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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso proferido pelo sr. deputado Pereira de Miranda, na sessão de 21 de abril, e que devia ler-se a pag. 1356, col. 1.ª

O sr. Pereira de Miranda: — Folguei extraordinariamente ouvindo o discurso que acaba de pronunciar o sr. ministro da fazenda, e folguei tanto mais quanto elle é a demonstração cabal da opinião que eu tinha de que nós não podemos evitar completamente de entrar na apreciação geral da fazenda publica a proposito do assumpto que está em discussão.

Eu tinha em vista a recommendação que v. ex.ª fez hontem ao sr. visconde de Moreira de Rey, e tencionava limitar-me, quanto possivel, a tratar da materia que se discute; mas v. ex.ª vê, pelo desenvolvimento que o sr. ministro da fazenda deu ao seu discurso em resposta ás observações do sr. Barros e Cunha, que effectivamente ligadas a este artigo andam quasi todas as questões que dizem respeito á fazenda publica. (Apoiados.)

Com effeito desde que os encargos da divida pública absorvem metade da receita do estado, comprehende-se perfeitamente que não póde, ao tratar-se da dotação da junta do credito publico, deixar do se encarar toda a nossa situação financeira. (Apoiados.)

Procurarei ainda assim ser tão breve quanto possa nas observações que vou ter a honra de apresentar á camara.

Eu entendo que sobre o governo actual pésa uma grave responsabilidade, porque, sem desconhecer os serviços que

elle póde ter prestado no decurso da sua larga administração, é certo quanto a mim, e é facil proval-o, que elle não soube tirar o partido conveniente do favor das circumstancias. (Apoiados.)

Peço desculpa á camara pelo modo por que hei de encaminhar estas minhas observações; mas, desejando eu sempre, tanto quanto possivel, ao apreciar os actos financeiros do governo, ser imparcial e justo para com os meus adversarios, e não tenho para isso de fazer, como v. ex.ª sabe, porque me conhece ha bastante tempo, nenhuma especie de violencia sobre mim mesmo, procurarei que fallem, não as minhas convicções, que ainda assim, apesar da minha boa vontade, podem ser todas como influenciadas pelo espirito partidario, mas os actos d'aquelles a quem combato.

Está submettido ao debate parlamentar o orçamento do estado para o anno economico futuro de 1879-1880.

Eu entendo que o melhor modo de apreciar a importantissima questão de fazenda será o de procurarmos avaliar o procedimento do governo pela comparação dos dois orçamentos extremos; isto é, o primeiro que apresentou ao parlamento quando entrou no poder, e este ultimo, que está submettido agora á discussão da camara.

Fazendo esse exame muito rapido, eu encontro o seguinte:

A receita calculada nos orçamentos para 1872-1873 e 1879-1880 era:

Impostos directos......

Impostos indirectos.....

Sêllo e registro.........

Bens proprios nacionaes

1872-1873

5.370:259$000 9 572:23$000 1.505:500$000 1.484:271$000

17.932:265$000

5.003:876$000 14.290:689$$000 2.746:800$000 2.425:556$000

25.0(50:921$000

" Differenças

+ 233:617$000 + 4.718:451$$000 + 1.241:300$000 + 911:285$000

+ 7.134:656$000

Vê-se, pois, que todas aquellas fontes do receita accusam augmento, sendo o total d'este de 7.134:656$000 réis, ao compararmos o calculo orçamental, exactamente como já indicou o sr. ministro da fazenda.

Isto é, a receita publica, calculada nos dois orçamentos

do 1872-1873 e 1S79-1880, apresenta um acrescimo de 39 por cento.

Se passarmos a fazer a mesma analyse em relação á despeza, encontrámos o seguinte resultado:

Despeza 1872-1873 187H-1880 Differenças

2.070:454$490 (a) 8.751:067$150 10 977:012$366 3.19-1:029$100 (a) 11.012:458$014 14.506:721$091 + 1.118:174$010 + 2.200:790$904 + 3.529:078$725

21.805:164$006 2S.713:808$305 + 6.908:644$229

Eu devo fazer aqui uma observação: talvez se tenha notado o não ter computado a chamada compensação de receita. E não só a não mencionei pelas rasões apresentadas pelos meus collegas que não consideram receita essas compensações, mas porque effectivamente entre ellas figura uma verba que devia ser completamento eliminada. É eu fiquei surprehendido quando o illustre relator da commissão, respondendo a um dos meus illustres collegas, nos affirmava que era largo o desenvolvimento que tinham tido as provincias ultramarinas, e que por consequencia era de rasão e justiça que nós inclui-semos n'esta receita do thesouro a importancia de 298:000$000 réis, com que as mesmas provincias deviam concorrer para os encargos dos emprestimos levantados para obras publicas no ultramar e para a construcçâo do navios de guerra.

E fiquei surprehendido, confesso, ao ouvir o illustre relator alludir ao progresso e desenvolvimento das provincias ultramarinas, porque, examinando os documentos officiaes, eu formava um juizo completamente contrario. E se nós examinarmos os dois ultimos orçamentos para as provincias ultramarinas, apresentados ao parlamento, o que se refere ao anno economico de 1875 a 1870 e o ultimo apresentado ha dois dias, para o anno economico futuro,

nós encontramos o seguinte:

Orçamento das provincias ultramarinas para 1875-1876

Receita Despeza Differenças

S. Thomé e Principe India............ 220:377$000 109:010$000 565:974 $000 247:713$000 528:648$887 354:831$333 218:876$576 105:552$118 556:110$530 249:957$804 476:968$319 322:702$481+ 1:500$424 + 4:057$882 + 9:863$470 — 2:240$804 + 51:680$568 + 32:128$852

2.027:154$220 1.930:163$828

Saldos positivos.................................. 99:231$190

Saldos negativos................................. 2:240$804

Resultado positivo............................... 96:990$392

(a) Está deduzido o juro dos titulos na posse da fazenda

Sessão de 19 de junho de 1879

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Orçamento das provincias ultramarinas para 1879-1880

Receita Despeza Differenças

8. Thomé e Principe 220:280$000 126:100$000 472:362$000 244:091$000 497:316$665 397:653$000240:015$293 122:779$988 588:038$426 352:027$040 502:565$095 337:54$871 — 19:73$3293 + 3:320$012 —115:676$426 —107:936$040 — 5:218$430 + 60:111$129

1.957:832$665 2.142:967$713

Saldos positivos................................. 63:431$142

Ditos negativos................................. 248:566$189

.Resultado negativo.............................. 185:135$048

Ora ainda mesmo o orçamento de 1875-1876, que indicava um saldo positivo de 96:000000 réis, não podia comportar o encargo de 266:000$000 réis, a que devem subir no anno economico futuro de 1879-1880 os juros o amortisações a cargo do orçamento da metropole, mas pertencentes ao orçamento do ultramar, e que são os seguintes:

Encargos para 1879-1880, do emprestimo

para navios de guerra................ 140:541$200

Ditos para a 1.ª serie do emprestimo para

obras no ultramar................... 70:020$000

Ditos para a 2.ª serie a emittir.......... 56:000$000

266:561$200

Mas o que vemos nós no orçamento das provincias ultramarinas para 1879-1880? Não »ó se não mantem o saldo positivo que nos mostrava o precedente orçamento, mas desapparece elle, e é substituido por um deficit de réis 185:135$048. E note-se que as providencias adoptadas ultimamente para a Guiné hão de aggravar de um modo sensivel aquelle desequilibrio. N'estas cireumstancias querer computar como receita no orçamento da metropole, a titulo de compensação, áquelles 266:000$000, é querer que o orçamento não seja uma verdade. (Apoiados.)

Eu disse, sr. presidente, que pésa sobre o governo actual uma grande responsabilidade pela gerencia financeira durante o periodo de sete annos, e basta uma observação para o provar.

