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SESSÃO DE 30 DE ABRIL DE 1888
Presidencia do ex.mo sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarios os ex.mos srs.
Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral
SUMMARIO
Deu-se conta dos seguintes officios: um do ministerio do reino, remettendo 160 exemplares das contas da gerencia do anno economico de 1886-1887, e do exercicio de 1885-1886, relativos aquelle ministerio; outro do juiz de direito da sexta vara de Lisboa, pedindo auctorisação para que os srs. deputados Elias Garcia e Espregueira possam assistir, como peritos, a uma vistoria a que tem de se proceder por aquelle juizo; outro da legação de Portugal em Hespanha, remettendo os diarios das sessões do congresso dos deputados, correspondentes ás legislaturas de 1886-1887, os quaes, para este fim, tinham sido inundados á mesma legação pelo ex.mo presidente sr. D. Christino Martos; outro do ministerio da fazenda, remettendo alguns esclarecimentos requeridos pelo sr. Arroyo ácerca de empregados e escrivães de fazenda addidos ás repartições de fazenda. - O sr. condo do Castello de Paiva apresentou uma representação da camara municipal de Arouca, pedindo a construcção do caminho de ferro de Vizeu a Recarei.-O sr. Serpa Pinto refere-se ainda á questão de Africa oriental, pedindo que se transmitta ao ministro competente que tinha levantado mais uma vez a sua voz para recommendar ao governo que não descurasse tão importante assumpto. Responde lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Avellar Machado lastima a ausencia do sr. ministro do reino, porque queria chamar a sua attenção sobre dois pontos, que era o facto de ter sido arrombada, pela uma hora da noite, a casa da redacção do jornal Diario do Alentejo, de Evora, sendo preso o redactor o sr. Percheiro, e o outro dizia respeito á administração da misericordia de Mação, que estava por assim dizer sem provedor, porque a nomeação provisoria que se tinha feito era escandalosa. Referiu-se tambem ao inquerito agricola. Responde lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Arroyo refere-se no decreto que apparecêra no Diario do governo de 31 de março, concedendo amnistia para todos os crimes contra o uso do direito eleitoral, e em geral para todos os crimes de caracter politico, ficando suspensos os processos e sendo soltas as pessoas que estivessem presas. Parecia-lhe que sempre se entendera n'estes casos que eram exceptuados os crimes em que houvesse accusação particular, mas que isso não estava bem claro na letra do decreto; referiu-se tambem a novas violencias que se tinham dado em Ovar, e d'esta vez contra o juiz, representante do poder judicial. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr ministro dos negocios estrangeiros participa a camara que fôra antehontem ratificado em Tien Tsin o tratado com a China, achando-se, portanto, regulavisadas a situação diplomatica e consular de Portugal com aquelle imperio; que alem d'isto negociava com a China uma convenção que regulava a fórma por que se havia de considerar a cooperação fiscal com aquelle imperio, convenção que era dependente do tratado; e ainda se negociara um convenio, em virtude do qual a navegação de cabotagem entre Macau e os portos vizinhos da China devia ser favorecida, d'onde resultavam vantagens importantes para Macau. Prestou tambem homenagem á habilidade, ao tino e prudencia de que o sr. Thomás Rosa, negociador do tratado, tinha dado sobejas provas.-O sr. Laranjo apresentou o parecer da commissão de inquerito aos actos administrativos referentes á abertura do concurso, adjudicação e approvação definitiva das obras do porto de Lisboa.-O sr. Alfredo Brandão apresentou treze requerimentos de medicos e aspirantes a medicos navaes, pedindo que sejam extensivas á sua classe as disposições da proposta de lei que augmenta as comedorias dos officiaes da armada.-.0 sr. Francisco de Medeiros apresentou uma representação da camara municipal do concelho de Valle Passos, districto de Villa Real, pedindo a approvação da proposta de lei relativa á construcção de caminhos de ferro n'aquelle districto.- O sr Julio de Vilhena apresentou uma representação da junta de parochia da freguezia de S. Thiago dos Velhos, contra a annexação das freguezias do Arruda e Cardosas ao concelho de Villa Franca de Xira. - O sr. João Pinto dos Santos apresentou um requerimento, pedindo ao governo o processo de syndicancia feita á recebedoria da comarca de Lagos em 1887. - O sr. Oliveira Pacheco apresentou uma nota justificando algumas faltas do sr. Barroso e Matos.
Na ordem do dia continua a interpellação sobre a execução da lei que auctorisou as obras do porto de Lisboa. - Conclue o sr. ministro das obras publicas o seu discurso, e começa, justificando a sua moção de ordem, o sr. Pedro Victor, que fica com a palavra reservada para a sessão seguinte.
Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.
Presentes á chamada 45 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Antonio Castello Branco, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Simões dos Reis, Miranda Montenegro, Augusto Ribeiro, Conde de Castello de Paiva, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Emygdio Julio Navarro, Freitas Branco, Francisco de Barros, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, João Pina, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Avellar Machado, Barbosa Colen, Ferreira de Almeida, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Julio Graça, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Martinho Tenreiro, Miguel da Silveira, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho e Vicente Monteiro.
Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Centeno, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Hintze, Ribeiro, Augusto Pimentel, Augusto Fuschini, Barão de Combarjúa, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Goes Pinto, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Feliciano Teixeira, Mattoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Sá Nogueira, Candido da Silva, Baima de Bastos, Pires Villar, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, Dias Gallas, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Jorge de Mello (D.), Alves de Moura, Ferreira Galvão, José Castello Branco, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Alpoim, Barbosa de Magalhães, José Maria dos Santos, Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Santos Moreira, Abreu e Sousa, Julio Pires, Julio do Vilhena, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Pedro Monteiro, Estrella Braga e Consiglieri Pedroso.
Não compareceram á sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Albano de Mello, Campos Valdez, Antonio Candido, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Tavares Crespo, Santos Crespo, Victor dos Santos, Conde de Fonte Bella, Elizeu Serpa, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Fernandes Vaz, Francisco Ravasco, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge 0'Neill; Amorim Novaes, Pereira de Matos, Elias Garcia, Guilherme Pacheco, Santos Reis, Vieira Lisboa, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Visconde de Silves e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
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1268 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
EXPEDIENTE
Officios
Do ministerio do reino, acompanhando 160 exemplares das contas d'aquelle ministerio, relativas á gerencia do anno economico de 1886-1887 e ao exercicio de 1880-1886, a fim de serem distribuidos pelos srs. deputados.
Á secretaria, para distribuir.
Do juiz de direito da sexta vara, Agostinho José Fonseca Pinto, pedindo auctorisação para que os srs. deputados José Elias Garcia e Manuel Affonso Espregueira, possam, na qualidade de peritos, assistir a uma vistoria a que tem de se proceder por aquelle juizo, no dia 3 de maio proximo futuro, pelas onze horas, na rua da Conceição da Gloria n.° 91.
Foi concedida a licença pedida.
Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Arroyo, os esclarecimento ácerca da situação e collocação de empregados e escrivães de fazenda addidos ás repartições de fazenda districtaes.
Á secretaria.
Legação de Portugal em Hespanha. - Madrid, 25 de abril de 1888. -I11.mo e ex.mo sr. - Tenho a honra de junto remetter a v. exa. a guia dos caminhos de ferro de duas caixas que envio a v. exa. contendo os Diarios da sessões do congresso dos deputados, correspondentes ás legislaturas de 1880 a 1887, as quaes para aquelle fim foram mandadas a esta legação pelo ex.mo presidente sr. D. Christino Martos.
No officio que acompanhava esta remessa, pede o mesmo ex.mo sr. presidente faça chegar ao conhecimento de v. exa. que desde o anno de 1874 não foi recebido n'este corpo legislador nenhum exemplar dos Diarios da camara que v. exa. tão dignamente preside.
Deus guarde a, v. exa. - Ill.mo e ex.mo sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza. = Augusto de Sequeira Thedim.
Para a secretaria.
REPRESENTAÇÕS
Da camara municipal do concelho do Arouca pedindo a construcção da linha do caminho de ferro de Vizeu a Recarei.
Apresentada pelo sr. deputado conde de Castello de Paiva, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do governo.
Da junta de parochia da freguezia de S. Thiago dos Velhos, contra a transferencia das freguezias de Arruda e Cardosas para o concelho de Villa Franca de Xira.
Apresentada pelo sr. deputado Julio de Vilhena, enviada á commissão de administração publica e mancada publicar no Diario do governo.
Da camara municipal do concelho de Valle Passos, districto de Villa Real, pedindo a approvação de um projecto de construcção de caminho de ferro n'aquelle districto.
Apresentada pelo sr, deputado Francisco de Medeiros, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do governo.
REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO
Requeiro que me seja mandado, pelo ministerio da fazenda, o processo de syndicancia feita á recebedoria da comarca de Lagos em 1887, bem como os telegrammas enviados pelo syndicante ao ministerio da fazenda. =0 deputado, João Pinto Rodrigues dos Santos.
Mandou-se expedir.
REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR
De treze aspirantes a facultativos navaes, pedindo para serem incluidos na nova tabella das comedorias dos officiaes da armada.
Apresentados pelo sr. deputado Alfredo Brandão e enviados á commissão de marinha, ouvida a do fazenda.
JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS
Participo a v. exa. e á camara que o meu collega o ex.mo sr. Barroso e Matos, deputado por Barcellos, tem deixado de comparecer por motivo de doença. = O deputado, Oliveira Pacheco.
Para a secretaria.
O sr. Conde de Castello de Paiva: - Sr. presidente, mando para a mesa uma representação da camara de Arouca, que pede a construcção da linha de Vizeu a Chaves e a Recarei.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada na folha official.
Foi approvada a publicação.
O sr. Serpa Pinto: - Sr. presidente, eu peço a v. exa. o favor de me dizer se os documentos que eu pedi, relativos ao emprestimo de 3.000:000$000 réis. Já vieram a esta camara.
O sr. Presidente: - Já chegaram ha tres ou quatro dias.
O Orador: - Eu desejava que v. exa. me dissesse a data precisa em que vieram esses documentos.
O sr. Presidente: - Os documentos chegaram no sabbado.
O Orador: - Eu peço licença a v. exa. para lhe dizer, que o sr. Marianno de Carvalho disse-me a semana passada que os documentos chegariam a esta camara na terça ou na quarta feira.
Eu peço pois a v. exa. para que fique registado na acta que os documentos só chegaram no sabbado passado; mas em todo o caso agradeço a remessa d'esses documentos.
Aproveito a occasião de estar com a palavra, posto que não esteja presente o ministro da pasta por onde corre o assumpto sobre o qual eu vou dizer duas palavras, mas peço ao illustre ministro das obras publicas o obsequio de transmittir ao seu collega o assumpto a que me vou referir.
Ha dois dias vi annunciado mais um telegramma da agencia Havas ácerca da interminavel questão da Africa oriental.
Eu tenho fallado por varias vezes sobre esta questão, e peço ao sr. ministro que transmitta ao seu collega que eu levantei mais uma vez a minha voz, pedindo-lhe toda a sua attenção para este assumpto, que é gravissimo, e que se póde tornar mais grave se o governo não adoptar as providencias necessarias.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Eu transmittirei ao meu collega dos estrangeiros as observações do illustre deputado o sr. Serpa Pinto.
O governo preoccupa se com todas as questões, que estão pendentes de negociações diplomaticas; mas o governo é que não póde estar todos os dias a dar informações aos illustres deputados, sobre a maneira como correm essas negociações.
Póde o illustre deputado ficar corto que se o governo precisar do auxilio do parlamento para manter os direitos e as regalias da corôa, espera contar com o apoio da maioria e da opposição, que em questões d'esta natureza não fará de certo politica e lhe dará a força possivel.
Mas se as negociações proseguirem como proseguem, o governo não terá necessidade dos corpos legislativos para manter as regalias da corôa.
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O sr. Serpa Pinto: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu use da palavra para responder ao sr. ministro das obras publicas.
Foi-lhe concedida a palavra.
O sr. Serpa Pinto: - Eu agradeço ao illustre ministro as palavras que me acaba de dirigir, mas parece-me que s. exa. elabora n'um equivoco. Esta questão não é propriamente do ministerio dos negocios estrangeiros, mas sim da marinha; mas o que me entristece mais é ver que tanto s. exa., como os seus collegas e muita mais gente, não comprehendem bem esta questão.
A questão de Africa oriental é uma questão em que é preciso que o governo trabalhe e que faça um certo numero de cousas fóra das vias diplomaticas.
O sr. ministro da marinha, não sei por que motivo, não tem dado um passo para obviar aos inconvenientes d'essa guerra surda que nos faz a Inglaterra, e para essa guerra surda é preciso guerra igual; mas é isso exactamente o que não vejo fazer.
Esta questão não é diplomatica, é uma questão puramente portugueza, e na qual devemos trabalhar sem precisar do auxilio de nenhuma nação estrangeira. É por isso que torno a pedir que, debaixo d'este ponto de vista, o sr. ministro das obras publicas diga ao seu collega da marinha, e não ao dos estrangeiros, que, em nome do paiz, solicite que s. exa. dê toda a attenção a esta questão.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - A questão a que o illustre deputado se refere affecta directamente dois ministerios, o da marinha e o dos estrangeiros, mas a parte essencial pertenço a este ultimo ministerio.
Consulte o illustre deputado o Livro branco de 1877, e ali encontrará uns documentos, pelos quaes verá se é pelo ministerio da marinha ou pelo dos estrangeiros que esta questão deve ser tratada. Pela leitura d'esses documentos, que são assignados pelo sr. Andrade Corvo, verá o illustre deputado os inconvenientes que ha em se tratar aqui essa questão.
Nem o sr. ministro da marinha, nem o sr. ministro dos negocios estrangeiros, se negam a receber as informações do illustre deputado, mas permitta-me s. exa. que lhe diga quo o que se passa n'esta casa é escripto nos jornaes e immediatamente transmittido telegraphicamente para Londres, e portanto é preciso que nos abstenhamos de quaesquer considerações que facilitem á imprensa commetter alguma indiscrição.
Peço, portanto, ao illustre deputado, que não insista sobre o pedido de documentos, que podem complicar a questão e aggravar dificuldades em que nos possamos ver embaraçados.
O sr. Oliveira Matos: - Peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro da justiça, visto que é pelo ministerio a cargo de s. exa. que eu desejo tratar de alguns assumptos.
O sr. Avellar Machado: - Sinto que não esteja presente o sr. ministro do reino. A ausencia de s. exa. é já systematica, e se me fosso permittido pediria que se lançassem na acta os nomes de todos os srs. ministros presentes ás sessões d'esta camara, do mesmo modo que se procede com os que são deputados, porque assim talvez s. exa. fossem mais pressurosos em vir dar as explicações que, debalde, todos os dias lhes pedimos, e muito especialmente o sr. presidente do conselho. (Apoiados.)
Solicito, pois, a presença de s. exa., porque me é indispensavel para, que, no uso do meu direito, e no cumprimento do meu dever, eu posso exigir-lhe as devidas explicações ácerca de varios attentados e de actos de deploravel administração praticados pelos seus delegados e consentidos por s. exa. E não sou só eu que inutilmente peço a comparencia do sr. ministro do reino; vejo que de todos os lados da camara se faz igual pedido. (Apoiados.)
SR. presidente, os antigos oraculos, quando se lhes pedia por bons modos, quando se lhes dirigiam supplicas e se lhes offereciam presentes valiosos, dignavam-se apparecer aos solicitantes e responder-lhes por uma maneira mais ou menos satisfactoria, mais ou menos comprehensivel; mas o sr. ministro do reino, por via de regra, nem apparece nem responde, e quando apparece e responde, é sempre para declarar que nada sabe. (Apoiados.)
Parece-me que s. exa. não está continuamente no serviço de sentinella vigilante, (Riso.} para que não possa aqui vir e demorar-se alguns momentos.
S. exa., como os reis fainéants, tem apenas os attributos da realeza, o sceptro e a corôa, isto é, a chefia nominal do partido e. . . os dois correios á portinhola do carro. S. exa. é presidente do concelho e ministro do reino o chefe do partido, mas quem exerce a auctoridade e dirige a politica não é precisamente s. exa. (Apoiados.)
Uma voz: - Mas elle está sempre álerta! (Riso.)
O Orador: - O sr. Marianno de Carvalho já explicou que a sentinella vigilante, sempre álerta, não passava de um ganso do Capitolio. (Riso.- Apoiados.)
Em todo o caso, como perdi a esperança de ver presente o sr. ministro do reino, vou narrar á camara um facto extraordinario, quasi incrivel, rogando ao sr. ministro das obras publicas a bondade de communicar a s. exa. as considerações que sobre elle vou fazer.
Consta-me, e com muitos bons fundamentos, que foi arrombada a porta da casa onde estava estabelecida a redacção e administração do Diario do Alemtejo, em Evora, pela uma hora da noite de 26 do corrente, salvo erro, sendo preso e arrastado para uma das esquadras policiaes o redactor e proprietario do referido jornal, o sr. Percheiro.
Os attentados brutaes e selvagens contra a imprensa, de 1886 para cá, têem-se repetido tão amiudadas vezes, e por fórma tal, que só vejo um remedio efficaz a applicar contra estes incriveis desmandos. (Apoiados.) Aos estupidos assaltos ás redacções de jornaes em Villa Real, Alijó, Mafra e Braga junta-se agora o ataque á mão armada feito pela policia contra a casa da redacção do Diario do Alemtejo, e á pessoa do seu proprietario e director politico. Isto denota realmente um grande atrevimento por parte das auctoridades superiores do districto, ou a cumplicidade do governo em tolerar que os seus agentes possam impunemente praticar tão vergonhosos attentados.
E quer v. exa. saber, sr. presidente, qual o motivo que, segundo e publico e notorio, determinou este verdadeiro acto de selvageria?
Foi o ter o sr. Gomes Percheiro, que não conheço, e que nunca vi, haver, no pleno uso do seu direito, accusado o commissario de policia do districto de se apropriar de objectos pertencentes a conventos extinctos. Verdadeira ou falsa accusação, o sr. Percheiro responderia perante os tribunaes por qualquer abuso que tivesse praticado, o não era ao commissario de policia, tão clara e categoricamente accusado, que pertencia ser juiz e carrasco dos seus adversarios. Attentados d'esta ordem contra a imprensa, ainda que o governo a considere hoje assassina da liberdade, não podem ser tolerados, (Apoiados ) e todos os meios de defeza são licitos ás victimas. (Apoiados.) Pela minha parte empregarei os ultimos esforços para que se não repitam taes indignidades e para que sejam castigados os seus auctores ou os ministros, que são os unicos responsaveis pelos actos dos seus empregados de confiança.
Desejava que o sr. ministro do reino viesse dar explicações categoricas ácerca d'este assumpto, e saber se s. exa. já mandou syndicar dos factos a que alludo e d'aquelles que os precederam e seguiram; tambem queria saber quaes as providencias que s. exa. tenciona adoptar para que se não repitam similhantes actos, que envergonham um paiz e deslustram o partido que os tolera. (Apoiados.)
Peço ao sr. ministro das obras publicas o favor de communicar ao seu collega do reino estas minhas observações,
municar ao seu collega do reino e&tas minhas observações
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solicitando a sua presença n'esta camara, onde brilha pela sua ausencia habitual, a fim de não termos de nos dirigirmos ás paredes.
Tambem já uma vez chamei a attenção do sr. ministro do reino para o caso de um administrador do concelho, que era ao mesmo tempo provedor da misericordia, apesar de, como administrador, ter de fiscalisar a administração dos estabelecimentos pios.
S. exa. effectivamente respondeu-me que ia convidar esse administrador a optar por um ou outro cargo, dentro de curto praso.
Mas quer v. exa. saber qual foi o procedimento do governo ou dos seus delegados?
Praticaram ainda um abuso mais grave.
Entregaram a administração do concelho, não já ao provedor da misericordia, mas a um boticario, empregado da mesma misericordia, e por um alvará!
E ha quasi um anno que dura este escandalo, e que a lei é flagrantemente violada!
São estas as boas normas da administração do partido progressista, que parece jurou aos seus deuses desorganisar todos os serviços, e introduzir a licença e a immoralidade nos proprios estabelecimentos de caridade.
Rogo, portanto, ao governo que pratique um acto de seriedade e de dignidade, determinando ao governador civil do Santarem, que é um cavalheiro que eu respeito, que não consinta por mais tempo a grave irregularidade e o verdadeiro escandalo de estar a exercer o logar de administrador do concelho um empregado da misericordia, isto por um alvará, e decorridos que são muitos mezes, quando tem havido tempo de sobra para que se nomeie um administrador nos termos legaes, e nas devidas condições.
Passo agora a dirigir-me ao sr. ministro das obras publicas e a fazer-lhe algumas perguntas. Com relação á questão agricola, s. exa. prometteu n'esta camara dar rapido andamento ao inquerito agricola; s. exa. fez mesmo depender das conclusões d'esse inquerito as medidas que havia de propor ás camaras para resolver a questão agraria, a mais importante que hoje assoberba o paiz. (Apoiados.)
Eu vi publicado nos jornaes as conclusões a que chegou o inquerito agricola; o que estranhei bastante, porque estando publicados esses resultados, a camara ainda não teve officialmente conhecimento d'elles!
Eu não sei se o inquerito agricola continua ou não, ou se foi mandado suspender, em todo o paiz ou em parte d'elle; peço por isso ao sr. ministro das obras obras publicas que do sobre este assumpto algumas informações á camara, para ella poder estar habilitada a estudar e apreciar as medidas que o governo entender dever propor á sancção parlamentar.
O praso para as sessões das camaras está a terminar, e portanto s. exa. deve apressar-se a informar o parlamento de tudo que haja feito ácerca de tão importante assumpto, para que elle possa, com conhecimento de causa, apreciar os elixires que o governo receita para conjurar a crise agricola que o paiz atravessa.
Repito, peço a s. exa. que se apresse em mandar á camara todos os documentos que possue no seu ministerio ácerca do inquerito agricola, pois que é da resolução immediata da crise agricola que s. exa. deve fazer questão ministerial. (Apoiados.)
É esta a questão gravissima, a questão por excellencia, que deve unir todos os partidos no justificado empenho de resolver, de vez, tão importante problema, de que depende o bem estar da nação. (Apoiados.)
A agitação que começa a lavrar nas populações agrarias é grande e só comparavel á miseria com que luctam. (Apoiados.)
Em toda a parte se estão formando centros agricolas, que se irão ligando entre si pela affinidade de interesses, e creia v. exa. que esses centros constituirão verdadeiros focos de resistencia e de perturbação, se não se attendederem as legitimas exigencias da agricultura (Apoiados.)
Tenha o governo cuidado, e não brinque com o fogo. (Apoiados.}
Até hoje os unicos favores que se têem dispensado á agricultura são a elevação constante dos impostos e o augmento extraordinario do rendimento collectavel em as novas matrizes, justamente quando os proprietarios caminham para a miseria completa, quando as terras estão quasi sem valor. (Apoiados.)
Outros favores não vejo que se lhe tenha feito. (Apoiados.)
Os lavradores vão conhecendo que têem força, e, se quizerem usar d'ella, talvez os governos se não conservem tão indifferentes a esta medonha crise, e não olhem com tanto desleixo para a questão agricola. (Apoiados.}
Vejo com prazer que em todos os concelhos do reino se formam gremios de lavradores, em relação uns com os outros, e todos com a real associação central de agricultura portugueza.
Se estes elementos por um lado podem dar força aos governos que olhem deveras pelas questões agricolas, por outro lado podem tambem ser elementos de resistencia contra os que descuram os verdadeiros interesses do paiz; (Apoiados} porque, se os lavradores, levados pelo desespero, lançarem nas ruas, como por muitas vezes têem feito os outros industriaes, os milhões de homens que a agricultura emprega, eu não sei quaes serão as consequencias. (Apoiados.}
Peço, portanto, explicações a este respeito ao sr. ministro das obras publicas; e, quanto aos outros pontos, peço a s. exa. que dê conhecimento das minhas considerações ao sr. ministro do reino.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Sr. presidente, o illustre deputado censurou a ausencia do sr. ministro do reino.
Peço licença para observar que o sr. ministro do reino tem aqui comparecido ha uns poucos de dias seguidos. (Apoiados.)
Os illustres deputados, que podem usar da palavra antes da ordem do dia ou antes de se encerrar a sessão, podiam n'esses dias ter pedido explicações a s. exa.
Se hoje s. exa. ainda não está presente, e se não comparecer, como é provavel, é porque houve reunião do conselho d'estado.
É um motivo muito justificado de serviço publico que explica a sua ausencia.
Transmittirei ao sr. ministro do reino as considerações do illustre deputado, tanto sobre o caso de Mação, de que não tenho conhecimento, como sobre o caso do jornal Diario do Alemtejo, que tambem não conheço.
S. exa. ha de providenciar devidamente, e n'este ultimo caso ha de punir quem se tiver tornado merecedor de punição.
Quanto ao inquerito agricola, o illustre deputado queixou se de quo a imprensa publicasse alguns resultados obtidos, e de que ao parlamento ainda não fossem communicados oficialmente os mesmos resultados.
Peço licença para lembrar que o relatorio dos commissarios foi publicado no Diario do governo.
Os commissarios reuniram-se, e fizeram um relatorio, que foi apresentado ao governo. Esse relatorio foi publicado no Diario do governo, e, como todos os srs. deputados recebem o Diario do governo, creio que assim estão satisfeitas as exigencias do sr. Avellar Machado. (Apoiados.)
E depois, quando as propostas forem apresentadas, os illustres deputados terão occasião de apreciar o assumpto.
O inquerito agricola não se interrompeu. O que se interrompeu foi o recenseamento agricola, porque se levantaram algumas difficuldades e resistencias.
O governo transigiu, porque entendeu que com aquellas resistencias não se podia fazer um recenseamento que in-
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spirasse confiança, e continuará quando se estabeleça mais alguma tranquillidade na opinião publica.
Com relação ao inquerito, este continua; os trabalhos atrazaram-se um pouco, porque a despeza já estava um pouco avultada; agora, porém continuam, e alguns documentos que constam dos relatorios já publicados, assim como outros que successivamente virão apparecendo, habilitarão o governo a propor ao parlamento medidas tendentes a minorar a crise agricola.
É porém inutil ter a esperança de que com qualquer medida, que o parlamento approve, a crise agricola fica remediada; é inutil nutrir essa esperança, e eu mesmo já o digo antecipadamente, contra os interesses do proprio governo.
A crise agricola, essa questão que, fatalmente, ha de existir contra todos os governos, seja elle qual for, é uma questão que não póde ser politica. (Apoiados.)
Tornar esta questão politica, era a cousa mais funesta para o nosso paiz, e para todos.
Por consequencia, tomando se todas as providencias necessarias e convenientes para restabelecer as funcções agricolas, para minorar alguns males que está soffrendo a agricultura, parece-me que se procederá prudentemente, ao mesmo tempo não se dando força áquillo que se póde converter no perigo mais serio para o nosso paiz. E nós temos o exemplo da Irlanda, e mesmo o que principiou a dar-se na Madeira.
Trate se, pois, de attender á questão agricola, afastando, porém, o mal da politica, que uma vez enraizado, já não tem remedio.
É um conselho prudente, que eu entendo que deve ser seguido, não só por este governo, mas por os illustres deputados, quando forem governo, em utilidade do paiz.
Termino por aqui as minhas considerações, repetindo que o governo apresentará dentro em pouco tempo ao parlamento varias propostas relativas a esta questão, e n'essa occasião poderão s. exas. Discutir o assumpto, certos, porém, de que o governo não abandona o assumpto.
O sr. Avellar Machado: - Sr. presidente, rogo a v. exa. Que consulte a camara, sobre se permitte que eu responda, ainda que em poucas palavras, ás considerações apresentadas pelo sr. ministro das obras publicas.
Vozes: - Falle, falle.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente.
O sr. Avellar Machado: - Sr. presidente, agradeço as respostas do sr. ministro das obras publicas, mas peço licença a s. exa. Para fazer uma pequena rectificação.
Agradeço o offerecimento de s. exa., de transmittir ao sr. ministro do reino as minhas palavras, relativas a alguns factos, que correm pela sua pasta, e para os quaes chamei a sua attenção.
Quanto ao inquerito agricola, tambem concordo em que a questão não é politica, e nem a opposição quer com ella fazer politica. (Apoiados.) Longe de nós tal idéa, e n'este ponto não fallo só em nome, mas em nome de toda a opposição. (Apoiados,)
O que nós queremos unica e simplesmente é que o governo olhe solicito para a mais importante das nossas industrias. E quanto ao inquerito, o sr. ministro das obras publicas confessou o que eu já sabia, isto é, que, se não estava suspenso, por lei, o estava de facto. Não ignorava que no Diario do governo se publicou um pequeno relatorio, com umas conclusões a que se assevera ter chegado a commissão de inquerito ou os commissarios inquiridores.
Eu sei que se concatenaram todos os elementos colhidos e que com elles se formou um pequeno relatorio de poucas paginas, com umas conclusões tiradas de algumas respostas isoladas, e nem sempre verdadeiras e conscienciosas. Mas nós não queremos isso; o que queremos é um inquerito em fórma, a valer; queremos todos os trabalhos feitos por commissões competentes, mas desejâmos ver e examinar em todos os seus detalhes o modo por que foram dirigidos.
Nós confiâmos muito nos inquiridores, e babemos que todos ou quasi todos elles são muito entendidos, e que desempenham os cargos, que lhes foram confiados, com pontualidade e regularidade; mas nós queremos, por nós mesmos, examinar minuciosamente todos os trabalhos de detalhe, conhecer a consciencia com que foram feitos; queremos ver se merecem ou não confiança os inqueritos feitos nos differentes concelhos e freguezias, emfim saber se o trabalho apresentado é apenas uma phantasmagoria dispendiosa, ou se traduz realmente o modo de ser agricola do paiz. E desde já declaro a v. exa., com a maior franqueza que não tenho confiança alguma na verdade dos resultados a que cheguem porventura os commissarios do inquerito agricola, pois que conheço o modo por que foram feitos, e a consciencia com que foram dadas, em muitissimas freguezias, as informações para o referido inquerito.
Parece-me que s. exa. deveria n'este ponto seguir o exemplo da Italia e de outras nações européas, publicando todos os documentos que serviram de base para os trabalhos da commissão, absolutamente todos, com a explicação do modo por que foram obtidos os dados que n'elles se contiverem. Só assim se póde formar uma idéa exacta do valor e importancia o inquerito. Espero que s. exa. Estudará tão importante assumpto, e que trará ao parlamento todos os documentos que o possam esclarecer e habilitar a discutir as propostas que sem duvida o sr. ministro da fazenda vae apresentar, como solemnemente promette, para resolver cabalmente a mais grave de todas as questões que preoccupam a attenção do paiz - a crise agricola.
Tenho dito.
O sr. Arroyo: - Não podendo comparecer hoje o sr. ministro do reino, por motivo de serviço publico, pedia ao sr. ministro das obras publicas que transmittisse a s. exa. O desejo que elle, orador, tinha de que s. exa. Viesse n'uma das proximas sessões, a fim de lhe dar algumas explicações sobre os assumptos que ia tratar.
O primeiro assumpto era o decreto que apparecêra no Diario do governo de 31 de março concedendo amnistia para todos os crimes contra o uso do direito eleitoral, e em geral para todos os crimes de caracter politico, ficando suspensos os processos e sendo soltas as pessoas que estivessem presas.
Parecia-lhe que sempre se entendêra n'estes casos que eram exceptuados os crimes em que houvesse accusações particular.
Porém, dos termos geraes do decreto não se concluia que assim fosse; perguntava, pois, se os crimes em que houvesse accusação particular eram ou não exceptuados da amnistia.
O segundo assumpto de que desejava occupar-se eram os ultimos acontecimentos de Ovar.
Em Ovar ultimamente não havia auctoridade, não havia lei, não havia justiça; havia apenas um vice-chanceller do reino, e nada mais.
Até aqui as violencias em Ovar tinham poupado o poder judicial; agora nem este mesmo poupavam.
Estando imminente o julgamento em policia correccional de varios réus incursos em crimes não politicos, mas de ferimentos, de insultos e de assuadas, o juiz fôra ameaçado de que os vidros lhe seriam quebrados, caso os réus fossem condemnados.
Depois fôra acompanhado até ao tribunal por muita gente, que o injuriou, e, quando no fim da audiencia, exercendo os seus deveres e no uso liberrimo das suas attribuições, condemnára alguns réus, fôra recebida a sua deliberação com uma grande pateada.
Pedia uma immediata e severissima repressão para estes desmandos. Não se podia deixar de dar a um magistrado judicial toda a força de que o governo podesse dispor, não
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só pelo lado das auctoridades administrativas, mas tambem pelo lado das auctoridades militares.
Agora não se tratava do uma questão eleitoral, de uma questão de recenseamento; tratava-se de uma questão muito seria, que era o exercicio do direito de julgar e da independencia da auctoridade judicial.
Era preciso que o governo desse toda a força á auctodade judicial, para que ella, levada pela sua consciencia e pelo seu são criterio, proferisse livremente as suas sentenças.
Como as cousas estavam em Ovar, aquella auctoridade não podia exercer as suas funcções, porque não se permittia nada que fosse contrario ao tal vice-chanceller.
Pedia ao sr. ministro das obras publicas, se não estivesse habilitado para responder, que transmittisse estas considerações ao sr. ministro do reino, a fim de s. exa. proceder como era necessario que procedesse, porque o assumpto era importantissimo.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.}
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Vou responder ao illustre deputado tanto quanto o poder fazer, porque os assumptos do que s. exa. tratou são alheios á minha pasta.
Com relação ao primeiro ponto, relativo ao decreto de amnistia de 26 de março, devo dizer que não pertence ao governo executar o decreto, mas aos tribunaes é que pertence a fórma de o executar.
S. exa. disse que os tribunaes tinham sempre executado decretos congeneres, exceptuando os casos em que havia accusação particular.
Parece-me que não são exceptuados estes casos, mas a interpretação authentica não a póde dar o governo, é os tribunaes que hão de executar o decreto.
O sr. Arroyo: - É exactamente esse o motivo que me levou a fazer a pergunta.
O Orador: - Se eu tivesse do executar o decreto, sem que isto represento uma interpretação por qualquer fórma authentica, e apenas fallo como advogado, se eu tivesse de interpretar esse decreto interpretal-o-ía da forma mais generica, e sem hesitar, porque o decreto diz que é concedida a amnistia geral e completa para todos os crimes, etc. Portanto n'estes termos é generico. Devo todavia dizer a s. exa., que affirmou que sempre nos decretos anteriores se exceptuaram os crimes em que havia accusações particulares, que não é exacto. De um facto succedido em Chaves lembro-me eu, no tempo dos regeneradores, em quo havia accusação de parte, e foi comprehendido no decreto de amnistia por crime politico um cavalheiro transmontano, o administrador do concelho de Chaves. Lembro me ainda de um processo de abuso de liberdade de imprensa em que tambem havia accusação de parte, e que tambem foi comprehendido no decreto de amnistia. Aqui estão dois factos. N'esta parte já vê o illustre deputado que não é exacta a sua affirmação, de que foram sempre exceptuados nos decretos de amnistias os crimes em que havia accusação particular.
De dois factos que não foram exceptuados nos termos do decreto posso eu dar noticia, que são aquellas que acabo de indicar, todavia isto não é uma interpretação authentica.
A minha assignatura n'este decreto representa apenas a responsabilidade politica com o resto do gabinete; a interpretação d'elle, como a responsabilidade mais directa pertence ao chefe do gabinete, e ao sr. ministro da justiça, e quando estiverem presentes dirão da sua justiça.
Quanto aos acontecimentos de Ovar sei apenas, por informações que me deu um illustre deputado, que era menos exacto dizer-se que o juiz tinha condemnado uns réus. Segundo essas informações os réus foram todos absolvidos.
O sr. Simões dos Reis: - Os réus foram todos absolvidos na sexta feira.
O Orador: - Já v. exa. vê que ha um ponto de facto que é contestado por uma maneira tão clara e categorica.
A situação de Ovar é de ha muito tempo anormal. Estes mesmos acontecimentos se davam na rasão inversa, quando estavam os regeneradores no poder.
Uma vez foram deitar bandas á porta do tribunal, quando o juiz estava presidindo a uma audiencia para que elle não podesse funccionar. Arranjaram umas philarmonicas e mandaram-n'as tocar á porta do tribunal, e ao mesmo tempo lançavam pequenas bombas de dynamite, de sorte que o pobre juiz não podia funccionar. O juiz protestava, dizia ao administrador que era a elle que pertencia a policia; mas como era elle que promovia isso, não providenciava.
Isto dava se no tempo dos regeneradores. Creio que elles lastimavam tanto os acontecimentos, como nós progressistas os lastimâmos. Isto o que prova é que os governos têem uma grandissima difficuldade em conter os partidos dentro dos limites da ordem, quando as paixões politicas estão tão exaltadas como em Ovar; todavia não é rasão para que o governo não intervenha quanto podér para fazer manter a ordem, fazer com que a cada um se contenha pentro dos limites das suas attribuições, fazendo castigar quem não cumprir a lei.
Darei parte ao meu collega do reino dos desejos que o illustre deputado tem de ser informado sobre esses acontecimentos, e o sr. presidente do conselho não deixará de vir á camara para dar essas informações. Eu, pela minha parte, posso affirmar a v. exa. que o governo lastima profundamente a alteração da ordem em Ovar, como estou certo que o partido regenerador sentia e lastimava a alteração de ordem, que se dava no tempo dos regeneradores.
O sr. Arroyo: - Poço a v. exa. que consulte a camara sobre se me permitte usar da palavra para responder ao sr. ministro.
Consultada a camara resolveu affirmativamente.
O sr. Arroyo: - Emquanto á amnistia, devia dizer quo ouvira a opinião de alguns magistrados judiciaes, e informára-se sobre as praxes seguidas nos tribunaes, e a conclusão a que chegára era que sempre se tinham interpretado os decretos analogos no sentido de serem exceptuados os processos em que houvesse accusação particular.
As partes accusadoras podiam ter gasto quantias importantes e seria uma iniquidade que um decreto viesse prejudical-as com relação a taes despezas.
Desejava portanto que o governo mantivesse uma doutrina que lhe parecia ser a melhor.
A respeito de Ovar, observava que as informações que tinha provinham de dois jornaes.
Dissera o sr. ministro que acontecimentos iguaes se tinham dado no tempo da situação regeneradora; mas s. exa. devia em tal caso demonstrar que a independencia do poder judicial não fora garantida e assegurada.
E o que elle, orador, pedia era que o governo assegurasse a independencia do poder judicial.
Era uma situação anormal e estupenda a de Ovar. Ali não havia lei, nem auctoridade; havia unicamente, um regulo com alguns sobas.
Pedia ao sr. ministro das obras publicas que prevenisse o sr. ministro da justiça e o sr. ministro do reino para virem á camara explicar a maneira como interpretam o decreto de amnistia; e perguntava se o governo estava resolvido a fazer entrar Ovar na ordem e na lei.
(O discurso do sr. deputado será publicado em appendice a esta sessão quando o restituir.}
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Pedi a palavra para ter a satisfação de annunciar á camara que antes de hontem, 28, foram trocadas em Tien Tsin as ratificações do tratado com a China.
Acha-se, pois, regularisada a nossa situação diplomatica e consular, e de vizinhança com o imperio da China em termos que nos collocam a par das outras nações da Eu-
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ropa, e satisfeito um facto que desde muito tinha sido desejado, por todas as administrações d'este paiz e principalmente pelas administrações coloniaes de Macau.
Pelos termos d'esse tratado, que, espero será publicado dentro de pouco tempo, e offerecido á apreciação da camara no que respeita ás responsabilidades do governo, acompanhado de todos os documentos que illustram a negociação que se verificou, vê se que a negociação foi difficil, que atravessou difficuldades enormes e embaraços gravissimos. As condições exaradas no protocollo negociado e assignado em Lisboa, acham se integralmente Confirmadas pela China.
Alem d'este tratado negociou-se tambem com a China uma convenção que regula a fórma por que se ha de considerar a cooperação fiscal com aquelle imperio, convenção quo é independente ao tratado.
Ainda um terceiro convenio se negociou, em virtude do qual a navegação de cabotagem entro Macau e os portos proximos chinezes, deve ser feita em condições de garantir vantagens importantes paia o commercio da cidade de Macau.
Faltaria a um dever, para mim, aliás de gratissimo cumprimento, se n'esta occasião deixasse de me referir aos serviços rolantes prestados pelo nosso negociador na China, o sr. Thomás Rosa, que se houve no decurso d'estas negociações com uma habilidade, com uma firmeza e com um tino, quo são dignos de todo o louvor.
Folgo de lhe prestar esta homenagem perante os representantes da nação. E não é só do governo esta apreciação, em face dos actos d'aquelle distincto cavalheiro, porque algumas das principaes potencias européas interessadas n'estas negociações, informaram o governo de quanto tinham sido relevantes os serviços prestados por aquelle nosso negociador, porque tinha mostrado muito tino e prudencia, e em certas occasiões a energia com que s. exa. se houve.
Creio que a camara toda ouvirá esta noticia com satisfação, (Apoiados.) e dentro em pouco terá na sua mão os devidos documentos para apreciar o que respeita á responsabilidade do governo.
O sr. Laranjo: - Mando para a mesa o parecer da commissão de inquerito ás obras do porto de Lisboa. Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que, depois de impresso e distribuido, as conclusões do parecer sejam postas em discussão juntamente com a interpellação que está em ordem do dia, visto que o assumpto é identico.
Consultada a camara decidiu affirmativamente.
(O parecer será publicado no fim d'esta sessão.}
O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.
O sr. Dantas Baracho: - Peço a v. exa. se digne mandar ler ou ler os nomes dos deputados que estavam inscriptos para antes da ordem do dia.
O sr. Presidente: - Leu a inscripção para antes da ordem do dia, inscripção em que estava o nome do sr. Dantas Baracho, para quando estivesse presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros.
ORDEM DO DIA
Continuação da interpellação dos srs. Dias Ferreira e Pedro Victor, ácerca da execução da lei que auctorisou as obras do porto de Lisboa
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro das obras publicas.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro) (Discurso proferido na sessão de 27 de maio.}: - Sr. presidente, tenho de continuar a minha resposta ás considerações, que o illustre deputado o sr. Dias Ferreira fez na sessão antecedente, e melhor direi talvez que tenho de começal-a; porque, nas poucas palavras que me foi permittido proferir na ultima sessão, não entrei no desenvolvimento dos assumptos variados sobre que s. exa. discursou.
Primeiro que tudo, devo prestar homenagem á delicadeza e correcção parlamentar, com que s. exa. tratou do assumpto, fazendo assim sobresaír mais uma vez os seus creditos de orador distinctissimo, urbano para com todos, que é sempre, sem perder a energia nas discussões.
Precisava d'esta declaração, não para fazer com ella direito á benevolencia dos outras srs. deputados que terão de fallar, mas tão só-tão só!-para que não se supponha que uma tal ou qual exaltação, que houve nas minhas palavras, na ultima sessão, foi provocada pelo discurso de s. exa.
Mas é que s. exa., na sua peroração, sem o querer e até sem o saber, avivou feridas, que ainda me pungem dolorosamente, e que-digo-o para que se alegrem os que tão desapiedadamente me maltrataram!- ainda hoje sangram, depois de alguns mezes e de tantas semanas passadas.
O despertar d'essa dor fez-me, perder um pouco da serenidade que me impõem o logar que occupo e a natureza da questão que se controverte, e que acima de tudo me era imposta pela irreprehensivel cortezia em que foi modelado o discurso do illustre interpellante. Foram motivos intimos aquelles, muito intimos, que não importa aqui explicar e muito menos discutir, mas que nem por isso assoberbavam menos apaixonadamente o meu animo. Creio que o illustre deputado ficará satisfeito com esta leal explicação, que lhe dou, de uma vehemencia na minha resposta, que justamente lhe deveria parecer incorrecta, se para si a tomasse como dirigida.
