenos falsos, vencendo mil pequenas difficuldades; empregando todo a sua actividade n'isto. O resto, que é zero, fica para os altos negocios do estado. Tal é a sua administração (apoiados).

O sr. presidente do conselho arranjou (seja-me permittida a phrase que não é constitucional, mas é verdadeira; e eu emprego-a em nome da verdade), uma camara em que dois partidos se equilibram, e se apresentam um diante do outro. Quando um intenta atacar o governo, o outro põe-se ao lado do governo. São o partido historico e o partido regenerador (apoiados).

Dizia-se, com innocencia, que o sr. presidente do conselho não era capaz de formar uma camara com que podesse governar, porque não tinha partido.

Isto é logico, mas na politica do sr. presidente do conselho a logica é um mytho e um erro.

S. ex.ª não podia formar uma camara composta de amigos seus politicos, porque os não tem (riso). Os illustres deputados riem-se. Pois é esta a rasão mais forte que póde haver. Nemo dat quod non habet. E então o que fez? Chamou (empregarei outra vez a phrase) a conclave os chefes do partido historico e os chefes do partido regenerador, e tratou de collocar na balança os membros de um e outro partido, de maneira que se equilibrassem. S. ex.ª cavalgou no fiel da balança, para que o fiel não fosse infiel (riso. — Apoiados).

Esta é a triste verdade, e eu pela minha parte não me rio porque é desgraçado o paiz que tal consente.

E, por mais talento, por mais aptidão, por mais intelligencia, por mais dotes oratorios que tenham os oradores de um e outro partido, não podem s. ex.ª de modo algum desfazer o que eu acabo de construir.

N'uma das ultimas sessões eu ouvi, com aquelle respeito, acatamento e amisade que me merece um dos ornamentos, não só do partido regenerador mas do paiz, o sr. Barjona de Freitas, o discurso por s. ex.ª proferido n'esta casa a proposito de uma moção, que não era senão uma moção de censura, no meu fraco entender (apoiados).

S. ex.ª disse que era necessario que olhassemos para a questão de fazenda, que conglobassemos todos os nossos esforços para solver esse problema de altissima importancia; e explicou a posição do partido regenerador, que é esperar, e consiste em aguardar os actos do governo, no qual não se vê representado, e em ser completamente imparcial e dirigir-se por aquillo que lhe ditasse o seu amor patrio.

É na verdade necessario que em s. ex.ª não reflectisse aquella luz de intelligencia que todos nós lhe admirâmos, para ainda poder acreditar na fertilidade, na feracidade financeira do actual governo (apoiados).

Depois dos desenganos que se atropellam uns aos outros, como aquelle kyrie, como aquella ladainha de que fallou o sr. presidente do conselho; depois de estarmos todos (appello para a consciencia de cada um) convencidos de que a imaginação financeira do actual governo é safara, é um verdadeiro Sahara, onde não brota um lichen; depois de estarmos todos convencidos da aridez completa d'aquelle deserto desolado, ainda o partido regenerador parece nutrir esperanças, e vem qual donzella candida empunhando o regador, borrifar com agua crystalina as violetas e boninas do jardim! Como é isto? Pois já a charneca é jardim? (Apoiados.)

Ha oito mezes que vivemos de promessas; ha oito mezes que este paiz vae descambando para um abysmo, em nome das promessas do governo. E eu agora, sr. presidente, repetirei um gallicismo do sr. presidente do conselho. Direi: está completamente constatado que não nos devemos fazer illusões ácerca do que se tem passado; gallicismo de tal ordem, que apesar de eu não ser purista na linguagem vernacula, castigaria s. ex.ª obrigando-o a ter uma ragedia em cinco actos, ou o que é peior, o relatorio sobre o cadastro elaborado por s. ex.ª (riso).

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O que é este ministerio? É um ministerio de funambulos (tapoiados),

V. ex.ª, sr. presidente, de certo conhece os dramas do immortal Shakspeare, nos quaes ha uma troupe, um conjuncto de clowns que vem divertir os espectadores e representam n'estes dramas o papel dos coros da tragedia antiga.