Pois senos tinhamos um deficit no primeiro orçamento apresentado por este governo em 1872-1873 de 3.872:000$000 réis, se as receitas cresceram, como já anteriormente foi indicado pelo sr. ministro da fazenda, na importancia de 7.134:000$000 réis, é claro que podiamos ler hoje equilibrado o orçamento, e ainda um excesso de receita não inferior a 3.262:000$000 réis, um terço do qual, ou réis 1:087:000$000, poderia ter sido destinada a dotar melhor certos serviços que reclamassem reforma, e os outros dois terços, ou 2.175:000$000 réis, a attender aos encargos de uma operação de credito que permittisse applicar no decurso de sete annos 30.000:000$000 a 35.000:000$000 réis effectivos a melhoramentos materiaes, quantia já importante, e sufficiente a provar que o paiz não descurava o seu desenvolvimento. (Apoiados.)

Aqui tem a camara como se poderiam aproveitar as cireumstancias, e nunca as houve mais extraordinariamente, felizes; o como se podia chegar ao desideratum de conseguir o equilibrio orçamental, sem sacrificar o desenvolvimento importante dos melhoramentos materiaes, e para isso conseguir bastava apenas o sincero desejo de administrar bem. Não que eu julgue que o sr. ministro da fazenda deixasse de ter tal desejo, mas faltava-lhe a energia indispensavel para resistir a todas as exigencias desarrascadas, que de muita parte pesam sobre s. ex.ª e ás

quaes, por isso mesmo que era ministro da fazenda, tinha obrigação do resistir. (Apoiados.)

E conveniente, quando se trata de apreciar uma gerencia importante, como é esta, durante um periodo notavel da nossa historia financeira, e quando nos encontrámos em face de um governo que tem tido uma duração larga; e nada póde contribuir para uma boa administração como a conservação no poder de um partido, por um espaço de tempo que lhe permitta apresentar as suas idéas e realisal-as, é conveniente, repito, avaliar e apreciar os factos importantes como são os augmentos de receita e de despeza.

No periodo decorrido de 1872-1873 a 1879-1880, segundo os orçamentos, os impostos directos apresentam um augmento de 233:000$000 réis, o que se explica completamente pela nova contribuição bancaria e pela modificação da contribuição industrial.

O augmento que mais notavel se tornou foi o dos impostos indirectos:

Para 1872-1873 foram estes impostos calculados em....................... 9.572:235$000

Para 1879-1880 estão orçados em...... 14.290:689$000

Ou um augmento de................. 4.718:454$000

Este augmento explica-se pelo modo seguinte:

Nos direitos de importação............. 2.322:000$000

Nos direitos de exportação............. 98:000$000

Nos direitos de consumo............... 131:000$000

No real d'agua....................... 789:000$000

No tabaco........................... 572:000$000

Taxa complementar................... 311:000$000

Imposto de cereaes...............____ 370:000$000

Emolumentos geraes nas alfandegas de Lisboa e Porto........................ 99:000$000

Direitos sanitários.................... 26:000$000

4:718:000$000

Aqui está um augmento de receita que eu confesso francamente me entristece um pouco. Não sou partidario dos que proclamam e seguem a chamada escola da balança do commercio; mas n'um paiz como o nosso, entendo que o permanente e importante desequilibrio entre a nossa exportação e a importação, carece de ser profundamente ponderado e meditado.

Se eu estivesse em França ou em Inglaterra não me assustava cousa alguma o desequilibrio entre a importação o a exportação, porque tinha largas compensações, que poderiam por modos diversos restituir o equilibrio. A Inglaterra tem grandes recursos nos seus transportes maritimos, e a verba que recebe por esse lado de todos os paizes do mundo vem compensar-lhe em grande parte qualquer desequilibrio no seu movimento commercial. A Inglaterra é tambem o grande banqueiro de todo o mundo, é credora de todas as nações do globo, que annualmente lhe vão levando grossas sommas, de modo que a Inglaterra, embora tenha desequilibrio entre as suas exportações e importações, tem por outro lado grandes compensações.

Com a França dá-se o mesmo tambem. A França, onde a economia particular toma proporções extraordinarias, e a prova é o facto assombroso que se deu n'aquelle paiz, que n'um momento se pode salvar de uma crise tão profunda; a França, que com os seus capitães tem ido tambem auxiliar o desenvolvimento material de muitas nações, tambem de certa maneira está ao abrigo de qualquer desequilibrio entre importações e exportações. Mas Portugal não tem para compensar o desequilibrio senão o producto do trabalho dos portuguezes que emigram para o Brazil.

Mas isto não basta para restabelecer esse equilibrio. E,

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infelizmente, é elle não só importante, mas constante e permanente, e é n'isto que eu vejo grande perigo.

E, para que a camara possa ver que não são considerações melancólicas as que estou apresentando, basta percorrer um periodo de dez annos para se poder assentar uma opinião segura sobre a materia d'esta importancia.

1867 1808 1869

Importação

5:085 4:489 4:210

3:78-1 4:478 2:970

3:477 3:266 3:138

1:095 1:906 1:634

1:870 1:620 1:736

Despojos e productos de animaes... 1:522 1:313 1:294

1:411 1:296 1:315

1:272 726 975

1:182 1:451 1:150

Manufacturas de metaes diversos... 763 593 653

758 462 636

684 626 64i!

604 523 465

529 548 463

375 463 319

285 248 247

282 262 251

Productos e composições diversas... 258 226 246

257 203 191

90 102 93

Exportação 26:399 24:812 22:428

6:302 6:969 7:022

2:940 2:158 2:220

1:833 2:197 717

1:210 1:072 1:615

Despojos e productos de animaes... 1:088 1:311 1:394

801 749 780

636 5)07 1:461

526 016 237

358 337 332

273 241 353

Manufacturas de metaes diversos... 229 241 283

20S 177 167

118 149 147

52 32 47

Papel........................... 49 44 .'.1

Productos e composições diversas... 30 27 42

320 414 511

2S7 336 386

24 25 38

17:284 18:031 17:803

9:115 6:778 4:625

Vê-se, pois, que nos dez annos decorridos de 1867 a 1876, as importações excederam as exportações na importante quantia de 78.663:000$000 réis, ou, em media, réis 7.866:000$000 por anno.

Pergunto á camara, francamente, sem me dirigir em especial nem á maioria, nem á opposição, se este quadro, e ainda com as obrigações que pesam sobre nós, não deve fazer pensar maduramente n'um assumpto de tão grande importancia?

Ainda mesmo áquelles que não seguem a theoria da balança do commercio, não podem, nas condições do nosso paiz, deixar de reconhecer os perigos d'este desequilibrio, que pela circumstancia da sua permanencia maiores receios deve inspirar, e que por isso mesmo deve chamar a attenção dos que se dedicam ao estudo dos negocios publicos. (Apoiados.)

Estas observações, que vieram a proposito do augmento dos impostos indirectos, e para as quaes não julguei inutil chamar a attenção da camara, dariam assumpto a largas considerações, mas convem seguir na analyse dos augmentos de impostos.

A receita dos bens proprios nacionaes accusa um au-

Tomando o periodo decorrido de 1867 a 1876, encontrámos o seguinte: (a)

1870 1S71 1872 1873 187-1 1875 1876

4:735 4:603 5:075 5:639 4:482 4:996 4:234

2:690 2:544 1:953 1:788 1:694 4:105 4:638

4:078 2:788 3:348 3:794 3:369 3:474 3:260

2:422 5:011 3:650 0:201 4:365 5:568 0:778

1:723 2:067 3:193 2:052 2:611 3:281 2:069

1:372 1:423 1:859 2:220 2:072 1:959 1:759

1:224 1:471 1:756 1:614 1:346 1:514 1:468

1:110 1:01-' 783 1:079 889 1:096 893

1:562 1:327 1:537 2:095 982 2:923 1:814

608 769 1:038 1:695 1:422 1:924 1:956

918 1:033 1:441 825 971 895 981

560 775 694 926 768 960 859

053 611 689 1:010 1:247 929 959

534 448 501 506 486 486 524

210 145 250 420 190 218 226

255 334 364 363 331 391 368

199 205 294 307 321 429 379

249 273 326 373 30 450 308

150 193 248 318 298 314 29!)