Preciso ainda de fazer outra declaração, para nos pormos todos á vontade.
O illustre deputado, que formulou a interpelação, disse que as responsabilidades n'esta questão não eram do ministro das obras publicas, eram do conselho de ministros; e que por isso a interpellação fôra dirigida, não ao ministro das obras publicas, mas ao governo. Não posso acceitar isso. As responsabilidades n'esta questão são minhas, e minhas só; o concelho de ministros, os meus collegas, não têem senão a responsabilidade de haverem dado execução á lei de 16 de julho de 1885. O modo como ella foi executada é da minha exclusiva responsabilidade; é uma questão exclusiva do ministerio das obras publicas. Preciso fazer estas declarações para deixar completamente em liberdade a maioria.
Em taes termos, esta questão póde prejudicar um ministro, mas não prejudica a situação ministerial, e por consequencia a maioria póde votar como entender, livre de quaesquer preoccupações partidarias. Se no seguimento do debate a minha posição na camara se tornar desfavoravel, a maioria póde não me acompanhar, porque não periga a situação politica do ministerio, o que seria muito, e só a situação pessoal do ministro das obras publicas, o que é muito pouco. Não ha em jogo senão a posição do ministro das obras publicas; e se esse desfavor, em resultado da discussão, tiver de me ferir, a maioria tem tudo a lucrar e nada a perder: livra-se de um ministro, que é para si um embaraço, e substitue-o por outro, que robusteça a situação. E nem mesmo perderá o meu apoio, porque eu me julgarei obrigado a redobrar de esforços em defeza do meu partido, para assim resgatar o mal, que lhe tiver causado.
Repito: a maioria é liberrima n'esta questão, porque o governo, como governo, só tem a responsabilidade de ter dado execução á lei de 16 de julho de 1885. Essa responsabilidade, sim, é que é inteira e collectiva de todos os ministros; e vou dizer ao illustre deputado as circumstancias, era que o governo a tomou.
Logo na primeira reunião do conselho de ministros, preparatoria para a sua apresentação ás côrtes, quando se organisou o ministerio progressista, discutiram se as res-
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postas que deviam dar-se ás perguntas mais ou menos provaveis, que poderiam ser feitas nas camaras. Esse é o systema de todos os governos, que combinam os programarias que hão do desenvolver nas côrtes e as respostas que hão de dar ás perguntas que podem ser feitas. Uma das perguntas, que naturalmente occorreu deveria ser feita, foi qual era a opinião do governo sobre a questão momentosa das obras do porto de Lisboa; e o ministerio, por unanimidade de votos, sem discrepancia de um só, resolveu dar inteira execução á lei de 18 de julho de 1885, usando da auctorisação por ella concedida, e que se reputou uma obrigação.
Em conformidade com esta resolução do conselho de ministros, quando na camara dos dignos pares fui interrogado sobre o assumpto, declarei que o governo resolvera dar execução áquella lei, empenhando n'isso tanta solicitude e diligencia, como se ella tivesse sido da sua iniciativa.
Esta é a unica responsabilidade collectiva do governo. E, n'esta ordem do responsabilidades, perguntou o illustre deputado como e que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, tendo combatido n'esta casa tão vivamente o projecto para os melhoramentos do porto de Lisboa, coaduna a opposição, que fez n'essa epocha, com a altitude que depois tomou; e como é que o sr. ministro da justiça, que tambem combateu vigorosamente esse projecto, e tão vigorosamente que até saiu da sala capitaneando a opposição progressista, porque a sessão nocturna tinha sido prorogada até o projecto se votar, podia igualmente harmonisar a sua attitude de opposição ao projecto com o voto, que depois deu, e a responsabilidade, que tomou, fazendo executar a lei de 16 de julho.
Vou responder a s. exa.
Para o partido progressista, a questão dos melhoramentos do porto de Lisboa foi então uma questão aberta; e o illustre deputado estaria em qualquer caso, no seu ponto de vista, collocado n'uma situação excellente para accusar do incoherentes e contradictorios os actuaes ministros; porque, se é certo que dois dos actuaes ministros, os srs. Barros Gomes e Beirão, combateram o projecto, não é menos certo que outros dois o defenderam calorosamente, o sr. visconde de S. Januario, como presidente da commissão de 1883, e o sr. Marianno de Carvalho, fallando aqui em favor d'elle.
Foram dois dos actuaes ministros contra, e dois a lavor. Os outros não se pronunciaram abertamente. N'estas condições, o sr. Dias Ferreira sempre poderia accusar de incoherencia os actuaes conselheiros da corôa: os srs. Beirão e Barros Gomes, por se associarem á execução da lei; os srs. viscondes de S. Januario e Marianno de Carvalho, se a lei não se executasse.
Esta questão foi, como disse, declarada aberta, como consta dos registos parlamentares; e eu peço licença para ler á camara as palavras que n'essa occasião foram proferidas n'esta casa pelo sr. Marianno de Carvalho. O discurso de s. exa. não vem por extenso; mas, felizmente, o sr. Fontes referiu-se a elle e eu vou ler o que s. exa. disse na sessão de 10 de julho de 1885:
«Alem d'isto, a disposição que o illustre deputado (o sr. Marianno de Carvalho) deu ao seu discurso não me obriga a entrar em largas considerações. Registo sómente a declaração formal feita por s. exa. de que reputa importante, necessaria, urgente e inadiavel a construcção do porto de Lisboa.
«E como, depois d'esta declaração, o illustre deputado acrescentou que a consciencia partidaria ás vezes é differente da consciencia individual, e ao mesmo tempo assegurou á camara o que eu já tinha ouvido dizer, isto é, que o partido progressista tinha resolvido declarar esta questão aberta para cada um dos seus membros poder entrar n'ella como entendesse, e discutir como julgasse mais conveniente aos interesses publicos, (Apoiados.) eu não posso deixar de
sentir verdadeira satisfação por ver que s. exa. em vez de se juntar ao seu collega, o sr. Barros Gomes, pedindo ao governo que encerre o parlamento para não se discutir e votar este projecto, declara peremptoria e terminantemente que o mesmo projecto é urgente, e que as obras são inadiaveis. (Apoiados.)»
Vê se, pois, que o partido progressista deixou a questão inteiramente aberta n'essa occasião, e a cada um dos seus membros a liberdade de votar como entendesse e quizesse.
O partido progressista estava, pois, livre, deixou a questão aberta e não tomou n'ella responsabilidades solidarias; e por consequencia estava desembaraçado de compromissos quando entrou para o poder, e ahi achou uma lei, regularmente promulgada, que lhe cumpria acatar. (Apoiados.}
Eu podia mesmo dizer ao illustre deputado, a quem estou respondendo, que aquelle acto, acoimado de quasi revolucionario, do sr. Beirão, saindo da camara, foi, se me permittem a phrase, uma trica parlamentar derivada da situação em que se encontrava o partido progressista, dividido como estava n'esta questão, e como estivera pouco tempo antes o partido regenerador. (Apoiados.)
O que é certo é que o illustre deputado, em vez de se dirigir a mim, perguntando porque tinham mudado de opinião dois membros do governo, se devia antes ter dirigido a esse lado da camara, (o esquerdo) perguntando porque tinha mudado de opinião o partido regenerador. (Apoiados.) Esse é que solidariamente tinha affirmado uma opinião, que pouco depois substituiu pela contraria, para pouco depois substituir de novo pela opinião primitiva. Foram duas reviravoltas fundamentaes, no curto periodo de alguns mezes. (Apoiados.)
Pois não é certo que saíram do ministerio os srs. Lopo Vaz e Aguiar por causa das obras do porto de Lisboa?
Em 1884 tinha sido apresentada uma proposta assignada pelos srs. Hintze Ribeiro e Aguiar para a construcção d'aquellas obras.
Em principios de 1885 o sr. Aguiar instou pela discussão d'essa proposta; e o sr. Hintze Ribeiro, como ministro da fazenda, negou-se a isso. A maioria do conselho de ministros poz-se de seu lado, o que deu em resultado saírem o sr. Aguiar e o sr. Lopo Vaz. Não foi, por certo, sem uma grande violencia, que o sr. Fontes se privou da collaboração d'aquelles dois cavalheiros, que eram dois vultos importantes no seu partido, que eram dois dos principaes collaboradores da sua politica. Póde bem ajuizar-se pela grandeza d'este sacrificio a fortaleza da opinião, que o sr. Fontes tinha a esse tempo contra a opportunidade e conveniencia de taes obras. Não obstante, poucos mezes depois, na mesma sessão legislativa, o sr. Fontes, que por causa das obras do porto de Lisboa se desligara com magua do sr. Aguiar e do sr. Lopo Vaz, via-se obrigado á apresentar e fazer votar apressadamente uma nova proposta do lei. (Apoiados.)
Pois pergunta-se porque é que mudou de opinião o partido progressista, que aliás declarara aberta esta questão, e não ao pergunta ao partido regenerador, porque, tendo feito sair do governo o sr. Aguiar e o sr. Lopo Vaz, poucos mezes depois reconsiderou na questão, e insistiu em julho com sessões nocturnas n'esta camara e na camara dos dignos pares para fazer passar áquella proposta? (Apoiados.)
Por isso tenho direito a dizer com alguma rasão, que o illustre deputado, se póde tomar esta attitude porque não está filiado em nenhum partido, mais ataca a opposição regeneradora do que ao governo. A sua accusação é uma espada de dois gumes, que n'este caso fere mais esse lado da camara do quo este. (Apoiados.)
Porque é que o sr. Fontes se viu obrigado a reconsiderar? Foi porque o sr. Aguiar saiu do governo, e honra lhe seja feita - e eu folgo de prestar homenagem ao sr. Aguiar, homenagem que já lhe prestei mais de uma vez-não ficou quieto; veiu para fóra fazer propaganda. (Apoiados.)
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Foi á associação commercial e a outras associações e fez uma tal propaganda, secundado pela imprensa, que creou uma corrente de opinião publica em Lisboa deforma, que o sr. Fontes se viu obrigado a ceder a essa corrente. (Apoiados.)
Ora esta corrente de opinião impunha fatalmente ao partido progressista a obrigação de cumprir e executar esta auctorisação; e esta obrigação era tanto mais imperiosa para o governo, quanto elle a encontrava já em começo de execução, porque estava já aberto o concurso para os projectos. (Muitos apoiados.)
Portanto o governo não podia, sem faltar aos mais graves interesses publicos, deixar de continuar na execução d'esta lei. (Muitos apoiados.)
Mas, diz o illustre deputado, a obrigação do governo, ainda que quizesse levar por diante os melhoramentos do porto de Lisboa, era não executar a lei de 16 de julho de 1885, que auctorisou 10.800:000$000 réis para as obras da primeira secção entre Santa Apolonia e Alcantara, e vir á camara com uma nova proposta de lei para obras mais modestas, e em que se gastassem unicamente 3.000:000$000, 4.000:000$000, ou 5.000:000$000 réis.
Direi, desde já, que umas obras não são caras ou baratas só pelo que custam.
Uma obra de 3.000:000$000 réis pôde ser muito mais cara, que uma obra de 10.800:000$000 réis. O que importa considerar é a relação entre o custo das obras e a importancia e a utilidade d'ellas.
Dadas a extensa linha da margem acostavel, que tem a cidade de Lisboa, e as necessidades do seu commercio, o que haveria de mais caro seria adoptar algum dos projectos, que se apresentaram dentro d'aquellas verbas mais modestas.
Assim, por exemplo, foi distribuido á ultima hora um projecto orçado em cerca de 4.000:000$000 réis; mas esse projecto deixava a maxima parte das linhas de caes a 2 metros só de profundidade de agua, isto quando justamente se julgava indispensavel uma profundidade minima de 8m,5. Evidentemente, um tal projecto seria mais caro do que outro de maior preço, mas satisfazendo a esta exigencia. (Apoiados.)
Não é um argumento novo que estou produzindo; é apenas a reproducção de um argumento, já aqui apresentado pelo sr. Pereira dos Santos, em resposta á mesma arguição feita em 1885 pelo sr. Dias Ferreira.
Independentemente d'isto, o governo progressista podia acaso vir ás camaras, sem graves inconvenientes, pedir a modificação da lei de 16 de julho de 1885 nos termos em que queria o illustre deputado? Não podia.
O governo progressista tomou conta do poder em fins de fevereiro de 1886; o resto da sessão de 1886 foi occupada, como a camara sabe, com os projectos necessarios á vida constitucional do governo. Nem outros projectos podiam ser apresentados á camara, por isso que o accordo, que n'estes termos ás vezes se effectua entre um governo, que entra, e uma maioria hostil, não póde decorosamente para ambas as partes abranger mais do que as propostas e lei estrictamente necessarias para o novo ministerio poder viver n'esse pedido transitorio, e preparar para si uma situação politica normal.
A maioria, que era politicamente hostil ao ministerio, concordou em não negar ao governo os meios constitucionaes de que elle precisava para viver; mas o governo não podia ir mais longe sem quebrar esse accordo, que dignamente fôra feito entre esse lado da camara e o governo. A camara votou o que o governo julgava indispensavel para viver, mas nada mais lhe podia ser pedido.
E se o governo progressista não podia, na sessão de 1886, apresentar a tal proposta nova-ahi teriamos já um anno perdido. Na sessão de 1887 sabia toda a gente, e não o ignorava o partido regenerador, que a abertura da sessão seria provavelmente o preludio da dissolução proxima, como effectivamente succedeu. A camara foi dissolvida logo. No principio de 1887 fizeram-se as eleições. Reuniram-se as côrtes mais tarde. Por consequencia dois annos perdidos.
No estado em que, relativamente a este assumpto, se achava a corrente da opinião, que se tinha creado em Lisboa, e que já em 1885, no tempo do governo regenerador, se tinha pronunciado por tal fórma, que obrigára o sr. Fontes a reconsiderar sobre os motivos da demissão do sr. Aguiar e do sr. Lopo Vaz, podia o partido progressista esperar dois annos para apresentar uma nova proposta? (Apoiados.) E durante esse tempo em que ficava a execução da lei de 16 de julho de 1885? (Apoiados.) Evidentemente, não podia esperar, nem podia deixar sem execução essa lei durante tão largo espaço. (Apoiados.)
Esta questão foi uma das primeiras, sobre que teve de exercer-se a acção do governo. Logo nos primeiros dias que se seguiram á subida d'elle ao poder, a associação commercial foi a casa do sr. presidente do conselho e á minha pedir-nos instantemente a execução da lei de 16 de julho de 1885. Se o governo tivesse dado uma resposta dilatoria teria levantado reluctancias, que desde logo enfraqueceriam a sua acção politica, e que por fim o obrigariam a ceder, como obrigado foi a ceder o sr. Fontes. O governo não devia proceder de outra fórma, nem podia proceder, ainda que quizesse. Pela força das cousas, a auctorisação da lei tinha-se convertido, para qualquer governo que fosse, n'uma obrigação indeclinavel.
O ministerio progressista encontrou a lei em começo de execução, e nos termos em que estava este assumpto, e nas circumstancias politicas que se davam, era absolutamente impossivel propor a revogação d'essa lei, e por consequencia não lhe restava senão cumpril-a, e cumpril-a integralmente em todos os seus termos. (Apoiados.)
Vou agora entrar n'outro ponto importante do discurso do illustre deputado, e permitta-me s. exa. que eu n'esta parte altere um pouco a ordem e sequencia das suas idéas para approximar melhor os factos, que servem á minha demonstração.
Estes factos, que estou explicando á camara e me parece que ella achará completamente satisfactorios, (Apoiados.) servem para o illustre deputado ver que o partido progressista não era só movido como s. exa. affirmou, pela pressa de fazer obras espectaculosas e despendiosas... e s. exa. no fim do seu discurso apresentou, para corroborar essa pressa e talvez envenenar as origens d'ella, dois exemplos de certa importancia que eu vou explicar á camara, dissipando, como espero, no espirito do illustre deputado quaesquer preocupações que a tal respeito possa ter.
É uma questão de datas. O illustre deputado notou que fossem tão apressadas, que fossem tão proximas as datas das differentes consultas e da approvação do concurso, e sobretudo que fossem do mesmo dia a data da consulta da junta, e a da famosa portaria de 6 de agosto, que com ella se conformou. E perguntava s. exa., como é que se explica esta pressa de eu ter assignado a portaria no mesmo dia, em que foi apresentada a consulta da junta consultiva de obras publicas e minas?
Eu vou explicar este grave caso da proximidade das datas com os artigos do decreto do concurso, que lhe dizem respeito.
Vamos ao primeiro ponto. O concurso realisou-se a 26 de março de 1887. Por tal signal que era um sabbado; e ainda de outra circumstancia me lembro: e foi o ter chegado n'esse dia a Lisboa a senhora infanta D. Antonia, motivo por que tive de acompanhar El-Rei ao entroncamento, não assistindo ao concurso. Do resultado do concurso só tive conhecimento á noite, pelas noticias des jornaes.
No domingo não se podia fazer nada. Em 28 de março, segunda feira, foi nomeada a commissão para examinar o processo do concurso e nomeou-se uma commissão especial para isso.
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N'esse mesmo dia 28 foi officio aos membros da commissão; a commissão reuniu-se, estudou o processo do concurso e deu parecer em 5 de abril. N'esse mesmo dia foi remettido á junta consultiva; e em 6 de abril deu a junta consultiva o seu parecer. Em 6 de abril foi remettido á procuradoria geral da corôa e foi devolvido em 9 de abril; e n'esse mesmo dia o governo resolveu fazer a adjudicação, e n'esse sentido foi lavrado o despacho.
Vejam que pressas! Diz o illustre deputado. Vejam como estas datas se atropelam! O governo estava soffrego e ancioso por decidir o resolver o assumpto.
Ora, em primeiro logar, eu podia esquivar-me a estas apparencias de pressa, e de atropelo de datas por uma rasão: porque não havia lei alguma que me obrigasse a nomear a commissão especial para examinar o processo do concurso, (Apoiados.) e a mandal-o á procuradoria geral da corôa. E podia até dispensar-me de ouvir a junta consultiva de obras publicas. (Apoiados.) E assim poderia gastar esses dias todos fingindo que estava em casa estudando maduramente o assumpto, sem pressas. (Muitos apoiados.)
Diz o illustre deputado: para que foi isto assim atropelado?
Queira o illustre deputado ler o programma do concurso, e encontrará (a pag. 281, do 1.° volume dos documentos do inquerito parlamentar) o artigo 15.°, que diz e seguinte:
«Artigo 15.° Preenchidas todas as formalidades prescriptas nas instrucções de 19 de março de 1881, se lavrará termo especial da abertura das propostas para a empreitada, e todo o processo subirá ao governo, que sobre elle resolverá dentro de quatorze dias.»
Por consequencia, resolvi n'aquelle praso, porque tinha obrigação de o fazer. (Muitos apoiados.)
O dia 9 de abril era o ultimo dia util, que tinha para resolver. (Muitos apoiados.)
Estabeleceu-se aquelle praso, porque, desde que se impunha aos concorrentes, que eu não sabia quem seriam, nem quantos seriam, entre outras condições onerosissimas, o deposito de 540:000$000 réis, não era justo, nem equitativo, nem decente, que o governo demorasse indefinidamente a sua resolução, ou a protelasse por largo espaço, ficando presos os depositos durante esse tempo, e os concorrentes á espera. (Apoiados.)
Julgou-se que quatorze dias eram bastantes; e, durante esses quatorze dias, procurei ouvir a opinião de todas as estações, que podiam elucidar-me, e que aliás eu não era obrigado a consultar. (Apoiados.)
Quem assim procede, mostra que tem o proposito de bem se esclarecer, e o sincero desejo de acertar. (Muitos apoiados.)
Vamos agora á portaria de 6 de agosto.
O illustre deputado notou a coincidencia da data da portaria com a da consulta da junta, e n'estes confrontos podia s. exa. ter ido muito mais longe. Sou eu que vou offerecer a s. exa. alguns elementos para robustecer a sua argumentação.
A junta não assistia as consultas no mesmo dia em que delibera; de ordinario, o relator faz uma minuta de parecer, que leva á approvação da junta, porque não sabe se ella será alterada ou não, e a junta approva-a ou emenda-a. Essa minuta definitiva é enviada depois para a secretaria, que a passa a limpo e só na sessão seguinte é que a junta assigna.
Aqui tem s. exa. mais um argumento demonstrativo de pressa, porque a junta resolveu e assignou no mesmo dia.
Outro argumento vou dar a s. exa.
Vamos ao repertorio, com licença do sr. Baracho, que não sei se está presente. (Riso.) O dia 6 de agosto foi um sabbado, e a junta só tem reuniões ás segundas e quintas feiras; ora, se s. exa. tivesse consultado o repertorio, ter-me-ía perguntado: para que é que a junta reuniu a um sabbado sendo o dia de segunda feira o dia ordinario da sessão?!
Ainda mais. Quando as consultas são presentes ao ministro, elle põe o seu despacho; a consulta vae, com o despacho, para a repartição, onde se lavra a portaria respectiva, que, de ordinario, só n'um dia seguinte é levada á assignatura do ministro.
Aqui foi tudo de tropel! A junta deliberou n'um sabbado, n'esse mesmo dia assignou a consulta, que n'esse mesmo dia foi presente ao ministro, que n'esse mesmo dia despachou, e n'esse mesmo dia assignou a portaria. Como se vê, os factos são até muito mais frisantes, do que o sr. Dias Ferreira os expoz.
Vamos á sua explicação. Aqui temos o § unico do artigo 10.° do decreto de 22 de dezembro de 1886, sobre o concurso, que diz o seguinte:
«§ unico. Se passados trinta dias depois da apresentação do projecto por parte do empreiteiro não houver resolução alguma do governo, considera-se approvada para todos os effeitos a parte d'esse projecto que se tornar indispensavel para começar a execução das obras, segundo a ordem dos trabalhos fixada nas condições.»
Quer dizer: apresentado o projecto, se dentro de trinta dias não houvesse qualquer resolução por parte do governo, considerava-se esse projecto approvado e podiam começar as obras; e comprehende-se perfeitamente que, estando, como estão, estas obras por assim dizer, encadeadas, a parte d'ellas, por onde se começasse, podia influir em todas as outras, e esta approvação parcial podia assim converter-se em approvação total.
Vamos a examinar os documentos:
Quando entrou o projecto apresentado pelo empreiteiro no ministerio das obras publicas?
O respectivo officio tem data de 25 do junho, de Paris, e entrou na minha secretaria a 8 de julho. Contemos pelos dedos: de 8 de julho a 6 de agosto vão vinte e nove dias, e esses dias foram gastos em consultar a commissão especial e a direcção das obras do porto de Lisboa, que eu não tinha obrigação de consultar, e a ouvir a junta consultiva de obras publicas e minas, a qual deu o seu parecer no ultimo dia, aproveitando todo o tempo util para estudar o assumpto.
D'onde se conclue, que se eu não tivesse assignado a portaria em 6 de agosto, que foi um sabbado, teria ficado approvado ipso facto o projecto apresentado pelo empreiteiro. (Apoiados.)
Querem ver o que era o projecto apresentado pelo empreiteiro?
Tenham v. exas. o incommodo de ler o documento, que se encontra a paginas 342, onde diz a junta:
«Alem das modificações propostas no desenho n.° l, o empreiteiro apresenta outras no desenho n.° 2 que importam uma profunda alteração no plano geral que serviu de base ao concurso approvado pelo governo, sem vantagens para o serviço futuro. Entende a commissão que não são admissiveis, e pela mesma rasão rejeita as modificações apresentadas no desenho n.° 3.»
O empreiteiro propunha alterações fundamentaes, importantissimas, ao projecto approvado, e essas modificações ficariam approvadas, se o governo não resolvesse dentro d'aquelle praso. Ora veja a camara como se escreve a historia!
Eu tenho sido accusado de ter, pela portaria de 6 de agosto, concedido importantes modificações ao empreiteiro; quando se prova por este facto que, precisamente a pressa na assignatura d'essa portaria teve por fim evitar, que ficassem approvadas as importantes modificações pedidas, e que a junta e o governo rejeitaram! (Muitos apoiados.)
Aqui tem o illustre deputado a rasão por que se reuniu a junta em sessões extraordinarias; porque se reuniu no sabbado, e já se tinha reunido nos dias anteriores: foi para aproveitar em estudo até ao ultimo dia util do praso
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de trinta dias marcado no § unico do artigo 10.° do decreto do concurso. Se tivesse havido proposito malicioso, nem haveria tantos estudos, nem tanto cuidado em aproveitar todo o tempo disponivel. (Apoiados.)
Por isso, no mesmo dia approvou a minuta, a mandou passar a limpo, e a assignou.
Por isso, no mesmo dia dei o despacho - conformo-me - e assignei a portaria.
Era o ultimo dia que o governo tinha para garantir os interesses do estado, visto que, ficando esse acto para o dia seguinte, o empreiteiro tinha direito a declarar, que já não podiam ser negadas as importantes alterações pedidas.
Aqui tem a camara qual foi a minha responsabilidade: conformar-me com um parecer, que recusava approvação ás importantes alterações propostas ao plano geral, e assignar a portaria no ultimo dia util, que tinha, para tornar valida essa recusa. (Muitos apoiados.)
Esta simples palavra conforme-me tem sido o meu calvario!
Tem sido o calvario do ministro das obras publicas n'esta questão technica o ter-se conformado com o parecer das estações technicas!
Ora a propria coincidencia das datas demonstra que eu estou isento de qualquer responsabilidade de apreciação individual; porque, se a junta deu a consulta no dia 6, e n'esse mesmo dia lavrei o despacho e assignei a portaria, evidentemente nem tempo tive para ler a consulta. Assignei, por assim dizer, de cruz, conformando-me, pela confiança que qualquer ministro é obrigado a ter nas estações officiaes, quando dão parecer sobre assumptos technicos. (Apoiados.)
Assignei sem ler, e sem ter tempo de ler. E ainda que quizesse ler, seria o assumpto mais escuro para mim do que se fosse grego; porque eu não sou engenheiro, nem tenho competencia technica para saber de alvenarias, muros, fundações, e outras especialidades, como a não tinham os srs. Thomás Ribeiro, o sr. Hintze Ribeiro, o sr. Cardoso Avelino, e outros, que antes de mim dirigiram a pasta das obras publicas, e que não podiam proceder de modo differente do que eu procedi.
Não quero n'este momento alargar-me em mais Considerações sobre a famosa portaria de 6 de agosto; quero manter-me restrictamente n'este ponto da coincidencia das datas, porque naturalmente a questão da portaria terá de ser mais largamente esplanada por algum sr. deputado d'esse lado da camara.
Parece-me ter mostrado quanto foi correcto o meu procedimento concordando com a junta, concordancia que era precisa para salvaguardar os interesses do estado, e não se darem como approvadas as modificações profundissimas que se propunham. (Apoiados.)
A segunda das responsabilidades, que o illustre deputado attribuiu ao governo, foi o abrir concurso para as obras sem se haverem completado os necessarios estudos preparatorios.
N'essa parte podia deixar de responder ao illustre deputado e pedir ao sr. Pereira dos Santos que lhe respondesse; porque o sr. Dias Ferreira já em 1885 apresentou igual accusação; e a quem foi que s. exa. accusou? Foi áquelle lado da camara; foi ao partido regenerador. (Apoiados.)
O illustre deputado queixára-se então de que se tratasse de obras d'aquella importancia, sem só fazerem os estudos necessarios; increpou o sr. Fontes por isso, por se ir metter em obras grandiosas, sem estudos feitos. E os documentos que o illustre deputado agora leu durante o seu discurso são anteriores á lei de 1885; por consequencia são da responsabilidade e do tempo do partido regenerador.
O que escreveram no seu relatorio os srs. Hintze e Antonio Augusto de Aguiar? Escreveram que havia estudos de mais. O sr. Pereira dos Santos proferiu um discurso nos mesmos termos, e o sr. Fontes disse o mesmo em resposta ao sr. Barros Gomes; disse que eram minuciosos e completos os estudos que havia sobre o assumpto.
E disse bem. Nenhum assumpto em Portugal tem sido estudado como este das obras do porto de Lisboa; e, se ainda ha falta de estudos, é porque a engenheria não póde ir mais alem.
Eu não pretendo liquidar as minhas responsabilidades com o procedimento do partido regenerador; mas a verdade é que a esse tempo dizia o sr. Fontes que só faltava fazer dez ou doze sondagens, trabalho para poucos dias; isto dizia o sr. Fontes em resposta ao sr. Manuel Vaz.
Os estudos posteriormente feitos pelos concorrentes foram minuciosos, principalmente os que foram realisados pelo grupo nacional. Os estudos feitos pelo sr. João Chrysostomo sobre esses projectos tambem foram importantes; e alem d'isso houve o estudo da direcção das obras do porto de Lisboa, o estudo da commissão especial e por ultimo os estudos e os pareceres definitivos da junta consultiva de obras publicas.
Ora se aos estudos já feitos em 1885, e que se reputavam mais que suficientes, se acrescentaram ainda estes, não vejo rasão plausivel para o illustre deputado affirmar que se deu principio ás obras sem haver os estudos necessarios. A ser assim, estariamos no caso d'aquelle poeta da anedocta, que andava com a peça de panno ás costas, não fazendo as calças até ver em que paravam as modas. (Riso.)
E n'esta parte, quanto aos estudos, eu até contava com o apoio do sr. Dias Ferreira; porque quando s. exa. tratou d'este assumpto, disse que daria o seu voto a um projecto que estivesse bem estudado pelos homens competentes e que merecesse a approvação dos corpos technicos officiaes. São as proprias palavras proferidas pelo sr. Dias Ferreira na sessão de 2 de julho de 1885, e que eu vou ler na integra:
«Eu, porém, não sou competente para determinar as obras indispensaveis para o melhoramento do porto de Lisboa. O plano de obras, pois, a que eu darei o meu voto, será áquelle em que assentarem os corpos technicos officiaes, depois de terem examinado todos os projectos apresentados sobre este gravissimo assumpto, e depois de terem procedido aos estudos e exames necessarios para poderem proferir um voto decisivo e definitivo com perfeito conhecimento de causa.»
Ainda mais: n'esse discurso o sr. Dias Ferreira recommendava que se ouvisse a opinião do sr. Adolpho Loureiro, dizendo o seguinte:
«Vou agora ler á camara as considerações feitas na associação dos engenheiros civis, pelo distincto engenheiro o sr. Adolpho Loureiro, cuja opinião é muito attendivel, porque este cavalheiro, tendo viajado muito pela Europa e pela Asia, deu noticia á associação dos engenheiros civis do que tinha visto n'este genero de obras hydraulicas, tanto n'uma como n'outra parte do mundo.
«O seu parecer é imparcialissimo porque contou o que viu e o que presenciou, sem revelar paixão por estes ou por aquelles melhoramentos.»
Que fiz eu? Chamei previamente o sr. Adolpho Loureiro como engenheiro consultor dos estudos, a que se procedia, e por ultimo encarreguei-o de collaborar com o sr. Matos na elaboração do projecto definitivo.
O sr. Loureiro fôra-me recommendado pelo sr. Dias Ferreira. Recommendação official, entenda-se. E que fosse recommendação particular, nada haveria a esconder, porque ella seria tão honrosa para o recommendante como para o recommendado. (Apoiados.}
O sr. Matos fôra-me recommendado de igual fórma pelo sr. Fontes, que na camara dos pares lhe chamou seu amigo. E merecer esse titulo, acompanhado de palavras de louvor proferidas por um homem como o sr. Fontes, era uma carta de recommendação de valor incontestavel, e que esse lado da camara por certo não contestará. (Apoiados.)
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Eu procurei esclarecer-me com a discussão parlamentar que houve em 1885, e vi que um dos discursos mais importantes, que se proferiram, foi do sr. Dias Ferreira. Tratei, por isso, de seguir as suas indicações á risca. E vem o illustre deputado censurar-me agora porque eu fiz exacta mente o quo s. exa. queria que se fizesse! (Apoiados.)
O illustre deputado queria que os homens competentes estudassem bem o assumpto, porque entendia que elle não estava ainda bem estudado; e um dos homens que o illustre deputado apontava como tendo maior competencia, e com rasão, era o sr. Adolpho Loureiro.
O illustre deputado lembrava, e muito bem, que este engenheiro era muito distincto, muito considerado e um dos primeiros do paiz; que fôra em commissão do governo estudar os principaes portos da Europa; que fôra estudar o porto de Macau, e que por tanto tinha a pratica do estudo. E eu chamei o sr. Adolpho Loureiro! (Apoiados.)
O illustre deputado queria alem d'isso que o projecto tivesse a approvação dos corpos technicos officiaes. E eu não fiz outra cousa senão conformar-me com o parecer d'essas estações. (Apoiados.)
Pois não foi isto assim?!
Quem elaborou o projecto, que serviu de base ao concurso?! Foi o sr. Matos, apresentado como amigo do sr. Fontes e engenheiro distinctissimo, e o sr. Adolpho Loureiro, tambem engenheiro distinctissimo, recommendado pelo sr. Dias Ferreira para fazer o projecto. Parece-me que da minha parte não podia haver prova mais evidente do meu desejo de acertar, e de merecer os applausos da opposição! (Apoiados.)
O illustre deputado disse que havia de dar o seu voto sobre um projecto elaborado por homens competentes e em que assentassem os corpos technicos officiaes. Parece-me que s. exa. não póde accusar o governo de ter feito o projecto sem estudos, porque exactamente o projecto que mandei executar foi, não só approvado pelos corpos technicos, mas feito directamente por elles, porque o sr. Matos, em collaboração com o sr. Loureiro, trabalhou como relator da junta.
Reclamo, portanto, o cumprimento da sua promessa S. exa. declarou que daria o seu voto a um projecto n'estas condições, e não póde contestar, pelos documentos publicados, que esse projecto mereceu a approvação dos corpos technicos; por consequencia merece o voto do illustre deputado. (Apoiados.)
Este projecto foi elaborado por um engenheiro recommendado por s. exa., o sr. Adolpho Loureiro e, tendo merecido a approvação dos corpos technicos, merece por isso o voto do illustre deputado. Portanto, está precisamente nas condições que s. exa. queria para poder merecer a sua approvação. Não é o sr. Dias Ferreira, que póde accusar-me. (Apoiados.)
O sr. Dias Ferreira: - Peço a palavra.
O Orador: - Creio que n'esta invocação das palavras do illustre deputado nada disse que podesse melindral-o; (Apoiados.) e se houvesse, retiraria qualquer cousa que o significasse.
Como prova da outra grave responsabilidade, em que o governo incorreu, citou o illustre deputado a declaração dos srs. Matos e Loureiro, a pag 272, a respeito das modificações, que as obras do porto podem effectuar no regimem das aguas do rio.
Vejamos o que dizem os srs. Matos e Loureiro a paginas 272.
O illustre deputado quer que se deixe intacta a sua querida barra de Lisboa. Eu n'isso o acompanho.
Deus me livre de que rasoavelmente podesse allegar-se que as obras do porto de Lisboa irão damnificar a barra, que é o primeiro elemento commercial da cidade de Lisboa. (Apoiados.)
Eu sei que ainda hoje ha engenheiros hydrographos, que dizem que as obras vão prejudicar a barra. Tenho até lido nas gazetas opiniões muito conspicuas, que dizem que os aterros, que se mandam fazer, são prejudiciaes á barra, e que a agua, que os vae lambendo, arrasta em suspensão uma porção de terra, que entulha as entradas da barra. E não se lembram esses, de que uma cheia de agua dos montes, que dure vinte e quatro horas, leva pela barra fóra mil vezes mais terra do que toda a que póde ser arrastada dos aterros das obras, ainda que fossem levados por inteiro! A nossa natural propensão para as opiniões terroristas leva ás vezes aos maiores absurdos.
Mas o que diziam o sr. Matos e o sr. Loureiro? Aqui está:
«Sendo de 4,5 milhas a maior velocidade das aguas na vasante á superficie seria esta augmentada proporcionalmente pelo avançamento dos caes, e attingiria 4,64 milhas, velocidade que pouco faria variar as condições de navegação do rio.
«Se, porém, se attender a que a velocidade maxima actual não é uniforme em toda a largura do rio, sendo mesmo invertida junto ás margens formando revessas, e a que a linha do cães exterior tenderá a uniformisar a velocidade das aguas, fazendo desapparecer ou reduzindo a das correntes irregulares, revessas, ou estoques de agua, que são os accidentes que mais prejudicam a marcha ou estacionamento dos navios, póde concluir-se que as condições do regimen do rio, no que respeita ás condições de navegação e fundeadouro, não serão sensivelmente prejudicadas sendo mesmo possivel que sejam melhoradas.»
O que ha n'isto de ameaçador?! Bem ao contrario, a opinião dos dois illustres engenheiros é, tanto quanto possivel favoravel.
São tudo probabilidades; é certo. Mas é que não ha nada mais difficil do que fazer previsões seguras sobre trabalhos hydraulicos.
A Inglaterra, apesar de possuir engenheiros de primeira ordem, tem alguns dos seus portos completamente inutilisados, porque, não obstante os estudos que se fizeram, nunca poderam determinar com rigor e precisão as correntes das aguas e os movimentos das areias. Acontecerá o mesmo em relação ao nosso Tejo?
Todas as previsões, todos os estudos e todas as probabilidades, á vista dos trabalhos scientificos, dizem que não; mas o que é certo, é que o engenheiro que affirmasse de um modo positivo que tal não succederia, mereceria o nome de pedante; porque não se pôde affirmar com segurança um facto d'estes, que está dependente de muitas causas inapreciaveis ou inapreciadas, e até de muitos accidentes de momento.
As correntes dos rios estão sujeitas a causas tão diversas e complicadas, que é um impossivel poder determinar-se com rigor o que ellas poderão produzir. São tudo probabilidades e nada mais.
Para o illustre deputado ver como são incertas, perigosas e sujeitas a accidentes as obras hydraulicas, vou dar á camara umas informações, que realmente não a deixarão muito consolada; uma diz respeito ao porto de Leixões, e outra ao porto artificial de Ponta Delgada.
Quando se resolveu a construcção do porto de Leixões, fizeram-se os competentes estudos por parte da engenheria hydraulica sobre a fórma, por que o molhe devia ser construido, offerecendo a melhor solidez, a fim de satisfazer a todas as exigencias a que era destinada; e assentou-se que a fórma, por que actualmente está sendo feita a construcção, era a melhor e a que offerecia mais garantias de solidez. Pois foi-me ha poucos dias communicado que já ha mais de trezentos blocos de protecção partidos! E estamos no meio da obra.
Até onde chegará a força destruidora, que se exerce sobe esses blocos? Até onde alcançará a força de resistencia d'elles?!
Parece que este facto se não tem dado, em tão larga escala, em parte nenhuma do mundo; isto é, estar em
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construcção um porto artificial apenas ha tres ou quatro annos, e haver já mais de 300 blocos partidos pela acção do mar!
Em Ponta Delgada succedeu cousa peior.
Resolvida em tempo a construcção da doca de Ponta Delgada, procedeu-se aos estudos necessarios em obras d'esta importancia e fez-se o competente projecto, que foi approvado, como o mais conveniente e satisfazendo ao fim a que era destinado. Começaram se as obras, e durante quatro ou cinco annos tem-se sempre entendido que o systema finalmente adoptado tinha sido muito bom, porque os trabalhos correram, por ultimo, com muita regularidade, e a obra ia proseguindo n'um certo desenvolvimento sem accidentes em contrario.
O governo e a engenheria estavam muitos contentes.
Votou-se o anno passado uma lei para a prompta conclusão d'aquella doca. Abriu-se concurso, os concorrentes informaram-se das circumstancias em que as obras tinham sido feitas até áquella data, da sua duração, examinaram as obras detidamente e foram ao concurso.
Fez-se a adjudicação. E o que ha-de acontecer entre a adjudicação e a posse?
Exactamente n'esse periodo, o mar entendeu dever ter opinião contraria e caiu sobre o molhe, fendeu-o em tres pontos, abriu alem d'isso um grande rombo e atirou para a parte de dentro do molhe com 80:000 tonelladas de pedra! Isto tudo em poucas horas!! E o que até ali parecia seguro aos olhos dos proprios entendidos, veiu o mar demonstrar que valia de pouco; pois que se ámanhã o mar tiver uma furia como áquella, todo o molho póde desapparecer.
De maneira que é necessario tomar alguma providencia extraordinaria de protecção, para ver se ainda se poderá conservar o que escapou.
E o peior é que me vejo altamente embaraçado com este facto, porque o empreiteiro que queria tomar posse das obras e que não o póde fazer, em virtude do facto que acabo do narrar, diz agora que o governo tem de pagar-lhe perdas e damnos pelos prejuizos que soffre, não podendo tomar conta da obra no estado em que está, e pede que o indemnise pelo prejuizo que já tem no molhe, e por tudo o mais.
Aqui estão dois exemplos de quantos ao incertas todas as questões hydraulicas.
A força incommensuravel do mar, por isso mesmo que é incommensuravel, tem resistido e continuará resistindo a todos os rigores do calculo. Nos rios não ha tamanha incerteza e tamanho risco; todavia, está-se muito longe da segurança absoluta, porque ha factores desconhecidos, e multiplicos, que só não podem apreciar a priori, e que só podem ser estudados pelos seus effeitos.
O regimen das aguas do Tejo devo melhorar ou peiorar com as obras do porto?
Todas as probabilidades são de que ha de melhorar; mas não se póde dizer nada, com certeza absoluta, no risco de importar isso o fazer uma affirmação, que em nada abonaria o criterio e a sciencia de quem a fizesse. (Apoiados.)
Agora vamos ao concurso; e eu peço para este ponto a attenção da camara, da maioria e dos meus adversarios; de todos os que me ouvem.
Vou defender, menos a mim, do que ao sr. Fontes Pereira de Mello. E faço-o, com a plena consciencia de que faço uma obra de verdade e de justiça, e tambem como uma reparação a muitos aggravos, que, mau grado meu, tenha feito durante a sua vida áquelle eminente estadista.
Eu vou defender o seu procedimento, que aliás não foi o meu, mas que julgo necessario justificar plenamente, nas rasões, e nas circumstancias que o aconselharam ao sr. Fontes.
Quero accentuar bem o que se fez n'esta camara, com a annuencia de todos, com a consciencia de todos, com a adhesão de todos, ou pelo menos com o conhecimento de todos, a respeito da lei para as obras do porto de Lisboa, para que depois se veja quão injustas são as arguições, que se me fazem, sobre o modo como a executei!
O sr. Fontes, como era natural no seu animo, tendo vinculado o seu nome a muitos e importantes melhoramentos, desejava vinculal-o tambem a este das obras do porto de Lisboa, que seria o mais grandioso de todos, e digno remate do uma politica de fomento. N'esse intuito, assentiu a que em 1884 fosse apresentada a proposta de lei, que aqui trouxeram os srs. Hintze Ribeiro e Antonio Augusto do Aguiar, ministros da fazenda e das obras publicas no gabinete da sua presidencia.
Essa proposta do lei não chegou a ser discutida. Em 1885 tinham-se aggravado as circumstancias financeiras, e, por esse ou por outros motivos, o sr. Hintze Ribeiro oppoz-se á discussão da proposta, que pedia 10.000:000$000 réis para a realisação das obras. O sr. Fontes, bem a seu pezar, teve de acatar esta opposição, e de se resignar á saída do sr. Aguiar e do sr. Lopo Vaz, que por via d'isso deixaram de fazer parte do ministerio.