V. ex.ª e a camara conhecem de certo um celebre voador, funambulo, saltador de corda, ou o que quer que seja, chamado Blondin. Lembro-me perfeitamente d'elle. Era aquelle que atravessou ás cataratas do Niagara sobre uma corda. Lembro-me perfeitamente de o ter visto no campo de Sant'Anna. Estava a noite escura; um rollo de nuvens pardacentas encobria o brilho e a luz da lua. Sobre a corda, que atravessava a praça no seu maior diametro, via-se projectado na escuridão do firmamento o funambulo, com a cabeça cercada, não de uma corôa de louros, mas de fogos de artificio. De repente arde o fogo; começam os estalidos, ouvem-se as crepitações, as bombas rebentam (fallei em bombas, mas retiro a palavra) (riso). Depois apaga-se o fogo; as nuvens refendilham-se um pouco e através de uma larga frincha projecta-se uma faxa de luz que vae reflectir sobre o funambulo, o qual, suspenso por um pé, com grande espanto dos espectadores, está comendo a ceia (riso).

Lembro-me d'este espectaculo, a um tempo grandioso e grotesco.

Pois o sr. Carlos Bento, ministro da fazenda, é o Blondin da governação.

Todos os dias dança na corda, todos os dias ameaça caír e sempre se sustenta, para maior espanto do publico.

Não ha maioria. Os amigos pessoaes do governo não chegam para sustentar o ministerio; não tem dotes de verdadeiro parlamentar, mas sabe saltar na corda, mas sabe evitar as difficuldades, sabe emfim fazer com que a camara se ria, á falta de outros argumentos. O sr. Carlos Bento desarma-nos porque nos faz rir. Aos argumentos serios, nobres, graves e frisantes empregados pelos oradores da opsição, responde s. ex.ª com uma pirueta oratoria e com um salto arriscado na corda bamba (apoiados).

Mas que triste, que tristissima cousa esta, sr. presidente!

Como causa dó ver que o sr. ministro da fazenda, quando responde, apenas obtem que a camara solte estrepitosas gargalhadas! Chama-se a isto ser ministro; chama-se a isto entrar nos negocios com gravidade; e chama-se a isto considerar devidamente a governação da republica, a primeira e a mais fundamental das nossas obrigações! E tanto mais me custa este procedimento quando vejo que é praticado por um homem auctorisado, por um homem necessario em todas as conjuncturas politicas d'este paiz! (Apoiados.) Ás vezes tambem me rio; mas confrange-se-me o coração, fico tristissimo e enche-se-me a alma de luto quando vejo que s. ex.ª, em logar de responder ás perguntas graves e categoricas que se lhe dirigem, hesita e cambaleia na ponta de um epigramma! (Vozes: — Muito bem.)

Isto não é grave, não é serio e merece o estygma de todos nós, que somos mandados a esta camara para tratar dos negocios serios e graves do paiz (apoiados).

Dizem os partidos regenerador e historico, ou pelo menos mostram pelos seus orgãos, que é necessario manter este governo em nome da salvação publica! Se os membros d'estes partidos não estivessem convencidos que o actual governo é necessario para a salvação, já de certo teriam votado uma das muitas moções de censura que a opposição tem apresentado; porque não posso comprehender que os cavalheiros que compõem estes partidos procedam d'essa fórma em nome de quaesquer interesses pessoaes; em nome de quaesquer rivalidades mesquinhas; e em nome do questiunculas pequeninas, que desapparecem completamente perante a questão magna — a salvação do paiz. S. ex.ªs são de certo arrastados ou impulsados para esse procedimento por um dever superior e muito attendivel, qual é o da salvação da patria.

Mas como é que s ex.ªs podem convencer-se de que a salvação da patria depende dos homens que compõem este governo?! Ou o meu engano é enorme, ou a obcecação d'estes cavalheiros é maior do que a minha comprehensão e a de qualquer dos membros da opposição Não quero ver no procedimento d'estes partidos um meneio egoista, não quero ver um trama a favor dos seus interesses partidarios; quero ver aqui uma illusão, uma obcecação, tudo quanto quizerem, mas não um d'aquelles sentimentos que não possam confessar em publico de cara descoberta e de coração aberto.

Já vimos o que o governo é em administração; agora vamos a ver o que elle é em politica (apoiados). É a reacção. Não nos enganemos, meus senhores. Temos a reacção á porta; já nos vae entrando em casa (apoiados),

Quem asphyxia a palavra, a livre manifestação do pensamento, aqui e lá fóra e em toda a parte, é reaccionario (apoiados); e é em nome da reacção que o governo trabalha e lida para asphyxiar o pensamento e para apertar a gargalheira nas gargantas d'aquelles que querem respirar livremente o ar da liberdade (apoiados).