79 91 114 145 113 143 138

25:331 27:153 29:113 34:036 28:327 36:055 34:570

8:776 ' 8:240 9:317 8:904 9:372 11:237 10:294

2:120 3:465 3:650 3:458 3:167 2:350 2:527

607 498 419 419 387 433 214

2:058 1:514 2:263 2:743 2:009 2:197 796

887 1:587 1:521 1:202 1:352 1:169 1:411

, 861 961 1:350 1:488 1:017 1:369 1:1(54

2:531 2:156 1:610 1:097 1:245 2:096 1:185

320 314 375 517 565 384 2*3

319 302 300 43! 663 301 335

284 513 400 420 285 274 287

322 394 375 303 339 393 271)

291 222 269 478 350 374 321

117 173 102 107 50 49 52

58 51 62 220 07 53 20

68 80 44 06 107 103 61

39 39 37 49 00 68 32

372 453 504 327 ¦296 474 322

180 420 585 668 !)58 946 645

40 38 43 42 39 41 29

20:280 21:450 23:232 23:605 23:989 24:371 20:507

5:045 5:703 * 5:881 10:431 5:338 11:684 14:063

gmento na importancia de 941:000$000 réis, augmento que se explica pelos rendimentos dos caminhos de ferro que ultimamente se têem construido no paiz, e ainda pelo ligeiro, augmento no rendimento do correio.

O sêllo e registro mostra um crescimento de 1.241:000$000 réis de 1872-1873 a 1879-1880, que provém do augmento de 334:000$000 réis no primeiro d'estes impostos e de 907:000$000 réis no segundo. _

Declaro que no decurso d'estas minhas considerações terei de fazer diversas perguntas e que desejava fossem satisfeitas por parte do governo.

Perguntarei em primeiro logar se o governo tenciona pedir, ainda n'esta sessão, auctorisação para emittir uma nova serie de obrigações para a conclusão do caminho de ferro do Minho e Douro. É triste que tenhamos de recorrer fatalmente a nova emissão. Apesar de termos assegurado, ao contratar a emissão anterior, que ella seria a ultima, a verdade é que necessariamente teremos de negociar um novo emprestimo ainda destinado ao complemento d'aquelles caminhos de ferro.

Em todo o caso, julgo mais conveniente que o governo se habilite com a auctorisação necessaria para isso, do que esteja construindo aquella obra pelo recurso á divida fluctuante. (Apoiados.)

(a) A importação e exportação estão indicados em contos de réis.

Sessão de 19 de junho de 1879

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Se do exame das receitas passarmos ao das despezas, encontramos que para a junta do credito publico em 1872-1873 se pediram 8.693:000$000 réis para pagamento dos juros de titulos do divida publica consolidada de 3 por Cento, e que no orçamento actual se pedem 10.944:000$000 réis, deduzindo, como eu já disse, os juros dos titulos na posse da fazenda.

_ Temos, pois, um augmento do 2.251:000$000 réis, ou 25,8 por cento.

Se considerarmos a que capital corresponde este augmento aos encargos da junta, vemos que elle deve corresponder approximadamente a uma emissão de 75.000:000$000 réis de inscripções, ou a 50 por cento, ou 37.500:000,6000 réis effectivos.

Se juntarmos a esta somma o recurso ao credito para os caminhos de ferro e para obras no ultramar e para navios de guerra, nós chegamos á somma de mais do réis 56.200:000$000 effectivos.

Aqui está outro ponto, que é gravissimo e para o qual convem chamar a attenção da camara e do governo. É a importancia a que já attingiram entre nós os encargos da divida publica, porque não podemos dizer que nos é licito emprehender quantos melhoramentos quizermos, contando constantemente com o recurso ao credito. Tudo tem limites, e querer ultrapassal-os póde trazer consequencias graves.

Se lançarmos um rapido olhar pelas condições em que se encontram diversos paizes quanto aos encargos da sua divida, veremos que, desgraçadamente, n'este ponto acompanhámos os mais adiantados.

Assim a Hespanha pedia para occorrer aos encargos da sua divida publica, no anno de 1878-1879, cerca de réis 46.400:000$000, ou 26800 réis, approximadamente, por habitante.

Os Estados Unidos pediam 88.400:000$000 réis, numeros redondos, para satisfazer os encargos de juros o amortisação da sua divida no exercicio findo em 30 de junho de 1878.

Ora esta importancia dividida pela população que conta va aquella grande nação, em 1870, corresponde a 26300 réis por habitante. Tendo, porém, a população crescido nos dez annos de 1860 a 1870 mais de 7 milhões, e contando, o que não é exagerado, que igual ou correspondente crescimento se tenha dado de 1870 a 1878, teremos que a quota por habitante, em relação aos encargos da divida publica, desce a 26000 réis.

O orçamento da Inglaterra para 1878-1879 pede cerca de 126.000:000$000 réis para juros da divida, o que regula por 36700 réis por habitante.

A Italia carecia em 1877.de, approximadamente, réis 89.000:000$000 para os encargos da sua divida, o que representa a quota de 36300 réis por habitante.

A Belgica, no mesmo anno de 1877, destinava aos encargos da sua divida cerca de 9.500:000$000 réis, ou 16750 réis por habitante.

Se examinarmos o que se passa em Portugal, vemos que para o anno economico de 1879-1880 se pede no orçamento, para encargos da divida consolidada, 12.200:000$000 réis, o que corresponde a mais de 26800 réis por habitante.

A divida fluctuante, que já hoje sobe a uma cifra avultada, tende a elevar-se no proximo semestre, já porque as receitas publicas são menores no primeiro semestre do anno economico do que no segundo, já porque vae faltar um recurso importante, que é o rendimento do tabaco, computado em 2.856:000$000 réis para o anno economico futuro, rendimento que será muito limitado em 1879-1880, o quasi nullo no primeiro semestre, o que significa um desfalque só em sois mezes de mais de 1.400:000$000 réis, a que deve corresponder um augmento na divida fluctuante. (Apoiados.)

Entraremos por consequencia no anno de 1880 com uma divida fluctuante do 15.000:000$000 a 16.000:000$000

réis, que é o algarismo maximo a que ella por vezes tem chegado, e que pede a costumada consolidação.

E pergunto eu, julga o sr. ministro da fazenda conveniente, achando-se no fim, do anno economico com uma divida fluctuante em taes proporções, o tendo de recorrer ao credito, que o parlamento se feche sem lhe pedir auctorisaçâo de especie alguma? (Apoiados.)

Não sei o que o governo tenciona fazer a este respeito, mas declaro que não desejava esta situação para os meus amigos politicos. (Apoiados.)

Se o governo não trata dos meios necessarios para fazer face a esta situação porque não conta viver, é um mau systema, por isso que as situações podem mudar, mas o governo fica (Apoiados), e convem que o governo do paiz esteja sempre devidamente habilitado a gerir vantajosamente os negocios publicos.

Em todo o caso, no estado em que o paiz se encontra, financeira e economicamente fallando, a situação actual é uma situação séria. (Apoiados.)

Devo fazer uma observação, interrompendo por um pouco as minhas considerações.

Em 1876, no mez do fevereiro, creio eu, e não sei se por occasião da discussão do orçamento, arrisquei n'esta casa uma opinião, embora particular o pessoal; essa opinião era a do que estavamos a braços com uma crise financeira. Era possivel que nem todos a percebessem e vissem, mas os que prestassem alguma attenção viam-n'a e percebiam-n'a.

A opinião por mim então manifestada era considerada pelo sr. ministro da fazenda como devaneios melancólicos.

Infelizmente, porém, é digo infelizmente, porque n'este caso eu preferia não ter tido rasão, ou estar em erro. Dois mezes depois manifestavam-se os primeiros annuncios de crise no Porto, e decorridos mais tres mezes apparecia aquella celebre sexta feira negra de Lisboa. (Apoiados.)

Ora eu não quero nem posso dizer que tenhamos n'este anno uma crise da mesma especie, porque aquella quasi que se circumscreveu aos estabelecimentos bancarios; mas a que temos, e com que luctâmos já, é com uma crise mais grave e mui difficil, embora em dado momento não seja tão ruidosa, e digo mais grave o difficil, porque affecta maior numero de interesses, por isso que está mais generalisada. (Apoiados.)