Mas o sr. Aguiar começou desde logo a fazer uma propaganda activissima em favor das obras do porto de Lisboa; e, tão efficaz foi ella, que o sr. Fontes se viu obrigado a prometter á associação commercial de Lisboa, e á associação industrial portugueza, que ainda na sessão legislativa de 1885 apresentaria ao parlamento uma nova proposta, mais viavel que a de 1884, compromettendo-se tambem a que ella seria convertida em lei n'esse anno.
Que fez depois d'isso o sr. Fontes?!
Apertado por um tal compromisso, e com sinceros desejos de o realisar, como sempre timbrava, mandou chamar o digno par, o sr. Mendonça Cortez, e incumbiu-o de ir por essa Europa fóra desencantar um empreiteiro de nomeada, que quizesse tomar a seu cargo as obras do porto de Lisboa. Effectuaram-se estas conferencias entre o sr. Fontes e o sr. Mendonça Cortez em abril de 1885.
O sr. Mendonça Cortez foi, e desencantou o sr. Hersent, cujo nome gosava de uma reputação universal, depois dos colossaes trabalhos do porto de Anvers, e ainda de outros, executados por áquelle distinctissimo constructor.
Os dois pozeram-se de accordo, como o entenderam conveniente, e por certo segundo as instrucções auctorisadas pelo sr. Fontes nas suas conferencias preliminares, e o sr. Mendonça Cortez apresentou ao sr. Fontes um projecto de contrato provisorio, que devia effectuar-se entre o governo portuguez e o sr. Hersent, para a construcção da primeira secção das obras do porto de Lisboa. Esse contrato veiu redigido em francez. O sr. Fontes traduziu-o na parte principal, modificou-o levemente em alguns pontos, e a traducção, assim modificada, do contrato provisorio negociado pelo sr. Cortez com o sr: Hersent, foi o que constituiu a proposta de 15 de junho de 1885, depois convertida na lei de 16 de julho do mesmo anno.
Note a camara, que todos estes factos constam dos documentos publicados. Nem ponho cousa alguma de minha invenção, nem faço referencias, que não possam immediatamente ser comprovadas de modo authentico. E até n'isso está a demonstração da perfeita lealdade e rectidão de intenções, com que o sr. Fontes procedeu. Porque o sr. Fontes não occultou cousa alguma d'estas: nem as suas conferencias preliminares com o sr. Cortez, nem a missão d'este em busca de um empreiteiro, nem o contrato provisório com o sr. Hersent. O sr. Fontes veiu á camara e contou tudo isto, e apresentou francamente o texto original francez, combinado com o sr. Hersent, c que lhe servira para modelar a sua proposta de lei.
Veja-se como estão mudados os tempos! (Muitos apoiados.)
Convem recordar estes factos, que estão documentados, que são de hontem, para se apreciar na devida conta a guerra de diffamação, que hoje se faz contra um ministro progressista com esses nomes do sr. Cortez e do sr. Her-
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sent, que foram chamados pelo chefe do gabinete regenerador e por elle glorificados. (Apoiados.)
Glorificados, sim! O sr. Fontes disse n'esta camara que o relatorio da proposta de lei de 1885 fôra escripto pela sua mão. Isto accentua ainda mais, sob o ponto de vista pessoal, as responsabilidades pelas palavras que se contéem n'esse documento. Vae ver a camara o que eram a esse tempo o sr. Cortez e o sr. Hersent, posteriormente tão denegridos!
Tenha a camara o incommodo de ler as seguintes palavras, escriptas pelo sr. Fontes, que se encontram a pag. 100 do 1.° volume dos documentos publicados pela commissão do inquerito:
Circumstancias que não vem para aqui referir, mas que são conhecidas de todos, impediram que esta obra monumental podesse ser discutida e votada, no principio da actual sessão legislativa, como fôra proposto na sessão anterior, visto que, sendo forçoso recorrer ao credito, e estando o preço dos nossos fundos em baixa muito accentuada, seria temeridade indesculpavel appellar para os capitães nacionaes e estrangeiros, em tão apurada situação dos mercados. O adiamento, pois, foi de vantagem incontestavel. O credito reanimou-se depois d'isso, e um cidadão benemerito, pondo o seu espirito illustrado e patriotico ao serviço de uma causa tão sympathica e util, póde entretanto obter de um aos primeiros engenheiros da Europa, nesta especialidade, um projecto de contrato que assegura, pelo caracter e competencia da pessoa, a execução conscienciosa dos trabalhos que se emprehenderem, e pela combinação das condições financeiras, a realisação de tal melhoramento, sem encargo para o thesouro, e sem novas exigencias aos contribuintes. Basta o simples enunciado d'esta proposição para justificar, para aconselhar mesmo, n'este momento um projecto que alguns mezes antes poderia trazer difficuldades e complicações.»
Aqui está: o sr. Mendonça Cortez foi declarado um cidadão benemerito, que pozera o seu espirito illustrado e patriotico ao serviço do bem publico, por ter ido desencantar o sr. Hersent, e ter feito com elle um contrato provisorio, que assegurava, pela parte technica e pelas combinações financeiras, a execução conscienciosa das obras!
O sr. Mendonça Cortez recebeu assim a maior distincção, que lhe podia ser conferida. Ser declarado cidadão benemérito, n'um documento emanado do poder executivo, e sanccionado pelo poder legislativo, é, a meus olhos, distincção honorifica muito mais subida do que gran-cruz da Torre e Espada. O nome do sr. Mendonça Cortez ficou escripto em letras de oiro nos registos nacionaes por ter negociado e conseguido aquelle bello resultado... E o meu nome é votado á execração publica, porque, tendo sido o sr. Hersent o unico concorrente, adjudiquei as obras a esse empreiteiro, cujo nome era, só por si, solida garantia da execução conscienciosa das mesmas obras!
Diga-se em boa verdade se já se viu iniquidade igual! (Muitos apoiados.) Só os contrasensos das paixões partidarias é que podem explicar esta radical inversão nas prospectivas de um mesmo assumpto, com tão pequeno intervallo de tempo. (Apoiados.)
Em 1885, o sr. Hersent era um engenheiro distinctissimo, e um empreiteiro consciencioso; e o sr. Cortez um cidadão benemerito por ter conseguido que elle se encarregasse das obras.
Em 1887 e 1888, o ministro das obras publicas é violentamente increpado, por que não poz fóra das obras o mesmo sr. Hersent!
Em 1885, estava a patria salva, porque o sr. Hersent se encarregava das obras e para isso fazia um contrato provisorio, sem concurso; em 1887 e 1888, a patria está immersa em profunda indignação, porque as obras foram adjudicadas ao sr. Hersent, em concurso publico aberto a todos!
Em 1885, davam-se graças aos deuses, porque um engenheiro de tão alta nomeada, se prestava a fazer as obras; em 1887 e 1888, accusa-se o ministro das obras publicas porque não annullou o concurso, a que concorreu o sr. Hersent, ou porque não rescindiu o contrato celebrado com esse perfido e maligno empreiteiro, e que as estações officiaes acharam regularissimo e perfeito!
Em 1885, tudo para assegurar a cooperação do sr. Hersent; em 1887 e 1888, tudo para nos vermos livres de tal peste!
Realmente, o sr. Fontes fez falta! (Muitos apoiados.)
Devo dizer, que estas negociações e contratos do sr. Fontes com o sr. Hersent foram motivo para acerbas criticas em 1885, das quaes é exemplo o discurso então proferido na camara dos dignos pares pelo sr. Vaz Preto. Mas o sr. Fontes encarou resolutamente a situação, arcou de frente com as difficuldades, e affirmou sem equivocos as suas idéas. O desejo e o proposito do sr. Fontes era entregar as obras ao sr. Hersent. E comprehendendo-se desde logo, sem necessidade de mais larga analyse, que o chamamento do sr. Hersent, nas condições em que foi feito, importava, pelo menos, esse compromisso moral, e que a feitura de uma lei, modelada por um contrato redigido por aquelle empreiteiro, havia de levar a esse resultado. (Apoiados.)
Mas o sr. Fontes, como digo, não occultou o seu pensamento. Pelo contrario. Honra lhe seja, que o apresentou muito ás claras. Eu vou ler á camara algumas declarações feitas n'esta casa pelo sr. Fontes.
O illustre estadista respondia ao sr. Marianno de Carvalho, que, pelo dizer de s. exa., tinha fallado com o coração nas mãos; e; não lhe querendo ficar atraz em gentileza, o sr. Fontes poz tambem o coração nas mãos para fallar. Devia de ser uma cousa muito interessante ver dois homens politicos de tamanha pujança, fallarem com o coração á mostra! (Riso.)
Eis o que o sr. Fontes dizia com o coração nas mãos:
«E como estamos hoje em maré de franqueza, e o illustre deputado faltou hoje com o coração nas mãos, peço licença para fazer o mesmo.
«Se a camara me pergunta o que julgo mais conveniente, abrir ou não concurso, digo que julgo preferivel fazer as obras sem concurso; mas eu conheço bastante o paiz para não vir á camara propor uma condição que havia de ser envenenada pelos meus adversarios, não digo pelo illustre deputado, apesar de não estar de accordo com o governo, mas por outros, no intuito de calumniarem os homens que se sentam n'estas cadeiras. (Apoiados.)
«Estou convencido de que era muito mais correcto e util dizer ao sr. Hersent, que é um dos primeiros engenheiros da Europa, experimentado em obras d'esta natureza, e, que não quer ver o seu credito abalado, que o governo portuguez só contrata nas condições favoraveis que constam do projecto.
«Estou mesmo persuadido de que, se não houver outro concorrente, ha de ser d'esta fórma que elle ha de acceitar a construcção.
«Todavia se eu procedesse assim e prescindisse de concurso, não faltariam calumnias, a que ninguem póde ser superior, e eu não estou disposto a ser envolvido por ellas.
«Aqui está a rasão do concurso.»
Isto é bem claro! O sr. Fontes julgava preferivel não abrir concurso e contratar directamente com o sr. Hersent ... com esse perfido e maligno Hersent, que eu depois nem em concurso devia admittir!
E o sr. Fontes só propunha o concurso, para não dar preza á calumnia.
E andou avisadamente. Se eu, com um concurso franco, não pude fugir ás mordeduras da calumnia, o sr. Fontes, sem o concurso, não poderia tambem evital-as, a despeito da differença das nossas estaturas politicas.
Aqui vem notar, que a phrase costume da terra, attribuida ao sr. Dias Ferreira, e que tem hoje curso nas nos-
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sãs discussões politicas, não é propriamente de s. exa. O illustre deputado deu-lhe talvez o sabor do plebeismo, que é proprio dos usos forenses; mas a originalidade da invocação não lhe pertence. O sr. Fontes tinha dito n'esse seu discurso, «mas eu conheço bastante o paiz.» Repare-se que não disse o partido progressista. Dizia que conhecia o paiz, como quem dizia que conhecia o costume da terra. E era só para fugir ao costume da terra, que propunha concurso, e não adjudicava directamente as obras do sr. Hersent.
E o sr. Fontes tinha rasão em pensar assim! Digo-o com a mesma franqueza, com que elle o disse, sem nenhum pensamento insidioso.
Em trabalhos de tamanha magnitude, um concurso, que tenha por base unica ou principal o custo das obras fica inteiramente á mercê dos especuladores, sem garantias solidas de segurança para a conscienciosa e perfeita execução das mesmas obras. Obras d'esta importancia não podem entregar-se ao acaso, que o mesmo é entregal-as ao primeiro, que appareça, recommendado unicamente pela bitola da licitação.
(Apartes da esquerda.)
Não concordam?! Mas eu estou a defender o sr. Fontes, que não queria o concurso, e não a mim, que, pela força das circumstancias, abri esse concurso nas condições mais amplas, e da mais perfeita igualdade possivel para todos os concorrentes! (Muitos apoiados.)
Não concordam?! Pois era isto o que em 1884 diziam n'esta camara os srs. Hintze Ribeiro e Antonio Augusto de Aguiar, com applauso da maioria regeneradora, nas seguintes palavras, que se encontram a pag. 84:
«O governo belga conseguiu inteiramente os seus fins com o seu bem estudado plano, e conseguiu até que não fossem protelar a execução da obra, apresentando-se ao concurso, especuladores incapazes de realisarem os trabalhos que elle pretendia fazer.»
O sr. Hintze Ribeiro, que é espirito santo para esse lado da camara (a esquerda) applaudia o plano do governo belga para as obras de Anvers, entre outras rasões, por ter virtualmente posto fóra do concurso os especuladores, incapazes de realisarem as obras, que nunca deixam de apparecer em taes circumstancias! (Apoiados.)
Se procurássemos bem, talvez achassemos alguns d'esses especuladores, no fundo d'essa guerra de diffamação, que se levantou lá fóra contra mim. (Muitos apoiados.)
E é mais um contraste das perspectivas politicas. Em 1884 e 1885, nada do concurso para os especuladores, e só para os empreiteiros conscienciosos, como o sr. Hersent; em 1887 e 1888, nada para os empreiteiros conscienciosos como o sr. Hersent, e tudo para os especuladores! (Muitos apoiados.)
Bem vê a camara, que eu só tenho a lastimar-me, por esta casa ser muito pequena para o numero de auditores, que eu desejava tivesse esta discussão. (Muitos apoiados.)
Voltemos, porém, ao sr. Fontes. O illustre estadista declarava, em resposta ao sr. Marianno de Carvalho, que julgava preferivel não abrir concurso para a adjudicação das obras, e que só propunha o concurso para fugir ao costume da terra. Mas que concurso era esse? É o sr. Fontes quem o vae dizer, sempre com o coração nas mãos. (Riso.)
Continuava dizendo o sr. Fontes em resposta ao sr. Marianno de Carvalho, na sessão do 10 de julho de 1885:
«Se o sr. Hersent acceitar o concurso, muito bem; far-se-ha o contrato de que se trata; se o não quizer acceitar, caem todos os calculos, todos os algarismos, toda a arithmetica, toda a algebra, mas não vem d'ahi inconvenientes para o paiz; perde-se apenas todo o tempo e ficâmos como estamos. De todos os inconvenientes, de todos os prejuizos que alguns srs. deputados têem apontado, restará, apenas um: é o de não se fazerem os melhoramentos do porto de Lisboa.»
O sr. Fontes, só para fugir ao costume da terra, propunha o concurso; mas era um concurso de tal modo que, se o sr. Hersent o não acceitasse, perdia-se o tempo e não se faziam os melhoramentos do porto de Lisboa!
Fiel ás suas idéas, que eram tambem as do sr. Hintze Ribeiro, de não deixar a porta aberta para os especuladores, o sr. Fontes propunha um concurso... em que só podia ser concorrente o sr. Hersent. (Muitos apoiados.)
E não temos só isto. Um dos pontos criticados na proposta de lei de 1885 foi o preço de 10$000 réis por metro quadrado, attribuido aos terrenos conquistados ao Tejo. Reputava-se esse preço muito alto, e portanto uma difficuldade para a acceitação d'essa base. O que dizia o sr. Fontes no mesmo discurso? Dizia o seguinte:
«Uma das condições vantajosas inquestionavelmente das mais vantajosas do contrato, é a obrigação do empreiteiro pagar a 10$000 réis cada metro quadrado de terreno conquistado ao Tejo.
«Eu tenho rasões para suppôr que o sr. Hersent se compromette a acceitar esta condição. Creio até que já o disse para Lisboa; mas se a não acceitar, caduca tudo.
«Eu parto do principio de que esta condição é acceita; discuto n'uma hypothese: se ella falhar, falha tudo.»
Sempre o ar. Hersent, e só o sr. Hersent. (Apoiados.)
Se o sr. Hersent não acceitar o concurso, perde-se o tempo e não se fazem os melhoramentos do porto de Lisboa; se o sr. Hersent não acceitar o preço de 10$000 réis por metro quadrado para os terrenos, caduca tudo e falha tudo.
Pois não é isto bem claro?! (Apoiados.) O sr. Fontes entendia, e muito bem, que era melhor não abrir concurso; mas, resignava-se a elle, só para transigir com o costume da terra. Todavia o concurso, que elle planeava, era um concurso em que só o sr. Hersent podia ser concorrente. Tudo falhava, tudo caducava, tudo se perdia, se elle faltasse. (Muitos apoiados.)
Não era só o sr. Fontes, que assim pensava. Quem ler attentamente a discussão parlamentar de 1885, vê, desde logo que, de um e outro lado da camara, se partiu sempre da hypothese de que, com concurso ou sem elle, as obras haviam de ser feitas pelo sr. Hersent. E, como já mostrei á camara, era esse um dos titulos de benevolencia dos auctores do plano da respectiva proposta de lei.
Quer a camara ouvir o que dizia um orador da maioria regeneradora, defendendo o projecto na mesma sessão de 10 de julho? Falla o sr. Almeida Pinheiro:
«Isto é evidente e não é necessario fazer milagres, mas simplesmente ter bom senso e mais nada. (Apoiados.)
«N'isto é que está a superioridade dos negociadores d'este contrato.
«O milagre é terem o bom senso de se dirigirem ao sr. Hersent, de entabolarem as negociações com elle, e de, aproveitando as vantagens que para elle resultam de se encarregar immediatamente de trabalhos d'esta natureza, imporem-lhe condições que outro qualquer não acceitaria, nem podia acceitar, (Apoiados.)
«O sr. Hersent acceita essas condições de bom grado porque tira proveito d'isso.»
Não ha nada mais claro. (Apoiados.) No contrato estipulavam-se condições, que só o sr. Hersent podia acceitar, e que, por conseguinte, excluiam do concurso quaesquer outros concorrentes; e esse facto era então elogiado, francamente, abertamente como testemunho da superioridade dos negociadores do contrato. (Apoiados.)
Isto era em 1885. Fazer um contrato com condições de preferencia decisiva para o sr. Hersent, era um titulo de benemerencia para os negociadores. Em 1887 o 1888 é uma fonte perenne de diffamação o adjudicar as obras ao sr. Hersent, em virtude de um concurso que se procurou tornar uma verdade, e não um simulacro, tanto quanto os termos da lei o permittiam. (Apoiados.)
Repito: defendo convictamente o sr. Fontes. E se ainda mais do que elle me desviei do que era convicção sua a respeito dos inconvenientes do concurso, foi porque, tam-
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bem ainda mais do que elle, precisava de prevenir-me contra os costumes da terra. Eu não tinha, como o sr. Fontes, a mesma força para resistir aos assaltos da calumnia, porque a minha personalidade politica era infinitamente mais apoucada que a sua, sobre todos nós gloriosa; porque eu começava agora como ministro, e elle tinha já um largo passado, de experiencias para si, e de auctoridade para todos.
Se o sr. Fontes, para fugir ao costume da terra, se resignou ao concurso, mas de modo que só o sr. Hersent podesse concorrer, eu, por maioria dos mesmos motivos, tive de resignar-me a um concurso franco e leal, e tanto quanto o podia ser, para todos os concorrentes. E isto sem deixar de concordar, que o concurso tinha perigos c inconvenientes graves. Mas fiz o concurso, franco e leal, como vou provar. (Apoiados.)
Quando o sr. Fontes apresentou ao parlamento a sua proposta de lei de 15 de junho de 1885, os ultimos estudos dos engenheiros portuguezes não faziam descer abaixo de 15:000$000 réis o custo das obras da primeira secção entre Santa Apolonia e Alcantara. E ainda depois d'isso, os estudos feitos não davam preço inferior a esse.
Um dos grandes serviços prestados pelo sr. Hersent foi este: foi o tornar viavel por 10.800:000$000 réis a realisação de obras, que, dentro do plano, sempre recommendado, da commissão de 1883, se julgava não poderem custar menos de 15.000:000$000 réis.
A experiencia do constructor economisou ao estado reis 4.200:000$000.
Nós temos engenheiros distinctissimos, e com orgulho podemos affirmar que, nos estudos das obras do porto de Lisboa, os trabalhos dos engenheiros portuguezes sobrelevaram a todos os outros. (Apoiados.) Mas uma cousa é delinear e planear, e outra cousa é construir e executar. (Apoiados.)
Para o primeiro caso, exige-se principalmente sciencia, e ninguem a tem mais subida que os nossos engenheiros; (Apoiados) no segundo caso, exige-se principalmente experiencia, e essa não a podiam ter os nossos engenheiros, porque nunca entre nós se construiram obras hydraulicas da importancia das do porto de Lisboa.
Um dos serviços prestados pelo sr. Hersent foi este effectivamente. E prova elle o acerto com que o sr. Fontes procedeu, mandando desencantar um empreiteiro idoneo que assegurasse a execução das obras em condições rasoaveis. Alcançou logo uma economia importante.
Desde que o sr. Fontes queria honrar o compromisso que tomara com a associação commercial, não tinha outro caminho a seguir. Louvores se lhe devem por isso. O que todavia não deve ser motivo para que a mim me dirijam censuras! (Apoiados.)
Note a camara, de relance, uma circumstancia. O custo das obras foi fixado em 10.800:000$000 réis ou 60.000:000 francos, pelo cambio normal.
Como deposito de garantia no concurso, fixou-se a somma de 540:000$000 réis ou 3.000:000 francos, pelo mesmo cambio.
Ahi tem a camara estas sommas, arredondadas segundo a moeda franceza, que era a do sr. Hersent, e, não segundo a moeda portugueza. Até n'esta minucia se prova a influencia directa do contrato provisorio feito com aquelle empreiteiro.
O sr. Pereira dos Santos: - V. exa. dá-me licença? Antes do sr. Hersent já os engenheiros portuguezes tinham calculado as obras da primeira secção em 10.800:000$000 réis. Não foi o sr. Hersent que as veiu fazer mais baratas. Os 15.000:000$000 réis da proposta de lei de 1884 eram para as obras todas das quatro secções.
O Orador: - Eu acceito a interrupção do illustre deputado; mas insisto em affirmar que os ultimos estudos dos engenheiros portuguezes não faziam descer o custo da primeira secção abaixo do 15.000:000$000 réis. Sabe até s. exa. que foi precisamente por essa rasão que os projectos dos engenheiros portuguezes não foram adoptados. Foi por excederem o custo de 10.800:000$000, réis que se inscrevera na lei. Não me detenho agora a adduzir as provas porque teria de demorar-me a folhear este grande volume, que tenho diante de mim, e deixo isso para outro dia. Em todo o caso a concordancia, que notei, d'aquellas quantias com o arredondamento em moeda franceza, é uma circumstancia que não tem grande interesse, e em que não vale a pena insistir.
Ia eu dizendo que um dos serviços prestados pelo sr. Hersent fôra o tornar viavel por 10.800:000$000 réis o projecto para a realisação das obras da primeira secção. Com essa base se devia abrir o concurso. Mas qual foi o caminho que o sr. Fontes se propoz seguir!! O sr. Fontes mandou abrir concurso para a elaboração do projecto definitivo; e o projecto, que fôra approvado, devia servir mais tarde para concurso de adjudicação das obras.
Vejamos a critica d'este plano feita pelas palavras insuspeitas do sou auctor. Respondendo na camara dos dignos pares ao sr. Vaz Preto, o sr. Fontes disse na sessão de 7 de julho de 1885:
«Todos sabem, que aquelle que fizer o projecto tem uma grande probabilidade de que a companhia, que elle organisar, tome conta da obra.»
Isto era perfeitamente exacto. O auctor do projecto proferido tinha uma incontestavel, uma enorme superioridade, no concurso da adjudicação. Mas então tiremos d'estas palavras as suas legitimas consequencias: o concurso para os projectos, ficando ao governo a liberdade de preferir o que julgasse conveniente, dava por isso mesma ao governo uma influencia decisiva, e antecipada, sobre o concurso da adjudicação. (Apoiados.)
Abria-se o concurso para os projectos; o governo escolhia segundo o seu arbitrio, só esclarecido pelas consultas das estações technicas, e em conformidade ou desconformidade com ellas. Em todo o caso, escolhia n'uma base latissima de apreciação, como era a que tinha de exercer se nas mil particularidades technicas ou financeiras, quo se podiam apresentar. Escolhido o projecto, com este quasi livre arbitrio, ficava determinado o adjudicatario do concurso final, porque aqui o disse o sr. Fontes: aquelle que fizesse o projecto teria uma grande superioridade sobre os outros concorrentes.
Se eu quizesse proteger o sr. Hersent, com exclusão de outros empreiteiros, não tinha mais nada a fazer do que seguir o caminho traçado pelo sr. Fontes, ou no primeiro concurso de projectos, que elle mandou abrir, ou em segundo concurso, que eu renovasse, escolhia para base do concurso de adjudicação o projecto do sr. Hersent. Era do meu arbitrio. Era das minhas faculdades. Feita essa escolha, o sr. Hersent teria mais essa enorme rasão de superioridade a excluir competidores, alem das outras, que já tinham sido consignadas na lei. (Apoiados.)
Isto seria facil, facilimo. E dimana de uma apreciação, que é tão auctorisada como insuspeita, porque provém do sr. Fontes. Se é verdade, como elle declarou na resposta ao sr. Vaz Preto, que o auctor do projecto teria grande vantagem no concurso final, o concurso do projecto, regulado só pelo livre arbitrio do governo, deixaria a este o meio efficaz, de determinar antecipadamente quem havia de ser o adjudicatario. (Apoiados.) E era, por certo, esta uma das rasões, pelas quaes o sr. Fontes declarava na camara dos senhores deputados, que se o sr. Hersent não fosse ao concurso e não acceitasse as condições do concurso, tudo falharia. Eu peço licença á camara para acrescentar aos textos, que já citei, mais as seguintes palavras do sr. Fontes, em resposta ao sr. Barros Gomes na sessão de 27 junho:
«Mas, se nada d'isso se fizer, se o sr. Hersent não quizer levar por diante essas obras acabam os escrupulos do illustre deputado, o projecto não tem seguimento, perdere-
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mos só o tempo que estamos gastando. Eu já estou suando, já o porto de Lisboa me deve alguma cousa, (Riso.) alem do que já me devia. Nada mais se pede. Mas se acaso o sr. Hersent, que é um engenheiro distincto, conhecido em toda a Europa, que tem feito os primeiros portos d'esta e de outras partes do mundo, que conhece o projecto das obras do nosso porto, fizer boas as propostas ou as indicações do sr. Cortez, estou convencido de que o projecto de que se trata será um dos mais vantajosos, mais uteis e mais baratos que se podiam apresentar.»
Sempre o sr. Hersent, e só o sr. Hersent! (Apoiados.) Se elle não quisesse fazer as obras, o projecto não teria seguimento; e perdia-se o tempo, e o suor, que escorria em bagas, pela fronte do illustre presidente do conselho. A combinação dos dois concursos era, por certo, um dos elementos determinativos d'este exclusivismo. (Apoiados.)
Ainda que só como incidente, não virá fóra do proposito notar, que n'estas palavras o sr. Fontes declarou que, por tal plano e com tal empreiteiro, o projecto seria um dos mais vantajosos, mais uteis e mais baratos. E mais barato; note bem a camara.
Isto era em 1885. Em 1887 e 1888 parece que as obras feitas dentro da base financeira d'esse plano, e contratadas com esse empreiteiro, se tornaram escadalosamente caras! Não menos de 2.500:000$000 réis se esbanjaram... no que o sr. Fontes já dizia ser muito barato. (Muitos apoiados.}
Bem se vê que o sr. Fontes faz falta. (Apoiados.)
Ainda outra observação, de passagem. Tenho ouvido fallar muito lá fora sobre o que deva entender-se por projecto definittivo. E parece que um dos meus crimes é ter approvado um projecto que não é definitivo, posto que como tal o mandasse elaborar, e como tal mo fosse apresentado pelas estações technicas officiaes.
Dizem esses, e talvez aqui haja quem lhes perfilhe a opinião, que um projecto, para ser definitivo, deve conter todos os esclarecimentos e todas as minucias da execução, sem lhe faltar uma só. Se alguma cousa for deixada á liberdade do executor, já o projecto não é definitivo. E a lei de 16 de julho de 1885 recommendou que fosse um projecto definitivo o que sirvisse de base ao concurso para as obras do porto de Lisboa.
Ora, o sr. Fontes mandou abrir concurso para os projectos, entre os quaes havia de escolher o que tinha de servir de base ao concurso. Mas os projectos, que appareceram no concurso, foram apresentados sem orçamentos porque estes não foram pedidos. O orçamento de um projecto será ou não um esclarecimento indispensavel para a apreciação d'esse projecto? O orçamento de um projecto será ou não uma parte do mesmo projecto, sem a qual elle não póde considerar-se como definitivo?
O sr. Fontes era pela negativa, visto que mandou abrir concurso do projectos definitivos, sem pedir orçamentos, que tambem os concorrentes não apresentaram. Para o sr. Fontes, a parte financeira dos projectos não era nem devia ser determinativa da sua parte technica. Porque seria isto? Talvez o sr. Pedro Victor possa dar alguns esclarecimentos sobre este caso, de se ter aberto concurso para projectos definitivos, sem se pedirem orçamentos. E appello para o sr. Pedro Victor, unicamente pelo facto de ter o illustre deputado feito parte da commissão, que presidiu a esse concurso de projectos definitivos, mandados fazer e recebidos sem orçamentos. (Apoiados.)
Isto succedeu em 1885. Em 1887 e 1888 já sabemos que as doutrinas são outras. (Muitos apoiados.)
Voltando ao ponto principal: se eu quizesse proteger o sr. Hersent, com desfavor para outros concorrentes, teria mandado abrir novo concurso de projectos, preferindo o que aquelle engenheiro apresentasse. Ou poderia ainda escolher o segundo dos projectos, apresentado como complemento do primeiro concurso por aquelle empreiteiro, e que estava dentro das bases financeiras Sá lei. Mas entendi que, para afastar quaes rasões de preferencia, que o sr. Fontes tinha claramente accentuado na sua resposta ao sr. Manuel Vaz, convinha que o projecto fosse feito pelos engenheiros do governo. (Apoiados.) Porque, não sendo o governo concorrente, deixaria de existir o facto allegado com verdade pelo sr. Fontes, de que o auctor do projecto teria no concurso manifesta superioridade sobre os outros. Por este modo, as condições seriam de perfeita igualdade para todos. (Muitos apoiados.)
E eis aqui está a rasão principal, por que não abri novo concurso de projectos, e por que mandei fazer um projecto pelos engenheiros do meu ministerio: foi para não dar a nenhum dos concorrentes a superioridade, que lhe resultaria de ser o auctor do projecto, que servisse de base ao concurso. (Muitos apoiados.) Foi para tornar o concurso uma verdade. (Muitos apoiados.) Foi para me precaver contra os calumniosos costumes da terra, com maiores cautelas ainda do que o sr. Fontes tivera de adoptar para si. (Apoiados.)
Tive ainda outras rasões para assim proceder. No concurso dos projectos, tinham sido julgados dignos de consideração os projectos apresentados pelo sr. Hersent, pelo sr. Reeves e pelo grupo nacional. Nos projectos do grupo nacional collaboraram, senão todos, alguns dos mais distinctos engenheiros portuguezes. Estão n'esta camara dois d'esses engenheiros: o sr. Espregueira e o sr. Fuschini. Ora esses projectos são, incontestavelmente, os de maior merecimento. São honra e gloria da engenheria portugueza. (Muitos apoiados.)
Ninguem estudou a questão mais minuciosamente do que os engenheiros portuguezes; ninguem apresentou soluções mais satisfactorias. (Apoiados.) E pena foi, que nenhum d'esses dois projectos se mantivesse na actorisação financeira da lei.
Mas se isto era uma rasão, para não se adoptar nenhum dos projectos, não o era, nem o podia ser nunca, para se desprezar a iniciativa, o estudo e o trabalho de quem tão galhardamente se apresentara a disputar primazias aos engenheiros estrangeiros. (Apoiados.) Pelo contrario. Não havia direito, visto que não havia motivo, para se fazer aos engenheiros portuguezes essa desconsideração, tanto mais affrontosa, quanto mais immerecida. (Muitos apoiados.)
Uma obra d'esta magnitude, paga com dinheiro portuguez, devia ser delineada e traçada por engenheiros portuguezes. (Apoiados.) Será um acrescimo de gloria para o paiz, que assim mostrou, que, se tem para taes obras os recursos materiaes, não lhe fallecem tambem para ellas os recursos da intelligencia. (Muitos apoiados.).
Eis as duas rasões, que tive, para não abrir segundo concurso de projectos, e para mandar fazer o projecto pelos engenheiros do ministerio das obras publicas. Quiz honrar a engenheria portugueza, como ella tinha direito; e quiz alem d'isso tornar o concurso franco, leal e igual para todos. (Apoiados.)
O sr. Fontes disse que precisava de tomar precauções contra o costume da terra, o maiores precauções precisava eu de tomar, por não ter a sua estatura politica. Sabia muito bem os interesses encontrados, que n'esta questão andavam em jogo, e sabia tambem, em parte já pela experiencia minha e alheia, quanto alguns dos interessados são pouco escrupulosos em recorrer á diffamação e á calumnia, quando as suas exigencias não são satisfeitas. (Apoiados.)
Sabia-o eu e sabia-o tambem o sr. presidente do conselho, que já então era sentinella vigilante, não dos seus collegas, mas d'esses flibusteiros da politica. (Apoiados.)
Sabia que havia de ter a diffamação e a calumnia em premio dos meus serviços, e não quiz desprezar nenhuma precaução para me acautelar contra esse assalto. Eu nomeei consultores auctorisados, eu nomeei commissões especiaes, eu ouvi sempre todas as estações que podiam esclarecer-me, para andar sempre bem acompanhado, para nada resolver por mim, como não resolvi. (Apoiados.)
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Quiz arredar de mim todas as suspeitas de predilecção por qualquer concorrente indigitado, não usando até das faculdades que o sr. Fontes me deixára. Cheguei a convencer-me de que tinha conseguido vencer o costume da terra. E o silencio do parlamento e da imprensa durante o anno de 1886 e quasi todo o anno de 1887, era ura motivo para esse convencimento. Infelizmente enganei-me. Mais que todas as precauções e cautelas póde entre nós o costume da terra e a guerra dos interesses abusivos, que tudo pretendem avassallar. (Muitos apoiados.)
O sr. Pedro Victor: - V. exa. dá-me licença?
Desde o momento em que v. exa. acabou de dizer que ao concurso feito ainda no tempo do sr. Fontes os engenheiros portuguezes concorreram de uma maneira tão brilhante e digna, que v. exa. não se cansou de lhe fazer elogios, v. exa. comprehende que indo estes engenheiros alem mesmo do que fez o sr. Hersent, v. exa. está assim justificando o procedimento do sr. Fontes.
O Orador: - Está enganado.
O sr. Pedro Victor: - O que se obtinha pelo projecto do sr. Fontes era que os engenheiros portuguezes apresentavam um projecto superior ao do sr. Hersent.
O Orador: - A observação do illustre deputado cáe pela base desde que estou declarando que os projectos dos engenheiros portuguezes eram de todos os melhores, mas que estavam fóra das bases financeiras da lei, (Muitos apoiados.)
Desde que os projectos dos engenheiros portuguezes não se podiam fazer por menos de 15.000:000$000 réis, não podiam ser adoptados. (Muitos apoiados.)
Quando eu tomei conta da pasta das obras publicas, já os projectos estavam na junta, a qual escolhera para seu relator o sr. João Chrysostomo. Este illustre engenheiro deu parecer, que a junta approvou, de que nenhum dos projectos podia ser adoptado, por excederem a base financeira dos 10.800:000$000 réis, auctorisada pela lei. E eu, como em tudo o mais que se seguiu, puz sobre essa consulta o despacho: conformo-me.
Porque eu torno a repetir: n'esta questão das obras do porto de Lisboa, os meus despachos foram sempre: conformo-me. (Muitos apoiados.) O eu mandar fazer o projecto por engenheiros portuguezes, foi a propria junta, que m'o indicou n'esta consulta, a que me estou referindo, o que constituia para mim uma terceira rasão, alem das que já expuz á camara.
O conformo-me foi a minha regra constante. A commissão de inquerito parlamentar reconhece, por unanimidade de votos, que os actos resolutivos do governo n'esta questão foram sempre conformes com as consultas das estações officiaes. Pois até d'esta conformidade, se quiz fazer para mim um calvario!
Mas continuemos na exposição dos factos. Resolvido que nenhum d'aquelles projectos podia ser adoptado para base do concurso por excederem a base financeira da lei, creei a direcção das obras do porto de Lisboa, por portaria de 28 de junho de 1886, e incumbi-a de elaborar o projecto para o concurso de adjudicação. Mas note a camara, que não mandei fazer um projecto a meu geito. Tive o cuidado de me cingir cuidadosamente aos termos da lei, e mandei que se fizesse um projecto definitivo, como ella ordenava. Eu peço licença á camara para ler essa portaria, que vem a pag. 244. Diz assim:
«Sua Magestade El-Rei, a quem foi presente o parecer da junta consultiva de obras e minas sobre os projectos para os melhoramentos do porto de Lisboa, apresentados em virtude do concurso aberto pela portaria de 24 de agosto de 1885;
«Considerando que, segundo o mesmo parecer, nenhum dos projectos apresentados satisfaz cabal e simultaneamente ás condições de construcção requeridas em obra de tal magnitude e ás bases financeiras que para ella foram auctorisadas, sendo, todavia, certo que, de tres d'esses projectos, podem tirar-se indicações proveitosas para a organisação de um projecto definitivo que concilie aquellas duas exigencias:
«Ha por bem, em vista d'estas considerações e da conveniencia de não se protrahir por mais tempo a realisação d'aquelles melhoramentos que interessam por igual á praça de Lisboa e ao commercio de todo o paiz, ordenar:
«l.° Que seja creada uma direcção especial das obras do porto de Lisboa;
«2.° Que essa direcção tenha a seu cargo organisar, com a maior brevidade possivel, o projecto definitivo para os melhoramentos a effectuar no mesmo porto, devendo seguir as indicações contidas no respectivo parecer da junta consultiva de obras publicas e minas e as demais que superiormente lhe forem dadas;
«3.° Que a mesma direcção continuará desde já nos trabalhos de sondagens e nos outros estudos preparatorios, que forem julgados convenientes para facilitar a execução dos melhoramentos projectados;
«4.° Que depois de adjudicada e começada a construcção das obras de melhoramentos do porto de Lisboa, seja a direcção creada pela presente portaria encarregada de fiscalisar e acompanhar a construcção, vigiando pela exacta observancia das condições estipuladas no contrato de adjudicação e recolhendo todos os subsidios e elementos de estudo, que aproveitem á sciencia do engenheiro;
«5.° Para cumprimento do disposto na segunda parte do numero antecedente, todos os estudos, trabalhos e investigações realisados pela direcção das obras do porto de Lisboa, serão planeados, dispostos e colleccionados de modo a servir de escola permanente tanto para as missões escolares, como para os engenheiros, que por auctorisação ou ordem superior a visitarem, devendo para isso a mesma direcção redigir mensalmente um relatorio desenvolvido e explicativo dos trabalhos effectuados durante o mez e processos empregados, com todas as notas e observações que sirvam para esclarecer o assumpto.
«O que se communica ao director geral das obras publicas e minas, para sua intelligencia e devida execução.
«Paço, em 28 de junho de 1886.== Emygdio Julio Navarro.
«Para o director geral das obras publicas e minas.»
Na mesma data expedi a seguinte portaria, que vem a pag. 245:
«Sua Magestade El-Rei ha por bem ordenar que o engenheiro director das obras do porto de Lisboa, na elaboração do projecto que lhe é incumbido pelo n.° 2.° da portaria d'esta data, ouça os pareceres dos engenheiros conselheiro João Chrysostomo de Abreu e Sousa e Adolpho Ferreira Loureiro, como consultores do mesmo projecto; advertindo que a linha do caes indicada nos projectos do grupo nacional ou do engenheiro Hersent só deverá ser recuada quando se torne absolutamente impossivel mantel-a nas condições technicas do projecto e bases financeiras para elle auctorisadas na lei de 16 de julho de 1885.
«O que se communica ao director geral de obras publicas e minas, para sua intelligencia e devida execução.
«Paço, em 28 de junho de l886.= Emygdio Julio Navarro.
«Para o director geral das obras publicas e minas.»
Veja a camara como os meus maleficios se accentuam!
No desejo de prejudicar os interesses publicos creei a direcção das obras do porto de Lisboa; nomeei para essa direcção um engenheiro muito distincto, o sr. Guerreiro, que fizera parte da commissão de 1883, e que tambem collaborára no grupo nacional; incumbi a esse engenheiro o fazer o projecto definitivo, nos termos da lei; e, para o maleficio ser completo, impuz-lhe a obrigação de consultar os srs. João Chrysostomo e Adolpho Loureiro, que são dois scelerados. (Riso.)
Ora, francamente, quem procede como eu procedi, tinha
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direito a um pouco mais de justiça do que me tem sido feita. (Muitos apoiados)
Foi incumbido um engenheiro distincto de fazer o projecto definitivo, e, não contente com isso, puz ao lado d'elle duas sentinellas vigilantes, não da moralidade do engenheiro, mas da sua sciencia, porque em sciencia não ha ninguem infallivel.
Chamei os srs. João Chrysostomo e Adolpho Loureiro e disse-lhes que fizessem o favor de collaborar com o sr. Guerreiro na feitura de um projecto definitivo.
O sr. Guerreiro fez o seu projecto, ouviu os consultores; mas, como quasi sempre acontece a quem tem uma idéa fixa, o sr. Guerreiro apresentou um projecto que dava em resultado sair mais caro do que o segundo do grupo nacional.
A idéa favorita do sr. Guerreiro era fazer uma avenida marginal no extremo dos muros dos cães, o que tornaria necessarias pontes girantes sobre a entrada das docas, do que resultaria augmento de despeza e dificuldade para o movimento do porto.
O que é certo é que o sr. Guerreiro fez o projecto e a opinião dos engenheiros consultores foi-lhe desfavoravel.
É preciso dizer que o sr. João Chrysostomo, quando rejeitou as tres propostas, tinha dito que, não obstante, poderia ainda fazer-se um projecto definitivo a tempo de se abrir concurso dentro do anno de 1886.
Por esta declaração, caíram-me em casa a associação commercial e outras, fazendo-me essa exigencia; e eu, em vista da declaração do sr. João Chrysostomo, prometti á associação commercial abrir o concurso dentro do anno.
O sr. Guerreiro levou bastante tempo a fazer o projecto; e qual não foi o meu desgosto quando em fins de outubro, principios de novembro, fui informado de que o projecto não podia ser approvado, entre outras rasões, por exceder a base financeira da lei!
Tinha só diante de mim dois mezes para satisfazer o meu compromisso. Chamei então o sr. Matos, e contando-lhe o compromisso que tinha tomado com a associação commercial, disse-lhe que, se dentro d'aquelle anno não se abrisse o concurso, me demittia de ministro, acrescentando que a sorte do ministro estava, não nas mãos da opposição, mas nas mãos d'elle.
O sr. Matos pediu-me que pozesse á sua disposição todo o pessoal technico de que carecesse, e eu auctorisei o sr. Matos a dispor de todo o pessoal que julgasse necessario, indicando-lhe mesmo que chamasse o sr. Loureiro para o ajudar.
Os srs. Loureiro e Matos fizeram um verdadeiro tour de force, que será sempre o melhor titulo de gloria d'aquelles dois distinctissimos engenheiros; porque, sem faltarem ás condições do plano geral da commissão de 1883, sem faltarem ás linhas geraes dos projectos do grupo nacional, que só tinham sido rejeitados por excederem os réis 10.800:000$000, resolveram satisfactoriamente o problema, fizeram tudo isso dentro da base financeira, conseguindo, por assim dizer, metter o Rocio na Bitesga.
Foi então que eu propuz a Sua Magestade que se desse ao sr. Matos a commenda de S. Thiago, e ao sr.' Loureiro a carta de conselho, e posso assegurar á camara que nunca ninguem alcançou condecorações e distincções nem mais digna nem mais merecidamente. (Muitos apoiados.)