O partido regenerador ha muito que tem soffrido a accusação e o estygma de partido reaccionario e do partido conservador. Ha muito que eu fiz este appello franco aos membros que compõem esse partido, aos quaes compete revindicar os velhos fóros e reconquistar a aura popular.

O sr. Barros e Sá: — Tinha-a se tivesse feito uma lei eleitoral em dictadura.

O Orador: — Eu já respondo.

S. ex.ª fallou de uma lei eleitoral em dictadura.

(Interrupção do sr. Barros e Sá.)

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado por Moncorvo que não interrompa o orador.

O Orador: — E eu peço a v. ex.ª que deixe fallar o illustre deputado. Não tenho medo dos ápartes, mas agora peço tambem ao illustre deputado que me attenda.

Se o illustre deputado me faz os ápartes para desviar a minha attenção dos ataques que estou dirigindo ao governo é uma cousa; se não é isto e quer uma resposta precisa e immediata, vou dar-lh'a.

Quando o paiz, na sua alta sabedoria e por todos os meios que póde empregar, pede a satisfação do uma necessidade é considerado partido progressista e popular aquelle que lh'a satisfaz (apoiados). E foi por isso que aquella lei se promulgou.

O que admira é que tendo estado o partido regenerador ligado com o partido historico, quando este presidia aos destinos da nação, não tratasse de fazer outra lei. Agora seria muito para apreciar que s. ex.ª, deputado por essa mesma lei, pedisse a palavra e viesse aqui defender o seu partido, se o julga offendido, o que de modo nenhum está no meu animo.

Portanto ao partido regenerador, a quem se pretende impor a classificação de reaccionario, compete mostrar que não a merece.

O mesmo que digo do partido regenerador, applico ao partido progressista historico. É necessario que esse nobre partido se colloque na altura das circumstancias; é necessario que entre outra vez no baptisterio d'onde saíu outr'ora immaculado.

O partido historico progressista de hontem não póde nem deve ser o reaccionario de ámanhã (apoiados).

É pois indispensavel que o nobre partido historico, era nome da sua bandeira, em nome das suas idéas e principios, em nome do seu credito e do seu credo venha ajudar aqui a opposição a repellir d'aquellas cadeiras os cavalheiros que n'ellas se sentam.

Feito este appello leal e franco aos partidos, espero que elles hão de saber responder condignamente (apoiados).

Vou agora sr. presidente passar a uma outra ordem de assumptos que tem a mais intima connexão com a ordem do debate.s

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(Ergue-se o sr. ministro da fazenda, e faz menção de saír.)

Sr. presidente, na sequencia d'este meu desalinhado discurso, eu tenho de me referir a algumas palavras que foram aqui proferidas pelo sr. ministro da fazenda. Naturalmente s. ex.ª ausenta se da camara para tratar negocios de mais alta importancia, mas em todo o caso eu continuo.

Vozes: — Já volta.

O Orador: — Tanto melhor, porque fico mais desafogado. No discurso feito pelo meu illustre amigo, o sr. Rodrigues de Freitas, e creio que s ex.ª me permittira dar-lhe este doce nome, já s. ex.ª verberou com a eloquencia que todos nós lhe conhecemos, os desacertos, a falta de grammatica, a confusão e até o inconstitucionalismo da resposta á falla do throno; e eu não quero repetir os argumentos adduzidos pelo sr. deputado; por dois motivos: em primeiro logar porque os não dizia tão bem, e em segundo logar porque tenho outras cousas de que tratar.

No seguudo paragrapho do projecto de resposta ao discurso da corôa, diz-se: «No meio das agitações que tem perturbado a paz da Europa, acolheu a camara com vivo regosijo as declarações de continuarem inalteraveis as nossas amigaveis relações com as potencias estrangeiras, e de ter havido em toda a parte do reino a mais completa tranquilidade publica.»

Eu chamo a attenção da camara para esta confissão, que eu acho pelo menos ingenua.

Quando estão de pé accusações vehementes e terriveis da parte do illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, porque s. ex.ª empenhando a sua palavra de honra, disse que havia de mostrar que tinha havido associação criminosa entre o sr. presidente do conselho, e a auctoridade que tinha dirigido as eleições em Arganil; quando o sr. Luciano de Castro, membro conspicuo do partido historico, aqui descreveu os escandalos eleitoraes de Villa Verde...