Teremos portanto de luctar cora grandes difficuldades e o governo ha de ver-se a braços com ellas na cobrança dos impostos e em toda a sua vida governativa. (Apoiados.)

A situação é, como disse, grave, e é séria; (Apoiados.) e surprehende-me que o governo julgue conveniente, repito, na presença de uma divida fluctuante que ha de attingir approximadamente a importante cifra a que me referi, deixar encerrar o parlamento sem pedir auctorisaçâo de especie alguma, tendo de luctar com as difficuldades resultantes de recorrer ao credito nas praças estrangeiras, porque nas do paiz difficilmente o poderá fazer, a não ser que se desse um facto que n'este momento reputo extraordinario e quasi impossivel, a mudança completa no mercado financeiro do Brazil. (Apoiados.)

Mas eu não conto que tal mudança se dê no presente anno, e pelo menos em larga escala, o não fallo d'este modo para dar força á minha argumentação; mas porque estou profundamente convencido d'isto, e se os factos da vida particular do commerciante podessem ser aqui marcados, eu poderia dizer que debaixo d'esta impressão, que oxalá o futuro, e bem proximo, mostre ser exagerada, tenho procedido como commerciante.

E inclino-me a suppor que o cambio no Brazil não attingirá no decurso do anno corrente uma cotação, já não digo muito elevada, mas apenas regular, porque são tambem graves as difficuldades financeiras d'aquelle paiz, e se por um lado elle terá de recorrer aos mercados da Europa, e d'este modo não poderemos ter uma certa esperança de elevação do cambio ali, por outro lado é certo que se dão

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no Brazil tambem cireumstancias que fazem com que se mantenha a baixando cambio, (Apoiados.) o que determina que fiquem ali represadas sommas valiosissimas, cuja falta nos causa serios embaraços, e cuja conservação allivia ali uma parto das difficuldades financeiras. (Apoiados.)

Não conto, pois, que lenhamos este anno urna alteração sensivel no cambio do Brazil, alteração que venha auxiliar-nos poderosamente na resolução da nossa questão financeira. (Apoiados.)

Por consequencia, para fazer face ás difficuldades que pesam sobre o paiz, ou que tenham ainda de pesar, teremos de recorrer exclusivamente ao estrangeiro. Mas o que são n'estas cireumstancias, e apertados pela necessidade, as resoluções d'estes assumptos no estrangeiro?

E aqui, eu peço licença para, cumprimentando um meu illustre collega, que é novo n'esta casa, mas que eu já respeitava muito pelo seu grande talento, o sr. Hintze Ribeiro, fazer ver a s. ex.ª que andou muita bem em recordar a epocha dolorosa de 1868 a 1869.

E sempre bom, é sempre conveniente recordar as epochas dolorosas, para ver, se ao menos, tendo presentes esses quadros tristes, podemos corrigir-nos, e evitar que cheguemos ás mesmas cireumstancias, que hão de sempre produzir consequencias igualmente funestas, como em outro tempo. (Apoiados.)

Mas, disso s. ex.ª, não haja cuidado, porque, quando está no poder um ministerio regenerador, póde-se recorrer ao credito, que elle nunca falta, o que não succedeu sempre a outras situações, como ás de 1868—1869.

Eu folguei, muito, repito, com que o illustre deputado recordasse essa epocha dolorosa, para ver se assim procura com a sua palavra eloquente e com a sua auctoridade fazer com que o governo que apoia e os seus amigos parem no mau caminho que vão trilhando. (Apoiados.) Quero, porém, dizer a s. ex.ª que não é do estarem no poder uns certos homens que dependo o haver ou não haver credito. (Apoiados.) Quem ali está representado, quando se recorre ao credito, não é a pessoa do qualquer ministro, por mais respeitavel que seja, é o paiz. (Apoiados.)

Mas quer v. ex.ª ver como a regeneração já recorreu ao credito e não o encontrou?'Eu lh'o vou mostrar.

É conveniente recordar estes factos, porque no caminho que vamos seguindo, se não pararmos a tempo, havemos de chegar aos acontecimentos de 1868—1869; ou a cireumstancias muito peiores, porque então não havemos de ter ao nosso alcance os recursos valiosos de que então lançámos mão, (Apoiados.) e muitos dos homens que então se dedicaram a affrontar uma crise temerosa, talvez se não prestem segunda vez a tomar iguaes responsabilidades, que depois querem, injustamente, lançar sobre elles. (Apoiados.)

Hoje já se falla menos em algumas das cousas que se passaram em 1868-1869, mas o illustre deputado deve lembrar se de que ainda ha pouco, em relação á situação d'essa epocha, não se dizia senão: o partido das deducções.

Ora, as deducções nos vencimentos dos empregados publicos foram um acto dictado por uma necessidade imperiosa, financeira e politica. (Apoiados.)

N'aquella epocha era indispensavel, era fatal recorrer ao imposto, mas não se podia de modo algum pedir sacrificios novos ao contribuinte, sem esse expediente, (Apoiados.) e por isso o governo, com sentimento, teve de recorrer a elle, porque em geral o vencimento do funccionario não comporta deducção. (Apoiados.)

E quer s. ex.ª saber o que houve? O governo que eu apoiei, o governo que decretou as deducções nos ordenados dos empregados publicos esteve seis mezes no poder com essas deducções. Depois seguiu-se-lhe o sr. Anselmo Braamcamp, que, as conservou. Depois veiu o sr. Dias Ferreira, que tambem as manteve.

Chegou o partido regenerador, que encontrou uma situação muito mais desafogada, (Apoiados.) como está confessado por elle em documentos officiaes, (Apoiados.) pois apesar d'isso manteve por muito mais tempo do que os outros governos as deducções. (Apoiados.)

Isto quer dizer que as deducções eram uma necessidade fatal que se impunha a todos, porque ninguem entrava de boa vontade pela casa do funccionario publico, mal retribuido, como disse ha pouco o sr. Barros e Cunha, para lhe ir tirar um pedaço do pão que elle destinava ao sustento dos seus filhos. (Apoiados.)

A essas tristes cireumstancias ou a cireumstancias muito peiores chegaremos agora, se não pararmos no caminho que vamos seguindo. (Apoiados.)

Todos sabem que, quando um governo tem do recorrer ao credito, se elle se apresenta devidamente auctorisado por uma lei, está em muito melhores condições para obter o auxilio dos capitalistas.

O sr. Fontes, sendo ministro da fazenda em 1866, foi auctorisado pelo parlamento a levantar até á somma de 6.500:000$000 réis. O que fez o sr. Fontes? Mandou dirigir por um funccionario distinctissimo, que infelizmente já não existe, que era o director geral da thesouraria do ministerio da fazenda, a diversos estabelecimentos bancarios, o seguinte officio, datado de 14 de junho de 1866:

«Llh.mos ex.mos srs. — Tendo sido votadas em ambas as casas do parlamento a proposta de lei que auctorisa o governo a levantar 6.500:000$000 réis, até ao dia 30 de junho do anno proximo futuro, encarrega-me s. ex.ª o sr. ministro d'esta repartição, de rogar a v. ex.ªs que se sirvam de declarar com a possivel brevidade, se o estabelecimento que dirigem está disposto a fazer alguns supprimentos ao thesouro, em que termos e em que condições, e especialmente qual é a somma que poderá fornecer no dia ]." de julho proximo, e no decurso do referido mez. Aguardo a resposta de v. ex.ª

Este officio foi dirigido £ companhia utilidade publica, banco mercantil portuense, banco do Minho, banco alliança, banco de Portugal, banco união, banco commercial do Porto, banco lusitano, banco ultramarino, New London & Braziliam Bank, Fonsecas Santos & Vianna.

Sabem quaes foram as respostas? Foram as seguintes:

Banco de Portugal... « Sente a direcção que tão forçosos motivos os inhibam de ir em auxilio do governo na presente occasião».

