O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1422 DIARIO DA CAMARA DOS SENHOEES DEPUTADOS

A indifferença pelo bom ou mau futuro da arte em geral accentua-se e evidenceia--se relativamente a arte da musica.
Ao passo que tão persistente abandono desalenta todas as vocações que em Portugal são naturalmente attrahidas para a cultura da arte musical, não acontece o mesmo nas outras nações.
A Hespanha já tem a zarzuela; a Franca a sua opera comica; a Italia possue uma escola musical perfeitamente caracterisada; a Allemanha ostenta as suas obras musicaes como o seu maior titulo de gloria artistica, e uma das maiores provas do seu vigor especulativo; a Austria, a Russia, a Suecia e a Noruega procuram animar e avigorar os elementos peculiares da sua musica caracteristica.
Todas ellas possuem a sua opera popular ou nacional, bibliothecas musicaes, funccionalismo especial e competente para promover e dirigir o constante progrexsso musical.
E o que temos nós de tudo isto? Onde estão as bibliothecas musicaes? Qual o valor da propriedade artistico-musical entre nós? Que passos se têem dado para a creação das escolas coraes nos diversos municipios do paiz? Onde estão estabelecidos os direitos protectores que incitem o artista a consumir as suas vigilias na composição de obras musicaes, quer symphonicas, quer dramaticas? Porque nos não lançâmos no caminho d'essas innovações e melhoramentos, que persuadam de uma vez, tanto os nacionaes como os estrangeiros, da boa vontade do parlamento portuguez em preencher pouco a pouco esta importantissima lacuna da nossa legislação?
Temos recebido muitas vezes a visita da zarzuela, e por vezes a da opera comica franceza; recebemos ha quasi um seculo a visita annual da opera italiana, e para a hospedarmos condignamente inscrevemos no nosso orçamento uma verba avultada. Os cultores da musica estrangeira, seja qual for o seu paiz, sito deveras apreciados em Portugal; mas, ao passo que assim procedemos para com esses artistas, nenhuma providencia tomou o parlamento portuguez, nenhuma medida promulgou o poder executivo, tendente a incitar os artistas portuguezes, as verdadeiras vocações musicaes da nossa terra, a pratica affincada e pertinaz da arte musical, nas suas variadissimas manifestações.
No entretanto, innumeros factos evidenciaram em tempos passados que o nome portuguez, intromettendo-se na cultura da arte musical estrangeira, conseguiu acreditar-se e distinguir-se, alcançando fama e gloria no duello travado com a pleiade de compositores e cantores italianos. Seria longo enumerar os antigos nomes portuguezes, inscriptos, com honra nossa, nos annaes da historia musical; mas bastará tão sómente relembrar os nomes de Marcos Portugal e de Luiza Todi, para demonstrar que não nos illudimos quando consideramos os nossos antecedentes artistico-musicaes como penhor sufficiente das nossas tendencias para a cultura da musica, e da seriedade dos nossos conhecimentos technicos, relativamente a uma arte tão difficil e tão complexa. A grande quantidade de orgãos do mosteiro de Mafra são um signal da consideração que aos nossos maiores mereceu a cultura da musica religiosa.
D'esde esses tempos até á actualidade, o progresso incessante da musica, o aperfeiçoamento continuado da organisação dos primeiros conservatorios da Europa, a instituição de concertos populares, a fundação das sociedades de musica de camara, a creação dos orpheons, a producção incessante de trabalhos sobre a harmonia ou o contraponto, o desenvolvimento extraordinario da arte de instrumentação, o apparecimento interrompido do artistas realmente notaveis em todos os ramos da arte musical, tornaram bom palpavel e bem evidente a maneira desigualissima como os parlamentos e os governos nacionaes e estrangeiros sabem curar dos interesses artistico musicaes.
Não obstante, uma observação conscienciosa do que em Portugal se passa ha alguns annos parece accusar os mais decididos symptomas de um accentuado movimento de renascença. Formam-se, succumbem, mas renascem com tenacidade crescente as aggremiações de amadores, sustentadas a expensas proprias; instituem-se algumas sociedades de musica do camara; criam-se associações choraes; desempenham-se operas sem a intervenção de artistas estipendiados; apparecem pouco a pouco jornaes destinados exclusivamente ao estudo e propaganda da musica; progride visivelmente a critica artistica e sente-se maior dedicação o cuidado por tudo quanto respeita a esta arte.
Não param aqui os symptomas de renascimento: a musica portugueza apresentou-se muito condignamente no certamen artistico de Milão, e a representação de tres operas portuguezas no real theatro de S. Carlos, no periodo relativamente curto de quatro annos, denota a existencia do vitalidade artistica, com forca para se engrandecer progressivamente.
Instigue-se e anime-se este movimento ascencional, e Portugal poderá, dentro de um limitado praso, possuir artistas musicaes capazes de lançar os hombros á penosa, mas formosissima empreza de organisar e constituir a musica nacional, sobre o manancial variado e fecundodos nossos cantos populares.
Creio, pois, senhores, que os poderes publicos não devem permanecer silenciosos e inertes perante tão auspiciosos prenuncios, e que e chegado o momento inadiavel em que uma iniciativa energica e vigorosa deve fortalecer e encaminhar essa tendencia salutar, auxiliando as vocações decididas para o estudo e para a cultura da arte musical.
Por maiores e mais sinceros que sejam os desejos dos poderes publicos para bem providenciar sobre tão importante assumpto, seria a sua obra inutil e ephemera e quasi de impossivel realisação na ausencia de estudos technicos e preparatorios, levados a cabo por artista competente que ponha bem em relevo o que e necessario fazer-se, que alcance os subsidios artisticos indispensaveis, e que forneça o projecto de regulamentação das medidas ou reformas uteis e apropriadas ao nosso meio social.
Não possuimos, como em França, um largo serviço administrativo destinado as bellas artes; não temos mesmo instituição alguma especial para superintender nos assumptos artistico-musicaes, illustrando o governo e o parlamento; portuguez na adopção de medidas opportunas e de verdadeira conveniencia.
Lá fóra, funccionarios competentes, em relação com os seus collegas de paizes estrangeiros, em ligação estreia com os primeiros artistas e compositores, em correspondencia activa com os directores dos principaes conservatorios, percorrendo as capitaes onde se exibem importantes novidades musicaes, visitando as mais acreditadas fabricas de instrumentos de musica para julgarem dos progressos que esta industria vae successivamente realisando, adquirem assim os elementos que, transformados e apurados em relatorios, servem de base a subsequentes reformas e aperfeiçoamentos artisticos.
Em Franca, onde a organisação d'este funccionalismo é mais completo, dividem-se por commissarios technicos as varias especialidades d'este serviço. A Italia, a Allemanha, a Russia, a Belgica e a Austria acompanham na, mais ou menos desenvolvidamente, no estabelecimento de tão importantes cargos.
Por estos motives e muitos outros que a vossa provada illustração facilmente supprirá, tenho a honra de submetter a vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É creado o logar de superintendente regio dos estudos e espectaculos musicaes.
§ unico. Este logar será gratuito, e a sua nomoação deverá recair em pessoa que tenha superiores habilitações litterarias, provada competencia artistica e exercicio da arte musical com distinção.
Art. 2.° Este funccionario corresponde-se directamente o para todos os effeitos com a direcção geral de instrucção publica.