Aquelles dois cavalheiros realisaram um verdadeiro milagre, em estudos e trabalhos de engenheria. Em muito poucas semanas, posso dizer que; em poucos dias, trabalhando dia e noite, conseguiram elaborar o projecto definitivo, que baldadamente se procurara desde 1885.
É verdade, que não o poderiam ter feito, se não se tivessem aproveitado dos estudos e trabalhos anteriores; e, sobretudo, se não tivessem collaborado nos dois projectos do grupo nacional. N'este sentido, póde dizer-se que o projecto lhes não pertence exclusivamente, porque é da engenheria portugueza. Mas estudaram de novo, apuraram soluções ainda não completamente definidas, melhoraram e aperfeiçoaram, sob o ponto de vista financeiro, os resultados já obtidos, e este trabalho foi extraordinario. (Muitos apoiados.) Ouso dizer, sem receio de que alguem o impugne, que não ha um só engenheiro, digno d'este nome, que conteste a justiça d'estes louvores. (Apoiados.)
O engenheiro Matos foi por mim encarregado de fazer o projecto, como relator, que era da junta no exame do projecto Guerreiro. Para não haver equivocos, preciso de ler tambem a portaria, em que lhe dei essa incumbencia. Tem a data de 3 de novembro de 1886, e vem a pag. 266. Diz o seguinte:
«Sua Magestade El-Rei, considerando que é de grande conveniencia publica abrir no mais breve praso o concurso para a construcção dos melhoramentos no porto de Lisboa;
«Considerando que, tendo sido encarregado o inspector geral de engenheria João Joaquim de Matos de dar parecer perante á junta consultiva de obras publicas e minas sobre o projecto organisado pela direcção das obras do porto de Lisboa, póde o seu estudo ser proveitosamente encaminhado á melhor satisfação d'essa necessidade:
«Ha por bem ordenar que o referido relator faça acompanhar o seu parecer de um projecto definitivo, que traduza graphicamente as observações, e modificações, que julgue conveniente introduzir no projecto sujeito ao seu exame, de modo que, sendo reputado no caso de ser approvado nas instancias superiores, possa sobre o mesmo projecto definitivo abrir-se immediatamente concurso sem necessidade de novos trabalhos.
«Determina outrosim o mesmo augusto senhor, que seja auctorisado o relator João Joaquim de Matos, inspector geral de engenheria, a trabalhar para este fim em commum com os engenheiros consultores anteriormente nomeados, e a chamar para junto de si todo o pessoal technico, de que careça, para melhor e mais prompta execução do estudo, que está a seu cargo, e que muito particularmente é recommendado á sua muita illustração, actividade e zêlo pelo serviço publico.
«Paço, em 3 de novembro de 1886.=Emygdio Julio Navarro.
«Para o conselheiro João Joaquim de Matos, inspector geral de engenheria.»
Ainda n'isto me cingi aos termos expressos da lei, mandando fazer um projecto definitivo. E como tal m'o enviou a junta, declarando que elle estava nas condições de servir de base ao concurso, nos termos da lei de 16 de julho de 1885. Da minha parte, tudo assim foi previsto e ordenado; e da parte das estações technicas, tudo assim foi respondido. E é o que basta! (Muitos apoiados.)
Aqui tem o illustre deputado, fielmente historiada, com documentos á vista, a primeira phase do concurso para as obras do porto de Lisboa. Muito de proposito me demorei n'esta exposição, porque ella por si responde á maior parte das accusações, que com tanta violencia, como injustiça, me têem sido feitas fóra d'esta casa. (Apoiados.)
O sr. Dias Ferreira, sempre com a idéa de que se fizessem obras mais modestas, queria que o governo se limitasse a construir as pontes de atracação, a que se referira o sr. Fuschini no seu discurso de 1885, pondo de parte as docas e outras obras despendiosas. Mallogrado o concurso dos projectos, e não tendo sido approvado o projecto do sr. Guerreiro, entende o sr. Dias Ferreira, que se devia limitar o governo áquellas1 obras, deixando o plano de 1883.
Não podia ser. Ou tudo ou nada. A lei de 16 de julho não deixava outra alternativa.
O sr. Fuschini talvez tivesse rasão em 1885; mas a lei, no artigo 1.°, dispoz o seguinte:
«Artigo 1.° É o governo auctorisado á adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de noventa dias, a construcção das obras do novo porto de Lisboa, concernentes á l.ª secção do plano geral proposto pela commissão nomeada
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era 16 de março de 1883, comprehendendo caes marginaes, pontes girantes, docas de abrigo, de carga, descarga e reparação, machinismos e guindastes hydraulicos, cães fluctuantes e vias ferreas para serviço do mesmo porto.
Portanto, ou se havia de usar da auctorisação, como a lei preceituava, ou não se havia de fazer nenhum uso d'ella. O que não podia era fazer-se um uso differente. (Apoiados.) E tendo eu já demonstrado, que, pela força das circumstancias, a auctorisação se convertera n'uma obrigação, fica demonstrado igualmente, que era forçoso fazer-se e pôr-se a concurso um projecto completo d'aquelles melhoramentos.
Vamos agora a entrar em outra ordem de idéas, a que chamarei a segunda do discurso do illustre deputado.
O illustre deputado accusou o governo de ter violado a lei, que diz estabelecia unicamente para base do concurso o preço da obra, e de ter incluido como bases as obras complementares até Porto Franco e o caminho de ferro de Cascaes.
Ora, a lei não diz o que o illustre deputado lhe attribuiu, mas outra cousa; e vou recorrer á opinião do sr. Fuschini, porque parece que este illustre deputado tinha em 1885 a presciencia do que havia de succeder mais tarde.
Conhecia os costumes da terra, como diz o sr. Dias Ferreira, e por isso propunha as normas apertadas que deviam ser applicadas á materia. Mas a maioria regeneradora é que não acceitou essas normas, e a rejeição constitue interpretação quasi authentica da lei. (Apoiados.}
O sr. Fuschini apresentou tres propostas, e sabe a camara o que a camara de 1885 fez? Rejeitou-as.
Vou dizer quaes foram as propostas apresentadas pelo sr. Fuschini. A primeira era a seguinte:
«1.° Que na lei se declare explicitamente a fórma por que ha do ser elaborado o projecto e orçamento, que deve constituir a base do concurso.»
Foi rejeitada.
Esta rejeição é o melhor commentario, que podem ter as criticas, que tenho lido, sobre o modo rigoroso e minucioso como devia ser feito o projecto definitivo. (Apoiados.)
A segunda proposta era a seguinte:
«2.° Que o governo, fazendo estudar bem a questão economica, adopte o systema de obras menos despendioso e o mais adequado á natureza commercial do porto de Lisboa, e mande elaborar. nossa conformidade o projecto e o orçamento respectivo.»
Rejeitada.
Esta rejeição é resposta aos que calculam hoje lucros fabulosos sobre a base dos l0.000:000$000 réis auctorisada pela lei. (Apoiados.)
A terceira proposta era a seguinte:
«3.° Que sejam eliminadas da proposta de lei as disposições dos §§ 4.°, 5.°, 6.º e 7.°, abrindo-se unicamente a licitação sobre o preço das obras que o orçamento approvado fixar, admittida a condição do § 9.°»
Rejeitada.
Esta rejeição é para os que dizem que a base do concurso, nos termos da lei, devia ser o custo das obras. O sr. Fuschini até teve o cuidado de sublinhar a palavra unicamente e viu a sua proposta rejeitada. O mechanismo da lei foi muito outro!
Então o partido regenerador votou n'este sentido e querem agora os deputados d'esse lado da camara applicar a mim as propostas do sr, Fuschini, que rejeitaram? Se isto não fosso ainda de hontem, vá; mas é do dia do hontem, é de ha pouco tempo, e estão presentes muitos srs. deputados que tomaram parte n'esse debate: a discussão está presente na memoria de todos, e o sr. Dias Ferreira deve estar lembrado d'isto.
N'estas propostas assim feitas havia um pensamento, e é que s. exa. conhecia os costumes da terra. Pois foram todas rejeitadas pela maioria regeneradora.
E não foi por intransigencia politica que a camara rejeitou ao sr. Fuschini as suas propostas, porque s. exa. era membro da maioria.
A camara votou até propostas do sr. Marianno de Carvalho; mas as propostas do sr. Fuschini foram rejeitadas.
Logo, não é exacto que a lei de 16 de julho de 1885 estabelecesse unicamente o preço das obras como base do concurso, visto que essa proposta, expressamente formulada pelo sr. Fuschini, foi rejeitada pela camara. (Apoiados.)
Para não cercear a meia hora, que foi destinada para outros assumptos, reservo para a sessão seguinte mostrar que, bem ou mal posta, eu não alterei a base do concurso, nem a ampliei fóra dos seus termos regulares; e para então reservo igualmente a questão das obras complementares do caminho de ferro de Cascaes. Eu nunca pensei que podesse ser arguido por ter conseguido, de graça, as obras até Belem, e o caminho de ferro de Cascaes, alem de outros beneficios, que com esses foram englobados!
Bem sei que só depois da morte se faz justiça aos homens.
Entre nós, só se póde gloriar de lhe ter succedido o contrario, o sr. Pinheiro Chagas, que, tendo estado ás portas da morte, resuscitou, podendo, por consequencia, ante-gosar esse prazer, que deve sor enorme, de ver cessar em volta de si todas as injustiças e render-se o preito aos seus merecimentos. (Apoiados.) Teve s. exa. essa felicidade, que eu, pelo mesmo preço e risco, não desejo para mim nem para os cavalheiros presentes. (Riso.)
N'este momento, vendo ainda deserta a cadeira de s. exa., e, por consequencia, affirmado o seu proposito de não tomar parte na interpellação, permitta-me a camara que eu dê uma breve explicação a respeito do sr. Pinheiro Chagas.
Associo-me particular e officialmente á manifestação de pesar por esse triste acontecimento, que podia ter sido luctuoso, e ás manifestações do regosijo pelas melhoras de s. exa. (Apoiados.)
Não o fiz ha mais tempo, porque não quiz que isso se attribuisse a uma solicitação de benevolencia, que eu dirigia ao illustre deputado; mas, visto que continua deserta a sua cadeira, e que não tenho, por consequencia, de receiar a sua palavra vibrante; e que as minhas manifestações não podem já ser consideradas como um memorial para comprar a sua benevolencia, seja-me permittido affirmar perante a camara o sincero prazer que tenho, como todos temos, em vel-o restituido á sua familia, aos seus amigos o ao paiz, (Apoiados.) associando-me pessoalmente a todas as manifestações que se têem feito. (Vozes:-Muito bem.)
Precisava fazer esta declaração para desaggravo da minha consciencia, e, ao mesmo tempo, explicar qual era o melindre pessoal da minha posição.
Se s. exa. estivesse sentado na sua cadeira do deputado, eu nada diria. Não mandei a s. exa. um bilhete, não lhe fiz um unico comprimento, não me associei a nenhuma das manifestações que lhe fizeram, para que não se dissesse que eu queria comprar a sua palavra e a sua benevolencia. Só até essa honrada imprensa, que vela pela moralidade e pela pureza das nossas instituições, me accusou do mandante do crime, para que s. exa. não podesse depor no processo Hersent! Angora, que s. exa. já depoz, o que manifesta o proposito de não tomar parte n'esta interpellação, já o posso felicitar, sem quebra de justos melindres. Aquella honrada imprensa, nem esse prazer me deixava!
Não querendo roubar a meia hora que foi destinada para se tratar de varios assumptos, antes de se encerrar a sessão, não entrarei agora na segunda parte do meu discurso, reservando-me para amanhã o fazel-o desenvolvidamente.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados e muitos dignos pares que estavam na sala.)
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SESSÃO DE 30 DE ABRIL DE 1888 1281.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro) (Discurso proferido nesta sessão): - Sr. presidente, terminei o meu discurso na sessão de sexta feira, dizendo que, de ordinario, não é em vida que se faz justiça aos homens politicos, e que da excepção só podia gloriar-se o sr. Pinheiro Chagas.
Não tinha a ingenuidade de suppor que, por ter obtido de graça para o thesouro as obras da segunda secção, entre Alcantara e Belem, e alem d'isso a linha ferrea de Cascaes, com a linha urbana, o grande tunnel e a cobertura e ensoleiramento do caneiro de Alcântara, receberia aqui louvores da opposição. Não o suppuz nunca, embora nos primeiros momentos, os tivesse recebido de uma parte da sua imprensa. É preciso desconfiar dos primeiros movimentos, segundo dizia Talleyrand! Não obstante, se aqui não esperava louvores, esperava pelo menos o silencio. O que eu nunca imaginei, nem podia imaginar, era ser inculpado por tal motivo; era ser accusado de ter violado a lei e prejudicado os interesses do estado com a realisação de valiosos melhoramentos, cuja importancia ninguem desconhece, e que não custam um ceitil ao thesouro! Isto, confesso-o, estava eu muito longe de presumir.
Mas antes de entrar no desenvolvimento d'este assumpto, careço de voltar a um ponto que, de leve, toquei no meu discurso anterior, e que motivou uma interrupção por parte do sr. Pereira dos Santos. Não é que esse ponto tenha grande importancia, mas desejo que nenhuma das rainhas afirmações, por menos importantes que sejam, fiquem sem prova.
Disse eu que o sr. Hersent tornara viavel o projecto da primeira secção das obras, segundo as linhas geraes do plano de 1883, por 10.800:000$000 réis, o que fôra uma grande economia, por isso que os trabalhos dos engenheiros portuguezes não faziam descer o custo d'ellas a menos de 15.000:000$000 réis.
Objectou-me o sr. Pereira dos Santos que o sr. Hersent não tornara as obras mais baratas; que os engenheiros portuguezes tinham já calculado em 10.800:000$000 réis o custo das obras da primeira secção; e que os réis 15.000:000$000 eram para as obras todas, comprehendendo as quatro secções.
Póde ser que ambos nós tenhamos rasão; mas o que é necessario é ver o ponto de vista em que cada um do nós se colloca.
Se o illustre deputado quer dizer que no papel se pozeram 15.000:000$000 réis para as quatro secções, estou de accordo. É o que está na proposta e respectivo projecto de lei de 1884. E era, em numeros redondos, a estimativa da commissão de 1883. Mas não tratâmos do que se poz no papel, por meros calculos de estimativa mais ou menos phantasista. Tratâmos do custo real, que se apurou, desde que esses calculos de estimativa foram substituidos por estudos de projectos minuciosamente delineados e por orçamentos feitos regularmente.
Segundo a estimativa da commissão de 1883 o custo da quarta secção, entre o pontal de Cacilhas e a Trafaria, seria apenas de 540:000$000 réis. Ora quem conhece as difficuldades do terreno e a grande profundidade que ali tem o Tejo, a poucos metros da margem, sabe que nem com o decuplo d'essa quantia poderão construir-se as obras da quarta secção, por mais singelas que sejam, e ainda que constem de um simples muro corrido. Mais de 540:000$000 réis custará só o material de pedra. Julgo não offender a commissão de 1883 dizendo que ella fez uma estimativa excessivamente baixa, conscientemente, por uma pia fraude, para não alarmar os animos com a perspectiva de um despendio enorme.
Nas outras secções a estimativa não ficou tão abaixo da realidade. Ainda assim, na primeira secção os estudos definitivos não davam custo inferior a 15.000:000$000 réis; e foi o sr. Hersent quem tornou viavel o projecto pela quantia de 10.800:000$000 réis, assim como foram os srs. Matos e Loureiro quem organisaram o primeiro projecto dentro d'essa base financeira e das linhas geraes do plano de 1883, que tinham de ser acatadas.
Os documentos são claros, como a camara vae ver.
A junta consultiva das obras publicas e minas deu parecer, em 10 de junho de 1886, sobre os projectos que tinham sido apresentados em concurso. N'essa consulta diz a junta (pag. 224):
«O segundo ponto que parece ficar posto em evidencia, é que o plano de 1883, executado integralmente com os seus 11:000 a 12:000 metros de cães acostaveis, fazendo parte d'elles em mais de metade do seu desenvolvimento os muros do caes avançado, interiores e exteriores, com um terrapleno de 100 metros de largura na maior parte, exigiria uma despeza, que iria muito alem da fixada na lei de 16 de julho de 1885, e se approximaria de cerca de réis 20.000:000$000.»
Ainda então se não julgava possivel fazer as obras com a somma de 10.800:000$000 réis, auctorisada pela lei. Agora, os engenheiros modernissimos acham que poderiam fazer-se com um abatimento do mais de 2.500:000$000 réis sobre aquella quantia!
Os dois projectos do grupo nacional, elaborados por engenheiros portuguezes, foram apresentados sem orçamento; mas a junta teve de os apreciar, ainda que por alto, sob esse ponto de vista. Eis o que apurou (pag. 225):
«Primeiro projecto, custo dos muros de caes, réis 9.711:000$000.»
«Segundo projecto, custo dos muros de caes, réis 13.449:000$000.»
Isto dava em resultado que o primeiro projecto não poderia custar menos de 15.000:000$000 réis, e o segundo menos de 20.000:000$000 réis, visto que só os muros de caes importavam n'aquellas quantias.
Estes projectos foram apresentados é aquella consulta elaborada depois do plano de 1883, que fixara em cerca de 15.000:000$000 réis o custo das quatro secções; depois da proposta e projecto de lei de 16 de julho de 1885, que fixara em 10.800:000$000 réis o custo das obras da primeira secção, e depois do concurso mandado fazer para um projecto nos termos d'essa lei. Portanto, o sr. Pereira dos Santos póde ter rasão em dizer que, no papel, já antes do sr. Hersent e dos srs. Matos e Loureiro, se tinham fixado 10.800:000$000 réis para as obras da primeira secção; mas eu tenho rasão em dizer que, na realidade dos factos, foi o contrato provisorio com o sr. Hersent, que tornou possivel e viavel a realisação das obras dentro d'essa base financeira, e que foi o projecto dos srs. Matos e Loureiro, que primeiro traduziu dentro de um orçamento regulamentar organisado essa probabilidade, que até então não era admittida pelos engenheiros portuguezes. (Apoiados.)
Dê-se a cada um o que de direito lhe pertence. O sr. Fontes fez um grande serviço, e realisou uma economia importante, tornando viavel, praticamente, aquella base financeira, por meio do contrato provisorio com o sr. Hersent. Os srs. Matos e Loureiro fizeram tambem um serviço valioso, alem de um superior e extraordinario trabalho de engenheria, traduzindo graphicamente essa viabilidade, o que até então se não conseguira. (Apoiados.)
Ratificado assim este ponto, eu vou entrar na questão das obras complementares entre Alcantara e Porto Franco, que foram admittidas no concurso como facultativas, e que depois se transformaram na concessão de obras mais largas, como foram o prolongamento até Belem, a linha de Cascaes, a cobertura e ensoleiramento do caneiro de Alcantara, e a linha urbana com o seu grande tunnel e estacão central.
Quando vi os projectos relativos á primeira secção, a qual abrangia só o espaço entre Santa Apolonia e o caneiro do Alcantara, causou-me logo impressão, ao primeiro relance, o facto de ficarem ali as obras interrompidas bruscamente por meio de um muro de cerca de 400 me-
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tros de extensão, incidindo em sentido perpendicular sobre a corrente do rio. E tratando de examinar o assumpto, achei que todas as conveniencias aconselhavam, como todos os engenheiros recommendavam, que as obras deviam ser continuadas no mesmo alinhamento, sob pena de graves inconvenientes para o regimen do rio, e sobretudo de grandissimos perigos para a salubridade publica.
Uma rapida e ligeira explicação fará comprehender á camara esta face do problema.
Seguindo a linha de caes, o rio faz uma inflexão na altura da rampa de Santos até á rocha do conde de Obidos. Da rocha do conde de Obidos até Porto Franco, junto da cordoaria nacional, fórma uma larga enseada, cujo eixo da curvatura é sensivelmente no caneiro de Alcantara.
Fazendo-se só as obras da primeira secção, isto é, até ao caneiro, esta enseada ficaria cortada a meio. A metade oriental ficaria aterrada, o limitada por um muro de cerca de 400 metros do extensão; a outra metade continuaria a descoberto, formando um grande sacco.
Não são necessarios conhecimentos especiaes de hydraulica para se comprehender facilmente, que esse muro daria logar a um remanso de aguas, a um movimento de revessas, tendente a accumular n'aquelle sacco todos os detrictos e immundicies, que o Tejo arrasta nas suas aguas na ultima parte do seu curso. Isto é de si evidente (Apoiados.) Ora, a camara conhece já o que é actualmente o caneiro de Alcantara: um repositorio de perfumes, que não são positivamente iguaes aos que os poetas dizem que as brisas de Sorrento trazem nas suas azas, quando perpassam pelos laranjaes em flor! (Apoiados.)
O caneiro é um foco pestilencial. A elle se devem as febres de mau caracter, que em certas epochas do anno infeccionam alguns bairros de Lisboa, e que tornam hoje um pouco duvidosa a reputação antiga, que deu merecidamente a um d'esses bairros o nome de Buenos Ayres. A agua doce, que vem pela ribeira, mistura-se ali com a agua salgada das marés, fazendo esta conjuncção sobre um leito de vasa fetida, e dando origem a um verdadeiro pantano mixto, E os pantanos mixtos, como a camara sabe, são os mais perigosos. É n'elles que vive e se propaga nas mais mortiferas condições, entre outros, o terrivel microbio da febre amarella.
Ora, se o caneiro de Alcantara já é isto, hoje que, bem ou mal, o rio não tem a sua corrente bruscamente interrompida e só levemente quebrada pela curvatura do enseada, fazendo, portanto, duas lavagens diarias com as marés, o que não seria ámanhã o deposito lodoso do mesmo caneiro, ampliado por um muro de cerca de 400 metros, que alem d'isso aggravaria o movimento de revessa para os depositos em suspensão nas aguas! (Apoiados.) As condições sanitarias de Lisboa haviam de peiorar enormemente, e não será talvez arrojo dizer-se que esta bella cidade, que tem condições para poder ser a mais salubre das capitães da Europa, desceria n'esse ponto ao estado pouco invejavel das cidades do Mississipi, que têem a febre amarella como endemica, ou das cidades gangeticas, que vivem todo o anno com o cholera morbus. (Apoiados.)
Era preciso a todo o transe prevenir este mal, e evitar que as obras, em vez de melhorarem as condições hygienicas de Lisboa, supprimindo a faxa da vasa, onde se gera a fiévre du Tage, como já lhe chamam os medicos estrangeiros, fossem aggravar essas más condições. (Apoiados.) Esta necessidade impunha-se em primeira linha e com a maxima urgencia. (Apoiados.)
A questão não era nova; e o que só admira, é que os legisladores de 1885 a não tivessem expressamente acautelado.
A commissão de 1883, já tinha dito o seguinte:
«As duas secções de obras desde a torre de Belem até o caminho de ferro são quasi inseparaveis e devem fazer parta indispensavel do projecto que for elaborado para estes trabalhos de melhoramentos do porto de Lisboa.
«Se as duas secções não poderem ser atacadas ao mesmo tempo, convem que, logo depois de concluida a secção ao caneiro de Alcantara ao caminho de ferro, se comece a de Alcantara á torre de Belem.»
I
Instigado por esta necessidade manifesta, imperiosa, o tendo ouvido os engenheiros, recommendei-lhes que incluissem no projecto, como obras complementares, mas facultativas, o prolongamento do alinhamento do caes, desde Alcantara até Porto Franco, porque isso bastava para a questão da salubridade publica. A unica objecção que me oppozeram, foi o custo das obras. Pois se elles se viam embaraçadissimos para metterem as obras da primeira secção dentro da base financeira de 10.800:000$000 réis, como poderiam acrescentar ainda as obras até Porto Franco, sem saírem da mesma base?!
Façamos a experiencia, dizia lhes eu. Tentemos, a ver se podemos resolver essa grave difficuldade sem gastar mais dinheiro ao paiz. Se a tentativa ficar sem bom resultado só se terá perdido tempo e estudo. Mas tentemos o milagre! Porque a verdade é que só como milagre os engenheiros admittiam a possibilidade de que podesse ficar tudo dentro da base financeira da lei. (Apoiados.)
Mas, como eu não podia sacrificar a esse meu desejo, e a essa necessidade publica, por mais instante que fosse, os resultados da lei, que em todo o caso tinha de executar lealmente, o que fiz foi recommendar, que no projecto essas obras complementares não fossem indicadas como obrigatorias, e só como facultativas, constituindo mera rasão de preferencia, o que era perfeitamente licito. (Apoiados.)
Vae agora a camara ver o que disseram os engenheiros da junta sobre estas tenebrosas machinações. A maioria da junta disse o seguinte, que póde ler-se a pagina 275:
«A grande conveniencia, motivada por considerações de salubridade publica, de fazer desapparecer aparte da praia lodosa que ficaria a descoberto ao poente do caneiro de Alcantara, se o caes e terrapleno do novo porto terminassem no mesmo caneiro, aconselhou o prolongamento d'este terrapleno até ao edificio do Porto Franco, proximo da cordoaria nacional, e para reduzir quanto possivel a respectiva despeza será o mesmo terrapleno amparado do lado do rio, por um talude fortemente empedrado assentando sobre um enrocamento.»
Esta consulta teve tres votos em separado, que foram os dos srs. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, Lourenço de Carvalho e Boaventura José Vieira. Vae a camara ouvir o que disse cada um d'elles sobre este restricto ponto.
O sr. João Chrysostomo disse (pag. 277):
«A junto approvou as obras abaixo do caneiro de Alcantara, que trazem um certo augmento no preço da empreitada, embora esse augmento possa trazer receita correspondente. N'estas circumstancias seria conveniente adiar alguma despeza menos necessaria (e n'este caso se póde considerar a de que estamos tratando) para que o augmento proveniente das obras de O. do caneiro de Alcantara fique compensado e se mantenha com bastante probabilidade na somma dos 10.800:000$000 réis.
A obra, que o sr. João Chrysostomo queria sacrificar ao prolongamento do caes até Porto Franco, era nada menos do que o muro exterior da doca de Santos.
O sr. Lourenço de Carvalho disse (pag. 278):
«2.ª declaração. Sou de parecer que no plano de obras a executar, e no caderno de encargos e programma de concurso, convem que sejam expressamente mencionados e descriptos os trabalhos, a que se allude no corpo da consulta, comprehendidos entre a ribeira de Alcantara e Porto Franco, pelas seguintes rasões:
«a) A limitação dos trabalhos na margem esquerda da ribeira daria á planta das obras uma conformação viciosa e desagradavel á vista, inconveniente para o regimen do Tejo n'aquelle ponto, e desvantajosa para a segurança das obras, attenta a grande saliencia do muro de caes em rela-
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ção á margem actual do Tejo ao poente da ribeira de Alcantara.
«b) As obras indicadas conquistarão ao Tejo uma area de terreno muito consideravel, melhorando assim as condições do projecto um pouco deficiente na superficie enxuta disponivel.
«c) A execução d'estes trabalhos melhorará consideravelmente as condições hygienicas locaes, mormente se a ribeira de Alcantara for coberta de abobada, com grande vantagem tambem da continuidade de communicações.»
O sr. Boaventura José Vieira disse, pela sua parte, o seguinte (pag. 278):
«Ganharia muito o porto de Lisboa, se em vez de se construir a doca de Santos como está projectada, se fizesse com o orçamento correspondente aos muros a continuação desde o caneiro de Alcantara até Porto Franco, construindo ahi uma doca para barcos como o auctor do projecto entende e propõe.»
Digam os espiritos imparciaes se eu posso desejar uma defeza e uma justificação mais completas! (Muitos apoiados.)
A boa rasão, a commissão de 1883, a junta consultiva, e os tres engenheiros d'ella divergentes, tudo e todos recommendavam as obras complementares; e sou accusado porque attendi essa recommendação, cujos fundamentos ninguem poderá impugnar! (Apoiados.)
O sr. Dias Ferreira queixou se das obras do porto de Lisboa por serem espectaculosas; e o illustre deputado accusa-me em especial por uma parte d'essas obras que deixam de ser espectaculosas para serem utilissimas! (Apoiados.)
O sr. Dias Ferreira queria menos despendio. Queria economias. Mas ha duas maneiras de reduzir as despezas: uma é fazer a mesma obra com menos dinheiro; e a outra é fazer com o mesmo dinheiro diversas obras. (Apoiados.) Ora eu procurei a economia de realisar, com a verba auctorisada para as obras da primeira secção, tambem as obras complementares; e o illustre deputado accusa-me por isso. Não se póde ser mais injusto. (Apoiados.)
Pelo que deixei exposto á camara, é fóra de duvida que, se as obras complementares, ou da segunda secção, não tivessem sido contratadas simultaneamente com as da primeira secção, teria sido necessario vir ao parlamento, ainda este anno, pedir auctorisação e dinheiro para ellas. Pois eu consigo realisal-as sem pedir mais dinheiro, e sou censurado pelo sr. Dias Ferreira, defensor acerrimo das economias! Declaro que não comprehendo. (Apoiados.)
Mas se não se póde contestar a conveniencia e a necessidade das obras complementares, pelo menos até Porto Franco, contesta-se, pelo menos, a sua legalidade.
Ora ainda bem. Já não é uma questão de moralidade, e de interesses do estado, que fossem prejudicados. É só uma questão de puritanismo da lei.
A legalidade! Mas onde está a lei que prohibe que, sem encargos para o estado, se estipulem para elle beneficios certos e incontestados?! (Muitos apoiados.)
Se a lei auctorisou, só para as obras da primeira secção, 10.800:000$000 réis, em que offendi eu a lei, obtendo com esse dinheiro não só as obras da primeira secção, mas tambem as da segunda?! (Muitos apoiados.)
Eu não podia pagar mais; mas onde é que se acha a prohibição para o estado receber mais?! (Muitos apoiados.)
Essa prohibição não se encontra em nenhuma lei geral; e tambem se não encontra na lei especial, que auctorisou as obras do porto de Lisboa.
O § 4.° da lei de 16 de julho de 1885 diz, é certo, que «o concurso versará sobre o preço das obras, o qual não poderá ser superior a 10.800:000$000 réis». Mas, quaes obras?! O § 2.° deixa ao governo a faculdade de publicar o respectivo caderno de encargos; e portanto, o governo, no uso d'essa faculdade, podia no caderno de encargos introduzir, como introduziu, as obras complementares. A unica limitação imposta pelo § 4.° ao caderno de encargos é que o custo das obras não fosse superior a 10.800:000$000 réis. E o governo respeitou-a. (Apoiados.)
Se o governo é quem tinha de fazer o caderno de encargos, se o governo é quem tinha de approvar o projecto, como e onde está a prohibição de levar as obras até Porto Franco ou Belem, em vez de as deixar ficar no caneiro de Alcantara, logo que não excedesse a verba auctorisada?! (Apoiados.)
Onde é que se diz na lei, que as obras ficariam no caneiro de Alcantara?! A primeira secção, segundo o plano de 1883, terminava em Alcantara; mas Alcantara é um bairro populoso, que se estende tambem para oeste do caneiro. E, alem d'isso, o que se mandou observar foram as linhas geraes, e só as linhas geraes, do plano de 1883; e se ou pude, por motivos de ordem technica e financeira, recuar a linha de caes, sem offender esse preceito, porque não poderia prolongal-a até Porto Franco ou Belem, por motivos da mesma ordem?! (Apoiados.)
Isto, que estou dizendo, mostra que eu estava no meu plenissimo direito de tornar obrigatorias as obras, que declarei complementares, e de as incorporar no projecto posto a concurso como parte integrante da primeira secção. Podia fazel- o, obrigatoriamente, desde que não excedesse os 10.800:000$000 réis. Mas todas as criticas caem pela base, notando se que essas obras foram incluidas no caderno de encargos corpo facultativas, e como simples rasão de preferencia. (Apoiados.)
Realmente, não me parece sustentavel o dizer-se que o governo não podia procurar para o estado um acrescimo de beneficios, fazendo, com o mesmo dinheiro, obras em maior extensão.
Como póde dizer-se, e em que poderá isso fundamentar-se, que a um concorrente é prohibido offerecer quaesquer vantagens n'um concurso, a que seja chamado, e que ao governo é igualmente prohibido acceitar essas vantagens, que o concorrente queira offerecer? É claro que o governo está no seu pleno direito de acceitar esses offerecimentos, esses acrescentamentos, esses favores, e que o concorrente tem ampla faculdade para os offertar. (Apoiados.) E o estabelecerem-se, como facultativas, quaesquer obras n'um concurso, não é mais do que regularisar ou orientar n'um determinado sentido esta dupla faculdade, que existe sempre em qualquer concurso, e que em nada prejudica os termos geraes d'elles. (Apoiados.)
Mas este lado da questão é, por assim dizer, ocioso. As condições facultativas do concurso, a respeito das obras complementares, não tiveram seguimento. Só o sr. Hersent appareceu no concurso; e esse não se obrigou a fazer a rectificação da margem do rio até Porto Franco. A concessão fez-se, posteriormente, em outras bases á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, e essa concessão é que ha interesse pratico em analysar.
A proposta Hersent vem a pag. 291. A respeito d'este ponto diz o seguinte:
«A obra complementar e accessoria que o proponente offerece e se obriga a construir gratuitamente é um caminho de ferro de via reduzida entre Lisboa e as proximidades de Belem, com faculdade para o proponente de o prolongar até Cascaes com o seu respectivo material fixo e circulante para transporte de passageiros e de mercadorias, e isto sujeito ás disposições dos artigos 9.° e 10.° do decreto de 22 de dezembro de 1886.»
Foi isto, e nada mais.
Ora eu devo dizer que não acceitaria este offerecimento, ainda que posteriormente a companhia real não tivesse reclamado o seu direito de preferencia para os ramaes das suas linhas, por considerar a proposta desvantajosa para os interesses publicos. E reputava-a desvantajosa, pelas seguintes rasões: l.ª porque prendia a concessão de um caminho de ferro até Cascaes, sem assegurar a sua realisação para alem de Belem, visto que d'ahi por diante a
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construcção era facultativa para o proponente; 2.ª porque a construcção de um caminho de ferro, de via reduzida, entre Alcantara e Belem, reduzia-se em ultima analyse a uma linha de concorrencia com a linha dos americanos, o nenhuma rasão recommendava a guerra á empreza d'estes transportes; 3.° porque, por economia, o empreiteiro havia de cingir-se o mais possivel ao terreno, difficultando para o futuro as obras de segunda secção, e a rectificação d'essa parte da margem do rio, segundo o prolongamento racional das obras da primeira secção.
Portanto, em caso nenhum acceitaria esse offerecimento.
Os termos da proposta são os que acabo de ler á camara; e sendo a proposta a reguladora das obrigações do proponente, esses termos não deixara logar a duvidas. O sr. Hersent não propoz fazer as obras complementares da rectificação do rio até Porto Franco; propoz unicamente fazer um caminho de ferro de via reduzida, entre Alcantara e Belem, com a faculdade de o prolongar até Cascaes.
Como já outro dia disse á camara, eu não assisti ao concurso, e só tive conhecimento d'elle pelas noticias que á noite publicaram os jornaes.
O jornal, Novidades, publicando as noticias que lhe mandou o seu informador, disse n'essa noite, que o sr. Hersent tambem se obrigara a fazer as obras complementares da rectificação do rio até Porto Franco. Mas o engenheiro sr. Maury, que se apresentara como procurador do sr. Hersent, n'essa mesma noite deixou em minha casa a carta, que se encontra a pag. 299, e na qual rectifica a informação, publicada por aquelle jornal, e declara expressamente que a proposta não abrange as obras complementares de Alcantara a Porto Franco. O sr. Maury diz n'essa carta: «Não receio que possa haver duvidas a tal respeito; mas desde o momento em que apparece uma errada interpretação, julguei-me obrigado a precisar bem as cousas.»
Este documento, emanado do procurador bastante do sr. Hersent, tirava effectivamente quaesquer duvidas, que podesse haver, no que aliás era claro na proposta; e o que em todo o caso tirava ao governo era a faculdade de interpretar a proposta por outro modo. (Apoiados.}
O governo poderia não acceitar a proposta; poderia annullar o concurso ou dal-o como deserto; poderia abrir novo concurso; mas, o que não poderia em caso algum, seria dar á proposta um sentido mais amplo do que constava dos precisos termos d'ella, sobretudo depois que o procurador bastante do proponente acudira a precisar e restringir por aquella fórma o seu alcance. (Apoiados.}
Portanto, estava infelizmente desembaraçado das obras complementares da rectificação do rio até Porto Franco, e não havia remedio senão vir ao parlamento, pedir mais dinheiro para se fazer essa obra de inadiavel necessidade.
Foi n'este momento, e antes de qualquer resolução do governo, que appareceu o requerimento da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, que se encontra a pag. 313.
Por esse requerimento, a companhia offereceu-se para fazer as obras da segunda secção, de Alcantara a Belem, seguindo o mesmo alinhamento da primeira secção; mais um caminho de ferro de via larga até Cascaes; mais a ligação de concordancia das linhas do porto com a estação de Alcantara, pagando ella as expropriações; mais a cobertura do caneiro de Alcantara, até o extremo do alinhamento dos caes, e mais uma linha urbana, com uma estação central proximo do Rocio. E tudo isto de graça, sem um real de encargos para o thesouro, entregando ao estado a exploração da doca de Alcantara, 6 hectares dos terrenos por ella conquistados, e entregando ao municipio os terrenos para uma avenida marginal de 30 metros de largura. Caí das nuvens, quando li todos estes offerecimentos, mal podendo acreditar em tanta fortuna junta!
Eu, que tantas canceiras tivera para ver se conseguia, sem novas despezas, a rectificação do rio até Porto Franco, obtinha, não só isso, mas a rectificação até Belem, que a commissão de 1883 calculara em mais de 3.000:000$000 réis!
Quer a camara ver a justiça, que se faz na apreciação das cousas politicas, quando se encaram como politicas?! Ha dois ou tres dias os jornaes annunciaram, que a junta consultiva de obras publicas e minas approvára o projecto para cobertura e ensoleiramento do caneiro de Alcantara. E todos, sem excepção de bandeiras partidarias, festejaram esse fausto acontecimento. Ora ainda bem que se vae tapar essa vergonha, que se vae supprimir um foco de infecção! Foi a linguagem de todos. Pois essa obra, quem a faz é a companhia real dos caminhos de ferro, por virtude da concessão effectuada, e das obrigações, por ella contrahidas! (Apoiados.}
Os que assim elogiaram este beneficio mal suppunham, que elle provém da concessão que eu fiz. Só o suppozessem, eram capazes de dizer, que a cobertura do caneiro privava Lisboa do um dos seus mais appetitosos attractivos. (Riso)
Pois é uma obra, que custará muitas dezenas, talvez algumas centenas de contos á companhia. Não custa um real ao estado. E, todavia, sou accusado de ter feito á companhia concessões de alto favor, com grande prejuizo dos interesses do estado. Ahi está o caneiro, para amostra. (Apoiados}.
Como ia dizendo á camara, eu caí das nuvens quando vi tanta fortuna junta. Não podia explicar ao meu espirito, que rasões de interesse material levavam a companhia a fazer esses offerecimentos. O mesmo succedia aos meus collegas. E durante algum tempo, quando acertavamos de fallar sobre o assumpto, nós interrogavamos com uma phrase, que se tornou familiar, e que, para fidelidade da narrativa, eu peço licença para aqui reproduzir. Perguntava-mos: Onde está o gato?!
Confesso que ainda hoje faço essa pergunta ao meu espirito, e que ainda não sei de resposta satisfactoria para lhe dar.
O sr. Arroyo: - Não sabe?!...
O Orador: - Não sei, e estou ancioso por conhecer a resposta, que os illustres deputados encontraram. Ha de ser muito interessante, como tudo o que s. exas. dizem, mas tambem muito curiosa a demonstração, que acharam, dos grandes beneficios e vantagens que a companhia real tira de taes obras.
O tunnel, que é uma obra collossal, e a estação central no Rocio, são obras dispendiosissimas. Desejo sinceramente que os illustres deputados me demonstrem que os proveitos d ellas hão de compensar os encargos da sua construcção. Por ora, ainda ninguem me fez essa demonstração.
O sr. Dias Ferreira já disse que no tunnel não o apanhavam. E não é, por certo, com receio de o atravessar. Apesar de ser o mais extenso das nossas linhas, pois terá 2:700 metros, é inferior a muitos outros que todos os dias são atravessados tranquilamente por centenares de passageiros.
E acrescentou o sr. Dias Ferreira que a companhia tinha tenção de obrigar a gente a passar por lá. O que é um modo ironico de dizer que elle não ha de ter grande concorrencia.
N'isto, a minha opinião vae de accordo com a do sr. Dias Ferreira. E, para chegarmos a essa conclusão, basta estudar a distribuição do casario de Lisboa em relação ás differentes gares de serviço de passageiros.
Lisboa estende-se ao longo da margem do rio. A linha marginal terá, alem das estações terminus de Santa Apolonia e Alcantara, uma estação no Terreiro do Paço, e outra em Santos. Estas duas estações serão procuradas pela população central de preferencia á estação do Rocio. A população da zona excentrica irá procurar as estações de Bemfica, Campo Pequeno e Chellas. E por este modo, a estação do Rocio só dará commodidade a uma zona
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muito limitada. Quaesquer que sejam as combinações dos horarios e de comboyos, que a companhia organise, não conseguirá modificar as correntes, que resultam deste disposição das cousas.
Será a cobertura do caneiro, que lhe ha de dar grandes receitas? Não vejo como. E, todavia, custa-lhe cara.
Será a linha de Cascaes?! É provavel, que essa linha tenha um grande movimento de passageiros no verão; mas no inverno, ha de succeder-lhe peior que á linha de Cintra. E o movimento de mercadorias ainda ha de ser inferior ao d'esta ultima linha.
O que fica, pois?! A secção marginal entre Santa Apolonia e Alcantara?! Essa secção ha de ter um grande movimento resultante do movimento do porto. Mas, a propria natureza d'esse movimento obrigará a companhia a estabelecer tarifas especiaes, muito reduzidas. E, em qualquer caso, é absurdo suppor, que esse rendimento ha de cobrir as deficiencias certas ao rendimento das outras obras. (Apoiados.)
Bastará reflectir que a totalidade d'estas obras, que a companhia tomou sobre si, não lhe custará menos de réis 6.000:000$000 que, a 6,5 ou 7 por cento, representam um encargo de juro e amortisação de réis 390:000$000 a 420:000$000 annuaes, que têem de ser cobertos pelo rendimento liquido, e ainda excedidos, para poderem deixar lucro.
Não me fica bem estar a introduzir a sizania entre os accionistas da companhia real. Mas no entretanto direi que, no logar d'elles, havia do ter serias duvidas ácerca das vantagens de taes obras, e, sobretudo, do grande tunnel e da estação central.
Para o estado, que não dá um real para ellas, constituem um beneficio incontestavel. Ficam-lhe de graça, e por isso todo o proveito que d'ellas tirar é beneficio. Mas para a companhia, que ha de pagal-as com o seu dinheiro, começando este desde logo a vencer juros, as vantagens são mais do que contestaveis.
E eu sinto que isto assim venha a acontecer e que a companhia não tire realmente grandes e valiosos lucros d'aquellas concessões. No nosso paiz ha um criterio muito mesquinho para apreciar os interesses publicos e a sua ligação de solidariedade com os interesses particulares. Dir-se-ía que vemos tudo pelo prisma da inveja e dos ciumes do engrandecimento alheio. (Apoiados.}
Repito, eu tenho muita pena de que a companhia não venha a tirar grandes riquezas das concessões que lhe fiz. E tenho pena, porque o augmento da riqueza da companhia seria o augmento da riqueza nacional, visto que a riqueza do estado não é outra cousa senão a somma ou a resultante da riqueza dos particulares. (Apoiados.) Dado que os lucros da companhia não terão de sair de subsidio algum directo pago pelo estado, que nenhum tem a pagar, tudo o que ella lucrar provirá do desenvolvimento do trafico e do commercio, que são dois factores importantissimos da riqueza geral. (Apoiados.)