Banco lusitano... « Que de momento não podemos, como aliás seria grande desejo nosso, entrar em operações com o thesouro».

Banco ultramarino... « Sinto dizer a v. ex.ª que actualmente, o banco não póde contar habilitar-se para fazer supprimento algum».

London & Braziliam... «Só poderemos dar uma resposta decisiva depois do recebermos ordens da nossa direcção em Londres, a qual vamos consultar. »

Banco mercantil. «Sentimos dever em resposta dizer a v. ex.ª que na actualidade não nos é absolutamente possivel annuir ao lisonjeiro convite de s. ex.ª o sr. ministro da fazenda».

Banco alliança... «Que não é possivel a este estabelecimento o poder fazer qualquer supprimento ao thesouro».

Banco união... «Esta, direcção sente não poder na actualidade tomar parte alguma na operação proposta».

Banco commercial. «E com o maior sentimento que esta direcção se vê privada de tomar parte em uma transacção... ».

Banco do Minho... «E por isso só podemos concorrer com a quantia de 40:000$000 réis, que só podem ser fornecidos 18:000$000 réis nos fins de julho proximo, e réis 22:000$000 no fim de agosto igualmente próximo».

Utilidade publica... «Não póde mutuar ao governo quantia alguma durante o mez de julho próximo».

Fonseca8 Santos & Vianna. «O nosso silencio sobre o conteudo do officio de v. ex.ª, de 14 do corrente, que muito

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agradecemos pela confiança que o inspirou, devo unicamente ter provado a v. ex.ª que operação alguma importante temos podido propor ao ex.º sr. ministro da fazenda com relação á auctorisaçâo que s. ex.ª tem para levantar 6.000:000$000 réis, até junho do anno proximo futuros.

Foi uma recusa geral, porque apenas o banco do Minho se prestava a fornecer uma quantia que, pela sua insignificância e pela epocha em que a teria disponivel, ao governo não convinha.

Aqui tem v. ex.ª, a camara e o meu illustre collega, o sr. Hintze Ribeiro, como n'uma epocha, que tambem era effectivamente melindrosa, respondiam ao governo regenerador os estabelecimentos importantes do paiz.

Não basta para encontrar credito que estejam uns certos homens no poder. (Apoiados.) E por que a situação actual, segundo o meu modo de ver, não é menos gravo do que era a de 1866, me admiro que o governo não apresento providencia alguma,. O sr. Fontes, n'aquella epocha, forçado pela necessidade teve de recorrer ao estrangeiro. E o que succedeu?, "

O que consta de documentos officiaes, e que eu muito rapidamente peço licença para recordar.

Em 15 de junho de 1860 alcançava o governo da casa Stern Brothers um supprimento de £ 150:000, por seis mezes, a 15 por cento, com garantia de 2.175:000$000 réis de inscripções, e por letras do ministerio da fazenda sobre a agencia em Londres.

Em 19 de junho obtinha dois supprimentos de J. P. Gassiot, cada um por £ 10:000, ao mesmo juro de 15 por cento, o com garantia de 115:000$000 em inscripções por cada supprimento.

Na mesma data tinha de Stern um outro supprimento de £ 30:000 por seis mezes, a 15 por cento, a que serviam de garantia 435:000$000 em inscripções.

Em 6 de julho fazia G. Schlotel um supprimento de £ 20:000, por igual praso e juro dos anteriores, e garantia de 290:000$000 réis de inscripções.

Na mesma data J. P. Gassiot fazia um supprimento de £ 10:000, nos mesmos termos que os anteriores por elle feitos.

Em 10 de julho o agente financeiro do governo em Londres ía a París e assignava com a Société Generale um contrato do supprimento por 2.500:000 francos, por seis mezes, com letras de. juro a 7 por cento ao anno, e 2 por 'cento de commissão por cada trimestre, servindo do garantia 1.500:000$000 réis de inscripções.

Em 5 do agosto seguinte o mesmo agente contratava com a casa Marcuard André & C.ª um supprimento de francos 5.000:000, tambem a 7 por cento de juro, 2 por cento de commissão por trimestre, o com garantia de 3.000:000$000 réis de inscripções.

Eis as condições em que, n'aquella epocha, foi forçado a contratar o thesouro portuguez, condições que ninguem dirá favoraveis.

E não será triste que um governo careça de pedir supprimentos de 10:000 no estrangeiro, em condições onerosas de juro, ainda exigindo-se-lhe por tão diminuta somma penhor?

Já vê o illustre deputado que todos os governos, ainda os compostos dos cavalheiros que lhes inspiram confiança, podem passar por estas dolorosas provações. Nós vamos caminhando muito rapidamente para uma situação similhante. Peço ao governo, ou antes peço á maioria, que devo valer pelo numero e pela intelligencia, que se imponha ao governo o lho diga que não quer que siga este caminho. (Apoiados.)

O sr. Hintze Ribeiro: — As minhas considerações referiram-se principalmente ao periodo do ministerio regenerador que decorreu de 1875 para cá, e v. ex.ª cita todos os fartos anteriores a essa epocha.

O Orador: — Pergunto ao illustre deputado se a sua crença, se a sua fé no talento do sr. Fontes principiou só

depois do s. cx.3 entrar no parlamento. O que o illustre deputado queria era mostrar que apenas uns certos homens, e só elles, n'este paiz tinham o dom o a auctoridade de melhorar as condições financeiras do thesouro.

O sr. Hintze Ribeiro: — O que eu quiz mostrar foi que o governo regenerador tem empregado todos os seus esforços para melhorar a situação do nosso credito e tem-n'o conseguido. Nada mais, nada menos.

0 Orador: — Pergunto ao illustre deputado, cuja imparcialidade tenho do invocar, se entende que a situação economica e financeira do paiz, no periodo decorrido de 1868 a 1870, se póde comparar com a dos annos de 1872 e seguintes, isto é, durante a gerencia do actual governo. (Apoiados.)

Houve epocha alguma, economicamente fallando, mais prospera e mais feliz n'este paiz do que a de 1872 a 1875 Ninguem ousará affirmal-o. E eu queixo-mo, o queixa-se o paiz, porque o sr. ministro da fazenda se não aproveitou do favor excepcionalíssimo das circumstancias, quando se amontoavam n'este paiz sommas o sommas consideraveis vindas do Brazil, e quando tinhamos dinheiro para tudo. (Apoiados.)

Pôde o meu illustre collega ter a certeza, de que se ámanhã, e Deus permittisse tal, a fortuna nos sorrisse novamente, como n'aquelle tempo, outros homens publicos, não digo já os do meu partido, mas de outro qualquer, saberiam aproveitar se d'essas circumstancias favoraveis, em beneficio do paiz, saberiam dirigir e montar o credito publico, que s. ex.ª suppõe que esteja n'este paiz entregue unicamente ao cuidado e ás attenções do partido regenerador. (muitos apoiados.) Mas é porque as circumstancias são muito graves que nós devemos chamar para ellas a attenção do governo. (Apoiados.)

Cansado e fatigado o mercado interno de attender ás necessidades constantes do thesouro, vamos caminhando para o mercado externo, não recorrendo a elle simplesmente para os emprestimos consolidados, mas mesmo para os supprimentos temporarios.

E que as circumstancias do thesouro se vão encaminhando para o que foram em epochas anteriores, o de triste recordação, é claro e manifesto.

Censurou-se que n'aquellas epochas andassem individuos como agentes do governo portuguez, alcançando para este recursos em diversos mercados. E que vemos nós no relatorio, ha pouco distribuido, dos documentos do ministerio da fazenda de 1878? Encontrámos lá já os agentes!

Ali vemos supprimentos levantados em Londres e contratados por um individuo, que aliás respeito muito pelas suas qualidades. Ora este systema de acudir ás necessidades do thesouro, que já foi tão duramente conbatido, não me parece que seja agora bom só por ser empregado por outros ministros.

E para prova de que examinei com attenção o relatorio a que ha pouco me referi, devo dizer que não sei se ha dois contratos feitos em Londres com a agencia da Société Generale, ou se foi duplicação na impressão; porque me apparecem dois contratos do mesmo dia apenas com uma pequena differença de redacção; mas isto não vem agora para o caso.

