92
1611
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
que responda directa e cathegoricamente ds perguntas e arguições, que vou formular com toda a clareza que me for possivel.
Accuso o sr. Antonio de Serpa, ministro da fazenda, por não ler organisado o orçamento como o devera ter organisado. (Apoiados.)
Sustento que o orçamento está viciosamente calculado, e, ainda mais, calculadamente viciado.
E esta a proposição que forcejarei por demonstrar no decurso das observações, que vou desenvolver.
O relatorio que precede o documento parlamentar sujeito á discussão, logo na primeira pagina contém estas palavras: «Estes recursos são calculados segundo os preceitos do regulamento de contabilidade publica, e na parte em que. houve do se fazer apreciação fóra d'esses preceitos as avaliações são modestas».
Ora, nós vamos ver como é que se fizeram estes calculos, em conformidade com o regulamento de contabilidade publica, e como são modestas as apreciações orçamentaes.
Começarei por um imposto menos importante, mas que por essa circumstancia não devo passar sem reparo, nem desapercebido.
Cabe aqui advertir que quando encetei o estudo d'este orçamento, os primeiros algarismos com que deparei continham um pequeno erro, que attribui a lapso no calculo. Mais tarde, surgiam erros do alguns contos de réis; estes foram crescendo, e, arredondando-se, começaram a apparecer transformados em dezenas de contos.
As dezenas succedeu a primeira centena, a esta a segunda, depois a terceira, a quarta, as muitas centenas de contos; até que finalmente disse para mim é impossivel que se apresente um documento d'esta ordem, inquinado de erros sempre que é necessario fazer avultar as receitas; á impossivel que elle esteja eivado de tanta illegalidade e tanto erro, som que n'isso tenha havido um proposito, um plano condemnavel.
Para dar exemplo do que acabo de dizer, começarei pelos direitos de mercê.
Vejamos como estão calculados os direitos de mercê n'este orçamento, o se o calculo está feito em conformidade dos preceitos do regulamento de contabilidade publica; vejamos qual a moderação e modestia dos calculos do sr. ministro da fazenda.
Diz o regulamento de contabilidade publica, que o calculo orçamental devo ser feito tendo em vista a receita do ultimo triennio; se porventura as receitas do ultimo triennio formarem uma progressão, quer seja na ordem ascendente, quer na descendente, o calculo deve ser baseado na receita do ultimo anno; se, porém, houver oscillação nas receitas dos ultimos tres annos, o calculo deve ser baseado na media do triennio.
Estas é que são as disposições do regulamento de contabilidade.
Os direitos do mercê nos ultimos tres annos economicos renderam:
1875-1876...'........................ 111:000$000
1870-1877........................... 104:000$000
1877-1878........................... 101:000$000
desprezando as fracções de 1:000$000 réis, como é do uso na camara para facilitar a exposição, e a clareza.
É manifesto que esta receita caminhou sempre na rasão descendente; o calculo tambem é manifesto que devia fazer-se pela receita do ultimo anno.
O sr. ministro da fazenda entendeu, porém, que devia calcular pela media do triennio, e obteve d'este modo uma exageração de receita na importancia de 4:000$000 réis a 5:000$000 réis.
Aonde está, sr. ministro da fazenda, n'este calculo a conformidade com o regulamento da contabilidade? Onde está o respeito da lei e a preconisada modestia?
Isto é apenas um exemplo; o para mostrar que este caso não é unico, nem foi adrede escolhido para apresentar um erro no meio de tantas receitas, vou recorrer a outro exemplo, o explanar como se achara calculados os direitos de importação.
Esta receita no ultimo triennio oscillou de modo que o calculo devia ter sido feito em virtude do regulamento de contabilidade, pela media do triennio; mas a media do triennio dava em resultado a baixa d'esta verba, a media do triennio não se conformava cora o proposito do sr. ministro da fazenda de fazer avultar as receitas. Portanto, o regulamento de contabilidade, que é um excellente regulamento, sempre que as receitas do triennio são favoraveis ao augmento da verba a calcular, o regulamento de contabilidade, que é um excellente regulamento para se citar n'um relatorio, esse. regulamento para nada presta sempre que a sua observancia dá como resultado uma diminuição de receita. N'estes lermos, o sr. Antonio do Serpa, que tinha obrigação de calcular pela media do triennio, que tinha essa obrigação, porque assim o ordena o regulamento de contabilidade, e porque tomara esse compromisso no relatorio que precede o orçamento, s. ex.ª entendeu mais commodo, mais vantajoso e mais engenhoso fazer o calculo approximado pelo ultimo anno. Esqueceu o regulamento de contabilidade, esqueceu até a modestia, e conseguiu por tal meio uma exageração de calculo, uma exageração illegal, approximadamente de 127:000$000 réis.
Eu vou citar alguns algarismos, para mostrar á camara que não fallo aereamente.
No primeiro anno do triennio, que ministra os elementos do calculo orçamental, esse rendimento foi de 0.552:000$000 réis, no secundo de 6.099:000$000 réis, e no terceiro do 6.766:000$000 réis.
É evidente que n'este caso devia calcular-se pela media do triennio, porque houve a oscillação a que se refere o regulamento de contabilidade.
Pois não se calculou pela media, calculou-se pela approximação do ultimo anno.
D'esta vez entendeu-se que para nada servia o regulamento de contabilidade.
Do modo que, quando é preciso, quando convem calcular pela media do triennio, embora o regulamento do contabilidade mande calcular pelo ultimo anno, calculasse pela media; e, quando é preciso, quando convem calcular pelo ultimo anno, embora o regulamento de contabilidade mande calcular pela media, calcula-se pelo ultimo anno.
E isto porque? Porque o proposito, o pensamento dominante é avolumar as receitas. (Apoiados.)
Preciso citar mais exemplos, porque não quero que a camara me acredite simplesmente sob palavra.
Tomo, pois, outro imposto.
Tomo o imposto do pescado, e passo a ver como está calculada esta receita.
Com o imposto do pescado dá se a gradação a que se refere o regulamento de contabilidade.
De anno para anno vae decrescendo o rendimento. E, como tem decrescido de anno para anno, o calculo devia fazer-se pelo ultimo do triennio.
Não foi, porém, assim.
A receita d'este imposto foi no primeiro anno do triennio de. 121:000$000 réis, no segundo de 114:500$000 réis, o no terceiro de 114:000$000 réis.
Vê-se que este imposto vae n'uma escala descendente, e que o calculo, devia ser feito pelo ultimo anno, consequentemente fez-se pela media do triennio.
A receita decrescia successivamente, mas o intuito do sr. Serpa era que a receita ficasse avolumada, e, por conseguinte, sem embargo d'aquelle decrescimento constante de receita o sr. Serpa, em vez de calcular pelo ultimo anno, calculou pela media do triennio, e obteve assim um pequeno augmento de quasi 3:000$000 réis.
Estes augmentos são módicos, ma3 a somma de todos os augmentos dá em resultado centos de contos de réis.
Sessão de 9 de maio de 1879