O sr. Luciano de Castro: — Apoiado.

O Orador: — Quando o meu illustre amigo e collega eleito por S. Pedro do Sul, o sr. Bandeira Coelho, aqui vier demonstrar que a sua vida esteve em risco, porque um bando de homens armados em nome do despotismo e da anarchia, e portanto em nome do governo, queriam falsear a urna, e ferir e matar aquelles que por parte da opposição defendiam a liberdade do voto; quando tudo isto se tem passado, é então que o governo se atreve a dizer á camara e ao paiz que em toda a parte do reino tem havido a mais completa tranquillidade publica.

E não fallo das eleições de Mirandella e de Macedo de Cavalleiros, porque essas ainda não foram discutidas. Mas quando chegarmos a essas eleições, será occasião de demonstrar as gentilezas praticadas pelo governo, e digo governo porque eu não vejo n'estas questões senão o poder central. Vejo o governo, não vejo os mandatarios (apoiados).

E estou á espera das accusações vehementes que hão de aqui ser feitas pelo sr. Dias Ferreira, e ás quaes s. ex.ª não póde faltar, porque empenhou a sua palavra de honra. E então perguntarei ao governo se em todo o paiz reinou a mais completa tranquilidade publica durante o acto eleitoral!

Eu podia fallar da minha eleição; podia fallar dos actos praticados no meu circulo; podia dizer como o governo entendeu que devia interferir desleal e illegalmente n'esse actos que é o primeiro na vida constitucional de um povo; podia dizer como as regalias do cidadão foram acatadas pelo governo; podia mostrar como o meu circulo foi posto em estado de sitio, percorrendo a tropa as povoações desfavoraveis ao governo, como por exemplo em Figueira de Castello Rodrigo, onde a tropa esteve vinte dias aquartellada nas freguezias adversarias do ministerio, e bem assim nos concelhos de Fornos de Algodres e Aguiar da Beira, cujas guarnições levavam recommendação especial para tratar com todo o carinho auctoritario e paternal os povos, porque a auctoridade, quando ella é representada pelo actual sr. presidente do conselho, costuma ser de uma brandura e bondade que faz lembrar aquelle celebre knout que na Russia foi o symbolo da lei.

Podia fallar de tudo isto, dos guardas fiscaes, que abandonaram a fronteira para se tornarem agentes eleitoraes e de muitos outros actos, em que não quero insistir por emquanto até que seja mais conveniente fazer uma narrativa minuciosa.

Eu sou parte n'isto, e poderá alguem dizer que venho fallar aqui em nome da paixão, o que eu não quero.

Vozes: — Falle, falle. Foi testemunha.

O Orador: — Por ora não quero. Ficará para outra vez.

Mas se o governo, na discussão pendente, ou na discussão das eleições que ainda faltam, se atrever outra vez a dizer que houve a mais completa tranquillidade publica durante o acto eleitoral, eu hei de apresentar provas e documentos que hão de desmentir completamente tal asserção.

Com grande espanto meu não se falla na resposta ao discurso da corôa de um acontecimento gravissimo que se deu ultimamente, porque é sempre um acontecimento gravissimo uma crise ministerial, da qual resulta a saída de um ministro, na minha opinião o mais conspicuo (apoiados), entre os que compõem o gabinete.

Eu conheço os elevados talentos e as altas qualidades do cavalheiro que foi obrigado, posso quasi affirma-lo, em nome do decoro, em nome da dignidade, em nome da boa rasão, a saír do seio do ministerio.

Não tenho a menor duvida em dizer aqui em voz bem alta, que era elle o membro mais conspicuo do governo, e que tendo saido do ministerio, o que ali resta não é para se lhe comparar (apoiados).

Mas o governo não fallou n'este successo no discurso da corôa. Qual a causa d'esta omissão? Qual o motivo de tal eliminação? Porventura podiam assim os srs. ministros fugir á responsabilidade que lhes ha de caír effectiva e completa sobre a cabeça por causa d'este acontecimento, que eu julgo gravissimo e importantissimo, que eu julgo capital? (Apoiados.)

Os srs. ministros provavelmente limitam se a responder com o silencio. Como disse o sr. Saraiva de Carvalho, o silencio está arvorado em principio, em fundamento unico da defeza dos srs. ministros. Mas ao silencio do governo ha de corresponder a insistencia da opposição (apoiados.)