Agora tratava simplesmente de mostrar que vamos caminhando outra vez para aquella epocha, em que, cansados o extenuados os mercados internos, recorríamos aos externos, já mesmo para obter os recursos quotidianos. E isto é um mau presagio. "Temos portanto rigorosa obrigação do dizer ao governo que não vá por esse caminho. (Apoiados.)

Desviei-me ¦ do assumpto de que estava especialmente tratando, mas já agora vou dar uma resposta que devo ao illustre deputado o sr. Hintze Ribeiro.

Diz s. ex.ª: «Obras publicas, estradas, caminhos de ferro, só têem sido feitos pelo governo regenerador!»

O sr. Hintze Ribeiro: — Peço perdão, eu referi-me ao relatorio do sr. Barros e Cunha, e mostrei a comparação das

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despezas realisadas pelos outros ministerios, com as despezas realisadas pelo ministerio actual. E uma questão do cifras.

O Orador: — Pois é justamente de cifras que trato.

Colloque-se primeiro o illustre deputado em 1808 a 1869 com as condições financeiras em que nos encontravamos.

No relatorio do sr. Barros e Cunha, a que o meu illustre collega se refere, diz-se que nos annos economicos do 1868-1869 a 1876-1877 se gastaram em estradas no continente, e em subsidios ás municipaes e districtaes, a somma de 10.186:867$386 réis, ou termo medio, por anno réis 1.131:874$154 réis.

Pois nos dois annos calamitosos do 1868-1869 e de 1869-1870 gastaram-se 1.010:000$000 réis e 1.072:000$000 réis, isto é, quasi a media que encontrámos nos nove annos, havendo annos em que se gastou muito menos, como foram os de 1870-1871 e 1871-1872, tendo-se applicado, respectivamente, 891:000$000 e 866:000$000 réis.

Ora aqui se demonstra com os documentos citados pelo illustre deputado, como em uma epocha calamitosa para a fazenda publica, e em que esta luctava com as maiores difficuldades, as sommas gastas na construcçâo de estradas se approximaram da media do periodo decorrido de 1868-1869 a 1876-1877.

Se passarmos a outras obras, encontramos que em portos, barras, rios, empregámos nos mesmos novo annos réis 1.268:776$122. A media foi do 140:975$123 réis. Pois em 1868-1869 gastaram-se 166:000$000 réis; em 1869-1870 gastaram-se 107:000$000 réis.

Nos telegraphos tambem encontramos um resultado quasi igual.

Aqui tem v. ex.ª como, apesar de uma crise grave e importante, não se descuravam os melhoramentos materiaes.

Mas o augmento do despeza não póde continuar n'este caminho indefinidamente.

Em 1872—1873 o serviço proprio dos ministerios custava 10.977:000$000 réis, c em 1879-1880 custará réis 14.506:000$000; mais 32 por cento.

No ministerio da fazenda este augmento é do 35 por cento, concorrendo principalmente para elle as despezas a maior com as alfandegas e com as repartições de fazenda.

No ministerio de reino o augmento foi de 21 por cento.

Na justiça o augmento foi apenas do 25:0005000 réis. No ministerio da guerra deu um augmento de 26 por cento. No ministerio da marinha 44 por cento. No ministerio dos estrangeiros 15 por cento. No ministerio das obras publicas, finalmente, o augmento foi de 50 por cento.

Ora eu acho rasoavel e regular o facto que se da em toda a parte com relação ao crescimento das despezas publicas; é o resultado do desenvolvimento da civilisação. Não é facto privativo de Portugal. Mas se nós temos augmentado a despeza na proporção que acabo do indicar, o que tem succedido em outros paizes. A França, que passou pela crise que todos sabemos, pedia em 1869 para todas as despezas 2.209:270$054 francos; em 1877 3.051:766$000 francos; teve uni augmento de 38 por cento. Na Inglaterra o augmento que se deu entre os annos de 1866-1867 e 1874-1875 foi do pouco mais de 11 por cento.

Mas se descermos ao exame do augmento de despezas militares, encontrámos que a França pedia em 1868 para o exercito e marinha 658.000$000 francos, e em 1877 721.000$000 francos, ou mais 9,5 por cento, e todos sabem o largo desenvolvimento dado á organisação militar. Em Portugal a despeza só com o ministerio da guerra apresenta, como já disse, um augmento de 26 por cento, comparando os orçamentos, mas que é muito maior se examinarmos as contas. (Apoiados.)

E aqui vem a proposito fazer uma observação á camara. Eu tenho ouvido dizer que um dos titulos de gloria do partido regenerador é ter feito discutir e approvar sempre o orçamento do estado.

Eu estaria de accordo se o orçamento fosse uma verdade; mas nas condições em que elle é apresentado e approvado, longe de ser isto um serviço, é, em minha opinião, um grande inconveniente, porque illudimos o paiz, e os resultados são completamente contrarios aos interesses publicos.

O que tem valido a discussão do orçamento nos ultimos annos?

Não desejo cansar muito a attenção da camara, mas direi apenas duas palavras. Por exemplo, comparando o orçamento de 1877-1878 com as contas do thesouro, achamos o seguinte, tanto era relação á receita como á despeza:

Receita

Impostos directos...

Sêllo e registro.....

Impostos indirectos. Bens proprios......

Differenças para menos nas contas.

Juntado credito publico.

Ministerio da fazenda........

Ministerio do reino..........

Ministerio da justiça.........

Ministerio da guerra.........

Ministerio da marinha........

Ministerio dos estrangeiros... Ministerio das obras publicas.

Despeza

Differença para mais nas contas.

Orçamento para 1S77-JS7S

5.701:480$000 2.701:600$000 13.037:861$000 2.112:563$000

21.156:507$000

10.580: 4.555: 2.090: 553: 3.771: 1.505: 253: 3.097:

9833506 4823585 5323225 51508 176:5381 554 3081 0283223 9903753

26.418:0173362

Contas

6.062:7873890 2.172:7973893 13.919:009$880 1.730:691$706

23.891:287$369

265:219$031

15.912 5.041 2.042 000 4.716 1.484 193 3.683

:5483090:5S23103:0043288 0193351 2013988:8523839:6S93559 7703331

28.075:329$189 2.257:281$827

Temos, pois, que a receita cobrada foi inferior á calculada em............... 265:219$631

E a despeza ordinaria excedeu a auctorisada em......................... 2.257:281$827

E se juntarmos a despeza extraordinaria

que foi: pelo ministerio da fazenda... 51:5035175 Sessão ds 19 de junho da 1879

Differenças

- 361:307$800

— 531:802$107

+ 271:145$880

_ 375:872$294

- 331:565$184

+ 486:099$578

— 57:527$937 4- 40:919$743 + 1.005:085$007

— 80:701$242

— 59:938$601 + 585:789$553

1:583$335 697:578$993 4,058:506$407

Pelo ministerio da justiça.............

Pelo ministerio da marinha............

Pelo ministerio das obras publicas......

Encontramos a final um desequilibrio de.

Ora aqui está como nós votámos no orçamento um de

7:331:673$368

Sessão de 19 de junho de 1879

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ficit do 3,000:000$000réis, eternos a final na realidade um deficit de 7.000:000$000 réis.

É claro que não accuso os srs. ministros de terem levado esse dinheiro para casa; mas o systema seguido não é serio, e esta pratica é de todo o ponto prejudicial; o que eu queria que se fizesse era o seguinte: se ha intenção de dar, por exemplo, desenvolvimento largo ás obras publicas não nos venham dizer que precisam para estradas réis

1.200:0005000, para depois gastarem 1.600:000$000, 1.800:000$000 ou 2.000:000$000 réis.

Eu não posso concordar com este systema; o que acabo de citar em relação ao ministerio das obras publicas dá-se em differentes ministerios, e peço a attenção da camara para o ministerio da guerra, pedindo-lhe que me permitta comparar o orçamento de 1877-1878 com as contas da gerencia do mesmo anno economico.

Secretaria d'estado.................................