Eu tenho a preoccupação de que, infelizmente, a companhia não tirará das concessões, que lhe fiz, vantagens correspondentes aos encargos, que ellas lhe hão de custar. Ou, pelo menos, que as não tirará directamente, e só indirectamente pelo influxo que esse movimento possa ter no resto da sua rede. Mas oxalá eu me engane. Oxalá! Mais satisfeito com as minhas responsabilidades ficarei, se souber que ella tira lucros fabulosos; porque isso só poderá provir de um enorme desenvolvimento de trafico, e portanto de um enorme desenvolvimento de commercio; e, em tal caso, por muito que a companhia lucre, mais lucrará directa e indirectamente o estado. (Muitos apoiados.)
Tenhamos vistas largas, para considerar as cousas como ellas são; tenhamos olhos de estadistas; e não apreciemos esta ordem de questões pelo estalão das mesquinharias e das paixões vulgares. (Apoiados.)
O sr. Dias Ferreira accusou-me por eu ter dado á companhia real a linha entre Santa Apolonia e Alcantara, que tendo entrado no caderno dos encargos das obras do porto de Lisboa, é paga pelo estado. É exacto. Entreguei á companhia a exploração d'essa linha. Mas porque?! Por uma rasão muito simples: porque o estado não a podia explorar. (Apoiados.) Nem a podia explorar o estado, nem a podia explorar uma companhia independente.
Como imagina o illustre deputado, que n'uma linha de pouco mais de 5 kilometros, possa haver administração e exploração independentes, achando-se nas mãos de outra companhia exploradora as duas estações terminus d'esse troço de linha?! (Apoiados.)
Para haver uma exploração independente seria necessario ter uma estação central, officinas, casa de machinas, armazens e depositos, material fixo e circulante, tudo como se fosse uma grande linha, e o pessoal correspondente. E isto para uma linha de 5 kilometros! Logo ao primeiro relance se vê, que é um absurdo, quer technicamente, quer economicamente. (Apoiados.)
Vejamos ainda a questão pelo lado das facilidades do commercio. Por ahi seria o caso ainda peior. O estado não podia obrigar a companhia real a que deixasse ligar os seus carris com os da linha marginal, de modo que não houvesse interrupção no serviço. E esta recusa tornaria necessarias as baldeações em Santa Apolonia e Alcantara. Ainda mais: a companhia não podia ser obrigada a dar as suas estações para o serviço em commum, e o estado teria de construir estações suas em Alcantara e Santa Apolonia. Quando mesmo o governo, ou a companhia independente, chegasse a um accordo ou modus vivendi com a companhia real, seriam inevitaveis o augmento de encargos de tarifa, por causa das despezas accessorias, e outras, e as delongas, ainda mais onerosas do que esse augmento de encargos, provenientes das differentes formalidades e operações de verificação, que não podem evitar-se, quando ha transferencia de responsabilidades. Não estou a phantasiar hypotheses: é o que ainda hoje se dá no entroncamento da Pampilhosa, como toda a gente conhece. (Muitos apoiados.)
Accusar-me por aquella concessão é admittir como possivel uma exploração independente. Ora isto não póde rasoavelmente sustentar-se. Desde que as estações terminus, de Santa Apolonia e de Alcantara, estão nas mãos da companhia real, e esse facto não é da minha responsabilidade, (Apoiados.) a exploração da linha marginal só póde ser feita com proveito publico, pela mesma companhia. É ponto que nem mesmo póde soffrer discussão seria. (Apoiados.)
Em França é isso um ponto assentado, como se póde ver na obra de Picard. As linhas de serviço dos portos são consideradas accessorios das linhas terminus.
E a final o que dei eu d'essa linha?! O que paga o estado por ella?! Os terraplenos são feitos para as obras do porto, e para ellas ficam. Portanto, os trabalhos especiaes da construcção da linha reduzem-se exclusivamente ao assentamento d'ella. O assentamento poderá custar 3:000$000 réis por kilometro, ou sejam 15:000$000 réis na totalidade. Uma grande quantia! Mas note a camara o que vou ler. No artigo 14.° do caderno de encargos para as obras do porto de Lisboa, que trata de linhas ferreas, dispoz-se o seguinte:
«As primeiras deverão estabelecer a communicação geral entre a estação do caminho de ferro de Santa Apolonia e a de Alcantara, passando pela estação do caminho de ferro do sul e sueste, e serão de via dupla, não se comprehendendo na empreitada o pagamento das expropriações respectivas á curva de concordancia com a estação de Alcantara, as quaes ficam a cargo do governo.
O governo é que tinha de pagar essas expropriações, no macisso de casario do bairro de Alcantara.
Na clausula 21.ª do alvará de 9 de abril de 1887, que fez a concessão á companhia, estabeleceu-se o seguinte:
«Quaesguer expropriações, ou indemnisações, devidas por
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prejuizos resultantes da execução dos trabalhos ou da exploração, ficam a cargo da companhia concessionaria.»
Quer dizer: o estado passou para a companhia a obrigação, que tinha pelo caderno de encargos das obras do porto de Lisboa, de pagar aquellas expropriações. (Apoiados.}
Ora se o illustre deputado conhece o local, não me contestará que o valor d'essas expropriações é muito superior aos 10:000$000 réis do custo do assentamento da linha, que eu lhe entreguei. (Apoiados.) E assim ha de reconhecer, que a compensação só foi vantajosa para o estado. (Apoiados.}
E aqui está, em resumo, o que eu dei á companhia, a troco de importantes beneficies publicos, que não custam um real ao thesouro. (Muitos apoiados.)
Tendo por mim tão boas rasões, não careço de escudar o meu procedimento com o procedimento alheio. Todavia, não me poderá ser levado a mal, que eu produza um documento para mostrar, que esse grande maleficio de entregar á companhia real dos caminhos de ferro a linha marginal, já estava premeditado e resolvido pelo meu antecessor, que só não levou a effeito o seu intento, por ter caído n'essa occasião. Era a mesma linha. Com uma só differença: e é que eu entreguei-lha envolvida em importantes beneficios para o estado; e o ministerio regenerador entregava-lhe sem nenhuma compensação, ou inteiramente de mão beijada, como custuma dizer se. (Apoiados.)
E não irrogo por isso censuras ao meu antecessor. Pelo contrario; sou o primeiro a defendel-o. O sr. Thomás Ribeiro entregava essa linha á companhia real, porque via muito bem, como toda a gente verá reflectindo um momento, que só ella a podia explorar. (Apoiados.} E já então estava promulgada a lei das obras do porto de Lisboa, e até fechado o concurso para os projectos de execução d'essas obras. (Apoiados.}
Quando tomei conta da minha pasta, a secretaria entregou-me uma proposta de lei, que estava prompta para ser presente n'esta casa, a ver se eu queria apresental-a. Essa proposta de lei fôra modelada, no relatorio e texto, por uma exposição que a companhia real mandara ao governo. O ministro, meu antecessor, annotou por sua letra, a lapis e a tinta, as allegações da companhia, e com essas glossas foi a representação transformada em proposta de lei. Tenho aqui esses curiosos documentos, que a camara póde ver, ainda que não seja senão para apreciar o rigor, a ferocidade, com que o governo regenerador tratava essa companhia, que ora se diz avassalla tudo, mas que, n'esse tempo, até fornecia de sua lavra as minutas dos relatorios e propostas de lei. (Muitos apoiados.)
N'essa proposta, que aqui tenho, vem no artigo 2.° a concessão á companhia real, sem nenhumas compensações, da linha marginal entre Santa Apolonia e Alcantara. Podem objectar-me, que isso não chegou a ser facto consummado; mas eu responderei que, sob o ponto de vista da moralidade, as responsabilidades são iguaes, A moral christã, que deve dar regras tambem para a moral politica, condemna tanto o que pecca por obras, como o que pecca por pensamentos e palavras. (Apoiados.}
Eu tive o cuidado de mandar autenticar este documento sujeitando-o a consulta da junta, não por causa d'este caso da linha marginal, que sempre se me afigurou corrente e sem embaraços, mas por causa de outra questão mais importante, que na mesma proposta se contem, e ácerca da qual eu ainda terei provavelmente de chamar n'esta sessão legislativa a attenção do parlamento.
Tambem se tem dito, que eu entreguei á companhia valiosos terrenos- que ainda ninguem viu, porque nem mesmo existem-os quaes valem quantias muito avultadas. Eu não entro n'esse exame, porque o illustre deputado não se referiu ao assumpto; nem me é licito antecipar defeza contra accusação, que ninguem por ora aqui me fez. Se fallo dos terrenos, é sómente como transicção para a questão dos 145:000$000 réis, que se disse ter o sr. Burnay recebido para não ir ao concurso, o que, segundo o illustre deputado, devia levar o governo a rescindir o contrato com o sr. Hersent. Este caso dos 145:000$000 réis, que effectivamente o sr. Burnay recebeu, prende-se com a questão dos terrenos, conforme eu vou explicar á camara.
Os illustres deputados estão todos os dias a fallar em syndicatos e syndicateiros, e despejam as suas indignações contra uns e outros, como se essa peste fôra creação do ministerio progressista. Eu peço licença para lhes notar, que a primeira vez, que n'uma lei portugueza se poz a a palavra syndicato foi na lei dos caminhos de ferro de Salamanca. (Apoiados.) E a segunda vez foi na lei para as obras do porto de Lisboa. (Apoiados.) Uma e outra lei são de responsabilidade directa do partido regenerador. (Apoiados.} Quem tem as responsabilidades da paternidade, tem-n'a tambem das suas consequencias. (Apoiados.) Sejam mais caridosos comsigo proprios! (Apoiados.)
Ora, na lei para as obras do porto de Lisboa, estabeleceu-se ou promoveu-se a formação de um syndicato para a collocação das obrigações, que o estado tinha de dar em pagamento ao empreiteiro. Esse syndicato podia ser officialmente auctorisado, ou podia ser organisado particularmente pela empreza, que o representaria nos beneficios e encargos para elle estabelecidos. E o que consta do § 7.°, artigo 1.°, da lei de 16 de julho de 1885, que vou ler:
«§ 7.° Um syndicato nacional ou estrangeiro, cuja formação o governo poderá auctorisar, trocará aquellas obrigações por dinheiro corrente, mediante a commissão de 3 1/2 por cento sobre o nominal dos titulos. A empreza poderá, querendo, conservar em seu poder as ditas obrigações, auferir a mencionada commissão, que em qualquer das duas hypotheses será paga pelo governo.
«De todos os modos, porém, nem o syndicato, nem a empreza, poderão em tempo algum negociar nos mercados de Lisboa, Paris ou Londres aquellas obrigações, as quaes, por sorteio semestral, serão amortisadas dentro do praso maximo de quinze annos, a contar do decimo primeiro depois do começo da execução do contrato.»
E aqui se mostra mais uma vez o acerto com que o sr. Fuschini fez em 1885 as propostas, que a camara teve o desacerto de lha rejeitar!
O sr. Fuschini propoz que se eliminasse o § 7.° Não queria syndicatos, nem para a collocação das obrigações, nem para a compra de terrenos. Se o sr. Fuschini não tivesse outros titulos á minha consideração pelo seu grande talento, tinha os pelo que previu no seu discurso sobre o projecto do lei relativo ás obras do porto de Lisboa.
O sr. Fuschini não queria syndicatos; mas a maioria regeneradora, de que faziam parte grande numero dos illustres deputados que hoje se sentam n'esse lado da camara, (o esquerdo}, não dispensou o syndicato.
Ora, foi esta uma das difficuldades maiores que eu encontrei para chamar concorrentes. E, infelizmente, não a podia eliminar, porque estava expressamente fixada na lei.
A lei estabeleceu que o pagamento se fizesse em dinheiro, em terrenos, e em obrigações, de harmonia com o contrato provisorio do sr. Hersent. Os empreiteiros estrangeiros que ahi vieram, diziam me: «Nós sabemos construir; mas não somos financeiros, para negociar papel de obrigações, nem podemos estar adstrictos á venda eventual dos terrenos, que nos derem em pagamento. Paguem-nos a dinheiro, e o governo portuguez que faça essas operações».
O sr. Fuschini parece que em 1885 estava a ouvir estas objecções dos empreiteiros de 1887! Infelizmente foram vozes perdidas no deserto d'esta camara as suas vozes.
E eu respondia a esses empreiteiros: «Os senhores podem ter talvez muita rasão no que dizem; são unicamente constructores, e não financeiros nem negociantes de terrenos; mas a lei é lei, e eu é que não lhes posso dar remedio.» E os empreiteiros iam-se embora!
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Posso afiançar á camara, que foi esta a principal rasão, por que alguns empreiteiros desistiram de ir ao concurso. E comprehende-se facilmente que hesitassem, n'uma empreza de tamanha magnitude, tendo de acrescentar á possibilidade dos accidentes technicos, os riscos de operações do commercio e de transacções financeiras, a que não estavam habituados. (Apoiados.)
Com o sr. Hersent não succedia o mesmo. Porque esse discutira e negociara um contrato provisorio em 1885, com a clausula do pagamento em terrenos e obrigações, e com a hypothese do syndicato. De 1885 a 1887 teve tempo á farta para organisar as suas combinações. E, quando foi ao concurso, foi com uma base certa em dinheiro, tendo negociado com um syndicato particular, como podia fazel-o, a transferencia dos terrenos e das obrigações. D'esta rasão de superioridade para si, e da exclusão para os outros, não fui eu culpado! (Muitos apoiados.)
O sr. Hersent acautelou se e preparou-se a tempo, organisando o seu syndicato; e, quando os outros empreiteiros vieram, acharam a praça tomada. Ora d'esse syndicato do sr. Hersent fazia parte o sr. Burnay. E somos chegados ao caso dos 145:000$000 réis.
A lei fixou em 10$000 réis por metro quadrado o valor dos terrenos conquistados ao Tejo na primeira secção. Mas, quando eu fiz á companhia real a concessão das obras de Alcantara a Belem, o sr. Burnay deu por paus e por pedras, allegando que a massa enorme d'esses terrenos viria depreciar consideravelmente os terrenos da primeira secção, que o syndicato tomára para si n'aquella base. Esta allegação não era inteiramente exacta, porque o valor d'esses terrenos é essencialmente um valor de posição em vista da sua proximidade das docas e dos cães de carga e descarga, não podendo por isso ser sensivelmente modificado com a concorrencia dos terrenos adiante do caneiro ou com quaesques outros.
Mas, ou porque assim o pensasse, ou por outro qualquer motivo, que não importa aqui apreciar, o sr. Burnay queria que o sr. Hersent reclamasse indemnisações, e até que rescindisse o seu contrato, por lhe ter sido prejudicada uma das suas bases financeiras, qual era o valor dos terrenos que havia de receber em pagamento. O sr. Hersent, porém, não podia reclamar indemnisações, porque tinha concordado na concessão á companhia real; e alem d'isso como se desinteressara das questões dos terrenos, respondeu naturalmente aos membros do syndicato, que se arranjassem como quizessem e podessem, que elle nada tinha com isso.
O sr. Burnay não desistiu. E talvez porque achasse melhor o systema do sr. Hersent de liquidar a dinheiro os seus negocios, e de deixar para os outros as operações sobre os terrenos e as obrigações, taes voltas deu e tanto os incommodou, que fez com que lhe entregassem 140:000$000 réis como indemnisação, para se verem livres d'elle e o desligarem do syndicato.
Esta é que me parece ser a historia verdadeira dos 140:000$000 réis, que o sr. Burnay effectivamente recebeu, parte em dinheiro e parte em letras promissorias. Tenho rasões para suppor, que estas minhas informações são verdadeiras, posto que eu nem directa nem indirectamente interviesse n'esta ordem de factos. Em todo o caso, não tomo a responsabilidade d'ellas. O poder judicial investigará e apurará o que sobre tal assumpto houver de verdade, porque o governo não mandou instaurar processo contra pares e deputados ou quaesquer outras pessoas determinadas. Mandou investigar de tudo, e entre os factos apontados estava este dos 145:000$000 réis recebidos pelo sr. Burnay. O facto, como eu o conto, é perfeitamente licito; mas o poder judicial é que o ha de dizer, averiguando se n'elle houve ou não criminalidade.
Agora a moralidade para as nossas luctas politicas! Agora o meu desaggravo contra a guerra cruel da diffamação, que contra mim se levantou!
Emquanto o sr. Burnay esteve no syndicato do sr. Hersent, as cousas do porto de Lisboa tinham corrido regularmente. O proprio Jornal do Commercio, propriedade d'aquelle banqueiro, ainda em 31 de outubro do anno passado, por occasião da inauguração das obras, me dirigia um artigo encomiastico! O sr. Burnay desliga-se do syndicato, zanga-se com o sr. Hersent ou com os seus collegas de syndicato, e desaba a trovoada formidavel, de que a camara tem conhecimento! De modo que são as zangas do sr. Burnay e as suas iras, que dão o bom e o mau tempo! (Apoiados.) Se o sr. Burnay se não zanga com o syndicato, ainda a estas horas eu era um cidadão benemerito, tal qual como o sr. Cortêz em 1885! (Apoiados.)
Eu não quero melindrar os illustres deputados, que se sentam d'esse lado da camara; mas não me negarão que eu tenho mais que legitimos motivos para fazer approximações, que, aproveitando á minha defeza, são tambem uma lição para todos, e um aviso para nos mantermos a respeitavel distancia de influencias, que só querem a politica para instrumento dos seus interesses. (Apoiados.)
A maior parte dos documentos, que foram agora distribuidos já estavam publicados o anno passado, em appendices ao Diario. E essa parte é a mais importante. Agora houve apenas o trabalho de os colleccionar em volume. A camara teve conhecimento d'esses documentos o anno passado, e, depois d'elles publicados, ainda funccionou alguns mezes. Pois nenhuma accusação me foi aqui feita ! Nenhuma interpellação me foi annunciada! Nenhuma pergunta me foi dirigida! (Apoiados.)
O sr. Burnay ainda pertencia ao syndicato, e a opposição estava silenciosa! (Apoiados.)
Mais ainda. Essas photographias dos chamados bonds Hersent, com que depois se fez tanto barulho, e que serviram de ponto de partida para a campanha, que aqui liquidamos, foram conhecidas d'esta camara e da camara dos dignos pares, muito antes do encerramento.
Escuso de indicar os nomes dos deputados e pares do reino, que as tiveram nas mãos. Não obstante, nenhuma pergunta, nenhuma accusação se levantou então. Pensou-se talvez, que a lama d'essas photographias não podia subir até nós, nem pelo contexto d'ellas, nem pelos intuitos, com que essa reproducção photographica fora espalhada.
Não podia nem devia subir até nós pelo seu contexto, porque esse documento, ou havia de se apreciado pelos, seus dizeres, ou não valia cousa alguma. E, pelos seus dizeres, via-se que tinha a data de 15 de dezembro de 1885, e portanto posterior á lei das obras do porto de Lisboa. Era o que bastava para defeza dos regeneradores Via-se que era declarado sem effeito um anno depois da data, isto é, a 15 de dezembro de 1886, e portanto antes de qualquer acto a respeito do concurso e adjudicação. E era o que bastava para defeza dos progressistas! Assim se pensou então, com honra e dignidade para todos, com honra e dignidade para as instituições que representamos! (Apoiados.)
Porque se levantou depois essa lama onde ella nunca devia subir ? É triste dizel-o! Foi só porque o sr. Burnay se zangou! (Apoiados.)
A sessão legislativa encerrou-se em agosto, e eu estive aqui sempre prompto a responder ás perguntas da opposição. A opposição teve á vista os documentos durante quatro mezes. Porque esteve calada ? Como é que assim; pôde estar de pousio durante tantos mezes uma questão, que se apresentou depois como sendo uma gravissima questão de moralidade publica, porventura a mais grave que em tempo algum veiu ao parlamento? Mas então, o que ha de ser da moralidade, da justiça e da dignidade dos homens e dos poderes publicos, se tão graves attentados podem assim ficar absolvidos durante tão largos mezes, não por falta de documentos, mas por abandono e indifferença ?
Acima de tudo me doe este facto: que se passasse uma sessão inteira, sem me ser dirigida a mais pequena accu-
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sacão, e que se levantasse contra mim uma guerra cruenta, quando o sr. Burnay se dignou zangar-se! Assaltado com igual ou maior furia ainda por deliberação espontanea dos meus adversarios, doer-me-ia menos. Eram os meus pares! Mas ver os meus adversarios cobrir os assaltos do banqueiro zangado... doeu-me muito! Doeu-me por todos nós. Tristissima cousa vae ser a politica, se temos de continuar por esse caminho! (Apoiados.)
E não accuso v. exas de cumplicidade n'essas manobras de financeiros. Não os accuso de instrumentos conscientes d'essas especulações odiosas. Não lhes faço essa injuria. Mas v. exas são culpados de aproveitarem sem prudente exame tudo o que lhes parece poder servir como arma de guerra contra o governo. Je prends mon bien oú je le trouve.
N'estes tempos que vão correndo, é necessario ter cautela em não seguir á risca esta regra. V. exas viram levantada uma questão com uma certa vehemencia; pareceu-lhes que ella podia impressionar as massas; e precipitaram se em cima d'ella para a explorarem contra o governo, sem se darem ao incommodo de examinar, por que motivo e em que condições essa questão se levantava. Pois valia a pena que o tivessem feito. Porque eu pergunto a todos, em boa paz, fazendo um appelo á consciencia intima de cada um, se estes factos não concorrem poderosamente para o descredito e o desprestigio dos partidos politicos e de todos os homens publicos?
O lodo, com que me quizeram macular, fica á porta do meu ministerio, á espera do meu successor, qualquer que elle seja! É assim que vae crescendo o monte.
Pergunto-lhes se é digno de nós e da nossa missão, que em qualquer lado da camara, que nos sentemos, sejamos os instrumentos de quaesquer banqueiros?! (Muitos apoiados.)
Eu podia não me doer profundamente se s. exas na sessão de 1887, quando já eram conhecidos todos os factos, todos os documentos, viessem arguir-me. Mas passa-se uma sessão inteira, nada dizem, achara tudo bom, e é necessario que o sr. Burnay se despeite para que s. exas levantem esta questão! (Apoiados.)
Appello para a dignidade de s. exas para que me digam se isto acredita as instituições parlamentares e a vida dos partidos, e se não é conveniente e necessario que cada um de nós, dentro da sua esphera, procure com empenho arredar de si apparencias ou accusações de solidariedades repugnantes e connivencias mais repugnantes ainda, que são hoje um dos principaes elementos do descredito e do desprestigio dos partidos politicos. (Vozes: Muito bem.)
passo adiante.
Notava o sr. Dias Ferreira que a questão dos réis 140:000$000 apparecera depois da apresentação, n'esta casa, de uma proposta do sr. ministro da fazenda, o sr. Marianno de Carvalho, modificando o pagamento em obrigações.
Uma explicação a respeito da fórma do pagamento. Nos termos da lei de 15 de julho o pagamento tem de ser feito, como já disse, parte em dinheiro, parte em terrenos e parte em obrigações. Chamo muito particularmente a attenção da camara para este ultimo ponto.
Estipulou-se que as obrigações fossem de valor nominal de 90$000 réis, tomadas firmes a 80$000 réis com o juro de 5 por cento e 3 1/2 por cento de commissão para o syndicato.
Portanto o encargo d'esta operação, como em 1885 foi demonstrado pelo sr. Barros Gomes, será superior a 7 l/2 por cento.
Note-se ainda outra circumstancia importante: e é que não só tornou facultativa, mas obrigatoria esta fórma de pagamento.
O governo não póde á sua escolha pagar em obrigações ou em dinheiro. Ha de pagar em obrigações e em dinheiro, nas proporções fixadas na lei.
A ultima collocação de obrigações do estado fez-se abaixo de 5 por cento. Portanto, entregar hoje obrigações com um encargo superior a 7 1/2 por cento, dá uma margem de prejuizo de mais de 2 1/2 por cento, o que póde subir a muitas centenas de contos de réis. Aqui está o que a lei de 16 de julho de 1885 estabeleceu!
Os legisladores de 1885 procederam assim por imprevidencia. Mas quando agora os ouço, a desdenharem da alta dos fundos, que fingem considerar como facto sem importancia ou perfeitamente normal, tenho o direito de invocar essa imprevidencia como desmentido aos desdens de agora.
O partido regenerador nunca pensou, que os fundos podessem subir á cotação, em que se encontram. Se tivesse julgado possivel essa hypothese, não teria estabelecido na lei de 16 de julho, como obrigatorio, um typo de papel, que, se era favoravel em relação ás cotações d'esse tempo, havia de tornar-se prejudicialissimo com cotações mais altas. (Apoiados.)
Imaginaram ingenuamente, que ninguem podia levar os fundos mais alto. Pois se elles então apregoavam, que tinham o monopolio do credito nacional!
O caso é que, por esta ingenuidade e imprevidencia, temos de fazer avultados pagamentos em titulos com encargo de mais de 7 1/2 por cento, quando analogos titulos do estado acham facil collocação abaixo de 5 por cento! (Apoiados.)
Como bem notou o sr. Dias Ferreira, quanto mais alto subirem os fundos, maior será a differença entre os dois typos, e maior, por conseguinte será o prejuizo, que póde ser superior a l.000:000$000 réis. Economias regeneradoras a contrastar com os esbanjamentos progressistas ! (Apoiados.)
O sr. Marianno de Carvalho preoccupou-se, como não podia deixar de ser, com este facto; e por isso veiu á camara, e apresentou a seguinte proposta de lei:
"Artigo 1.° É auctorisado o governo a modificar as condições da emissão, salvo o valor nominal e a taxa de juro, das obrigações creadas pela lei de 15 de julho de 1885, de modo que se obtenha economia nos encargos da operação."
A taes tempos somos chegados, que o apresentar-se uma proposta de lei, para se obter uma economia nos encargos de uma operação, o corrigir, quanto possivel, as consequencias desastrosas de uma imprevidencia e leviandade censuraveis, é motivo para accusações e desconfianças! Pois se isto não é zelar cuidadosamente os interesses do estado, então não sei o que o seja. (Apoiados.}
Ainda a respeito dos 145:000$000 réis, contou-se n'um jornal que o sr. Burnay fora a casa do sr. presidente do conselho e lhe dissera que recebera 145:000$000 réis para desistir de ir ao concurso.
Isto não é verdade.
E o caracter do sr. Luciano de Castro, que o chefe da opposição regeneradora qualificou na camara dos dignos pares de garantia para todos, faz desde logo crer que ninguem se atreveria a ir fazer lhe uma tal declaração.. O sr. Arroyo: Eu peço licença a s. exa para dizer que quem o affirmou foi o Diario popular.
O Orador: Que a noticia apparecesse no Diario popular, ou nas Novidades ou em outro qualquer jornal, seria a mesma coisa. É preciso que os illustres deputados se acostumem a não ver sempre as personalidades dos ministros detraz de determinados jornaes. (Apoiados.) Não attribui a noticia a ninguem; disse apenas que tinha apparecido n'um jornal uma noticia, que não era verdadeira.
Effectivamente, a noticia que appareceu de que o sr. Burnay fora confessar ao sr. presidente do conselho ter recebido 145:000$000 réis para não ir ao concurso, não era nem podia ser verdadeira. O conhecido caracter e a respeitabilidade inconcussa do sr. presidente do conselho, tirariam a qualquer o appetite de lhe fazer tal confissão; e estou certo de que, se houvesse alguem, tão ousado que lh'a
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fizesse, com certeza que teria de sair de sua casa com mais ligeireza do que para lá entrara. (Apoiados.)
A declaração foi muito outra. Mas basta saber-se que não foi isso nem podia ser isso; e como não temos que discutir no parlamento uma conversação particular, desde que sabemos que não foi aquillo que se disse, não ha que discutir mais o que se passou entre o sr. Burnay e o sr. presidente do conselho a esse respeito. (Apoiados.
Vozes: - Muito bem.)
Mas pergunto: esse facto, tal como eu o contei, ou tal como o contou o jornal, podia porventura em caso algum ser invocado como motivo para o governo rescindir o contrato, conforme o illustre deputado o sr. Dias Barreira sustentou? (Apoiados.)
O illustre deputado, que é um jurisconsulto eminentissimo, mestre de nós todos que lidamos na jurisprudencia, ainda que eu ando ha tempo afastado d'ella, mas que assim mesmo considero como mestre, (Apoiados.) póde porventura sustentar que por uma simples noticia de um jornal, sobre a applicação eventual de um determinado artigo do codigo penal, se póde rescindir um contrato feito com as formalidades legaes ?
Não póde ser!
S. exas estão todos os dias a fallar em legalidade e liberdade, mas de quando em quando dão conselhos ao governo para saltar por cima de todas as leis e de todas as garantias sociaes. São conselhos de tyrannia, conselhos proprios de um governo absoluto !
Pois a rescisão dos contratos não é um assumpto que está regulado pelo codigo civil, que tem preceitos e regras para se dirigir e que não está dependente do arbitrio do governo? Não sabe s. exa isto perfeitamente?!
Não sabe s. exa que depois de assignado um contrato ha direitos adquiridos de um e de outro lado ? Sabe com toda a certeza. Depois, só os tribunaes.
Ainda mesmo que se apurasse materia criminal, podia não haver motivo para a rescisão do contrato.
Póde ter-se averiguado, provado e julgado tudo; o sr. Hersent e O sr. Burnay serem condemnados em policia correccional; e ainda assim esses factos todos não ser base sufficiente para se rescindir o contrato. (Apoiados.)
Isto é corrente.
Pois acaso o governo podia, só por uma noticia de um jornal, rescindir um contrato ?
Isto não se póde dizer.
E se o illustre deputado quiz dizer, que devia mandar instaurar o processo para isso, eu responderei que o processo está correndo, e que é, pelo menos, prematura a sua accusação. (Apoiados}
Tambem o illustre deputado disse que o governo podia e devia annullar o concurso!
Se eu tenho annullado o concurso, que as estacões officiaes achavam regular, então é que ficava aceiado! (Riso.}
O sr. Dias Ferreira disse que o governo devia annullar o concurso por o sr. Burnay ter feito o deposito e não ter ido ao concurso. Esse facto póde effectivamente ser indicio da existencia de quaesquer machinações menos correctas.
Não o contesto, e perfilho inteiramente a opinião do jornal, que o illustre deputado leu. Mas d'ahi até constituir motivo para se annullar um concurso de tão grande responsabilidade, vae uma distancia enorme. (Apoiados.)
Bastará dizer que, vingando tão apertada doutrina, estava descoberto um meio facil de annullar concursos, quando houvesse interesse em os adiar. O individuo, que tivesse interesse em annullar um concurso, para se reabrir mais tarde, faria o deposito e não apresentaria proposta. Concurso annullado! diz o sr. Dias Ferreira. Pois isto póde lá ser ?! (Apoiados.) Assim é que ficava aberta a porta a todas as especulações criminosas: (Apoiados.)
Imaginem por um momento os illustres deputados que eu vou annullar o concurso, só parque tenho quaesquer informações de um jornal ou porque apuro que houve um
individuo, que fez o deposito, mas que não apresentou proposta ! O que ahi não vae ! O sr. Hersent estava até ali considerado como um homem consciencioso, engenheiro distinctissimo, conforme os proprios termos do relatorio do sr. Fontes - comquanto não fosse necessario esse relatorio porque o paiz já sabia que o sr. Hersent era um engenheiro distincto, era talvez o empreiteiro melhor e mais conhecido no mundo em obras hydraulicas.
Abre-se o concurso, preside a elle o procurador geral da corôa, e todas as estações officiaes dizem, que está em condições regulares para ser approvado. Não obstante, annullo o concurso. Imagine-se o que cairia sobre mim, santo Deus!
"Então porque é", dir-se-ia, que annullou o concurso e privou a cidade de Lisboa dos serviços desse Homem eminente, que o sr. Fontes foi desencantar ao fundo da Europa? É por que protege o sr. Bartissol ou o sr. Reaves ou outro empreiteiro, que fica para segundo concurso".
Se eu tivesse annullado o concurso, havia de dizer-se que eu procedera assim, com o desejo de proteger algum d'aquelles empreiteiros que ficaram fora do concurso; e dir-se-ia tambem que o ministro das obras publicas estava conluiado com elles, e que, por isso, annullára o concurso.
Era o que se havia desdizer; e por mais fortes que fossem os motivos que interiormente eu tivesse para ter annullado o concurso, ninguem os acceitaria como bens; a imprensa havia de ser fundadamente contra mim, embora eu tivesse os mais serios motivos para ter assim procedido, porque todas as apparencias me seriam contrarias.
E a verdade é que eu não tinha motivo algum para fazer essa annullação arbitraria.
Desde que havia um concurso, regularmente feito, e em que tudo era approvado pelas estações officiaes, em favor de um engenheiro, sobre cuja capacidade e idoneidade não podia haver a menor duvida, esse concurso estava nas mais perfeitas condições de ser acceite. Se eu o annullasse dir-se-ia, com todas as apparencias de verdade, que o fazia para proteger os empreiteiros que tinham ficado fora do concurso ; e então è que era um homem ao mar !
r. presidente, eu tenho ainda que dizer alguma cousa, principalmente sobre o que constituiu a ultima parte do discurso do illustre deputado, o sr. Dias Ferreira. Vou, porém, abreviar, porque, em contrario do que se julga de boa tactica parlamentar, quero deixar o final da sessão ao orador, que vae responder-me. Sou bon enfant, e abandono-lhe as honras da sessão.
Disse o illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, que não tomou parte no inquerito parlamentar, porque esse acto era de suspeição contra o governo, e por isso entendia que não podia fazer parte de uma commissão de inquerito, relativo a actos do ministro das obras publicas, ficando este no poder; que o inquerito importava sempre uma suspeição, e portanto devia determinar a saida do ministro respectivo.
Ora eu vou mostrar a s. exa o que é o inquerito parlamentar, nos termos do artigo 14.° do acto addicional:
"Art. 14.° Cada uma das camaras das cortes têm o direito de proceder, por meio de commissões de inquerito,
o exame de qualquer objecto da sua competencia.
" unico. Ficam d'este modo addicionados e ampliados os artigos 36.°, 1.° e 139.° da carta constitucional."
Por consequencia, o inquerito é uma funcção normal das cortes; e, sendo assim, evidentemente o exercicio d'esta funcção não importa uma situação anormal, como o é sempre uma crise e a saida de um ministro. ( Apoiados.)
Desde 1845 até agora tem havido muitas commissões de inquerito.
Se consultarem o livro do sr. barão de S. Clemente, sobre estatisticas parlamentares, encontram ali um grande rol de commissões de inquerito, umas propostas pela opposição, outras propostas pela maioria, e até algumas simultaneamente propostas pela opposição e pela maioria, e umas ap-
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provadas e outras rejeitadas. Para não cansar a attenção da camara com a leitura d'esse grande rol, lembrarei que em 1864 discutiu-se em ambas as casas do parlamento a celebre questão da mocada, questão que apaixonou muito n'aquella epocha os partidos politicos.
Na camara dos dignos pares, na sessão de 20 de fevereiro, d'esse anno, levantou-se um digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, e apresentou uma moção de censura ao governo, terminando por pedir uma commissão de inquerito; o sr. duque de Loulé, presidente do concelho, proferiu as seguintes palavras textuaes, que se acham publicadas no Diario da camara:
"Emquanto á moção de ordem, que s. exa o sr. Sebastião José de Carvalho apresentou, para a nomeação de uma commissão de inquerito, eu sou o primeiro a pedir á camara que a approve."
A camara approvou a nomeação da commissão, e o governo ficou.
No dia 22, n'esta camara, o sr. José Luciano apresentou uma moção de confiança ao governo, e propoz a nomeação de uma commissão de inquerito. A commissão foi eleita, funccionou e o governo conservou se no poder.
Este é o exemplo de uma commissão de inquerito, proposta simultaneamente pela opposição e pela maioria, e ficando o governo no seu posto.
O inquerito não significa só por si uma suspeição especial. De suspeição é a essencia do regimen parlamentar. Mas partindo a proposta da maioria, ou sendo por ella acceita, a proposta, longe de significar suspeição especial e hostilidade politica, póde significar confiança. (Apoiados.) Foi o que succedeu em 1864; foi o que succedeu agora.
(Apoiados.)
Basta ter em attenção os termos da proposta do sr. Villaça, meu prezado amigo, e que foram os seguintes:
"A camara, desejando, de accordo com o governo, que se esclareçam todas as duvidas e se dissipem todas as preoccupações que possa haver a respeito da completa regularidade dos differentes actos administrativos referentes á abertura do concurso, adjudicação e approvação definitivas dos projectos das obras do porto de Lisboa, resolve, no uso do artigo 14.° do primeiro acto addicional á carta constitucional, nomear uma commissão de inquerito, composta de nove membros, para investigação minuciosa dos mesmos actos, podendo a mesma commissão examinar os documentos e inquirir testemunhas, e devendo sujeitar á apreciação da camara, no mais breve praso possivel, o resultado dos seus trabalhos."
A formula de accordo com o governo tirava a esta proposta qualquer sabor de suspeição e desconfiança politica. (Apoiados.)
Mas ainda que a proposta partisse da opposição, como censura aberta, isso não modificaria a situação, como a não modifica qualquer outra proposta de censura, que a camara admitte á discussão, e que só no fim rejeita. (Apoiados.) São estas as normas do livre exame e larga discussão do regimen parlamentar.
Se outra doutrina prevalecesse, se pelo facto da nomeação de uma commissão de inquerito os ministros tivessem de abandonar estas cadeiras, estava achado o meio facil de pôr fóra d'aqui qualquer governo.
Para não offender a magestosa instituição da imprensa, permitta-me a camara que eu, para me referir a ella, reproduza a distincção feita no ultimo e notabilissimo discurso de Bismarck, que foi mandado distribuir como livro classico por todas as escolas da Allemanha. Bismark, distinguiu entre imprensa e tinta de imprensa .É uma distincção fundamental, profundamente verdadeira, e que póde vir a tornar-se utilissima.
Para se derribar um ministro bastaria alugar ou comprar tres ou quatro potes de tinta de imprensa, mais ou menos grossa, ou mais ou menos fina, conforme as circumstancias. É artigo que não falta no mercado. Algumas semanas antes de se abrirem as cortes, denegria-se a reputação d'esse ministro, com os borrões mais carregados.
Aberto o parlamento, levantava-se um membro da opposição, pedia uma commissão de inquerito nos actos d'esse ministro, em nome dos negros borrões da tinta de imprensa; e este, ou acceitava a commissão e ia para a rua; ou, se não acceitava e ficava no governo era um homem completamente perdido, porque se ficaria dizendo que fugia á investigação da verdade, para que se não descobrissem as provas dos seus crimes.
Imaginem os illustres deputados que o ministro, pelas rasões da sua dignidade e do seu brio, pondo as acima dos seus direitos e dos deveres que tem com a maioria, com o sou partido e com o paiz, atirava com a sua pasta, e saia do poder; peior era ainda porque, logo que o ministro saisse, nunca mais se fallava no inquerito, e depois explica-va-se, segundo o costume da terra, e pela brandura dos nossos costumes: não se precisa fazer inquerito, porque o ministro já saiu. Pois assim, ainda a situação do ministro era mais deploravel. O ministro saia, e o inquerito não se fazia, ou não dava resultado; e os seus detractores explicariam, dizendo que o ministro já estava bem castigado com a queda, e que se não deve bater em homem morto.
O ministro ficaria sem pasta, sem inquerito, sem desaggravo e sem reputação.
Ao menos, o ministro que fica, fazendo rosto aos seus adversarios, póde dizer com affouteza que nada se esconde por compaixão, e que nada se calla por benevolencia. A intransigencia das paixões politicas é fiador seguro de que não deixará de vir a lume o que no inquerito possa apparecer contra o ministro. É isso mesmo o que eu desejo. E é por isso que aqui me conservei! (Muitos apoiados.)
Não comprei com a minha queda a benevolencia dos meus accusadores. (Apoiados.} Digam da sua justiça, que eu direi da minha. (Apoiados.}
Por consequencia, o inquerito parlamentar não impõe absolutamente nada ao governo, quer a proposta parta da maioria, quer ella parta da opposição. A proposta de inquerito representa uma moção de confiança, ou abertamente de desconfiança, conforme as circumstancias que n'ella se dão, mas não póde impor nunca a saida de um ministro. (Apoiados.) Excepto se a desconfiança é perfilhada, pela maioria, porque então entra o caso nas regras normaes.
Vou terminar. Creio ter respondido a todos os pontos do discurso do illustre deputado o sr. Dias Ferreira, e mais uma vez devo agradecer-lhe a perfeita correcção em que sempre se manteve. A cortezia e a delicadeza já não são moedas tão vulgares que não haja o dever de agradecel-as como favor! Se me vir obrigado a usar da palavra fallarei de outros pontos, a que não me referi agora para não antecipar defeza. Os meus amigos dirão o resto, porque eu não quero contrarial-os no desejo que, sei, elles têem, e que muito me penhora, de intervirem n'esta discussão, perfilhando, como sua, a minha causa. (Muitos apoiados.)
E essa é uma consolação para os desgostos soffridos. Preoccupa-me muito pouco o que dirá a tinta de imprensa; mas preoccupa-me muito o que possam dizer aquelles, cuja opinião represente um valor moral attendivel. Sei quaes são as exigencias dos antagonismos partidarios; mas sei tambem, que elles deixam sempre uma larga margem para os testemunhos de consideração pessoal. E a consciencia, que tenho dos meus actos, dá-me a esperança de que esta discussão terminará, podendo dizer-se com verdade, que o ministro, que aqui está, não envergonha o seu logar, e que, não tendo perdido nunca a estima dos seus collegas e a confiança dos seus amigos politicos, não desmereceu tambem da consideração, que lhe devem os seus adversarios.
Emquanto ao mais, estou certo que d'aqui a alguns annos, póde ser que diante das obras magnificas do porto de Lisboa, alguem se lembre do ministro que para ellas con-
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correu com alguma energia e boa vontade; mas o que ninguem se lembrará é das injurias e calumnias que por tal motivo elle soffreu!
Tenho dito.
Vozes : Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)
O sr. Pedro Victor: Sr. presidente, começo por ler a minha moção de ordem: È a seguinte:
"A camara, reconhecendo que o empreiteiro P. H. Hersent vae auferir lucros sobremodo elevados (superiores a 2.700:000$000 réis) na illegalissima adjudicação das obras do porto de Lisboa, feita, com pleno assentimento do conselho de ministros, pelo actual ministro das obras publicas, commercio e industria, lamenta profundamente que o governo praticasse um acto tão contrario ás leis quanto nocivo aos interesses do estado, e passa á ordem do dia."
No meu entender, sr. presidente, como v. exa ve por esta minha moção, o empreiteiro Hersent vae ganhar a fabulosa e extraordinaria somma de 2.700:000$000 reis, ou ainda mais.
Não entro n'este calculo em consideração nem com a experiencia, nem com o talento e excepcional competencia do empreiteiro, competencia, talento e experiencia que hão de trazer á administração da sua empreitada as condições necessarias para ella render o mais que for possivel. (Apoiados.)
Não faço conta com os ganhos que elle póde tirar da sua habilidade, do seu talento e da sua competencia; digo simplesmente que elle vae ganhar 2.700:000$000 réis, deduzidos do orçamento comparado das obras que tem a fazer e do que serviu de base ao concurso.
Para mim é esta a questão das obras do porto de Lisboa, (Apoiados.) e é esta a questão que vou tratar.
Considero este facto como um erro administrativo do governo, e como um erro de primeira ordem. (Apoiados.)