Nós queremos saber os motivos porque o sr. visconde de Chancelleiros saíu do seio do gabinete; queremos aqui os documentos que já foram pedidos pelo sr. Rodrigues de Freitas e por mim. Esses documentos não vieram, não sei porque. Ignoro se tambem sobre elles terá de haver alguma consulta do digno, honrado e intelligente conselheiro procurador geral da corôa (riso), a cuja sombra anda sempre a collocar-se o sr. presidente do conselho (apoiados).

Nós pedimos copia de toda a correspondencia official que se deu com relação a esse facto, e essa correspondencia official não vem, é trancada. A estes pedidos que nós fazemos constantemente com o direito que a lei nos dá; a estes pedidos responde o governo com o seu habitual silencio! (Apoiados.)

(Entra o sr. ministro da fazenda.)

Sr. presidente, ha dias proferiu-se aqui a palavra «cobardia». Já não é parlamentar esta palavra. Eu não empregarei a palavra «cobardia», digo, porém, que é insigne fraqueza (não quero dar-lhe outra classificação), o comportamento do governo em pretender evitar a responsabilidade dos seus actos, e em recusar instante e constantemente aquelles documentos que os deputados da opposição lhe pedem, e de que póde advir para o gabinete uma accusação formal (apoiados).

Eu insisto n'este ponto, e já hontem tinha feito um requerimento para que a questão fosse adiada, até que esses documentos viessem, tal é a importancia que entendo que lhes devo dar!

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Eu apresento a este projecto mais outras modificações. Digo; por exemplo, no segundo paragrapho:

«Sente porém a camara que não houvesse reinado em todos os tratos do paiz a mais completa tranquillidade publica eleitoral, e bem assim que não fosse respeitada a liberdade de voto pela interferencia illegal e abusiva do poder central.».

E nos 5.° e 6.° paragraphos digo ainda:

«Muito folgaria a camara se podesse assegurar-se da sensivel melhoria do nosso estado fazendario, graças principalmente aos constantes e patrioticos exforços da camara transacta. Infelizmente, porém; a camara mal póde confiar no actual governo para o bom exito de tão difficil quão necessaria empreza de extingir o deficit do orçamento de receita, apesar da energia e boa vontade dos representantes do povo.»

Estas asserções estão já inteiramente confirmadas pelo que hontem aqui se disse, pelos actos praticados pelo governo, pelo que acabei de referir, e principalmente por aquelle discurso que proferiu n'esta casa o sr..ministro da fazenda; discurso que pretendeu fazer-nos rir a todos, discurso que a ninguem convenceu senão de uma cousa, e é, que s. ex.ª é o peior ministro da fazenda que alguem, que andasse com um microscopio a procurar, podia ter encontrado (riso).

Fallo em microscopio, porque o sr. ministro da fazenda, por mais que procure augmentar em grandeza, é sempre microscopico.

Nunca ha de ser um ente telescopico.

Todo ancho e vaidoso, disse-nos o sr. ministro da fazenda, respondendo a uma accusação que lhe foi feita pelo sr. Mariano de Carvalho, o seguinte: «Pois porventura o ministro da fazenda em Inglaterra, mr. Lowe, ficou deshonrado porque foi rejeitado o imposto sobre os phosphoros, que elle havia proposto? Não, senhores, de modo algum ficou deshonrado, e eu tambem não fiquei deshonrado por a camara ha muito tempo ter rejeitado as propostas fazendarias que lhe tenho apresentado».

S. ex.ª quiz escapar á sombra de mr. Lowe, e fez muito bem, porque a auctoridade é em verdade importante. Ha, porém, só uma pequena differença, e é que mr. Lowe é mr. Lowe e o sr. Carlos Bento é... o sr. Carlos Bento. Ha esta pequenina differença, mr. Lowe tinha alguma cousa a perder; tinha a perder a sua reputação de respeitavel economista, tinha a perder a reputação de um homem que ha muito tempo conquistou os seus fóros de nobreza scientifica. O sr. Carlos Bento nada tem a perder senão a sua cadeira de ministro, a qual parece que em theoria lhe produz um horror espantoso, mas para a qual, na pratica, vemos que tem uma irresistivel força de attração.