Estado maior e commandos militares..................

Corpos de diversas armas...........................

Praças de guerra...................................

Diversos estabelecimentos e justiça militar............

Officiaes em diversas commissões...................

Officiaes em disponibilidade e inactividade temporaria..

Officiaes sem accesso, reformados, aposentados.........

Companhias de reformados e invalidos................

Diversas despezas..................................

Despezas de exercicios findos........................

Despezas auctorisadas não incluídas na lei do orçamento

Sommas pedidas pelo orçamento de 1877-1878 Despezas liquidadas em 1877-1878 Differenças

40:359$214 102:119$516 22.998:500$602 22:426$761 351:583$808 29:750$972 23:544$000 651:020$193 13:914$865 160:190$390 2:700$000 45:107$728 97:213$938 2.783:809$024 19:542$443 499:290$987 36:020$955 24:917$801 629:775$504 13:608$918 246:841$610 1:493$687 130:080$557 — 1:251$486 — 4:905$578 + 485:342$362 — 2:884$318 -+- 147:707$179 + 0:269$983 + 1:373$801 — 21:244$689 — 3053947 + 77:651$220 — 1:206$313

3:711:170$381 4:538:703$152

Differença que a mais se gastou do que estava auctorisado no orçamento, 822:526$771 réis, ou 686:446$214 réis, se quizermos deduzir a ultima verba.

O sr. Carrilho: — Essa é a lei para a compra de armamento, que é uma lei especial que foi votada depois do orçamento; pelo que v. ex.ª está dizendo parece que foi sem auctorisação que esta despeza apparece, e que o parlamento não tinha votado os recursos para satisfazer aos encargos do emprestimo levantado.

O Orador: — Eu já disse isso mesmo, e fui já sufficientemente explicito; mas, repito, que se não póde gastar mais do que está auctorisado.

O sr. Carrilho: — Mas isso estava auctorisado.

O Orador: — Não corra tanto o illustre relator, que póde caír. Ainda ha poucos dias foi apresentado, o ainda depende do parecer da commissão de fazenda o orçamento rectificado, o n'elle encontrámos exemplos eloquentes do modo por que se cumprem em relação a despezas as auctorisações legaes. Vejamos o que succedeu com o ministerio das obras publicas.

Por exemplo, pelo capitulo 4.° artigo 6.° do orçamento de 1878-1879, para construcçâo e grandes reparações de estradas de 1.ª classe, estava auctorisada a verba de réis 785:000$0000; pois o orçamento rectificado eleva essa verba a 1.040:000$000 réis, ou mais 255:000$000 réis.

O orçamento fixava em 340:000$000 réis os subsidios para estradas districtaes, municipaes e pontes; e o orçamento rectificado eleva esta verba a 955:000$000 réis, ou um augmento de 615:000$000 réis ou 180 por cento.

Para obras do melhoramentos de portos e rios fixava o orçamento para o anno corrente 228:000$000 réis, e pelo rectificado pedem-se mais 100:000$000 réis.

Marcava o orçamento 176:000$000 réis para obras e reparações nos paços reaes, igrejas, edificios publicos, etc, e o orçamento rectificado pede mais 150:000$000 réis.

Temos, pois, no capitulo que acabo de indicar o seguinte resultado:

6.° 6.» 7.º 7.»

ObrasSommas auctorisadas pelo orçamento do 1878-1879

construcçâo e grandes reparações de estradas de 1.º classe Subsidios para estradas districtaes, municipaes, etc.

Obras e reparações nos paços Obras e melhoramentos do portos, rios, etc 785:000$000 340:000$000 176:000$000 228:140$000 1.529:140$000

Sommas a mais

podidas pelo orçamento rectificado

255:000$000

615:000$000

150:000$000

100:000$000 1:120:000$000

Vê-se que o governo, pedindo para as obras indicadas 1,529:000$000 réis, antes de findar o anno economico, e a pouco mais de metade d'elle, pedia sobre aquella somma auctorisada a de 1.120:000$000 réis, ou mais 73 por cento.

Será serio, necessario, conveniente e util isto, mas digam-nos a verdade, digam-nos que necessitam dotar mais largamente os serviços publicos, porque, procedendo pelo modo por que o têem feito, illudem o paiz, dizendo-lhe que tem um deficit de 3.000:000$000 réis, quando elle depois se eleva a 7.000:000$000 réis; isso faz com que depois o recurso ao imposto seja mais difficil.

O sr. Carrilho: — O que augmentou a despeza do ministerio das obras publicas foi a crise do Algarve. Nós não podiamos adivinhar que ella se daria.

O Orador: — Nós não podiamos adivinhar! O illustre deputado bem vê que desde 1875 andámos com essas desculpas. (Apoiados.)

Eu não quero ir para o terreno a que o aparte do illustre orador me está chamando, porque então teria de me demorar notando um facto singular, e é que estes augmentos nas dotações do ministerio das obras publicas coincidem com os periodos eleitoraes. (Apoiados)

Não me levem para ahi, porque eu não quero discutir as cousas n'esse campo; mas, quando vejo que para subsidios do estradas municipaes e districtaes votamos réis 340:000$000, e quando vejo que essa cifra foi excedida em 615:000$000 réis. quer dizer 180 por cento, tenho direito de me admirar e de estranhar.

O sr. Carrilho: — Em 1876 houve alguma eleição?

O Orador: — Mas não tomou este excesso taes proporções?

E quer o illustre relator saber onde muitas vezes apparece tambem o effeito das eleições? Eu lh'o digo.

Para reparos de igrejas e edificios publicos votaram-se 176:000$000 réis, e gastaram se mais 150:000$000 réis, quer dizer mais 85 por cento!

O sr. Marianno de Carvalho: — Só a historia nas igrejas de Lisboa nas ultimas eleições é curiosíssima.

O Orador: — Eu não quero levar a questão para esse terreno; o desejo que manifesto aqui muito claramente, e que já mais de uma vez tenho manifestado, é que quanto possivel se calculem em harmonia com os recursos do paiz e com as suas necessidades as verbas de despeza, para não estarmos a votar uma cousa e a fazer outra. (Apoiados.)

Ao sr. relator, que gosta de fazer estas interrupções, que acho muito naturaes, porque em summa elle tem interesse e amor por este seu trabalho, e tem rasão para isso, peço que me diga se acha rasoavelmente dotada a verba desli-

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nada para os juros da divida fluctuante, consignada no orçamento para o futuro anno economico.

Não póde achar, nem ninguem póde dizer tal.

Eu nos annos prósperos já instei aqui para que se fixasse um limite ao recurso por divida fluctuante, mas nunca foi acceite a minha proposta.

Hoje é impossivel fazer uma proposta d'essas, porque eu, apesar de ser opposição, sou governamental, e não havia de apresentar uma proposta que tendia a tolher a acção do governo, quando entendo que a primeira necessidade do governo é ter elementos para governar.

Respondem-me: cá está um artigo que providenccia a este respeito.

Mas, quando sabemos approximadamente qual é a somma a que ha de subir a divida fluctuante, não era muito melhor calcular desde já rasoavelmente a verba que ha de fazer face a esse encargo? Era de certo muito melhor do que dizer depois: não chegou a verba votada, e gastou-se mais tanto.

O sr. Carrilho: — Quando se discutir o artigo v. ex.ª terá a resposta.

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que não interrompa o orador.

O Orador: — Estas interrupções não me incommodam. Agradeço-as mesmo ao illustre relator da commissão; e v. ex.ª sabe que, se eu faço estas observações, não é tanto pelo espirito partidario como pelo desejo sincero de que modifiquemos, pelo menos, um pouco, este systema, porque não lucrámos nada em querermos estar a illudir-nos a nós mesmos, e creâmos difficuldades gravissimas no momento em que queiramos com sinceridade resolver a questão de fazenda.

E ahi está a rasão por que o sr. ministro da fazenda não se julga com forças para a resolver.

S. ex.ª não póde. É uma crueldade estar a exigir-lhe que apresente propostas para equilibrar a receita com a despeza este anno. (Riso.)