Desde o momento que assim o demonstrar, eu tiro a consequencia politica de que os homens que ali estão sentados não podem continuar a governar por terem procedido d'esta fórma. (Apoiados.)
Quem os ha de substituir? Não sei nem quero saber.
Se o Rei de Portugal, se a nação, portugueza teem confiança no partido progressista, ainda ha de haver sete homens bastante intelligentes e bastante conhecedores dos negocios publicos para irem occupar o logar d'aquelles que estão gastos e que não podem continuar á frente dos negocios do paiz. (Apoiados.)
Para mim é esta a questão, como disse, das obras do porto de Lisboa. Esta e nenhuma outra. (Apoiados.)
Junto d´esta questão, sr. presidente, existe outra que com ella anda ligada, mesmo intimamente unida.
O empreiteiro Hersent mette no seu bolso estes réis 2.700:000$000, ou contratou a divisão d'este lucro com alguem, com algum ministro, com algum par, com algum deputado, ou com algum funccionario publico?
Não sei. Não entro n'essa questão.
Eu venho ao parlamento, não para produzir insinuações, mas para apresentar demonstrações; venho aqui expor o resultado dos meus estudos, das minhas convicções, e dos meus trabalhos.
Quando não tenho documentos para apresentar, não devo levantar insinuações, e sobre a divisão dos lucros, por consequencia, nada direi.
Os homens das raças latinas são naturalmente sentimentaes e impressionaveis.
D'esta verdade, que eu julgo incontestavel, nasce, em minha opinião, o amor que ellas têem pelos contrastes.
Foi por este motivo que me agradou o discurso do sr. ministro das obras publicas, no primeiro dia, em resposta a uma exposição serena e moderada do meu amigo o sr. Dias Ferreira.
Levantou-se s. exa irritado e altivo, fazendo um discurso altisonante.
Gostei, porque a defeza não podia escolher peior caminho. Gostei ainda, por ser um verdadeiro contraste com o discurso do sr. Dias Ferreira. (Apoiados.)
No dia seguinte s. exa fez uma completa mudança, que não sei bem explicar, mansamente expoz a questão, e eu ainda gostei, pela mania dos contrastes e porque, sendo a minha indole parlamentar pouco irritavel, e sendo esta questão technica, só poderia ser ella tratada com vantagem no pé em que s. exa a poz n'esta ultima parte do seu discurso.
Eu estimo que assim seja e vou continuar, seguindo o exemplo de s. exa Uma antiga praxe parlamentar, obriga-me, antes de começar a exposição mais ou menos especial que quero trazer á apreciação da camara, a responder ao orador que me antecedeu, e vou, por isso, começar a responder a s. exa de uma maneira rapida, de relance, tocando os diversos pontos do seu discurso que merecem mais particular attenção, e depois entrarei propriamente no exame e na demonstração da moção de ordem que acabei de mandar para a mesa.
Alguns pontos d'aquelles que foram frisados pelo sr. ministro das obras publicas, considero eu como incidentaes, debaixo do ponto de vista em que encaro a questão, outros entendo que têem mais importancia. Aos primeiros darei unia resposta mais ligeira e mais succinta.
Disse o sr. ministro das obras publicas "que a liberdade de imprensa assassinava a liberdade no nosso paiz!"
Lamento que s, exa tivesse proferido esta phrase, porque na minha opinião se s. exa está sentado n'esse logar, deve-o de certo, não completamente, mas principalmente a existir no nosso paiz liberdade de imprensa.
E comquanto eu considere, que s. exa não administra bem, que s. exa não foi bem collocado no ministerio, comquanto considere que a presença de s. exa nos conselhos da coroa é nefasta, antes quero que se repita esse facto o que muitas vezes suba aos conselhos da coroa um homem como o sr. Navarro, nos braços e com o amparo da imprensa do que deixo de existir essa liberdade?
E sobre isto nada mais direi, pois que vamos tratar das obras do porto do Lisboa e não da liberdade de imprensa.
Porque é que s. exa trouxe para á discussão da camara aquillo a que chamou a campanha da diffamação?
É porque o sr. Dias Ferreira no seu discurso, ou eu que começo agora a fallar, provocassemos s. exa para que dissesse á camara o que contou a respeito da campanha da diffamação?
De certo não.
Mas já que s. exa se referiu á imprensa vou historiar, em duas palavras, o que ali se passou sobre a questão das obras do porto de Lisboa.
imprensa tratou esta questão das obras do porto por dois modos.
N'uma colleção de artigos publicados em jornaes de diversas cores politicas foi esplanada a questão administrativa, a mesma que eu agora vou expor. De um e outro lado se terçaram as armas, e a, ultima palavra como todos sabem foi dita pelos jornaes da opposição. (Apoiados.)
Em outra collecção de artigos, e é a esta parte da discussão da imprensa que s. exa chama provavelmente a campanha da diffamação, publicados tambem em jornaes, de diversos grupos, e especialmente nos jornaes republica nos, dirijiram-se ao caracter pessoal de s. exa acerbas e amargas censuras.
Essa questão, ou se derime nos tribunaes, ou pessoal e directamente, ou se despreza quem a provoca. (Apoiados.} É uma questão pessoal com s. exa Nada tenho com o que fez, com o que fará, ou como tenciona resolvel-a; é
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uma questão para ser tratada lá fóra. (Apoiados.) Sobre ella nada direi.
Vamos agora ao processo judicial.
Procurou s. exa defender o governo e a situação das accusações feitas pelo sr. Dias Ferreira por ter mandado instaurar o processo judicial.
Sobre este ponto apenas tenho a fazer uma reflexão.
Juntaram-se os artigos em que se tratou, na imprensa, das obras do porto de Lisboa e remetteram-se para juizo, mandou-se instaurar o processo judicial e a unica cousa que eu estranho é que, sendo s. exa o mais accusado, a pessoa a quem foram dirigidas as mais amargas censuras, não abandonasse esse logar no momento em que se mandou instaurar o processo. (Apoiados.) Isso é que eu não comprehendo.
Não entendo que se accusem os pares e os deputados e v. exa fique no ministerio sendo o principal dos incriminados. {Apoiados.)
Para que o paiz possa suppor que esse inquerito e serio e bem intencionado, na minha opinião, que póde não ser a melhor, s. exa deveria ter saldo do ministerio no mesmo dia em que se mandou instaurar o processo. (Apoiados. )
É o que tenho a dizer sobre este ponto.
S. exa no correr do seu discurso, e respondendo ainda ao sr. Dias Ferreira, censurando-o a elle e a mim, por termos dirigido esta interpellação ao governo, e não sei se querendo produzir effeito na maioria, declarou que as responsabilidades do governo não estavam ligadas senão á parte em que elle acceitou a auctorisação que lhe dava a lei de 16 de julho do 1885, e, ainda, que os seus collegas no ministerio não tinham responsabilidade de qualquer ordem em todos os actos por s. exa praticados na adjudicação final das obras.
Eu nego esta asserção. Não póde ser. Ou s. exa se enganou ou estes documentos que aqui temos, não são verdadeiros. (Apoiados.)
O acto mais importante que se deu na adjudicação das obras do porto de Lisboa é o despacho de 9 de abril, que adjudicou estas obras ao sr. Hersent. Este despacho é feito depois de resolução do conselho de ministros, logo todo o governo tem a mesma responsabilidade que s. exa n'esta questão. (Apoiados.}
Temos agora um outro ponto a que vou referir-me e que merece mais alguma attenção.
Disse o sr. ministro no seu penultimo discurso que vinha defender o sr. Fontes.
Com que direito? Quem o auctorisou a dizer que vem defender o sr. Fontes? (Apoiados.)
Permitta-me que lhe diga, sr. ministro, que eu rejeito essa defeza, (Apoiados.) em meu nome e em nome dos meus amigos politicos. (Apoiados.) E não a acceito porque não é sincera, nem a posso considerar como tal, porque é uma insinuação. (Apoiados.)
Eu vou demonstrar o que é essa defeza, e a camara verá se ella representa ou não, em vez de um acto de contricção feito por s. exa, mais um ataque e uma flagrante injustiça, (Apoiados.) que não teve duvida em se fazer à um homem que já não existe. (Apoiados.)
Em que consiste a defeza?
O sr. ministro quiz demonstrar á camara que a idéa do sr. Fontes era entregar a empreitada das obras do porto de Lisboa ao sr. Hersent.
Foi isto o que o sr. ministro disse.
Qual era o processo que o sr. Fontes seguiria na opinião de s. exa?
O sr. ministro, lendo um trecho de um discurso pronunciado pelo sr. Fontes n'esta camara, e ligando-o com outros periodos de outro discurso pronunciado pelo mesmo estadista na camara dos pares, mas tomando isoladamente esses trechos sem estabelecer a ligação completa das idéas expendidas nos dois discursos, (Apoiados.)fórmou uma opinião e um pensamento perfeitamente inexacto. (Apoiados.} Eu vou dar a explicação completa. Dizia o sr. Fontes na camara dos deputados, respondendo ao sr. Marianno de Carvalho:
"A minha opinião, a minha idéa era fazer um contrato particular com o sr. Hersent; era vir pedir á camara auctorisação para fazer esse contrato; mas como eu vivo em Portugal, como estou n'este paiz, venho á camara pedir auctorisação para abrir concurso onde o sr. Hersent ha de ir com todos os outros." (Apoiados.)
Mais tarde na camara dos pares dizia o sr. Fontes em resposta ao sr. Vaz Preto:
"Eu podia mandar fazer o projecto das obras por um engenheiro portuguez, podia mandal-o fazer por um estrangeiro, pelo sr. Hersent, por exemplo, mas não o mando assim elaborar, porque n'este caso a pessoa que tenha de fazer o projecto por minha ordem tem grandes vantagens sobre os outros empreiteiros, quando venha ou organise companhia para licitar no concurso." (Apoiados.) É isto o que o sr. Fontes disse. (Apoiados.)
Qual é o raciocinio que fez o sr. Emygdio Navarro? É o seguinte. O sr. Fontes abriu um concurso, mas tinha na sua idéa, no seu pensamento, quaesquer que fossem os projectos presentes no concurso, approvar sempre e em todos os casos o do sr. Hersent para assim lhe dar essa vantagem.
Ora isto é que o sr. Fontes nunca disse, (Apoiados.) e para se affirmar é preciso que s. exa o prove. (Apoiados.) O sr. Franco Castello Branco: Ou se prova ou não se diz.
O Orador: Exactamente, ou se prova ou não se diz. O sr. Franco Castello Branco: Apoiado, apoiado.
O Orador: Liquidada esta questão vou tratar outro assumpto, que tambem julgo de muita importancia, e parece-me que merece a nossa especial attenção.
A lei de 16 de julho de 1885 diz no seus 4.°, eu peço á camara que attenda a estas palavras da lei: " O concurso versará sobre o preço das obras, o qual não poderá ser superior a 10.800:000$000 réis ". (Apoiados.)
O sr. ministro diz que estas palavras "o concurso versará sobre o preço das obras", se devem interpretar assim:
"o concurso versará sobre o preço e sobre tudo o mais que o governo entender ". Esta é a interpretação que dá o sr. ministro. (Apoiados.}
Peço aos doutores em leis que me digam se as palavras
"o concurso versará sobre o preço das obras" não querem dizer que versará sobre o preço das obras, nem mais nem menos, e só o preço das obras. Isto é claro, todo o mundo entende. (Apoiados.)
Mas vejamos quaes foram os argumentos produzidos pelo sr. ministro para dar um simulacro de rasão á sua interpretação. Foi esta a argumentação de s. exa
O sr. Fuschini quando se tratou da discussão d'esta lei fez um primoroso discurso na noite de 2 de julho de 1885, defendendo tres propostas que mandou para a mesa.
A terceira proposta feita pelo sr. Fuschini diz o seguinte:
"3.° Que sejam eliminadas da proposta de lei às disposições dos 4.°, 5.°, 6.° e 7.°, abrindo-se unicamente a licitação sobre o preço das obras que o orçamento approvado fixar, admittida a condição do 9.°" O que quer dizer esta proposta?
O sr. Fuschini era de opinião que as bases financeiras da lei não eram acceitaveis; isto é, era de opinião que os processos para obter os necessarios recursos para pagar o custo das obras e a maneira de fazer os pagamentos não eram os melhores.
Tinha essa opinião e fazia na sua proposta o pedido para se eliminarem os 5.°, 6.° e 7.°
O sr. Fuschini era ainda de opinião que não houvesse doca de fluctuação, opinião que elle fundamentou de uma maneira admiravel e com a qual plenamente concordo,
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expondo o seu estudo sobre esse ponto de um modo verdadeiramente notavel.
O sr. Fuschini defendia esta idéa, e portanto, desde o momento em que não houvesse doca de fluctuação, as despezas com as obras seriam muito menores; e como o 4.° dizia na sua ultima parte que o preço das obras não excederia 10.800:000$000 réis, o sr. Fuschini não queria admittir que estivesse redigido este paragrapho por essa fórma, queria que se dissesse que o preço maximo da adjudicação seria o preço indicado pelo orçamento do projecto, onde não devia existir a doca de fluctuação.
Alem d'isso o sr. Fuschini, que não concordava com a redação da ultima parte do 4.°, modificou tambem a redacção da primeira parte, e em vez de querer que se dissesse: "o concurso versará sobre o preço das obras" propunha a substituição "abrindo-se unicamente a licitarão sobre o preço das obras".
O que fez a camara?
Rejeitou uma parte da proposta 3.ª do sr. Fuschini porque não concordava com a idéa d'ella, e a outra parte porque não concordava com a redacção, visto que, exactamente, o que estava escripto no 4.° e 1.° do projecto correspondia ao que o sr. Fuschini queria.
Isto é o que se passou, esta é que é a verdade e isto é que está em harmonia com a interpretação litteral do texto da lei.
Temos porém um meio excellente de saber se isto é ou não verdade; está aqui na camara o sr. Pereira dos Santos relator do projecto, que sabe perfeitamente o que escreveu, qual era o sentido d'essas palavras, e a idéa que lhe ligava a camara e o sr. Fontes: elle que diga o que quer dizer "o concurso versará sobre o preço das obras".
Dirijo-me ao sr. Pereira dos Santos, em nome da sua probidade scientifica e respeitabilidade como membro do parlamento, para que s. exa diga o que querem dizer as palavras da lei, qual, o seu verdadeiro sentido.
O sr. Pereira doS Santos: V. exa acabado fazer uma consideração que é inteiramente verdadeira. Eu não acceitei, por parte das commissões de fazenda e obras publicas, as propostas do sr. Fuschini, porque me pareceu que algumas alteravam profundamente as condições financeiras em que se baseava o projecto de lei e porque algumas indicações de algumas d'ellas se comprehendiam na lei.
Parece porém, que v. exa, por ultimo, pergunta precisa; mente se eu entendia que a lei comprehendia uma ou mais bases de licitação.
A minha resposta será precisa, entendi sempre que na lei só havia uma base de licitação que era o custo das obras.
O Orador: Nem era preciso eu encommodar s. exa, quem sabe portuguez basta lhe ler o texto da lei.
Como ,é que o sr. ministro das obras publicas se quer defender por esta fórma?
Se não encontra outro systema, assim de certo não logra convencer ninguem.
Em relação ao caminho de ferro de Cascaes, quando se tratar de discutir o despacho de 9 de abril, que adjudica as obras do porto de Lisboa, referirei o que tenho a dizer a esse respeito.
Sobre os 145:000$000 réis do sr. Burnay, o que mais me espantou em todo o discurso do sr. Navarro foi que, justamente no momento em que elle lançava a grande massa de terreno no mercado, o que depreciava aquella mercadoria, os capitalistas de Lisboa corressem a entregar lhe os taes 145.000$900 réis; isto é, que o banco lusitano e o sr. Cortez, para lhe darem os 145:000$000 réis, fossem justamente escolher aquelle momento critico.
De mais é uma circumstancia tão accidental, que não merece a pena discutil-a, se elle recebeu o dinheiro por via do syndicato dos terrenos, porque esse negocio está fóra da nossa discussão e não temos nada com elle debaixo do ponto de vista porque estamos encarando a questão. Se elle, porém, recebeu os 145:000$000 réis, como affirmava o Diario e as Novidades, para não ir ao concurso, então é circumstancia attendivel, e prova desde já que o sr. Hersent ha de auferir lucros espantosos e que o negocio que elle fez foi tão bom, que lhe permittiu dar assim Í45:000$000 réis para afastar do concurso um concorrente.
Dada esta resposta summaria ás observações e ao discurso do sr. ministro das obras publicas, vou entrar propriamente na exposição das minhas idéas a este respeito.
E tenha s. exa a certeza de que, se eu não estivesse convencido do que vou dizer, não me, apresentava a fallar, não vinha combater o sr. ministro das obras publicas, que de mais a mais é o ministro da pasta onde estou servindo.
É preciso que eu tenha uma convicção absoluta, inabalavel, de que as considerações que vou fazer são exactas e verdadeiras, para não hesitar um instante no exercicio dos deveres que me incumbem como deputado, trazendo á camara esta questão.
Para a camara comprehender bem este assumpto, julgo necessario no correr da discussão fazer algumas explicações indispensaveis, a fim de se poder ver de um modo claro a serie de circumstancias muito variadas, que a camara tem a estudar na discussão d'esta questão.
O primeiro assumpto que temos a examinar é o texto da lei de 16 de julho de 1885.
O 1.° do artigo 1.° d'esta lei diz que o concurso deverá ser feito sobre o projecto definitivo das obras, isto é, que antes de se abrir o concurso se elabore um projecto com as condições que deve ter um projecto definitivo, para que os empreiteiros todos conheçam aquelle projecto a executar, para que todos estejam em igualdade de circumstancias na occasião da abertura do concurso, e para que a licitação verse apenas sobre o preço das obras.
É esta a unica interpretação literal, exacta e verdadeira da lei de 16 de julho de 1885.
Qual foi o systema seguido para se obter esse projecto definitivo ou de execução.
O sr. ministro já por alto o expoz á camara, e eu novamente o vou dizer.
O sr. Fontes começou a executar a lei dando a verdadeira interpretação ao 1.° do artigo 1.°
Mandou abrir concurso para o projecto definitivo e especificou na portaria de 24 de agosto de 1885, de uma maneira clara e evidente, como havia de ser esse projecto definitivo.
O projecto devia compor-se:
1.° Da planta geral da obra;
2.° De todos os desenhos necessarios para se descreverem graphicamente, os muros dos cães;
3.° De todos os desenhos dos detalhes das obras, machinas, apparelhos etc. necessários;
4.° Da memoria justificativa e medição da obra.
Emfim devia comprehender todas as peças escriptas e desenhadas que constituem um projecto, para se pôr em execução, aquillo que se chama um projecto definitivo.
Foi o sr. Fontes quem fez a lei, e foi s. exa que começou a executal-a. Depois d'ella promulgada, fez-se_o concurso, cujo praso foi prorogado pelo sr. Thomás Ribeiro, e quando s: exa o sr. ministro acabava de entrar para o ministerio, acabavam tambem de entrar n'aquella estação official os projectos que tinham sido feitos pelos diversos concorrentes.
Era o projecto do sr. Reeves, do sr. Hersent, do sr. Schiappa, do grupo nacional e do engenheiro Fourmont.
V. exa mandou examinar todos os projectos pela junta consultiva de obras publicas e minas, e a junta consultiva foi de opinião que nenhum d'elles estava nas condições de ser approvado, uns porque excediam a base financeira da lei que tinha por limite maximo 10.800:000$000 réis, e outros porque não attenderam á circuinstancia de tomar para base do seu trabalho o plano geral feito pela com-
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missão nomeada em 6 de março de 1883, que era uma das condições da lei e do programma do concurso.
Por estes dois motivos, principalmente, a junta consultiva foi de opinião que nenhum dos projectos estava em condições de ser approvado.
O sr. ministro, visto este resultado do concurso de projectos, procedeu com correcção creando em seguida uma direcção das obras do porto de Lisboa, á qual encarregou de elaborar o projecto definitivo.
Essa direcção apresenta o seu projecto nos termos da lei e da interpretação ministerial, como diz o respectivo engenheiro, o qual é remettido á junta consultiva.
Pouco tempo depois dá-se um facto que não posso considerar como illegal mas que classifico como destoando de todas as praxes seguidas no ministerio das obras publicas. (Apoiados.)
Antes do projecto ser approvado ou rejeitado pela junta, o sr. ministro encarregou pela portaria de 3 de novembro de 1886, o sr. Matos, que era na junta o relator d'esta mesma consulta, de elaborar elle o projecto definitivo, que mais tarde serviu de base ao concurso.
Vou dizer qual é a praxe seguida no ministerio das obras publicas.
Quando se elabora um projecto n'uma direcção qualquer, esse projecto sobe á junta consultiva de obras publicas e minas, fazem-se ali as observações e alterações que a junta entende, e o projecto desce outra vez á estação do onde veiu, aonde é modificado em harmonia com as indicações da junta, para voltar mais tarde ali a fim de ser approvado se estiver nas condições exigidas.
No caso presente não se fez isso.
O projecto foi á junta, nomeou-se o relator, e passado pouco tempo, o sr. ministro das obras publicas por uma portaria, encarregou o sr. Matos, que era esse relator, de fazer um projecto definitivo, tomando para base todos os projectos que tinham ido ao concurso, o projecto da direcção, e emfim todos os elementos que havia no ministerio para organisar um projecto definitivo. Isto podia-se fazer, mas não é a praxe ordinaria e regular. (Apoiados.)
O sr. ministro das obras publicas está-me fazendo um signal negativo. É escusado estarmos com subterfugios, é melhor ser franco. O projecto que foi ao concurso, ou o projecto definitivo, é o do sr. Matos, lá está s. exa assignado. A portaria não dizia, é verdade, que elle era encarregado de fazer um projecto definitivo, mas para que havemos de estar com esforços de casuistica? (Apoiados.)
A portaria dizia que traduzisse o sr. Matos graphicamente as observações e modificações a fazer no projecto da direcção, etc., etc.
Isto correspondia a dizer ao sr. Matos que fizesse elle o projecto definitivo e o resultado final é que o sr. Matos foi quem fez o tal projecto definitivo. Todos o sabem.
A portaria dizia é verdade, repito, que encarregava o sr. Matos de sobre o projecto do sr. Guerreiro expor a sua opinião graphicamente, mas o que é evidente é que o projecto definitivo, que appareceu no concurso, foi feito pelo sr. Matos, que era o relator na junta do projecto do sr. Guerreiro!
Isto, segundo as praxes seguidas, não é regular nem conveniente; traduz-se este facto pelo dito popular: fazer os filhos e, depois baptisal os.
O sr. Matos, que é membro da junta, que é seu relator n'esta questão, faz o projecto, e a propria junta a que elle pertence, é que o approva?!
Parece me este processo pouco regular. (Apoiados.)
O costume não é este, o costume é serem os projectos feitos por engenheiros, que não são membros d'aquella corporação e depois é que vão a junta que n'estas condições consulta com uma certa superioridade.
Todo o mundo percebe a difficuldade que deve ter ajunta em criticar o trabalho de um dos seus membros mais considerados.
Mas, temos emfim o projecto definitivo, que a junta julga nas condições de ser presente ao concurso, que julga nos termos da lei, porque só assim se podia abrir concurso.
E podia considerar-se este projecto definitivo?!
Ha aqui uma pequena observação a fazer.
Talvez este projecto não se podesse considerar completo; e a rasão é que lhe faltavam desenhos com relação ao equipamento dos cães, tinha os principaes detalhes, a memoria descriptiva estava completa a todos os respeitos, o orçamento estava tambem completo, faltavam-lhe porém alguns desenhos de importancia secundaria, do que lhe podia vir a classificação de um projecto definitivo incompleto, embora perfeitamente nos casos de ser presente ao concurso, visto a memoria descriptiva dar completa idéa aos licitantes das obras a construir.
Isto, porém, nada impedia que o governo, ainda que quizesse abrir concurso precipitadamente, como fez, o mandasse completar dentro de um praso qualquer pelos seus engenheiros, podendo perfeitamente desenharem-se esses detalhes depois do dia do concurso das obras, por isso que elles já vinham referidos na memoria descriptiva e os empreiteiros por ella, como disse, podiam perfeitamente habilitar se a concorrer á licitação.
O sr. ministro, portanto, quando não quizesse addiar a publicação do decreto que abria concurso, o que lhe era facultativo, e desde que o projecto definitivo não se considerava completo, o que devia ter feito era ou prorogar o praso indicado no programma, ou determinar-se n'este programma que dentro de um praso qualquer os engenheiros do governo, que elaboraram o projecto definitivo, apresentariam os desenhos dos detalhes, tomando por esta fórma a seu cargo a total elaboração do projecto, que nos termos da lei devia ser completo e definitivo, (Apoiados.)
E não admira que n'este projecto definitivo lhe faltassem alguns detalhes, porque, como o sr. ministro disse o outro dia, é preciso notar que elle foi feito n'um mez e tres dias, o que representa um trabalho enorme.
Este esforço mereceu os elogios e mesmo as distincções honorificas com que muito justamente foram galardoados os engenheiros, que tanto trabalho tiveram para conseguirem elaborar, em tão pouco tempo, uma obra que demandou um trabalho tão arduo como persistente.
Em conclusão, o projecto Matos-Loureiro era um projecto definitivo, ou projecto de execução, nos termos expressos da lei embora se possa dizer que não estava absolutamente completo por lhe faltarem alguns desenhos dos detalhes, sem que esta falta podesse considerar-se como prejudicando a sua approvação para base do concurso das obras, porque a memoria descriptiva dava os necessarios esclarecimentos aos licitantes sobre todo o trabalho a executar.
E se assim não era não se podia abrir o concurso.
Examinemos agora o que se passou no concurso.
O decreto de 22 de dezembro de 1886 é o decreto mais extraordinario, (Apoiados.) mais illegal, mais escandaloso, permitta-se-me a expressão, que eu tenho visto sair do ministerio das obras publicas.
Não ha memoria de que no ministerio das obras publicas se publicasse um decreto de similhante theor e d'este feitio.
E eu tenho a notar á camara que este documento é de inteira e absoluta responsabilidade do sr. ministro das obras publicas.
N'este acto nem mesmo só póde esconder atraz dos engenheiros.
E eu declaro que se houvesse um engenheiro que na parte technica viesse aconselhar-me para eu introduzir algumas das condições a que vou referir-me, a resposta que lhe dava seria bem desagradavel.
Eu não admittia que se induzisse ou se aconselhasse um ministro a introduzir no programma de um concurso as
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condições que o sr. ministro das obras publicas ali inscreveu.
Vamos ver o que representam essas condições.
A lei diz terminantemente no 1.° do artigo 1.° que o projecto definitivo tem de ser feito antes de se ir ao concurso, o que sobre esse projecto definitivo é que o empreiteiro tem de licitar.
No programma do concurso, nos artigos 8.° e 9.º estabelece só uma doutrina d'onde resulta que quem fez o projecto definitivo das obras do porto de Lisboa foi o empreiteiro. (Apoiados.)
A portaria de 6 de agosto, publicada pelo sr. ministro das obras publicas, approvou, como todos sabem, o projecto definitivo feito pelo empreiteiro; logo, pelas condições 8.ª e 9.ª do programma do concurso, transformou se o pensamento da lei, modificou-se o seu sentido, não se cumpriu a lei. (Apoiados.)
O projecto definitivo, como toda a gente sabe, e se não sabe eu ll'o digo, é o que tem de ser executado. Desde o momento em que o projecto definitivo, o que tenha de ser executado deva de ser premente, antes do concurso, não podia ser o adjudicatario quem o fizesse.
A portaria de 6 de agosto approva o projecto feito pelo empreiteiro; logo, a lei foi completamente violada.
Não me entretenho a discutir o modo como se fez esta manobra, o que é certo é que pelos artigos 8.° e 9.° do programma, em logar de ser o governo quem devia elaborar e mandar fazer o projecto de execução antes do concurso, foi o empreiteiro Hersent quem o apresentou depois do concurso.
Ora eu vou dizer a importancia que isto tem.
Visto que o sr. ministro fez a insinuação de que o sr. Fontes tinha na sua mente, em todos os casos, e quand meme, a idéa de dar a empreitada ao sr. Hersent, não é muito que eu, simplismente por hypothese, diga que s. exa queria dar a empreitada a um empreiteiro qualquer, mas isto sem offensa para s. exa, porque podia muito bem imaginar que Hersent, por exemplo, ou outro individuo, era um empreiteiro de tal ordem, que o paiz só ficaria bem servido no caso em que a empreitada ficasse a seu cargo.
Supppondo, pois, que s.ex1 tinha esta idéa, vamos a ver a importancia d'esta transformação introduzida no programma, em opposição com a lei.
Supponhamos que o projecto de execução tinha sido feito por ordem do governo antes do concurso, que a lei se achava cumprida, e que os empreiteiros vinham á licitação. A quem seria adjudicada a empreitada?
De certo ao empreiteiro que a fizesse por menor preço.
Mas agora, pela inversão da lei feita pelo sr. ministro, o que póde acontecer?
Os empreiteiros vão no concurso, e se ha um que offerece preço interior, mas não é nosso protegido, o que lhe póde acontecer?
Tendo todos de apresentar o projecto de execução, qualquer d'elles arrisca se a que lhe digam que o seu projecto é menos bem feito e que as conveniencias do paiz exigem que seja adoptado o projecto do outro empreiteiro, nosso amigo, ficando assim as condições do concurso completamente illudidas, ficando ao sr. ministro a liberdade de dar a empreitada ao seu favorito.
Aqui está como as, condições 8.ª e 9.ª transformam e alteram o sentido da lei.
Diz mais a lei que a base da licitação versará sobre O preço das obras, e nada mais. Logo, no programma do concurso, não póde haver senão uma base de licitação, que é o preço das obras.
Pois em vez de uma ha quatro bases de licitação. (Apoiados.)
Outra flagrante illegalidade.
A primeira base, a verdadeira, a que devia ser unica, é o preço da obra.
O sr. ministro, no 1.° do artigo 1.° do programma, diz o seguinte :
"Será rasão de preferencia absoluta no concurso o empreiteiro comprometter-se a fazer as obras complementares que vão desde Alcantara até Porto Franco."
Isto quer dizer que se um empreiteiro vae ao concurso e, por exemplo, offerece fazer as obras por l0:700:000$000 réis, incluindo as obras a oeste de Alcantara e apparece outro empreiteiro que offerece fazer as obras por réis 10.100:000$000, ou supponhamos por 9.000:000$000 réis, mas não comprehende as taes obras complementares : a obra ha de ser dada ao primeiro, embora a vá fazer por 10.700:000$000 réis.
Conclusão : a base da licitação unica, que era o preço
ficou alterada com esta condição de preferencia
absoluta.
E aqui está como esta condição determina na realidade a existencia no programa do concurso de uma segunda base de licitação.
Ainda mais : o empreiteiro tem preferencia relativa se offerecer alguma obra de reconhecida importancia; e pelas mesmas rasões que eu acabo de expor, o programma envolve n'esta clausula uma terceira base de licitação.
A quarta base da licitação já acima o indiquei e é a faculdade com que fica o empreiteiro de apresentar o projecto definitivo ou as modificações que o definem.
O sr. Arroyo: Aqui é que está o bichano, (Riso.)
O Orador: - É o gato a que v. exa se refere?
(Interrupção do sr. Pereira dos Santos.)
O meu amigo o sr. Arroyo é que disse que estava, aqui o gato.
O sr. Arroyo: O sr. ministro das obras publicas é que disse.
O Orador : N'esta questão ha gatos por toda a parte.(Riso.)
O sr. José Dias Ferreira: É porque as ratazanas são muitas ! (Riso.)
O Orador: O 2.° do programma, determinando que a preferencia relativa será dada a quem fizer uma obra complementar de reconhecida importancia, como eu acabo de dizer, é uma terceira base de licitação, e em materia de programmas de concurso nunca se imaginou uma cousa d'estas.
Pois então, é condição de preferencia uma obra complementar de reconhecida importancia, ficando essa importancia para ser avaliada pelo sr. ministro?
Isto não é programma de concurso; é uma disposição que aqui está escripta, para o ministro dar a obra a quem muito bem quizer.
Eu desafio a que se vão procurar todos os programmas de concurso feitos no ministerio das obras publicas, e ver-se-ha que não ha nenhum nas condições d'este.
Isto nunca se fez ! (Apoiados.)
Se o sr. ministro queria adjudicar as obras, á sua vontade e arbitrio, então escusava de se incommodar a fazer o programa; mandasse chamar o sr. Hersent, entregas-se-lhe as obras, clara e francamente, e estava tudo prompto ! E isto que fazia para o sr. Hersent, podia fazel-o ao sr. Reeves, ou a qualquer outro.
Com um programma d'estes o effeito para o publico é o mesmo, pois que ficava perfeitamente na sua mão entregar as obras a quem quizesse.
Mas deu se ainda uma outra circumstancia curiosa a notar e foi que os empreiteiros começaram a fugir, a desapparecer, e os engenheiros do ministerio das obras publicas e o sr. ministro anciosos, todos os dias á espera de empreiteiros e estes sem apparecerem ! Pois como haviam elles de vir?
Só aquelle que estivesse no segredo do negocio, só aquelle a quem o ministro quizesse dar as obras é que no fim appareceria.
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Os outros não vinham sobrecarregar-se de despezas para ir a um concurso d'estes, com um programma d'esta ordem.
Foi n'esta occasião que o sr. ministro das obras publicas teve a mais luminosa idéa que era possivel encontrar guarida na cabeça de um ministro.
Eu vou dizer qual ella foi.
Lembrou-se de nomear um leccionista, um explicador para os empreiteiros; (Riso.- Apoiados.) quer dizer, de encarregar um engenheiro, que occupa o primeiro cargo no ministerio das obras, publicas, pois que é inspector geral, de encaminhar os empreiteiros na maneira de formularem as suas propostas, isto é, de estabelecer ligação entre os empreiteiros que viessem, ao concurso e o governo, porque se não póde comprehender que o sr. Matos não se entendesse com o sr. ministro sobre a maneira como havia de ensinar os licitantes a fazerem as suas propostas. (Apoiados.)
Chega a não se acreditar isto; por isso vou ler o documento onde tal facto se revella.
Isto é curiosissimo. Aqui está. É o proprio sr. Matos quem o diz. Ouça a camara:
"Conforme as instrucções do mesmo exmo sr. ministro, dei a todos os individuos que m'os solicitaram todos os esclarecimentos tendentes a facilitar a redução de propostas, em termos a poderem ser acceites no concurso, annunciado para a adjudicação da empreitada das obras dos melhoramentos do porto de Lisboa."
Ora, eu vou dizer á camara quaes são os habitos e as praxes do ministerio das obras publicas.
Os projectos dos concursos de obras publicas estão patentes na repartição de entradas para quem os quizer ver.
Quando chega algum empreiteiro á repartição de estradas, seja quem for o chefe, sabe a camara o que se faz?
Mostram-se-lhe os papeis do concurso que estão sobre uma mesa e não se lhe diz nem mais uma palavra.
Todos, o engenheiro chefe da repartição, os chefes de secção e os proprios empregados se abstêem de fallar com o empreiteiro, quanto mais ir explicar-lhe como ha de fazer a proposta. (Apoiados.)
Isto que se fez agora póde porventura admittir-se, isto é acceitavel, é regular?
Esta é que é a pura verdade; o engenheiro chefe da repartição, os chefes de secção e os empregados não se atrevem nem a fallar com os empreiteiros, não lhes indicam cousa alguma com relação a fazerem as suas propostas, nem lh'o podem indicar.
Pois qualquer ministro ou qualquer funccionario por sua ordem póde estar a combinar com os empreiteiros o modo por que elles hão de fazer as suas propostas? (Apoiados.)
Dizem-me que está a dar a hora, e por isso peço a v. exa que me reserve a palavra para amanhã.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
O sr. Presidente: Tem a palavra o sr. Ruivo Godinho, que a tinha pedido para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Ruivo Godinho: Sr. presidente, v. exa sabe que eu ando ha umas poucas de sessões a pedir a palavra para quando estiver presente o sr. ministro do reino.
Como n'este momento o sr. ministro do reino está presente, aproveito a occasião para lhe dizer que desejo chamar a attenção de s. exa para varios assumptos de administração publica que correm pela sua pasta, e que por isso lhe peço que compareça aqui n'uma das proximas sessões, para eu lhe pedir a responsabilidade das suas faltas.
O sr. Presidente: A ordem do dia para amanhã é a mesma de hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.
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N.°42
Parecer da commissão de inquerito aos actos administrativos referentes a abertura do concurso, adjudicação e approvação definitivas das obras do porto de Lisboa.
Senhores. Em sessão de 7 de janeiro do anno corrente apresentou o sr. deputado Eduardo Villaça, e foi votada por vós, a seguinte proposta:
"A camara, desejando, de accordo com o governo, que se esclareçam todas as duvidas e se dissipem todas as preoccupações que possa haver a respeito da completa regularidade dos differentes actos administrativos referentes á abertura do concurso, adjudicação e approvação definitivas dos projectos das obras do porto de Lisboa, resolve, no uso do artigo 14.° do primeiro acto addicional á carta constitucional, nomear uma commissão de inquerito, composta de nove membros, para investigação minuciosa dos mesmos actos, podendo a mesma commissão examinar os documentos e inquirir testemunhas, e devendo sujeitar á apreciação da camara, no mais breve praso possivel, o resultado dos seus trabalhos."
Na sessão do dia 13 do mesmo mez propoz o sr. Alfredo Pereira e approvou-se, que a commissão fosse composto de onze membros, em logar de nove, e isto com o intuito expresso de que todos os grupos politicos, que constituem a camara, fossem n'essa commissão largamente representados.
N'este mesmo dia se elegeu a commissão, que ficou composta dos srs. deputados Eduardo José Coelho, Francisco José de Medeiros, Vicente Monteiro, A. Eduardo Villaça, Luiz Bandeira Coelho, José Frederico Laranjo, Antonio Ennes, Julio de Vilhena, Consiglieri Pedroso, Pereira dos Santos, Pedro Victor da Costa Sequeira.
Na sessão do dia 14 propoz o sr. Marçal Pacheco que se concedesse ao sr. Consiglieri Pedroso a escusa que pedira de vogal da commissão, e que fossem aggregados a esta os srs. José Elias Garcia, José Dias Ferreira e João Pinto Rodrigues dos Santos; o sr. Alfredo Pereira propoz que se aggregassem tambem os srs. Barbosa de Magalhães, Augusto Montenegro, José da Cunha de Eça de Azevedo e Antonio Maria de Carvalho; ambas as propostas foram approvadas.
Na sessão do dia 16, o sr. Dias Ferreira pede escusa da commissão e a camara não lh'a concede; na do dia 23, o sr. João Pinto dos Santos insta pela recusa, que já pedira, de vogal da commissão, e apresenta, uma proposta para ser substituido pelo sr. Ruivo Godinho, o que é approvado.
Na sessão do dia 16, o sr. Eduardo Villaça participa á camara que se achava constituida a commissão de inquerito, tendo escolhido para presidente o sr. Eduardo José Coelho, para vice-presidente José Frederico Laranjo, e a elle, participante, para secretario.
Julgámos conveniente dizer que as diversas propostas de aggregação e substituição tiveram por fim conseguir que na commissão de inquerito estivessem representados todos os partidos, sem excepção de nenhum, o que foi, desde o principio, desejo manifesto de toda a camara.
Constituida a commissão, na segunda sessão d'ella, o sr. Julio de Vilhena diz que a questão sujeita ao exame da commissão se póde encarar sob tres aspectos: technico, financeiro e juridico, e por isso propõe que a commissão se divida em três sub-commissões: a primeira, encarregada de examinar a parte juridica da questão; a segunda, a parte technica, e a terceira, a parte financeira, devendo cada um dos pareceres das referidas commissões ser discutido em assembléa geral da commissão.
O sr. Pereira dos Santos não é contrario á proposta do sr. Julio de Vilhena, mas entende que, antes da nomeação das sub-commissões, cumpre precisar os quesitos, formular os questionarios, sobre que hão de recair o exame e pareceres especiaes d'essas sub-commissões, propondo por isso que se nomeie uma sub-commissão para formular as questões sobre as quaes recairá mais tarde o exame e deliberação.
Em harmonia com as idéas do sr. Pereira dos Santos, o sr. Antonio Ennes propõe que se nomeie uma sub-commissão de tres membros, incumbida de formular os quesitos sobre os quaes a commissão deve deliberar, independentemente de quaesquer outros que se acceitem no decorrer dos trabalhos da mesma commissão; propõe mais que essa sub-commissão seja composta dos srs. Julio de Vilhena, Pereira dos Santos e Augusto Montenegro.
Foi approvada a proposta do sr. Ennes e adiada a do sr. Julio de Vilhena.
Escolhendo para proporem os quesitos dois deputados dos dois grupos mais importantes da opposição, um o sr. Julio de Vilhena, o outro, o sr. Pereira dos Santos, e só um deputado da maioria parlamentar, o sr. Montenegro, a commissão teve em vista deixar principalmente á opposição o estabelecimento da questão, de modo que fosse ella que designasse os assumptos que se tinham de percorrer, e formulasse sobre elles as perguntas da maneira por que lhe parecessem mais nitidas e adequadas.
Na quarta sessão são approvados os quesitos apresentados, sem prejuizo de quaesquer outros que se addicionem.
O sr. Ruivo Godinho apresenta como um quesito a additar a seguinte proposta:
"Proponho que, no caso de se averiguar que houve irregularidades na adjudicação das obras do porto de Lisboa, se proceda a inquerito especial."
A commissão resolve que este quesito seja considerado depois de formulado o parecer ácerca dos quesitos já approvados.
Entram depois em discussão duas propostas, uma, a do sr. Julio de Vilhena, para que se nomeiem tres sub-commissões com o fim de responderem aos quesitos; outra do sr. Barbosa de Magalhães, que entendeu que deveria haver uma só sub-commissão, composta de cinco membros.
Os srs. Montenegro e Laranjo defendem a ultima proposta. Para a verdade, clareza e rapidez das resoluções, não lhes parecia conveniente que as, sub-commissões fossem tres, uma que estudasse a questão sob o aspecto juridico, outra sob o aspecto technico, outra sob o aspecto financeiro; a questão juridica não podia ser abstracta; havia de basear-se forçosamente na questão technica e financeira, e estas duas eram inevitavelmente inseparaveis; os intuitos da proposta do sr. Julio de Vilhena podiam conseguir-se com uma só sub-commissão, logo que n'ella entrassem juristas e engenheiros.
É approvada a proposta do sr. Barbosa de Magalhães com um additamento do sr. Medeiros, para que fosse elevado a sete o numero dos vogaes da sub-commissão, que ficou composta dos srs. Julio de Vilhena, Pedro Victor, Laranjo, Medeiros, Villaça, Elias Garcia e Barbosa de Magalhães.
A sub-commissão constituiu-se em 3 de fevereiro, elegendo para seu presidente o sr. Julio de Vilhena, para vice-presidente Frederico Laranjo e para secretario o sr. Eduardo Villaça. Por proposta do sr. Vilhena foi o secretario incumbido de formular o projecto de respostas aos quesitos.
Na segunda sessão da sub-commissão, a 20 de fevereiro, apresentou o secretario o projecto de resposta aos quesitos, que se mandou imprimir e distribuir.
Nas sete sessões seguintes discutiram-se e votaram-se as respostas aos quesitos, consignando-se nas actas o voto de cada um dos vogaes.
A sub-commissão deu por terminados os seus trabalhos na sessão de 20 de março, encarregando o seu presidente de remetter ao sr. presidente da commissão de inquerito as respostas aos quesitos, assim como as actas das sessões.
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A commissão reune-se de novo a 26 de março; nas sessões seguintes, 6.ª, 7.ª, 8.ª e 9.ª, discutem-se as respostas aos quesitos, modificando-se apenas, por unanimidade de votos, a redacção do quesito 1.°, ao qual se acrescentam as palavras tendo-se em attenção o plano de melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas que não vinham no primitivo projecto de quesitos.