Ha, em verdade, um ponto de contacto entre o sr. Carlos Bento, ministro da fazenda em Portugal, e mr. Lowe, ministro da fazenda em Inglaterra: é que mr. Lowe ha pouco tempo, quando foi essa questão dos phosphoros, para entrar no parlamento teve necessidade de seguir por umas ruas afastadas e escuzas, e passou por umas catacumbas e subterraneos. E ainda assim foram lá attaca-lo. Pois o sr. Carlos Bento, para saír uma vez, de um edificio publico teve de empregar a escada aeria. É este o unico ponto de contacto que ha entre o sr. Carlos Bento e mr. Lowe.

Vozes: — Não foi elle.

O Orador: — O sr. ministro da fazenda não passou pela escada aeria? Pois parece que devia ter passado; até em virtude d'aquellas tendencias para o funambulismo, de que a camara já devia ter desconfiado ha muito (riso).

S. ex.ª veio aqui dizer que o partido reformista queria lançar uma decima sobre os juros da divida fundada; s. ex.ª veiu dizer isto com aquella pujança palavrosa de argumentação, que eu ha muito tempo respeito no illustre ministro. Mas não se lembrou que esta seta ía ferir, se por acaso podia ferir alguem, o illustre deputado o sr. Eduardo Tavares.

(Ápartes.)

O sr. Eduardo Tavares: — Peço a palavra.

O Orador: — S. ex.ª o sr. ministro da fazenda declarou aqui hontem, que o partido reformista na execução do seu plano financeiro, pretendia lançar uma decima sobre os juros da divida fundada, e eu digo que não foi o partido reformista que aventou tal idéa, senão o sr. Eduardo Tavares que sustenta o governo.

O sr. Eduardo Tavares fundamentou perfeitamente o projecto e disse que era a primeira victima d'elle, por isso que possuia inscripções.

Isto nunca podia ser arma de ataque contra a opposição, em primeiro logar porque a opposição não tinha culpa, e em segundo logar porque o fundamento d'este projecto de lei não dizia nada a respeito da vida publica do partido reformista.

Isto prova a verdade e a clareza da argumentação do sr. ministro da fazenda, quando não se remette ao silencio.

Não ha muito tempo ainda, que o meu illustre collega o sr. Pereira de Miranda, pedio ao governo uma nota do estado actual da nossa divida fluctuante, e este documento era necessario para a nossa argumentação, e o sr. ministro da fazenda entendeu que devia responder ainda com o silencio.

(Interrupção.)

É verdade. É como o tal relatorio que estava a copiar em 11 de março, e que ainda hoje está a copiar.

Isto é que é velocidade negativa!

Uma grata noticia me deu o sr. ministro da fazenda, era que o deficit, este monstrum horrendum, essa hydra de Lerna perante a qual o proprio Hercules fugiria espavorido, esse rochedo de Sysipho que nos estava esmagando o peito, e não quero agora empregar outros mythos da fatalidade antiga, o deficit, repito, estava a morrer. Que rara felicidade, sr. presidente!

O sr. Carlos Bento, quem tal diria? Representou o papel de cavalleiro andante e da tavola redonda. Ouviu fallar do dragão alado do deficit, e poz-se a caminho para dar cabo d'elle. Entrou na caverna, e enterrou a lança no mais intimo do coração do monstro, o qual começou a deitar golphadas de sangue negro e pastoso, e afinal morreu. Morreu o deficit. Acabou com elle o partido reformista. Está o deficit extincto! E se o não está desde já, se-lo-ha d'aqui a um ou dois annos, porque está reduzido á microscopica quantia de 3.100:000$000 réis.

O sr. ministro tem uma balança rigorosa, pesa as mais pequenas parcellas, 3.100:000$000 réis, nem mais nem menos!

Será o caso de lançar fogo de artificio, de repicarem os sinos, de levantar uma estatua de bronze na qual se represente o sr. ministro da fazenda em acção de enterrar a lança pelas visceras do dragão medonho!

O que eu sinto, sr. presidsnte, é que já não haja um Miguel Angelo para fazer a estatua!

Um Canova ou um Thorwaldsen podiam ainda substituir o Buonarotti, e o sr. Carlos Bento seria, como merece, immortalisado pelo bronze e pelo marmore (riso e apoiados).