Eu não lhe exijo isso, porque elle não nos póde satisfazer.

Não se supponha que eu sou um homem extremamente exigente, e que por ser opposição peço o impossivel ao governo.

Não é nada d'isso. Eu peço ao sr. ministro da fazenda que siga as theorias e as doutrinas de um homem que eu tive a ingenuidade de suppor, porque assignava o mesmo nome, que era o actual ministro da fazenda. Não peço mais nada. Houve um homem n'este paiz que se assignava Antonio de Serpa Pimentel, isto não é historia antiga, é historia moderna, que dizia assim em 1873, entrando n'esta camara como ministro da fazenda pela primeira vez:

« Assim, pois, no espaço de um anno, quasi todo pertencente á gerencia do meu antecessor, a situação da fazenda melhorou consideravelmente. O deficit previsto para o exercicio do anno economico futuro baixou de 3.000:000$000 a 700:000$000 réis. Diminuiu a divida fluctuante e diminuiram os seus encargos. Subiu consideravelmente o preço dos nossos fundos. Com a adopção das medidas que vos proponho, e de que largamente me tenho occupado, ficará equilibrada a receita com a despeza do estado. Com uma operação financeira destinada a consolidar a divida fluctuante, operação que a subida dos nossos fundos e o melhoramento do mercado monetario cada vez tornará realisavel em melhores condições, poderemos considerar a situação financeira do paiz, não só isenta de todo o perigo, mas tão solida como nunca o esteve desde o estabelecimento do regimen constitucional.»

Eu não exijo muito, peço que me dêem esta situação, descripta pelo sr. ministro, não peço mais nada.

Ora agora recommendo á maioria e ao governo que ouçam com attenção e cuidado as palavras que vou ler, que são tambem do sr. Antonio de Serpa:

«Não desconheçamos, porém, que este risonho quadro póde ser annuveado por duas negras sombras. Ha dois escolhos a prever e a acautelar. Uma crise financeira externa, ou qualquer alteração do ordem publica fazendo descer o preço dos nossos fundos, póde impedir a realisação da consolidação da nossa divida fluctuante, e renovar temporariamente o excessivo preço que por alguns annos nos custaram os seus encargos. Este perigo só ficará de todo conjurado quando as circumstancias nos permittirem operar em condições vantajosas a sua consolidação.»

Essa consolidação, a que se referia n'aquella epocha o sr. ministro da fazenda, fez-se. Hoje encontrâmo-nos, em relação á divida fluctuante, em igual situação, e aqui está a demonstração da necessidade que origina a pergunta que eu dirigi ao governo. Mas ha mais. Lê-se ainda no importante relatorio do sr. ministro, a que me estou referindo:

«O outro perigo mais duradouro e persistente, posto que esteve na mão dos poderes publicos evital-o com empenho tambem durador e com igual persistência, é a garantia dos encargos da nossa divida consolidada em compensação das receitas do thesouro. Mesmo depois de equilibrado o orçamento do estado, como espero ficará no proximo anno economico, se approvardes as medidas que proponho, o perigo subsiste, de um exagerado optimismo, e o prurido de muito avultadas e extraordinarias despezas, cujas vantagens futuras ás vezes deslumbram os espiritos menos prudentes, se levarem os poderes publicos a romper de novo esse equilibrio de um modo menos cauteloso e pensado, i

A estas sensatas considerações do sr. Antonio de Serpa, o governo responde apresentando propostas para as docas no porto de Lisboa e para o porto de Leixões, para o prolongamento do caminho de ferro do Douro, para o caminho do Algarve, obras que exigiriam muitos milhares do contos de réis, e que o sr. ministro da fazenda tem a consciencia de que se não podem realisar; e da apresentação de propostas para obras que não se podem realisar, residiam não pequenos inconvenientes, e criam-se difficuldades ás situações; porque o apparecimento de propostas d'esta ordem dão direito ás povoações que haviam de gosar os beneficios d'aquellas obras a reclamal-as immediatamente sem olharem ás circumstancias em que está o paiz. (Apoiados.)

Não me canso de repetir que é grave a nossa situação. Devemos ponderar que temos importado nos ultimos oito annos 30.000:000$000 réis de cereaes. No primeiro trimestre d'este anno não está publicada a estatistica, mas eu tenho elementos para calcular que esta importação de cereaes, só pelo porto de Lisboa, sobe a 1.200:000$000 réis.

Nós tivemos um prejuizo extraordinario em fundos hespanhoes; prejuizo que não é facil, nem mesmo possivel, calcular-se com exactidão, porque, mesmo anteriormente a 1867 e 1868, existiam já em Portugal sommas muito avultadas de fundos hespanhoes, considerando-se que esses fundos mesmo a 50 por cento, representavam um bom e seguro emprego.

E a este respeito, já que fallei em fundos hespanhoes, tenho a dizer duas palavras ao sr. Barros e Cunha a respeito de uma portaria do governo.

Não tenho procuração do governo para o defender, o mesmo não seria um bom defensor; tambem não tenho procuração para defender a corporação a que se referiu o illustre deputado, em virtude da representação da qual o governo tomou a resolução que o sr. Barros e Cunha censurou.

E seja dito de passagem que eu, que faço parte d'aquella corporação, não assisti á sessão! Em que se tratou d'aquelle assumpto; mas tive occasião de manifestar na sessão posterior a minha opinião.

A respeito d'este objecto escuso agora do dizer cousa alguma, porque não está em discussão, mas, para tranquillisar o illustre deputado, devo dizer que aquella corporação no pedido que fez ao governo não quiz impedir que quem quizesse arruinar-se em jogo de fundos hespanhoes o não podesse fazer, porque ainda hoje tem essa liberdade, ha-

Sessão de 19 de junho de 1879

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vendo bolsins particulares onde se joga. O que aquella corporação ponderava era o inconveniente de que em um estabelecimento official, em uma casa que está debaixo da superintendencia do governo, e elle administra, se estivessem fazendo operações que antecipadamente se sabia que eram puramente ficticias, e pedia-se ao governo que cohibisse aquelle abuso, se isso estava dentro das suas attribuições, ou que se habilitasse com as auctorisações necessarias para esse fim. Mas, deixando este assumpto em que toquei unicamente para responder ao sr. Barros e Cunha, devo dizer que a importação de cereaes, já valiosa no primeiro trimestre d'este anno, vae em escala crescente, e a falta de recursos com que possamos occorrer ás nossas difficuldades, tudo nos aconselha, nas actuaes circumstancias a mudarmos de caminho. (Apoiados.) Eu entendo que e um bom conselho que damos ao governo, pedindo-lhe que se afasto do caminho por onde tem seguido até agora. (Apoiados.)

Eu não quero que os srs. ministros sáiam d'essas cadeiras, e eu não julgo inconveniente dizer diante do governo e da maioria, o que muitas vezes tenho dito na intimidado aos meus amigos politicos. A nossa conveniencia é que o governo permaneça n'essas cadeiras, e não será preciso

muito tempo para que elle soffra as tristes consequencias do seu desastrado systema de administrar. Basta que nos encontremos com elle na proxima sessão legislativa, e então se verá melhor o errado caminho para que tem sido arrastado em parte o sr. ministro da fazenda, por não ter a energia sufficiente para impor aos seus collegas uma outra norma de proceder, que as necessidades e as circumstancias do paiz ha muito estão indicando.

N'essa epocha lerão occasião de provar dolorosamente as consequencias do mau caminho que encetaram, (Apoiados.) e vem a proposito referir-mo a uma observação que fez o sr. presidente do conselho por occasião de um discurso que pronunciou n'esta casa ácerca da Zambezia.

Dizia s. ex.ª... «então querem lançar-nos a responsabilidade da baixa do cambio do Brazil?»

Não queremos, não senhor, porque a opposição é rasoavel, mas o que não queremos é que se lisonjeiem como sendo os unicos auctores de uma epocha de prosperidade como foi a de 1872 a 1876, quando essa prosperidade era devida ao favor das circumstancias e ao zêlo das gerencias anteriores. (Apoiados.)

Tenho concluido.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

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