Em harmonia com o que se deliberara na sessão 4.ª da commissão, é posto á discussão o quesito additado pelo sr. Ruivo Godinho, e que, por ser condicional e dependente das respostas aos quesitos primitivos, ficara para ser considerado depois d'ellas.
O sr. Montenegro sustenta e manda para a mesa a seguinte proposta:
"Proponho que se responda ao quesito additado pelo sr. deputado Ruivo Godinho pela fórma seguinte: - Não é necessario inquerito especial, porque da discussão e exame dos documentos se deduz claramente que os interesses do estado foram devidamente zelados e garantidos na adjudicação das obras do porto de Lisboa, procedendo o governo sempre em harmonia com as auctorisações legaes."
O sr. Pedro Victor diz que já formulou claramente o seu modo de pensar nas respostas que votou aos differentes quesitos, não carecendo portanto de inquerito especial, e entendo que se deve responder ao quesito do sr. Ruivo Godinho nos termos que constam da seguinte proposta:
"Proponho que se responda ao quesito additado pela fórma seguinte: - Não julgo necessario inquerito especial, pois que do exame dos documentos produzidos no correr da discussão se deduz logicamente, que os interesses do estado não foram devidamente zelados na adjudicação das obras do porto de Lisboa nos termos do artigo 17.° do decreto de 22 de dezembro de 1886."
O sr. Pereira dos Santos concorda com o sr. Pedro Victor em não precisar de inquerito especial; a sua opinião estava perfeitamente consignada no modo como votara as respostas aos quesitos, tendo em geral apresentado substituições áquellas com que não concordava; mandava por isso para a mesa a seguinte proposta:
"Não julgo necessario inquerito especial, porque entendo que do exame dos documentos se prova que não foi rigorosamente cumprida a lei."
O sr. Antonio Maria de Carvalho julga que o quesito do sr. Ruivo Godinho está prejudicado, pois que, pela maneira como anotou nos outros quesitos, está firmada a sua opinião.
Posta á votação a proposta do sr. Montenegro, foi approvada por todos os membros presentes, com excepção dos srs. Pereira dos Santos e Pedro Victor, cujas propostas ficaram prejudicadas depois d'esta votação. Quando se tratavam negocios de expediente, entrou na sala o sr. Elias Garcia, que declarou que não poderá comparecer mais cedo á sessão, como tambem faltara a algumas das anteriores, por motivo de serviço publico á mesma hora, do que dera parte; acrescentando que emquanto ás respostas aos quesitos mantinha a mesma votação que expressara na sub-commissão a que pertencera, e emquanto ao quesito do sr. Ruivo Godinho, mandava para a mesa a seguinte proposta :
"Proponho que para satisfazer ao quesito apresentado pelo sr. Ruivo Godinho, sejam ouvidas diversas pessoas, que indicarei, no caso de ser approvada esta proposta."
Pelo exame dos documentos parecia ao sr. Elias Garcia que houvera algumas irregularidades, e por isso mesmo mandara para a mesa a sua proposta.
A proposta do sr. Elias Garcia julgou-se prejudicada pela votação anterior da do sr. Montenegro, declarando os srs. Pereira dos Santos e Pedro Victor, que, não obstante não julgarem necessario inquerito especial, não teriam duvida em votal-a desde que fosse tendente a esclarecer qualquer vogal. O vogal Frederico Laranjo declarou tambem que, se a proposta do sr. Elias Garcia fosse apresentada sem ligação com a do sr. Ruivo Godinho, não como uma consequencia de irregularidades havidas, mas como um simples meio de se esclarecer o proponente, a teria votado.
O sr. presidente propoz para relator da commissão o vogal Frederico Laranjo e assim se decidiu.
São estes os traços geraes dos actos da commissão e sub-commissão de inquerito, que julgamos que deviamos aqui apresentar como preliminar do relatorio, e que podereis ver um pouco mais desenvolvidos nas actas que o acompanham como primeiro documento.
No trabalho a que vamos proceder poderia a commissão limitar-se a expor os quesitos e as respostas, e a dar as rasões d'estas, ou, considerando os quesitos e as respostas como um documento, fazer a synthese d'aquelles e d'estas, e das rasões que as determinaram; mas, considerando que para quem não conhecer na sua integridade e successão os factos em que assenta a questão de que se trata, os quesitos e as respostas, mesmo acompanhadas de motivos, seriam inintelligiveis, entendeu a vossa commissão, embora seja estreitissimo o tempo de que dispõe, que devia proceder por outra fórma, e por isso dividiu o seu trabalho nas tres partes seguintes:
l.ª Exposição de factos, comprehendendo os actos parlamentares e legislativos, ministeriaes, de particulares, e de quaesquer corporações consultivas, que tenham relação intima com o assumpto.
Por esta exposição toda impessoal e sem commentarios, que resume os dois volumes de documentos, que se estão publicando, que se irão distribuindo, e pelos quaes a exposição se póde verificar e completar, tornam-se intelligiveis os quesitos e as respostas, e, alem d'isso, habilitam-se os leitores, a avaliar da justiça d'aquelles e d'estas e a, desprender o seu juizo do da commissão, apreciando a sua imparcialidade.
2.ª Quesitos e respostas, comprehendendo as respostas approvadas e as opiniões divergentes, e, tanto quanto possivel, as rasões que motivaram aquellas e estas.
3.ª Synthese da questão, reduzindo-a o mais possivel á sua unidade e compendiando o modo de pensar da commissão.
PARTE PRIMEIRA
Exposição de factos
Na exposição que vamos fazer seguiremos a ordem chronologica dos factos, desviando-nos d'ella somente quando com isso aproveitar a clareza e a melhor relacionação das idéas. Para não se agruparem sob uma mesma epigraphe factos numerosos e de natureza diversa, dividiremos esta exposição em tres paragraphos: o primeiro - dos factos anteriores ás propostas de lei e à discussão legislativa; o segundo - d'essas propostas e discussão ; o ultimo - dos factos posteriores.
1.° Factos anteriores ás propostas e à discussão legislativa.
Por portaria de 16 de março de 1883 foi nomeada uma commissão para estudar o plano geral das obras para melhoramentos do porto de Lisboa em todos os seus elementos, tanto technicos como economicos.
Essa commissão apresentou o seu parecer em 6 de março de 1884, sendo relator o sr. Mendes Guerreiro, e dando voto em separado o sr. Pereira da Silva.
As obras que a commissão julga dever aconselhar são : um caes marginal acostavel desde a torre de Belem até á ponte occidental do caminho de ferro de leste, fundação de docas de marés e de fluctuação e de docas fixas de repa-
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ração ; um pontão ou caes fluctuante ; pontes girantes, vias ferreas, apparelhos de descarga e telheiros; concordancia do muro acostavel com a margem actual do Beato por meio de um dique longitudinal de pedra; e, quando seja possivel, uma estrada marginal desde o pontal de Cacilhas até á Trafaria.
Da primeira d'estas obras, o muro de caes, dizia a commissão: "como temos espessuras de lodo tão consideraveis, será inutil fazer o muro completamente cheio 14 ou 15 metros abaixo das mais baixas aguas. Portanto, n'estes sitios tão profundos deixar-se-hão abobadas de 5 metros, circulares, tendo pés direitos tambem de 5 metros, de sorte que em cada caixão haverá duas abobadas de 3 pés direitos; logo que as alvenarias estiverem na cota acima indicada, fecham-se as abobadas e começa-se a construcção continua de muro de cães.
Ás obras aconselhadas agrupava-as depois a commissão em quatro secções :
l.ª O muro de caes, docas, pontes, etc., comprehendidas entre o caneiro de Alcantara e a ponte oeste do caminho de ferro de leste;
2.ª As obras desde o caneiro de Alcantara até Belem;
3.ª A concordancia do muro de caes desde Santa Apolonia até ao Beato;
4.ª Quando seja possivel, a rectificação da margem esquerda.
Das duas primeiras secções dizia a commissão que eram quasi inseparaveis e que deviam fazer parte indispensavel do projecto, que fosse elaborado para os trabalhos de melhoramento do porto de Lisboa.
Entrando em considerações financeiras, diz a commissão que sem a confecção de um projecto regular com as peças indispensaveis, mal se póde avaliar o preço approximado de obras tão complexas; comtudo por comparação com o custo dos trabalhos de Anvers, póde fazer-se idéa do custo d'estes trabalhos.
"Posto que nas nossas obras, escreve a commissão, não haverá dragagens custosas a fazer, como em Anvers; será comtudo necessario levar as fundações a profundidades muito maiores. Apesar de que isso não possa ser considerado como grande dificuldade, comtudo o cubo de alvenaria ha de fazer augmentar muito o orçamento ainda que se empreguem as abobadas nas partes mais profundas, como acima dissemos."
Depois d'estas considerações, orça-se o total do preço approximado das obras da l.ª secção em 10.802:300$000 réis.
Resumiu depois a commissão as suas doutrinas em trinta e seis conclusões, das quaes a 34.ª é: "Que as obras se executem por empreitada geral, sendo uma clausula do concurso o fornecerem os empreiteiros os projectos, e que as obras a executar desde a torre de Belem até á ponte occidental do caminho de ferro sejam incluidas n'um só projecto .
No voto em separado do sr. Pereira da Silva não se encontra cousa alguma que contrarie o systema de construcção não continua das fundações do muro de caes.
O relatorio da commissão foi submettido á junta consultiva de obras publicas e minas, cujo parecer, de que é relator o sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, tem a data de 21 de abril de 1884.
N'esse parecer, que expõe, resumindo-as um pouco, as idéas da commissão, diz-se apenas a respeito do systema de fundação e do custo das obras o seguinte: "Tambem lhe parece bem escolhida, para as facilidades do commercio das communicações, a situação entre o caes do Sodré e a rocha do Conde de Obidos; entretanto é certo que
1 Doc., vol. 1, pag. 27.
2 Doc., vol. 1, pag. 28.
3 Doc., vol. 1, pag. 33.
aquella localidade, não offerecendo grande facilidade de construcção nos fundamentos do muro de caes e das docas, o custo d'esses fundamentos será elevado, e o melhor systema de fundação d'estas obras e a importancia das despezas só poderá apreciar-se com segurança á vista dos projectos respectivos, e depois de se terem completados, com toda a exactidão os estudos e as sondagens do terreno n'esta parte da margem do Tejo, de que estamos tratando.
A junta conclue o seu parecer dizendo que approva as indicações n.ºs l a 24 e 32 e 33 da commissão, e que quanto ás indicações n.ºs 25 a 31 e n.ºs 34 a 36 se abstem de as apreciar, por lhe parecer que são da exclusiva competencia do governo ou de outras estações que melhor podem entrar no seu exame e apreciação.
2.° Propostas e projectos de lei, e discussão legislativa
Não vamos resumir todas as propostas e toda a discussão; vamos procurar n'essas propostas e projectos, nos seus relatorios e nos discursos dos diversos oradores, principalmente nas respostas do governo e das commissões, tudo o que possa esclarecer o 1.° do artigo 1.° da lei de 16 de julho de 1885, para se determinar o que se deva entender por projecto definitivo, quem o devia apresentar e como é que se deveria realisar o concurso. São estes os intuitos que nos dirigem nos extractos que vamos fazer.
Quatro dias depois do parecer da junta consultiva de obras publicas e minas sobre o relatorio da commissão nomeada por portaria de 16 de março de 1883, na sessão de 25 de abril de 1884, apresentava o sr. Antonio Augusto de Aguiar á camara dos senhores deputados uma proposta de lei sobre os melhoramentos do porto de Lisboa.
No orçamento das despezas, o relatorio da proposta reproduz o calculo da commissão de 1883.
Sobre o modo de levar a effeito as obras prefere a proposta a construcção por empreitada geral.
O plano do governo, diz-se no relatorio, é adjudicar em hasta publica a construcção de todas as obras, recorrendo á competencia e emulação dos engenheiros nacionaes e estrangeiros.
Para que o governo fique inteiramente livre e ao abrigo de qualquer contratempo que possa sobrevir em obras d'esta natureza, pedir-se-ha aos empreiteiros que entrarem no concurso o projecto definitivo, á similhança do que succedeu no porto commercial de Brest, no porto de Bone em Argel, no porto de Boulogne-sur-Mer, no de Port Said, no grande porto de Antuerpia, etc., e do que se tem praticado muitas vezes entre nós nas importantes e arrojadas pontes de D. Luiz e de D. Maria Pia na cidade do Porto, na maior parte dos nossos caminhos de ferro já realisados ou em via de execução.
Por toda a parte, e muito especialmente em trabalhos d'esta natureza, quando se abre concurso para elles, os empreiteiros ficam obrigados a apresentar os projectos definitivos, tendo por base o plano geral das obras fornecido pelo governo.
A apresentação do projecto definitivo pelos empreiteiros de grandes obras, indicando elles ao mesmo tempo os meios de execução, tem a grande conveniencia de desembaraçar o governo do ajuste dos trabalhos supplementares e dos trabalhos imprevistos, o que é sempre uma das maiores difficuldades a vencer, quando se chega ao apuramento final das contas.
Sobre o melhor methodo de proceder á construcção das mesmas obras, a junta entende que é ao governo que compete tomar uma deliberação, e este prefere, como já se viu, o systema das empreitadas geraes, elaborando o em-
1 Doc., vol. I, pag. 72.
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preiteiro o projecto definitivo, e sendo obrigado a apresentar os projectos especiaes convenientemente desenvolvidos1."
Na proposta de lei, o artigo l.° dizia:
"Artigo 1.° É o governo auctorisado:
1.° A adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de cento e vinte dias, a construcção do porto de Lisboa, comprehendendo caes marginaes, pontes girantes, docas de abrigo, de carga, descarga e reparação, armazens de deposito, machinismos e guindastes hydraulicos para serviço do mesmo porto; e a mandar executar estas obras por empreitada geral, segundo o projecto que for preferido, depois de ouvidas as estações competentes.
"2.° A formular o programma do concurso por modo que os licitantes sejam obrigados a apresentar o projecto definitivo das obras a fazer, em harmonia com o plano geral dos melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883 e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas. O programma do concurso será acompanhado do caderno de encargos que devera fazer parte do contrato.
"§ 1.° O projecto definitivo apresentado pelos licitantes abrangerá as quatro secções delineadas pela commissão nomeada em 16 de março do 1883, ficando-o governo com o direito de mandar proceder á execução das obras por secções, e pela ordem que julgar mais conveniente2."
No parecer das commissões reunidas de fazenda e obras publicas de 30 de abril de 1884, de que é relator o sr. Pereira dos Santos, lê-se o seguinte:
"O plano geral das obras propostas pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, na opinião das vossas commissões, deve, pois, servir de base ao projecto definitivo das obras a construir.
"O methodo proposto para a adjudicação, sendo apresentado o projecto definitivo na occasião da licitação, afigura-se ás vossas commissões muito vantajoso na sua applicação aos melhoramentos do porto de Lisboa. Já tem sido elle empregado com vantagem em algumas obras no paiz. O atrazo em que se encontra ainda hoje a sciencia da construcção hydraulica nos portos de ruas, faz com que, por vezes, opiniões aliás auctorisadas difiram notavelmente na solução de muitas questões.
"Sendo apresentados os projectos definitivos na occasião da licitação, ficará, pois, o governo mais habilitado a decidir-se em conformidade com o interesse publico na escolha da proposta mais vantajosa. As obras por sua natureza só poderão ser construidas por companhias poderosas, com experiencia e pratica da construcção de trabalhos de identica natureza; o exame e estudo dos projectos definitivos melhor elucidarão o governo no detalhe das obras a construir3."
No orçamento da despeza as commissões acceitam os calculos da de 1883.
Esta proposta de lei não teve seguimento.
Em 15 de junho de 1885 foi apresentada á camara nova proposta de lei sobre o mesmo assumpto pelos srs. Fontes e Hintze. A proposta trazia annexo como documento um projecto de contrato apresentado pelo sr. Hersent, no qual se lia: "Les dits travaux seront exécutés conformément aux plans dressés par l'entreprenenr et approuvés par 1'administration compétente ne varictur".
O relatorio da proposta dizia:
"A proposta apresentada pelo par do reino o sr. Mendonça Cortez (documento n.° 1), e o projecto de contrato do sr. Hersent (documento n.° 2), dão clara idéa do que se pretende fazer. De accordo com estes documentos, e com as conclusões da commissão nomeada em 16 de março de 1883, confirmadas pelo parecer da junta consultiva de
1 Doc., vol. I, pag. 83.
2 Doc., vol. I, pag. 84.
3 Doc., vol. I, pag. 92,
obras publicas, foram redigidas as bases que constituem a proposta do governo.
"O caderno de encargos será organisado pelas estações competentes, em conformidade com as regras geralmente adoptadas em similhantes trabalhos, e o concurso fixará o preço das obras, tomando por ponto de partida os calculos da commissão a que me refiro. Como só tratâmos agora da primeira secção, isto é, da verdadeira secção commercial, o custo não poderá exceder a 10.800:000$000 réis, em harmonia com os referidos calculos."
O § l.° do artigo 1.° da proposta estava assim redigido:
"As obras serão feitas por empreitada geral, segundo o projecto definitivo, que merecer a approvação do governo, em harmonia com o plano de melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas1."
No parecer das commissões reunidas, do fazenda e obras publicas, de 20 de junho de 1885, de que foi relator, como em 1884, o sr. Pereira dos Santos, lê-se:
"Um plano geral de obras elaborado por uma commissão especial nomeada pelo governo tem sido objecto do estudo de muitas corporações cuja competencia era apropriada á resolução das muitas questões que se prendem com estes melhoramentos, e tem merecido o voto de muitas opiniões.
"Este plano, que foi formulado depois de estudos minuciosos sobre projectos anteriormente feitos, mereceu em geral a approvação de todas as estações consultadas, embora nos seus detalhes tenha merecido reparo a alguns dos seus membros. É por isso que as vossas commissões entenderam que o projecto definitivo, que deve servir de base ao concurso para a adjudicação das obras, deve ser formulado, tendo em attenção o mencionado plano da commissão nomeada em 16 de março de 1883."
0 § 1.° do artigo 1.° do projecto estava assim redigido:
"§ 1.° As obras serão feitas por empreitada geral segundo o projecto definitivo que merecer a approvação do governo, tendo-se em attenção o plano de melhoramentos do porto de Lisboa proposto pela citada commissão de 16 de março de 1883 e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas. O projecto definitivo servirá de base ao respectivo concurso2."
Mudaram-se, pois as palavras "em harmonia" pelas palavras "tendo-se em attenção", acrescentando-se "o projecto definitivo servirá de base ao respectivo concurso".
Na discussão da camara dos senhores deputados, na sessão de 27 de junho, dizia o sr. Barros Gomes:
"A proposta do governo foi modificada no § 1.° O § 1.° tem um acrescentamento por parte da commissão, que consta das seguintes palavras: - O projecto definitivo servirá de base ao respectivo concurso".
"Pergunto, pois, ao governo, ou antes á illustre commissão e seu relator que redigiu o projecto definitivo: -O governo abre concurso sobre a base dos projectos apresentados pelos diversos engenheiros e prefere e acceita aquelle que mais lhe agradar?"
"Mas, mais adiante ha o § 4.°, _que a illustre commissão conservou, que diz o seguinte: - § 4.° O concurso versará sobre o preço das obras, o qual não poderá ser superior a 10.800:000$000 réis."
"N'estas condições parece que vão exigir-se dos concorrentes a apresentação previa dos projectos, para sobre elles recair um concurso, e preferido um projecto qualquer não se indemnisam os outros concorrentes! Pois imagina-se possivel que haja quem venha concorrer e proceda á cla-
1 Doc., vol. I, pag. 100, 101 e 102,
2 Doc., vol. I, pag. 97 e 99.
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boração de projectos despendiosos, sujeitando-se a que sejam rejeitados, sem que haja por isso uma indemnisação qualquer!
"Parece que; segundo o pensamento da proposta ministerial, seria elaborado pelos engenheiros do governo este projecto definitivo; mas isso não se coadunava muito com a auctoridade profissional e com o nome do sr. Hersent, e, por conseguinte, a illustre commissão acrescentou ao § 1.° estas palavras, que não estavam na proposta do governo, mas que envolvem a idéa de que haverá duas bases para o concurso, o que é absurdo! Espero, pois, que se me explique este ponto, que carece de ser convenientemente esclarecido1."
Na mesma sessão respondeu ao sr. Barros Gomes o sr. Fontes; não ha no seu discurso resposta directa á pergunta que extractámos; mas encontram-se, tendo relação com ella, as seguintes palavras:
"Está aqui a proposta de lei apresentada ás côrtes no dia 10 de abril de 1880. N'aquelle tempo entendia-se que isso era sufficiente para se propor ás côrtes.
"Então eram engenheiros especialistas que haviam de elaborar os projectos definitivos. Eram engenheiros especialistas e competentes que haviam de fazer os estudos, emquanto por esta proposta ha de ser provavelmente o sr. Hersent, e diz a mesma cousa2."
Na sessão de 30 de junho, no discurso do sr. relator, o sr. Pereira dos Santos, em resposta ao sr. Correia de Barros, encontram-se as seguintes palavras:
"Vejâmos quaes eram as obras que o illustre deputado pedia em 1880, e a que podia conduzir-nos a modestia d'essas obras.
"As obras na margem direita do Tejo, ou no porto de Lisboa, estavam definidas. Era uma doca de fluctuação e outra de marés com a competente doca de reparações entre a praça de D. Luiz e a rocha do Conde de Obidos, uma grande doca de reparações na parte O. do arsenal de marinha, e um muro de caes e aterro desde a rocha do Conde de Obidos até á cordoaria nacional."
E n'outra parte:
"Dizem tambem que as obras se não podem effectuar pela quantia de 10.800:000$000 réis, que é a verba que servirá de base á licitação, porque o sr. Hersent não disse na sua proposta qual seria o preço por que tomaria a realisação das obras; como se o sr. Hersent fizesse a sua proposta sem ter conhecimento do plano officialmente feito, e que segundo o projecto de lei ha de servir de base á licitação, e do orçamento das obras mencionado n'esse mesmo plano; e como se o sr. Hersent não devesse ter escrupulos de publicar o preço pelo qual effectuaria as obras, que hão de ser adjudicadas n'um concurso publico3."
Na mesma sessão, um deputado, o sr. Reis Torgal, trata especialmente da questão do projecto definitivo das obras:
"Desejo que o governo me diga qual é o projecto definitivo que serve de base ao concurso; no caso de não haver ainda projecto definitivo, quem o faz, ou se se abre concurso especial para projectos.
"Eu comprehendo, e comprehende toda a gente, que o governo abrisse concurso para projectos, e, depois de approvado aquelle que parecesse satisfazer a todas as condições, se abrisse concurso para os respectivos melhoramentos; mas assim o que é o concurso!!?
"Supponhâmos todavia que ha um concurso. Que base tem o governo para fazer a escolha do projecto definitivo?
"Os differentes projectos podem assentar sobre planos differentes e serem organisados por processos differentes tambem; portanto, a escolha é difficilima, porque tem de fazer-se a apreciação de elementos heterogeneos.
1 Doc., vol. I, pag. 109.
2 Doc., vol. I, pag. 115.
3 Doc., vol. I, pag. 121,
"É unia questão demasiadamente complexa para que o governo a resolva sem ouvir as opiniões dos engenheiros.
"Quererá o governo determinar-se pelo preço?
"Mas toda a gente comprehende que o mais caro póde ser o mais barato, e vice-versa.
"Qual é, pois, a base adoptada para se fazer a escolha entre os differentes projectos?
"E, depois, diga-me o governo uma cousa: qual é a verba que tem no orçamento para pagar os projectos?
"Cada concorrente ha de trazer o seu projecto e não me parece que o portador do projecto escolhido seja ipso facto o adjudicatario das obras do porto de Lisboa.
"Talvez seja; mas não era indispensavel que assim succedesse1."
"Repito, pois, com que elementos e em que condições faz o governo a escolha do projecto definitivo? Ou já está escolhido?"
Em resposta, o sr. Almeida Pinheiro diz:
"Resta-me apenas dizer duas palavras, para responder ao illustre deputado que me precedeu, o sr. Reis Torgal.
S. exa. formulou algumas perguntas a que me julgo habilitado a responder. Umas d'essas perguntas foram relativas ao projecto definitivo.
"S. exa. o sr. presidente do conselho, já declarou que o governo mandará elaborar um projecto, ou pelo sr. Hersent, ou por outro qualquer engenheiro de igual valia, e que, approvado esse projecto pelo governo, elle servirá de base ao concurso. S. exa. já o declarou, e portanto respondeu antecipadamente ás perguntas do illustre deputado.
"Para mandar fazer estes estudos, s. exa. não precisa de auctorisação especial da camara; o governo, dentro dos limites orçamentaes, póde mandar fazer quantos estudos julgar necessarios2."
Na sessão de 2 de julho o sr. Fuschini propõe:
"Que na lei se declare explicitamente a fórma por que ha de ser elaborado o projecto e orçamento que devem constituir a base do concurso."
Na mesma sessão dizia o sr. Elias Garcia:
"Simplesmente posso dizer que desejo que os poderes do estado, quando hajam de adoptar o projecto definitivo, se inspirem na opinião das pessoas e das estações competentes, e que se inspirem n'essas opiniões, quer pelo concerto dos pareceres que ahi se manifeste, quer pela contradicta, porque a contradicta contribuo muito para esclarecer os espirites dos que administram superiormente3."
Da camara dos deputados passa o projecto para a dos pares. No parecer das commissões reunidas de fazenda e de obras publicas d'esta camara de 3 de julho de 1885, lê-se sobre projecto definitivo e concurso, o seguinte:
"Assentará o contrato sobre o projecto definitivo, modeado sobre aquelle plano geral que melhor se apresentar para levar a effeito as obras, por empreitada geral, em dez annos."
E n'outra parte:
"O systema adoptado para o concurso deve ser aquelle que mais habilitará os concorrentes a usarem dos diversos meios de que dispõem para levar a cabo a empreza com maiores vantagens d'elles e nossa, livre das peias que lhes levaria um projecto definitivo elaborado pelos agentes do governo ou por qualquer particular4."
Esta interpretação dava-a a commissão ao artigo 1.° do projecto tal qual viera da camara dos deputados, porque a commissão não o modificou.
Na discussão, que começa a 7 de julho, o sr. Pereira de Miranda manda para a mesa, em substituição ao projecto
1 Doc., vol. I, pag. 124.
2 Doc., vol. I, pag. 129.
3 Doe., vol. I, pag. 160 e 177
4 Doc., vol. I, pag. 182 e 183,
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do governo, outro, em que o § 1.° do artigo 1.° era assim redigido:
"§ 1.° As obras serão feitas por empreitada geral, segundo o projecto definitivo elaborado pelo governo, e que servirá de base ao respectivo concurso, tendo-se em attenção o plano dos melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela citada commissão de 16 de março de 1883 e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas1."
Na mesma sessão o sr. Fontes dizia:
"O concurso, sr. presidente, não póde basear-se senão sobre o valor da obra toda.
"Todos sabem que um concurso qualquer não é acceitavel e produz factos illegitimos desde o momento em que todas as condições não sejam iguaes para os concorrentes, excepto uma, e essa é a condição do preço. Todas as mais devem ser iguaes, a fim de que o concurso não seja uma phantasmagoria.
"O resultado ha de ser reduzir-se quanto possivel á verba de 10.000:000$000 réis.
"Por consequencia, ou a obra se não faz ou, a fazer-se, ha do ser dentro dos limites das verbas fixadas.
"O sr. Visconde de Chancelleiros: - Mas as condições são perfeitamente iguaes?
O Orador: - Não podem deixar de ser perfeitamente iguaes.
"Eu creio que os dignos pares não me fazem a injustiça de acreditar que estou aqui para proteger qualquer companhia ou empreza.
"E eu não quero favorecer ninguem, e por isso hei de empregar todos os meios ao meu alcance para que as condições sejam iguaes2."
Na sessão seguinte o sr. Vaz Preto dizia sobre o assumpto:
"Sr. presidente, este projecto tem uma face sobre que ainda não recaíram os estudos da camara; é um outro aspecto, um lado novo, mas digno de ser apreciado e discutido; é o ponto de vista da moralidade.
"É esta a parte espinhosa, é este o ponto arduo, que ainda nenhum orador ousou abordar. Encarregar-me-hei de fazer luz sobre esta face negra do projecto. Para proceder, porém, com methodo, antes de entrar n'elle, discutirei os outros pontos."
E depois de tratar do ponto de vista financeiro e technico, continua:
"Vamos agora á parte melindrosa do assumpto, ao ponto verdadeiramente politico e espinhoso d'este negocio, que é o relatorio do governo e a carta escripta ao sr. presidente do conselho por um membro d'esta camara.
"Vou tratar apenas de discutir esses documentos, abstrahindo completamente do ministro e do par do reino que entraram em negociações; e faço esta abstracção, porque não quero melindrar pessoa alguma; não quero dizer cousas que possam ferir susceptibilidades. Não careço d'isso para bem servir o meu paiz.
"O sr. Cortez tinha ido a Paris entender-se com os empreiteiros; em abril passado regressou a Lisboa, e entendeu-se com o sr. Fontes. Concertado o plano de combate, voltou a Paris a tratar d'este negocio com os empreiteiros, cuja proposta é feita em harmonia com as combinações do sr. Fontes e do sr. Cortez, que e o legitimo representante do sr. Hersent.
"Este accordo deduz-se da propria carta do sr. Cortez, que, tratando do preço dos terrenos conquistados ao Tejo, transforma uma clausula facultativa em obrigatoria, como quem dispõe do que é puramente seu.
"Isto significa, sr. presidente, que todos estes accordos são pouco regulares e menos dignos, talvez.
"Ponho de parte as intenções do sr. presidente do con-
i Doc., vol. I, pag. 183.
2 Doe., vol. I, pag. 187,
selho e do digno par, a que me estou referindo, porque as supponho patrioticas e boas, mas quero avaliar estes documentos em absoluto.
"Que valor poderá ter o concurso, cujo programma é feito de accordo com o empreiteiro?
"Que significa um documento d'estes, apresentado pelo governo, sob a proposta de um empreiteiro, firmada em bases previamente combinadas entre o digno par e o ministro?
"Sr. presidente, estes documentos não resistem á mais ligeira analyse; porém, confesso a v. exa. que me punge e magoa ter de entrar n'esta questão. Julgo-a tão delicada e grave, que ter-me-ia abstido de fallar, se o contrario me não fosse imposto pelo dever que tenho de pugnar franca o lealmente pelos interesses do paiz.
"Mas a camara comprehende perfeitamente o que quer dizer este projecto.
"Significa isto, que o concurso ha de ficar deserto desde o momento que o empreiteiro apresenta uma proposta que foi solicitada pelo governo, como se deprehende da carta do digno par, o sr. Mendonça Cortez.
"Já se vê que o concurso será simplesmente para esse engenheiro."
E mais adiante:
"Sr. presidente, o sr. Fontes fez hontem importantes declarações relativamente ao concurso.
"Congratulo-me com s. exa. pela franqueza com que procedeu, e espero que hoje renovará essas declarações, fazendo-as mais explicitas, positivas e categoricas.
"Desejo que declare á camara qual a fórma do concurso, como e por quem ha de ser feito o plano definitivo4."
Na resposta o sr. Fontes diz:
"Insistindo nas mesmas considerações que hontem tive a honra de apresentar, limito-me agora a uma resposta que julgo indispensavel dar ao digno par ácerca do ponto restricto do concurso.
"Já hontem indiquei á camara qual era o meu modo de ver a este respeito, e se a camara se lembrar do que hontem se passou, não póde ter duvidas sobre o modo por que eu encaro esta questão.
"Quaesquer que sejam os trabalhos a executar, elles não podem deixar de ser guiados por uma estricta imparcialidade, a fim de que o concurso não seja uma burla, mas sim um elemento indispensavel, util e proficuo para chegarmos ao resultado mais vantajoso, quando emprehendemos a realisação d'este importantissimo melhoramento.
"A minha idéa, que bem se deduz da apreciação do projecto e das explicações já dadas, é que o governo, depois de promulgada a lei, se por acaso esta camara approvar o projecto que estamos discutindo, convide todas as pessoas que o quizerem fazer, a apresentarem os seus projectos para os melhoramentos do porto de Lisboa dentro de um praso rasoavel, a fim de que possam ser considerados officialmente, e sobre elles o governo se pronuncio, dando a um a sua preferencia.
"Esses projectos devem ser feitos na conformidade do projecto de lei, tendo em attenção o proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883.
"Eu podia, sem duvida, encarregar um engenheiro portuguez ou estrangeiro de fazer um projecto por conta do estado, que servisse de base ao projecto definitivo; mas tenho rasões para seguir outro caminho.
"É escusado declarar que ninguem faz mais justiça aos engenheiros portuguezes do que eu; ninguem tem em maior apreço as repetidas provas em que elles têem manifestado no nosso paiz uma competencia acima de todo o elogio.
"Por consequencia, não serei eu quem venha fazer injustiça aos engenheiros portuguezes, mas a verdade é que, se eu for buscar um dos nossos engenheiros para fazer o projecto, póde acontecer que os engenheiros estrangeiros
1 Doc., vol. I, pag, 191,193 e 194.
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receiem e duvidem do rigor com que osso trabalho fosse feito, e receio que d'esse modo o governo possa vir a achar-se em embaraços como os que encontrou com relação ao caminho de ferro da Beira Alta, para cujas obras uma companhia estrangeira veiu aqui licitar sobre um projecto elaborado por um engenheiro portuguez, levantando, depois de lhe ter sido adjudicada a obra, grandes difficuldades o complicações sobre a sua execução.
"Podia tambem chamar um engenheiro estrangeiro, porque ha muitos cuja competencia é conhecida na Europa; mas n'esse caso não tardaria a malevolencia a inferir d'esse meu acto que eu tinha qualquer empenho ou qualquer tenção de conceder a esse engenheiro a execução da obra de que se trata.
"Já se vê que tudo isto me collocaria n'uma situação muito difficil, não tendo por onde escolher.
"Todos sabem que aquelle que fizer o projecto tem uma grande probabilidade de que a companhia que elle organisar tome conta da obra.
"Qual é então o meio, mais imparcial e conveniente para os interesses publicos a seguir, para que não possa ser suspeito o procedimento do governo, nem levantar embaraços áquelles que quizerem vir ao concurso, senão dizer-se-lhes, que têem de apresentar o projecto definitivo?
"Apresentados esses projectos, o que póde levar um ou dois mezes a fazer, terão ouvidos os homens competentes, e elles decidirão qual d'elles é o mais conveniente.
"O governo, então, sobre essa consulta, pronunciará a sua escolha, declarando qual o projecto definitivo que ha de servir de base ao concurso.
"Feito isto, marcar-se-ha o praso de noventa dias para que todas as companhias possam concorrer a elle.
"Aqui está como eu entendo que se podem levar a effeito as obras do porto de Lisboa de uma maneira completa e imparcial.
"Devo ainda declarar que todos aquelles que se propozerem a elaborar algum projecto para essas obras, encontrarão no ministerio das obras publicas todos os esclarecimentos necessarios.
"Emquanto ás sondagens, eu devo dizer ao digno par, o sr. Vaz Preto, que apenas faltam umas dez ou doze, e que essas mesmas em muito pouco tempo devem estar concluidas, porque já dei todas as ordens para que fossem feitas1."
Na mesma sessão foi approvado o projecto sem modificações.
§ 3 ° A lei de 16 de julho de 1885 e factos posteriores
A lei que resultou dos projectos approvados nas duas camaras, e que tem a data indicada, auctorisa o governo a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de noventa dias, a construcção das obras do porto de Lisboa, concernentes á primeira secção do plano geral proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, comprehendendo caes marginaes, pontes girantes, docas de abrigo, de carga, descarga e reparação, machinismos e guindastes hydraulicos, caes fluctuantes e vias ferroas para serviço do mesmo porto, nos termos e em conformidade de bases, as mais importantes das quaes, para a questão que nos occupa, são as seguintes:
"§ 1.° As obras serão feitas por empreitada geral, segundo o projecto definitivo que merecer a approvação do governo, tendo-se em attenção o plano de melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas. O projecto definitivo servirá de base ao respectivo concurso.
"§ 2.° O governo publicará o caderno de encargos e o programma do concurso, ao qual ninguem poderá ser
1 Doc., vol. I, pag. 196 e 197.
admittido sem que tenha depositado na caixa geral de depositos titulos de divida publica portugueza interna ou externa, no valor real de 540:000$000 réis.
"Á proporção que as differentes obras forem postas em serviço, serão restituidos successivamente os titulos de que trata este paragrapho, na rasão do que corresponder pelo seu preço no mercado á importancia de 5 por cento do valor das ditas obras.
"§ 3.º O praso para a construcção da primeira secção das obras do porto de Lisboa será de dez annos.
"§ 4.° O concurso versará sobre o preço das obras, o qual não poderá ser superior a 10.800:000$000 réis1."
Por portaria de 24 de agosto de 1885, abriu-se concurso por espaço de cento e vinte dias, para a apresentação, no ministerio das obras publicas, do projecto definitivo das obras na margem direita do Tejo, entre a ponte O. da estação do caminho de ferro de leste, e o prolongamento do caneiro de Alcantara, tendo em attenção o supradito plano geral.
O projecto devia ser elaborado segundo o programma annexo á portaria, devendo os projectos ser apresentados pelos concorrentes, pelas onze horas da manhã do dia 23 de dezembro do mesmo anno, perante a commissão que fosse nomeada para os receber, terminando o praso da recepção uma hora depois. Os projectos recebidos seriam enviados á junta consultiva de obras publicas e minas, para os apreciar, devendo ser classificados por ordem de merito relativo aquelles que estivessem no caso de merecer approvação para serem applicados ás obras do porto de Lisboa.
Ao projecto que fosse classificado em primeiro logar era concedido o premio de 6:000$000 réis, e ao classificado em segundo logar o de 4:000$000 réis, adquirindo o governo a propriedade dos mesmos projectos e restituindo aos seus auctores os não premiados quando o reclamem.
O programma determina que o projecto definitivo comprehenderá as obras marcadas no artigo 1.° da lei de 16 de julho, e que será composto de: planta geral, perfil longitudinal de todos os cães e molhes, perfis transversaes dos mesmos, desenhos especiaes de cada uma das obras a executar, detalhes das differentes obras, medição geral d'ellas e memoria descriptiva e justificativa das obras projectadas. Na memoria descriptiva e justificativa deviam indicar-se com relação ás differentes obras: a natureza e qualidade dos materiaes a empregar, os processos de construcção e os calculos de resistencia e estabilidade.
Em 30 de novembro de 1885, a commissão do grupo nacional, constituida expressamente para fazer elaborar um projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa, pede a prorogação do praso por mais quarenta dias. Fundamentando o requerimento, diz a commissão que desde o principio se suscitou entre os engenheiros a convicção ou desconfiança de ser muito limitado o praso fixado no programma, e que acresceu terem sido fornecidos com muita demora e deficiencia, apesar da boa vontade das estações officiaes, certos elementos importantes, tornando-se tambem preciso concluir parte do trabalho de sondagens, por vezes interrompido pelo mau tempo.
Por despacho de l5 de dezembro de 1885, assignado pelo sr. Thomas Ribeiro, é prorogado o praso do concurso até ao dia l de fevereiro.
Em carta de Paris, datada de 14 de dezembro, e dirigida ao sr. ministro das obras publicas, informa o sr. Hersent, que conta enviar-lhe no dia seguinte muitos exemplares dos planos e memoria do projecto que elaborara para a obra do porto de Lisboa.
Em carta de Rouen, datada do dia seguinte e dirigida ao mesmo sr. ministro, annuncia-lhe o sr. Fourmont que lhe envia o seu projecto e a memoria explicativa.
Em carta de Paris, de 17 do mesmo mez, e com a mes-
1 Doc., vol. I, pag. 201.
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ma direcção, diz o sr. Hersent que soube por aviso telegraphico, quando já tinha remettido um exemplar do seu projecto, da prorogação do praso de entrega, e que este adiamento o prejudica, porque alem das indiscrições, que podem pôr ao corrente do seu trabalho os seus antagonistas, não póde aproveitar-se da demora, que lhes permittirá a elles fazer um trabalho mais cuidado, collocando-o n'uma posição de inferioridade.
Por despacho de 30 de janeiro, do sr. Thomás Ribeiro, são nomeados os chefes das repartições de obras publicas e minas, os srs. Eusebio Marcelly Pereira e Pedro Victor da Costa Sequeira, e o primeiro official, o sr. Ricardo Sylles Coutinho, para formarem a commissão que ha de receber os projectos.
Em carta de Paris, de 24 de janeiro, annuncia o sr. Hersent que manda entregar ao sr. ministro das obras publicas um exemplar do seu projecto, que desde o dia 23 de dezembro estivera depositado no banco lusitano; diz que evita os protestos que poderia fazer, segundo o direito, mas que lembra a sua carta de 17 de dezembro, e falla em prejuizos serios e indiscutiveis que lhe causou o adiamento concedido aos seus concorrentes.
Em carta de Rouen, de 27 de janeiro, participa o sr. Fourmont que instituiu seu procurador em Lisboa o sr. Ricard com o fim de dar todas as explicações que se julgarem convenientes, a respeito do seu projecto.
Em l de fevereiro envia o sr. Schiappa Monteiro o seu projecto, declarando que falta n'elle o orçamento, porque na ultima verificação accusou um erro importante que a falta de tempo impediu de corrigir,
Na mesma data entrega a commissão executiva do grupo nacional o sen projecto, que declara elaborado pelos engenheiros, os srs. João Joaquim de Matos, Bento Fortunato de Moura Coutinho de Almeida de Eça, José Joaquim de Paiva Cabral Couceiro, Manuel Affonso Espregueira, Adolpho Ferreira de Loureiro, Candido Xavier Cordeiro, Frederico Ressano Garcia e Augusto Fuschini, em collaboração com o sr. Guerard, dizendo tambem que os mesmos srs. engenheiros foram encarregados da elaboração de uma variante, que a escassez de tempo não permittiu concluir, mas que será, logo que o esteja, offerecida ao governo, como mais um elemento de informação.
No dia l de fevereiro de 1886 receberam-se e lavrou-se termo de recepção dos seis projectos seguintes: um do sr. Hersent, outro do sr. Frederico William Reeves, dois do grupo nacional, outro do sr. H. J. Fourmont1.
Os projectos foram submettidos á junta consultiva, cuja consulta sobre elles, tem a data de 10 de junho de 1886 e está assignada pelos srs. Caetano A. Maia, J. Chrysostomo de Abreu e Sousa, relator, Placido de Abreu, Gomes da Palma, Sousa Brandão, II. de Macedo, B José Vieira, J. A. Neves Cabral e Lourenço de Carvalho.
N'essa consulta começa a junta por considerações geraes para proceder com o devido criterio e segurança na apreciação dos projectos.
"Se o programma de 24 de agosto, diz-se n'essas considerações geraes, manda attender a esse plano (O da commissão de 1883) sem impor a obrigação de o seguir á risca em todas as suas partes, claro é que se podem admittir differentes soluções, sem infringir o pensamento fundamental d'elle, nem tão pouco o programma ou a lei. O que é restricto e obrigatorio, segundo a mesma lei, é que, na concepção das obras a realisar desde já, se não vá alem do limite fixado para o seu custo, nem se prejudiquem as do futuro."