O sr. ministro da fazenda, querendo arreigar na camara a crença de que acima de tudo está a questão de fazenda, por ser de todas as questões a mais importante, disse cheio do maior enthusiasmo: «olhae que á França cançada, ensanguentada e dilacerada pelas feridas recebidas no campo da batalha, levantou-se do estado de abatimento em que jazia por meio de um patriotico emprestimo».

Isto faz-me lembrar o caso do Harpagon que dizia: venha dinheiro, venha mais dinheiro, venha sempre dinheiro. O sr. ministro da fazenda está no mesmo caso. Na apreciação que fez do estado da França, o objecto principal para s. ex.ª foi o emprestimo; todas as grandes qualidades civicas de um povo, a sua abnegação, o seu heroismo, a sua dedicação, o seu patriotismo, tudo isto não vale nada perante o sr. ministro da fazenda; tudo o que não seja dinheiro é zero para s. ex.ª

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Assim ficámos sabendo que os grandes principios economicos e administrativos pelos quaes se governam as nações, e em virtude dos quaes ellas se engrandecem e se mantêem em um certo grau de prosperidade, tudo isto não vale nada; tudo isto deve ser expungido e abandonado, para ser substituido pelo novo systema financeiro que s. ex.ª nos apresenta, e com o qual tenciona combater e, matar o deficit (riso).

N'estas circumstancias temos que nos resignar, por isso que não podemos alojar a esperança de que s. ex.ª, com taes meios, possa conseguir o seu fim.

Tinha ainda algumas considerações a fazer, mas visto que a hora está adiantada e a sessão a findar, vou terminar com duas palavras.

Venho mais outra vez pedir aos cavalheiros que compõem os differentes partidos que se acham n'esta camara, que se liguem todos na santa cruzada de satisfazer o primeiro dever constitucional, qual é o derribar e deitar por terra um governo que nada tem feito e de quem nada se póde esperar, um governo que não tem iniciativa e que não está á altura das necessidades do paiz, um governo obnoxio e contrario aos interesses publicos e que não merece a confiança do parlamento (apoiados da esquerda).

Lembrem-se s. ex.ªs da grave responsabilidade em que incorrem, conservando-se n'uma posição indefinida para com o governo. Sejamos francos, cumpra cada um o seu dever; e o paiz ficará então sabendo com o que ha de contar e o que póde esperar de uma camara que foi eleita pelo sr. marquez d'Avila e para o sr. marquez d'Avila, o que é de espantar.

Lembrem se s. ex.ªs das difficuldades que o sr. presidente do conselho creou para o partido reformista, e por isso peço a todos que não se deixem seduzir pelos promessas do sr. d'Avila, e que se acautelem para se não deixarem levar pelo canto d'aquella sereia (riso); pois de contrario terão de arrepender-se.

E note-se, quando me refiro ás incoherencias, e contradicções do sr. presidente do conselho, fallo em nome da historia e dos precedentes de s. ex.ª Todos se hão de lembrar que o sr. marquez d'Avila, quando estava n'uma outra posição, fazia constar pelos seus amigos, que era necessario fazer economias, que s. ex.ª era mais reformista que ninguem, que era por assim dizer o tronco de todos os reformistas. Isto, sr. presidente, é sublime. O sr. d'Avila é reaccionario, é o bemfeitor, o Evergeta, o estrategio do partido retrogrado. Isto sabia eu, mas como as promessas de s. ex.ª se succediam, cruzei os braços por algum tempo. Nós, ainda que não acreditavamos nas palavras de s. ex.ª, entendiamos, que era dever levar o paiz á convicção de que todas as palavras pronunciadas pelos srs. ministros, e especialmente pelo sr. presidente do conselho eram fementidas e traiçoeiras e consistiam pura e unicamente em ganhar tempo. Portanto o terreno que então pisava o partido reformista era muito mais solido e muito mais firme.

Agora que o desengano já entrou na alma de todos e que ninguem póde acreditar nas phrases que está aqui todos os dias a repetir o sr. marquez de Bolama, o novo Avatar indiano, é de todo impossivel, não é decoroso, não é brioso, não é digno, não é rasoavel que os dois partidos que têem sustentado é governo até hoje, continuem a dar-lhe o seu apoio, aliás estes partidos sacrificar-se-hão, baixarão o nivel moral do paiz, lavrarão o seu epitaphio pretendendo levantar a apotheose do gabinete. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)

(O orador foi comprimentado por differentes srs. deputados, principalmente pela esquerda.)

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