Resume depois a consulta os projectos e opiniões dos concorrentes; seguem-se a isto algumas considerações sobre os processos de construcção das obras projectadas, e essas terminam assim: "Quanto aos processos de construcção que se deverão adoptar, é questão que cumpre de novo
1 Doc., vol. I, pag. 203 a 209.
examinar attentamente quando se redigir o plano definitivo das obras que deve servir de base á adjudicação, aproveitando na determinação ou escolha d'esses processos os estudos que posteriormente ao plano de 1883 só tiverem effectuado. Entretanto, entendemos dever observar que é de muita conveniencia conservar livre e desembaraçada o mais possivel a iniciativa e proposta dos emprezarios, emquanto a esses processos ou systemas de construcção, bem entendido, sujeita essa proposta, em todo o caso; á approvação do governo".
A ultima parte da consulta são considerações geraes ácerca dos projectos apresentados e das idéas e indicações contidas n'elle e modo o mais consentaneo de resolver o problema do porto de Lisboa, nos termos da lei. Uma das partes d'estas considerações geraes intitula-se "Custo elevadissimo do plano de 1883 accusado pelos concorrentes" e n'ella diz a consulta: "Parece ficar posto em evidencia que o plano de 1883, executado integralmente exigiria uma despeza, que iria muito alem da fixada na lei de l6 de julho de 1885 e se approximaria de cerca de réis 20 000:000$000."
"Este facto é mais, ou menos explicitamente confessado pelos concorrentes. É verdade que quasi todos não apresentaram orçamentos, nem lhes foram exigidos no programma do concurso, nem em relação ao plano de 1883, nem em relação aos projectos que apresentassem modificando-o. Ácerca do custo das obras d'esses projectos, ou ha silencio ou a declaração de que esse custo excederia a verba de 10.800:000$000 réis. Não obstante, parece que devia ter-se entendido que os projectos que viessem ao concurso deviam conformar-se com a lei n'este ponto importante.
"Entretanto, como o programma de 24 de agosto de 1885 mandava ao mesmo tempo attender ao plano de 1883, sem declaração explicita ácerca do limite de despeza prescripta, resultou d'esse silencio uma certa divergencia na maneira de interpretar o programma a este respeito; e os diversos concorrentes, em diversos pontos, ora entenderam que se não podiam desviar do plano de 1883, ora se desviaram effectivamente, como, por exemplo, a respeito do numero de docas e sua posição, profundidade de aguas, e ainda a respeito de outros pontos, resultando d'aqui uma falta de homogeneidade para a comparação, principalmente sendo esta falta acompanhada da falta de orçamentos."
Demonstra depois a consulta que os projectos apresentados pelos concorrentes tambem excedem em muito a quantia fixada na lei; que nenhum dos projectos apresentados no concurso póde ser considerado como projecto definitivo ou adoptar-se exclusivamente, mas que os projectos Hersent, Reeves e grupo nacional encerram muitas indicações uteis; passando em seguida a estabelecer as bases economicas e estatisticas necessarias para elaborar o projecto definitivo.
"A dificuldade principal e não pequena, está na construcção do caes avançado entre aquelles limites, se não quizermos prescindir inteiramente d'essa construcção, ou, pelo menos, adial-a para o futuro. Este caes avançado de 1:500 metros de comprimento, com duplos muros de cães interiores e exteriores, e terrapleno intermedio de 100 metros de largura, tendo portanto, um desenvolvimento de muros de caes de cerca de 3:000 metros, na parte mais profunda dos Iodos, que descem a 26 metros abaixo do zero hydrographico, absorveria uma despeza que se não póde calcular em menos de 2:000$000 réis por metro corrente, ou na totalidade 5.000:000$000 a 6.000:000$000 réis pouco mais ou menos.
"Não haverá meio de prescindir do caes avançado entre a rocha do Conde de Obidos e a praça dos Romulares, e de obter 3:000 a 4:000 metros de caes acostaveis, em melhor disposição, e reduzindo tão enorme despeza?
"O remedio pareço que poderia consistir em construir o muro do caes interior de cerca de 1:500 metros de com-
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primento, correspondente áquella extensão, e de muito mais facil construcção, e addicionar-lhe tres ou quatro molhes ou esporões, que, partindo d'elle, avançassem para o meio do rio sem ultrapassar, comtudo, o alinhamento geral do caes avançado.
Na conclusão da consulta diz-se:
" De tudo quanto fica exposto a conclusão necessaria e principal é, que não póde levar-se á execução, sem modificações, o plano de 1883, nem póde adoptar-se exclusivamente qualquer dos projectos apresentados no concurso de l de fevereiro do corrente anno.
"Mas, considerando a junta que nos projectos dos srs. Hersent e Reeves, e nos do grupo nacional, ha muitas indicações uteis e acertadas, e uma grande massa de trabalhos e esclarecimentos muito aproveitaveis, entende a mesma junta que n'esses estudos, e nos mais que se poderão effectuar em curto praso, se encontrarão todos os elementos necessarios para se elaborar um plano definitivo ou programma das obras do porto de Lisboa, nos termos da lei de 16 de julho de 1885, de sorte que ainda no corrente anno se possa proceder á adjudicação das ditas obras."
E relativamente a premios:
"Pelo que respeita aos premios estabelecidos no programma de 24 de agosto de 1885, visto que nenhum dos projectos se póde adoptar exclusivamente, e que os apresentados pelos srs. Hersent, Reeves e grupo nacional todos offerecem indicações muito aproveitaveis para a elaboração do plano definitivo, sem que se possa graduar a sua importancia relativa, entende a junta que será de justiça repartir igualmente a totalidade dos mesmos premios pelos projectos apresentados pelos srs. Hersent, Reeves e grupo nacional1."
Sabendo do voto da junta relativamente aos prémios, o grupo nacional reclama, em documentos que têem as datas de 17 de junho e 28 de agosto contra a execução d'elle. As rasões apresentadas são:
"O concurso foi unicamente de projectos dentro de bases determinadas, e nenhuma das indicações do programma versava sobre o custo das obras. Se este, segundo os calculos que agora se fazem, é demasiadamente elevado, é isso a consequencia natural e inevitavel das condições technicas exigidas pelo proprio programma, inconveniente a que, portanto, os concorrentes são estranhos.
"Finalmente, sobre as bases exigidas pelo programma trabalharam escrupulosamente os engenheiros do grupo nacional na elaboração dos dois projectos A e B acima referidos, ao passo que os demais concorrentes desattenderam em varios pontos essas condições, não podendo por esse facto os seus projectos serem admittidos legalmente para os effeitos do concurso.
"Estabelece a portaria na disposição 7.ª dois premios era condições distinctas, para serem conferidos aos projectos classificados em primeiro e segundo logar, e determina que a classificação seja feita pela ordem de merito relativo. Ora achando se os concorrentes em condições incontestavelmente diversas, não só no que respeita ao exacto cumprimento do programma, só seguido pelo grupo nacional, mas ainda no seu merecimento relativo, porque é sabido que os projectos dos outros concorrentes contêem disposições absolutamente inadmissiveis n'um rio como o Tejo, tambem illegal e de nenhuma equidade seria a repartição d'esses dois premios por tres concorrentes2."
Por despacho de 2 de setembro, do sr. Emygdio Navarro, manda-se á junta consultiva que informe com urgencia sobre a reclamação do grupo nacional, devendo informar minuciosamente e principalmente sobre este ponto: se o grupo nacional satisfez rigorosamente a todas as condições do concurso e se não satisfez quaes foram as omittidas.
1 Doc., vol. I, pag. 210 a 237.
2 Doc., vol. I, pag. 238.
No seu parecer de 10 de setembro, diz a junta:
"O fundamento principal da reclamação do grupo nacional consiste em que a junta classificara todos os concorrentes com igual direito aos premios offerecidos na portaria de que faz parte o programma, base do concurso, o que não lhe parece justo.
"Este fundamento é uma pura supposição que não tem realidade alguma. A junta não reconheceu nos concorrentes direito aos premios offerecidos, antes pelo contrario, entendeu que todos os projectos apresentados no concurso não estavam no caso de serem approvados, porque nenhum d'elles podia ser adoptado com applicação ás obras sem profundas alterações, e portanto não podia nenhum ser classificado nos termos precisos do artigo 1.° do programma e da condição 6.ª da portaria de 24 de agosto de 1885, de que o mesmo programma faz parte.
"É isto o que explicitamente se diz e se póde ler na consulta da junta de l de junho ultimo.
"O alvitre lembrado ao governo pela junta, fundado na conveniencia publica, e não no direito dos concorrentes, para a acquisição equitativa dos projectos dos concorrentes Hersent, Reeves e grupo nacional, por conterem indicações aproveitaveis para a elaboração do plano definitivo das obras, visto que nenhum dos projectos se podia acceitar exclusivamente como tal, foi uma proposta que o governo podia acceitar ou não, conforme julgasse conveniente, mas que nada tem com a classificação de merito relativo dos projectos, que não se effectuou nem podia effectuar-se quando faltava a de merito absoluto, sem o qual não havia direito a premio algum.
"Que os projectos que foram submettidos ao exame da junta, e nomeadamente os que foram apresentados pelo grupo nacional, não satisfaziam ao disposto no artigo 1.° do programma nem podia qualquer d'elles ser considerado o projecto definitivo a que se refere este artigo, deduz-se do facto que em todos elles o custo das1 obras propostas não se contém no limite fixado na lei, quando aliás n'este artigo do programma se faz referencia á carta de lei de 16 de julho de 1885, e se diz que as obras serão em conformidade ou nos termos do artigo 1.° da dita carta de lei.
"Ora, o § 4.° do dito artigo da lei prescreve que o custo d'essas obras não deverá exceder a quantia de réis 10 800:000$000. Mas os projectos A e B do grupo nacional elevam quasi ao dobro esse custo, não sendo por conseguinte acceitaveis.
"Do que fica dito se vê claramente que não póde admittir-se a allegação do grupo nacional, de que o programma tivesse posto de parte a lei e o custo das obras ahi fixado, e que os poderes publicos e os concorrentes nada tinham com a observancia da mesma lei.
"Nem a junta poderia nunca entender, ainda mesmo que no programma não houvesse áquella referencia á lei de 16 de julho, que o programma publicado no mez seguinte vinha derogar as disposições d'ella. A obrigação da junta era considerar o programma em harmonia com a lei e para os effeitos que ella tinha em vista.
"Que os projectos tambem não estavam nos termos de ser classificados com direito a premio deduz-se da condição 6.ª da portaria de 24 de agosto. Ahi se prescreve que os projectos que não estiverem no caso de ser approvados para serem applicados ás obras do porto de Lisboa, não gosam do direito de serem classificados para premios pela ordem de merito.
"Ora, a junta entendeu que, não sendo acceitavel qualquer dos projectos apresentados no concurso como base para a adjudicação das obras e como o projecto definitivo a que se refere o programma, se devia proceder a novo plano que estivesse em harmonia com a lei de 16 de julho de 1885 e para os fins que ella teve em vista, e a que não satisfaziam os projectos A e B do grupo nacional, o que os próprios representantes d'este grupo confessam do modo
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o mais explicito e frisante, participando ao governo ha muitos mezes que preparavam um terceiro projecto que resolvesse o problema dos melhoramentos do porto de Lisboa de um modo muito mais satisfactorio e menos grandioso1."
Foi tambem a reclamação do grupo nacional submettida á procuradoria geral da corôa e fazenda, que, em consulta de 23 de outubro, é contraria á mesma reclamação, por isso que sendo a junta o jury incumbido de apreciar e classificar os projectos, e não lhes reconhecendo merito absoluto para o fim que se tinha em vista, não podia effectuar a classificação do merito relativo; mas que, propondo a junta que se aproveitem os projectos Hersent, Reeves e grupo nacional para que com elles, juntos a outros estudos, se possa elaborar um projecto definitivo, se o governo approvar este alvitre, precisa adquirir a propriedade dos tres mencionados projectos, por contrato especial com os seus donos, não podendo repartir igualmente os dois premios pelos tres concorrentes, porque daria aos dinheiros publicos applicação diversa da que foi auctorisada no n.º 7.° da portaria de 24 de agosto de 1885.
Em portaria de 31 de maio de 1887, do sr. Emygdio Navarro, considerando que, segundo as consultas da junta consultiva e do procurador geral da corôa e fazenda, é infundada a reclamação dos concorrentes a respeito da classificação dos seus projectos e da adjudicação dos premios; mas, considerando que esses projectos forneceram indicações valiosas que é de equidade remunerar esses serviços, e que o concorrente Hersent tem, no flicto de ter sido o adjudicatario das obras do porto de Lisboa, a sua mais subida recompensa e a consagração official dos seus altos meritos; e, considerando a importancia e merecimentos relativos dos projectos dos outros dois concorrentes, ordena-se que se adjudique o primeiro premio ao grupo nacional, o segundo a Frederico William Reeves, ficando por esto rondo satisfeitas quaesquer indemnisações pelo proveito que o estado possa ter tirado d'aquelles estudos, e excluindo-se dos premios o engenheiro Hersent, não obstante os altos merecimentos dos seus trabalhos, pelas rasões expostas2.
Antes d'este facto, foi creada, por portaria de 28 de junho de 1886, assignada pelo sr. Emygdio Navarro, uma direcção especial das obras do porto de Lisboa, tendo a seu cargo organisar, com a maior brevidade possivel, o projecto definitivo; continuar os trabalhos de sondagens e outros estudos preparatorios que forem julgados convenientes, e, depois de adjudicada e começada a contracção das obras do porto, fiscalisal-a, acompanhando-a e vigiando pela exacta observancia das condições estipuladas.
N'outra portaria, da mesma data, ordena se que o engenheiro director das obras do porto de Lisboa, na elaboração do projecto que lhe é incumbido, ouça os pareceres dos engenheiros, conselheiros João Chrysostomo de Abreu e Sousa e Adolpho Ferreira de Loureiro, como consultores do mesmo projecto, advertindo que a linha do caes indicada nos projectos do grupo nacional ou do engenheiro Hersent só deverá ser recuada quando se torne absolutamente impossivel mantel-a nas condições technicas do projecto e bases financeiras para elle auctorisadas na lei de 16 de julho de 1885 3.
Em 4 de setembro de 1886, apresenta o engenheiro director, o sr. Mendes Guerreiro, o plano geral definitivo para os melhoramentos do porto de Lisboa, acompanhado de uma memoria justificativa e do caderno de encargos.
Começa a memoria justificativa fazendo a historia do concurso do projectos e enumerando as condições que a
1 Doc., vol. I, pag. 230 a 242.
2 Doc., vol. I, pag. 238 a 243.
3 Doc., vol. I, pag, 244 e 245.
junta consultiva julgou que se deviam attender na elaboração do projecto definitivo.
"Estas indicações, diz a memoria, podem resumir-se: 1.°, em fixar como base do concurso a verba de réis 10.800:000$000 para todos os trabalhos a pôr em praça; 2.°, em adiar para tempo opportuno o contratar tudo que respeita ás installações ou equipamento dos caes com relação ao trafego e exploração d'elle.
"Para que a despeza não exceda os 10.800:000$000 réis auctorisados pela lei, a junta consultiva propõe, como se viu, que entre o arsenal da marinha e a rocha do Conde de Obidos, se construa, apenas por emquanto, o capa interior das docas, e que da rocha do Conde de Obidos até ao caneiro de Alcantara, afóra as docas de reparação, que convem construir desde já, se reserve para mais tarde a continuação das outras obras
"A segunda portaria de 28 do junho ultimo, publicada no Diario do governo de 30 do mesmo mez, ordena á direcção das obras do porto de Lisboa, creada na mesma data, que a linha de caes indicada nos projectos do grupo nacional, ou do engenheiro Hersent, só deverá ser recuada quando se torne absolutamente impossivel mantel-a nas condições technicas do projecto e bases financeiras para elle auctorisadas na lei de l6 de julho de 1885.
"Não me pareço que se possa reconhecer a impossibilidade absoluta sem submetter ao concurso de preço a linha de caes indicada pela commissão de l883, com que a lei concorda e que foi acceita pelos engenheiros supra indicados.
"Elaborei portanto um plano geral definitivo, que está conforme com as bases ordenadas pela lei e pela interpretação ministeria1.
"Dos tres projectos que a junta consultiva julgou dignos de premio, só dois conservam o muro de caes quasi continuo, e nas condições approximadamente da lei."
Segue-se a descripção do plano definitivo elaborado, a justificação do traçado e as condições e encargos com que a obra deve ser emprehendida.
Esta ultima parte diz o seguinte:
"Determinado assim o plano geral definitivo, e elaborado o respectivo caderno de encargos e programma de concurso póde abrir se praça sobre o preço sem elaborar todas as peças que constituem um projecto completo?
"Foi opinião da junta consultiva de obras publicas, como acima vimos, que se devia proceder assim, e esta direcção interpretando n'este sentido o n.º 2.° da primeira portaria de 28 de junho ultimo, pensa tambem que os differentes concorrentes encontram no plano indicado e mais peças e desenhos que se põem á sua deposição todos os elementos para darem um preço com pleno conhecimento de causa.
"Em Anvers não tiveram tantos elementos de apreciação.
"Deve-se porém fazer um concurso para empreitada geral absoluta ou relativa?
"É minha opinião que deve ser relativa; só d'este modo se pódem reduzir ao minimo as aleas que o empreiteiro mette sempre em conta na apreciação do trabalho, e que encarocem o preço da adjudicação.
"Como base para a empreitada geral suppõe-se que as fundações de todos os muros de caes, serão á cota de 20 metros abaixo do zero hydrographico, e que tudo quanto o empreiteiro profundar a mais, lhe será pago, tudo quanto deixar de construir lhe será deduzido.
"É ainda a experiencia de Auvers que me serve de base para tal opinião, alem d'isso é o modo de proceder mais em harmonia com as estipulações das clausulas o condições geraes de empreitadas.
"Convem finalmente indicar previamente qual é o perfil typo dos muros e seu systema do construcção?
"A minha opinião é totalmente contraria a uma tal restricção á praça. Todos sabem que um dos progressos das
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construcções modernas é fazer-se igualmente bem uma obra por differentes processos. Os constructores francezes empregam quasi correntemente o ar comprimido, os inglezes ainda preferem hoje as fundações ao ar livre. Para que limitar o concurso a um methodo só de construcção?
"Só entendo uma restricção, é a exclusão das fundações sobre madeira seja qual for o modo por que se empregue. Posto que seja opposto ao systema de enrocamentos, para o nosso caso, comtudo não o excluiria sendo racionalmente empregado.
"O perfil do muro fica perfeitamente determinado pela pressão e carga que é destinado a supportar.
"No concurso de projectos que ultimamente houve, os perfis eram muito similhantes, e comtudo os systemas de fundação indicados foram mui variados.
"O caderno de encargos de uma obra tão consideravel deve ser feito, deixando uma certa liberdade ao empreiteiro, que está sempre sob a fiscalisação do estado, que póde intervir quando o julgue conveniente, e concedendo-se-lhe as mesmas facilidades que o estado teria, se construisse directamente a obra, mas com encargos correspondentes em todos os sentidos."
Na avaliação das despezas separa as das obras das de machinas e apparelhos para carga e descarga dos navios, sendo de opinião que basta reservar para estas 600:000$000 réis, e que para a construcção da infrastructura bastarão 10.200:000$000 réis.
"Mas a praça, diz a memoria, melhor poderá esclarecer sobre este ponto, e aberta com toda a franqueza, deixando a cada empreiteiro o emprego do seu systema, methodos de construcção para depois da praça não vir dizer - se me deixassem empregar os meios de execução taes e taes, que são peculiares á minha casa, teria feito reducção consideravel.
"Todo o processo que tenha dado bom resultado na pratica em grande escala deve ser acceito e entrar em concorrencia; mas não deve admittir-se a minima alteração no plano geral definitivo.
"Isto não exclue que esta direcção não continue os seus1 estudos de projecto definitivo, e faça por fim um orçamento detalhado de todas as obras de modo a habilitar o governo a ter no dia da adjudicação todos os elementos de apreciação: mas basta que esse trabalho esteja completo para então.
"A conclusão, portanto, do parecer da junta consultiva de obras publicas e minas, de abrir concurso para a empreitada geral sobre um plano definitivo, parece me perfeitamente exequivel.
"Se o governo de Sua Magestade, porém, julgar mais conveniente terminar por completo o projecto e só depois abrir praça, não ha trabalho perdido, mas apenas uma delonga, que não aproveitará ao barateamento do preço da arrematação, pois em todos os casos cada um dos concorrentes deve apresentar os desenhos indispensaveis e mais esclarecimentos para se poder apreciar o merito das propostas.
"Taes são as considerações que julgo dever fazer para justificar a apresentação, desde já, do plano geral definitivo para as obras da 1.ª secção do porto de Lisboa.
"Lisboa, e direcção das obras do porto de Lisboa, em 4 de setembro de 1886. = O engenheiro director, João Verissimo Mendes Guerreiro1."
No caderno de encargos os artigos 1.° e 2.° eram os seguintes:
"Artigo 1.° A execução d'esses trabalhos será feita por empreitada geral na mais lata accepção da palavra.
"Por conseguinte o empreiteiro obriga-se a construir á sua custa, riscos e perigos, e a entregar e garantir todos
1 Doc., vol. I, pag. 246 a 250.
os trabalhos, pelos preços e segundo as condições da adjudicação.
"Art. 2.° Todos os concorrentes deverão indicar o systema ou os systemas que tencionam empregar na execução dos trabalhos, assim como a natureza e proveniencia dos materiaes a empregar na empreitada, completando estas indicações com as plantas, perfis e alçados; quer dizer um projecto elaborado sobre o plano definitivo, junto a este caderno de encargos, com todos os esclarecimentos para que a administração possa apreciar com pleno conhecimento de causa o merito das propostas apresentadas.
"A direcção das obras do porto de Lisboa porá á disposição dos concorrentes, durante o praso do concurso, todos os desenhos e estudos que houver feitos.
"O concorrente, que tiver sido preferido, terá seis mezes para submetter depois á approvação do ministerio das obras publicas, todos os desenhos de detalhe, memorias e cadernos de medições e calculos necessarios para a execução dos trabalhos."
Sobre o muro de cães, o § 3.° dizia:
"§ 3.° Os licitantes deverão descrever o systema de construcção do muro que pretendem applicar, tendo enrocamentos adiante para evitar as escavações.
"Os systemas apresentados deverão reunir as condições seguintes:
"l.ª As dimensões do muro deverão ser sufficientes para resistir á pressão das terras, não attendendo á contra-pressão da agua e a uma sobrecarga de 6 toneladas por metro quadrado de caes, collocada tanto sobre o muro como sobre o terrapleno do caes;
"2.ª O muro será fundado sem interposição de madeira sobre o terreno resistente;
"3.ª A superficie superior do massiço das fundações ficará a 10 metros abaixo das maximas baixa-mares, e terá d'ali para baixo uma altura tal que attinja um terreno bastante resistente.
"Quando este terreno se achar á profundidade de 20 metros o empreiteiro indicará o preço por metro de profundidade que se lhe mandar attingir para ser augmentado o preço da licitação, e o mesmo fará para profundidades menores que 10 metros, de 10 a 15 metros e de l5 a 20 metros para se deduzirem correspondentemente.
"Onde as profundidades forem muito grandes, poder-se-hão projectar pilares ligados por abobadas que supportem a parte do muro que ficar acima do fundo do rio1."
Todo o trabalho do sr. Guerreiro foi submettido aos consultores, de cujo parecer, que tem a data de 26 de setembro de 1886, foi relator o sr. Adolpho Loureiro.
Os consultores discordam em muitos pontos do trabalho do sr. Guerreiro, julgando que o plano proposto se afasta muito das indicações da junta e da lei, que as despezas orçadas para a superstructura e infrastructura do porto são insufficientes, e que o contrato não deve ser parte por empreitada geral, outra parte, a das fundações mais profundas, por series de preços por cada unidade de trabalho, mas todo de empreitada geral, completamente á forfait.
No meio d'estas divergencias encontram-se no relatorio os seguintes periodos:
"Póde, sim, abrir-se concurso para a execução de um plano de obras, deixando-se completamente livre ao empreiteiro o processo da construcção, o methodo do trabalho e o systema a seguir, uma vez que fiquem bem garantidas as condições de resistencia, de duração e de bem corresponderem ao fim a que são destinadas as diversas obras que formam esse plano. Justifica muito bera este facto o sr. engenheiro Guerreiro na sua memoria: Mas o que me parede não póde admittir-se e que se abra praça para a execução de um trabalho, sem que previamente tenha sido avaliado pelos engenheiros, tão exactamente quanto possi-
1 Doc., vol. I, pag. 251 a 255l.
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vel, e seguindo os processos que se tenham por mais economicos e adquados ás circumstancias peculiares da construcção e da localidade."
E sobre caderno de encargos e modo de proceder ao concurso:
"Para levar a effeito por empreitada geral o melhoramento do porto de Lisboa, tem de abrir-se concurso publico, tomando-se para base d'elle o custo das obras constantes do respectivo plano definitivo, ficando bem definidas as obrigações do arrematante no caderno de encargos.
"Parece-me bem justificada, no caso presente, a conveniencia de deixar ao empreiteiro a liberdade de empregar o methodo que lhe for mais familiar ou preferível, uma vez que lhe dê garantias de bom exito.
"Se portanto póde e deve dispensar-se no concurso um projecto definitivo com todos os detalhes e minuncias da execução, o plano, que deve ser presente na praça, não me parece que deva reduzir-se a uma simples planta na escala de l : 5000.
"Carece esta planta de ser acompanhada de mais alguns esclarecimentos, taes como o perfil completo dos muros de caos acima da baixamar, a indicação das larguras dos terraplenos e dos largos, a extensão das estradas e vias ferreas, a situação e dimensões em planta das casas, edificios, armazens e telheiros, e o numero exacto das escadas de ferro, das defensas de madeira, dos arganeus, e bem assim dos comprimentos e larguras das pontes moveis das docas, das dimensões das docas seccas, etc. O que deve só deixar-se ao concorrente é o processo, ou o systema de fundações, cuja descripção deve acompanhar a sua proposta, e bem assim o projecto d'ensemble de todas as obras, podendo ficar para mais tarde os projectos detalhados, ou de execução, das diversas pontes, bateis-portas, caes fluctuantes, etc., etc., os quaes só com a previa approvação do governo poderão ser postos em execução. Parece-me, assim, indispensavel que o governo possua, não direi um projecto definitivo da obra, com a sua medição e orçamento completo, mais ao menos uma nota desenvolvida, que, a par da avaliação do seu custo, contenha a especificação de todos os serviços e trabalhos, que vae pôr a concurso, porque só assim poderá celebrar-se um contrato claro e preciso, que não dê logar a futuras complicações e pleitos.
"Só depois d'isto poderia organisar-se um caderno de encargos completo, que deve ser o documento era que se definam precisa e indubitavelmente as obrigações reciprocas, que contrahem, de um lado o governo, do outro o empreiteiro. Na falta d'aquelles trabalhos preliminares é difficil, se não impossivel, organisar um bom caderno de encargos, e n'estas circumstancias o da direcção não póde deixar de considerar-se muito bem concebido. Comtudo, obedecendo á ordem de idéas que mantenho, farei sobre alguns dos bens artigos breves reflexões.
"Art. 2.° Não julgo necessario que seis mezes depois da adjudicação o empreiteiro seja obrigado a apresentar os desenhos de detalho, memorias, cadernos de medição e calculos necessarios para a execução do todos os trabalhos. Bastará consignar no contrato que não poderá começar serviço algum sem que aquelles documentos, relativos ao serviço que quizer executar, tenham sido approvados pelo governo. No periodo da installação dos trabalhos, em que tantos cuidados devem occupar a attenção do empreiteiro, convem não o sobrecarregar com serviços que possam ser adiados l."
Depois d'este desaccordo entre o plano da direcção das obras do porto e o parecer dos consultores, determinou a portaria de 3 de novembro de 1886 que, tendo sido encarregado o inspector geral de engenheria, João Joaquim de Matos, de dar parecer perante a junta consultiva sobre o
1 Doc., vol. I, pag. 256 a 265.
projecto da direcção, o mesmo relator fizesse acompanhar o seu parecer de um projecto definitivo, que traduzisse graphicamente as observações e modificações que julgasse conveniente introduzir no projeto sujeito ao seu exame, de modo que, sendo reputado no caso de ser approvado nas instancias superiores, possa sobre o mesmo projecto definitivo abrir-se immediatamente concurso sem necessidade de novos trabalhos, sendo para isso auctorisado o referido relator a trabalhar em commum com os consultores anteriormente nomeados e a chamar para junto de si todo o pessoal technico de que careça.
Em 6 de dezembro de 1886 apresentaram os srs. Matos e Loureiro o projecto mandado elaborar por esta portaria. N'este projecto admittem-se oito differentes typos de muros adaptados ás profundidades e fins a que são destinados.
Depois de se descrever cada um d'estes typos diz-se o seguinte:
"Estes typos de muros são apresentados sómente como uma solucção possível, mas de modo algum exclue outros systemas e processos que venham a ser propostos e mais convenham aos meios de pessoal e material de que se possa dispor com mais vantagem, se porventura forem approvados pelo governo 1."
Este projecto foi submettido ajunta consultiva, cujo parecer tem a data de 13 de dezembro de 1886. N'este parecer rejeita-se o projecto elaborado pela direcção das obras do porto, principalmente, porque a despeza d'este projecto excederia o limite da lei em 3.810:466$735 réis; approva-se o dos srs. Matos e Loureiro, e repete-se, depois de se descreverem os systemas de muros, o seguinte:
"Por estas rasões foi admittido o systema de fundações e construcção de enrocamentos e blocos artificiaes, mas sómente como uma solução possível, facultando-se aos concorrentes á empreitada das obras do novo porto a adopção de outro systema que mais lhes convenha em rasão dos meios de que disponham, comtanto que esse systema seja approvado superiormente."
Dos vogaes da junta dão voto em separado os srs. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, Lourenço Antonio de Carvalho e Boaventura José Vieira.
Ao primeiro não parece necessaria uma grande doca de marés em frente da praia de Santos; julga, alem d'isso, dever supprimir-se o muro de abrigo em frente do cães da mesma praia, e quando se não queira supprimir, seria acertado differir para mais tarde a sua construcção, não o incluindo agora na empreitada geral. As rasões que dá para isso são as seguintes:
"Todos os engenheiros que têem estudado ou projectado fundações n'aquelle local, têem reconhecido as grandes dificuldades que o terreno offerece á estabilidade das construcções, e affirmado a falta de dados completos ácerca da homogeneidade e resistencia dos lodos e argillas que descem a uma profundidade indefinida n'aquelle sitio.
"Não têem, porém, sido accordes no modo de vencer estas difficuldades, divergindo quanto aos processos de fundação mais adequados.
"Em presença d'estes factos, parece que o melhor expediente seria, durante a construcção das mais obras, estudar esta, obtendo, por esta fórma, dados mais seguros de observação e de experiencia do que os que possuímos actualmente, e que permittissem fixar bem, não só o systema de fundamentos, como o typo mais economico de abrigo.
"Ha ainda outra ordem de considerações que aconselha a não contratar desde já uma obra que não é essencial, e que póde ser das ultimas, ou a ultima, a construir.
"A junta approvou as obras abaixo do caneiro de Alcantara, que trazem um certo aviamento no preço da empreitada, embora esse augmento possa trazer receita cor-
1 Doe., vol. I, pag. 267 a 272.
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respondente. N'estas circumstancias seria conveniente adiar alguma despeza menos necessaria (e n'este caso se póde considerar a de que estamos tratando) para que o augmento proveniente das obras de O. do caneiro de Alcantara fique compensado e se mantenha com bastante probabilidade da somma dos 10.800:000$000 réis.
"Finalmente, n'um systema de contrato de obras por preço fixo e inalteravel (forfait absolu), que foi o systema que a junta julgou preferivel, é preciso desviar todas as causas de duvida e incerteza, porque n'este caso todo o aleatorio da empreitada é em prejuízo do estado, segurando-se bem os licitantes nos preços que offerecerem, para se forrarem aos perigos, eventualidades e despezas imprevistas.
"Tal systema só deve applicar se a obras completamente estudadas, e cujo preço não seja extremamente duvidoso, o que se não dá com o muro de abrigo em questão."
O segundo, o sr. Lourenço de Carvalho, faz duas declarações.
"l.ª Entendo que a construcção dos muros de abrigo da doca de marés ao poente do arsenal deve adiada, até que a experiencia e observação dos resultados das restantes obras tenham demonstrado a necessidade do abrigo da mesma doca e a de augmento.
"Porque é preciso que só reconheça, diz se nas rasões d'esta declaração, que a obra de que se trata é de excepcional difficuldade, attenta a grande profundidade a que se encontra o terreno bastante firme para que as fundações se reputem seguras.
"O processo de fundação adoptado no projecto não offerece garantias de estabilidade permanente, e os factos recentes, occorridos no porto de Trieste, não recommendam, nem auctorisam, uma nova applicação d'elle. É duvidoso que um constructor, com pratica d'estes trabalhos, e com uma noção clara dos riscos e prejuízos a que o expõe a responsabilidade de conservação e reparação de uma tal obra, durante o praso de garantia, acceite para caso do seu orçamento, e para a sua execução um systema que tem tanto de incerto como de aleatorio.
"D'aqui resulta para os concorrentes um natural e justo receio de applicarem este systema de fundação (alias generalisado no projecto) a um trabalho que se apresenta em condições tão arriscadas, vendo-se assim obrigados a adoptar um outro processo mais seguro, embora e por certo bastante mais despendioso. É sob esta influencia e impressão que o constructor que queira concorrer, tem de estudar o problema e de formular a sua proposta, sendo assim inevitavelmente levado, ou a desistir do concurso, se o seu preço excede o limite da lei, ou a pedir um preço muito superior áquelle que pediria, depois de melhor conhecidos os terrenos, e de bem estudado o processo mais conveniente de construcção.
"O processo de fundação adoptado no projecto apresenta, alem de outros inconvenientes graves, o perigo da refluencia ou levantamento dos lodos de um e outro lado do massiço do enrocamento, devido á enorme pressão d'este sobre as camadas mais ou menos fluidas do terreno subjacente. Á proporção que o enrocamento for penetrando no lodo, formar-se-hão de um e outro lado protuberancias longitudinaes, que se elevarão até á altura precisa para fazer equilibrio á pressão do enrocamento e do massiço de blocos artificiaes. A dragagem indispensavel dos lodos assim refluídos alterará inevitavelmente as condições de equilibrio, formando-se novas protuberancias e baixando proporcionalmente todo o massiço da construcção.
"Finalmente o adiamento dos muros permittiria estudar em presença dos dados da experiencia e observação, e caso fossem julgados necessarios, se elles deveriam funccionar sómente como muros de abrigo, ou tambem como cães acostaveis. No primeiro caso é licito crer que o fim desejado poderia ser alcançado por algum outro genero de construcção não menos efficaz e reais seguro e economico.
"No segundo caso far-se-íam desde logo e por uma vez com a largura precisa para o duplo serviço que teriam a prestar, devendo notar se, que o alargamento dos muros projectados, construídos pelo systema proposto, seria não só difficil mas arriscado, attenta a inevitavel perturbação de equilibrio da construcção anterior.
"2.ª declaração. É de parecer que no plano de obras a executar, e no caderno de encargos e programma de concurso, convém que sejam expressamente mencionados e descriptos os trabalhos, a que se allude no corpo da consulta, comprehendidos entre a ribeira de Alcantara e Porto Franco, pelas seguintes rasões:
"A limitação dos trabalhos na margem esquerda da ribeira daria á planta das obras uma conformação viciosa e desagradavel á vista, inconveniente para o regimen do Tejo n'aquelle ponto, e desvantajosa para a segurança das obras, attenta a grande saliencia do muro de cães em relação á margem actual do Tejo ao poente da ribeira de Alcantara.
"As obras indicadas conquistarão ao Tejo uma area de terreno muito consideravel, melhorando assim as condições do projecto um pouco deficiente na superficie enxuta disponivel.
"A execução d'estes tralbalhos melhorará consideravelmente as condições hygienicas locaes, mormente se a ribeira de Alcântara for coberta de abobada, com grande vantagem tambem da continuidade de communicações.
"Por ultimo o despendio com estas obras será largamente compensado para o estado pelo valor dos terrenos conquistados, quer elles sejam vendidos, quer sejam applicados a usos publicos ou municipaes."
0 terceiro, o sr. Boaventura José Vieira,, não lhe inspirando confiança os meios de construcção propostos para os muros de abrigo, attenta a. grande profundidade de lodo n'aquelle local, não sendo para seguir, mas sim para se evitar o que se passou no porto de Trieste em condições analogas, julga que seria prudente adiar a construcção dos muros de abrigo da doca de Santos, limitando a construcção ao caes marginal, deixando a doca aberta, a fim de se poder estudar, não só o systema de construcção o mais conveniente, mas principalmente o melhor aproveitamento de uma grande parte da superficie destinada pelo projecto áquella doca; pensa, alem d'isto, que ganharia muito o porto de Lisboa, se em vez de se construir a doca de Santos, como está projectada, se fizesse com o orçamento correspondente aos muros a, continuação desde o caneiro de Alcantara até Porto Franco, construindo ahi uma doca para barcos, como o, auctor do projecto entende e propõe 1.
Depois d'isto, a portaria de 20 de dezembro de 1886 mandou approvar o projecto das obras do novo porto do Lisboa, datado de 6 do mesmo mez, e com o qual se conformara o parecer da maioria da junta 2.
Em seguida a esta portaria publicou-se o decreto de 22 de dezembro de 1886, que abriu o concurso para a construcção das obras do porto de Lisboa. São importantes para a questão os artigos 1.° 4.°, 6.° a 9.°, 11.°, 14.° e 17. ° do decreto, e por isso os transcrevemos:
"Usando da auctorisação concedida ao meu governo pela carta de lei de 16 de junho de l885, hei por bem decretar o seguinte:
"Artigo 1. É aberto concurso publico, pelo praso de noventa dias, para a construcção, por empreitada geral, das obras para melhoramentos no porto de Lisboa, concernentes á 1.ª secção do plano geral proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883.
"§ 1.° Será rasão de preferencia absoluta entre os licitantes, qualquer que seja o preço das suas propostas, o incluírem na construcção, e dentro da base financeira de
1 Doe., vol. I, pag. 273 a 278.
2 Doe., vol. I, pag. 279,
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10.800:000$000 réis, as obras indicadas na planta e plano geral, agora approvados como definitivos, que decorrem desde o caneiro de Alcantara até Porto Franco junto da cordoaria nacional.
§ 2.° Será rasão de preferencia relativa, subordinada ao disposto no paragrapho antecedente, o incluírem na proposta para licitação, e dentro da mesma base financeira, a construcção de quaesquer outras obras complementares ou accessorias, de reconhecida utilidade publica, ou a cessão de vantagens importantes para o estado.
"§ 3.ª O praso d'este concurso terminará no dia 26 de março proximo, ás duas horas da tarde.
"Art. 2.° A natureza c construcção de todas as obras, de que trata este concurso, o fornecimento e installação das machinas, e os diversos serviços comprehendidos n'esta empreitada, serão conforme as condições que baixam com o presente decreto, assignadas pelo ministro e secretario d'estado das obras publicas, commercio e industria.
"Art. 3.° Nenhum licitante será admittido ao concurso sem ter previamente depositado na caixa geral de depositos, á ordem do governo, a quantia de 540:000$000 réis em dinheiro, ou o valor correspondente em títulos de divida publica portugueza, segando o seu valor no mercado, pela ultima cotação official da camara dos corretores.
"Art. 4.° A base financeira para todas estas obras, seus accessorios e fornecimentos, e limite extremo da licitação será a quantia de 10.800:000$000 réis.
"Art. 6.° No dia 26 de março de 1887, ás duas horas da tarde, perante a commissão opportunamente nomeada e com a assistencia do procurador geral da corôa e fazenda, na secretaria do ministerio das obras publicas, se procederá á abertura das propostas para a empreitada geral, a que se refere o artigo 1.° d'este decreto.
"Art. 7.° As propostas serão feitas em cartas fechadas, e assignadas pelos licitantes, sendo as suas assignaturas legalmente reconhecidas.
"Art. 8.° Cada proposta será acompanhada de uma memoria descriptiva em que seja summariamente indicado o systema de construcção que o proponente pretende adoptar na execução das obras, a natureza e processo de fundação de muros de caes, e todos os mais esclarecimentos necessarios para a rigorosa apreciação da proposta.
"Art. 9.° O concorrente, a quem for adjudicada a empreitada, apresentará ao governo, no praso de noventa dias, a contar da data da adjudicação, o projecto completo para a execução de todas as obras, segundo o mencionado plano datado de 6 de dezembro corrente, que serve de base ao concurso, com os necessarios desenhos geraes, especiaes e de detalhe, e com todas as medições, calculos e justificação das disposições adoptadas e dos systemas propostos, bem como a descripção de todas as machinas, edificios, pontes, portas, bateis-portas e diversos accessorios do projecto, indicados nas condições de que trata o artigo 2.° d'este decreto.
"Art. 11.° As propostas feitas pelos licitantes serão fechadas em sobrescriptos separados, sem declaração alguma exterior, e serão escriptas em portuguez, nos termos seguintes:
"O abaixo assignado obriga-se a construir as obras para "melhoramentos no porto de Lisboa, segundo as disposições
"e clausulas do programma de 22 de dezembro de 1886, e
"bem assim as complementares e accessorias abaixo especificadas, pelo preço total de.. . (por extenso).
"Em seguida irá a especificação das obras e de quaesquer
"vantagens cedidas para o estado, que sirvam para determinar as preferencias marcadas no artigo 1.° e seus paragraphos d'este decreto.
"Art. 14.° Não se considera valida qualquer proposta em que se requeiram ou proponham modificações no programma ou nas condições a que se referem os artigos 1.°, 2.° e 4.°
"Art. 17,° O governo não será obrigado a fazei a adjudicação, quando entender que ella não é conveniente aos interesses publicos, em vista dos termos e outras circumstancias das propostas apresentadas no concurso."
Conjunctamente com o decreto foram publicadas as condições para a execução das obras.
N'estas condições o artigo 1.° determinava a natureza do contrato, que era uma empreitada geral por preço unico e fixo, sendo as obras effectuadas pelo adjudicatario á sua custa, riscos e perigos; o artigo 2.° trata do projecto definitivo de execução e por esse artigo fica o adjudicatario obrigado a introduzir no projecto que apresentar, em conformidade do artigo 9.º do programma do concurso, todas as modificações que o governo julgar necessarias, e que não affectem a economia geral do plano approvado; e só depois de approvadas estas modificações, poderia considerar-se definitivo o projecto para ser posto em execução; no caso do adjudicatario não introduzir no projecto por elle apresentado as modificações assim ordenadas pelo governo, poderá este dar por nulla e sem effeito algum a adjudicação, perdendo o adjudicatario o deposito effectuado; o capitulo 3.° trata da recepção das obras, que se divide em provisoria e definitiva; á medida que as obras forem sendo concluidas, poderá o governo fazel-as receber provisoriamente e entregal-as á exploração publica, continuando porém o empreiteiro a ser responsavel pela sua conservação, durante o praso de garantia de tres annos, que começa a contar-se do auto da recepção respectiva, se houver sido approvada pelo governo, não podendo, porém, a recepção fazer-se senão por lanços completos, que são determinados. Nas recepções e era qualquer epocha, o governo poderá mandar proceder ás provas e experiencias que julgar convenientes para se assegurar da estabilidade e bom acabamento da obra e das suas differentes partes, sendo estas experiencias feitas á custa do empreiteiro e sob a direcção dos fiscaes do governo, lavrando-se sempre o respectivo auto; a recepção definitiva terá logar, decorrido que seja o praso de garantia, se as obras se encontrarem em boas condições de conservação, segundo constar do respectivo auto de vistoria. Durante o praso de garantia o empreiteiro conservará em bom estado e á sua custa todas as obras da empreitada. No caso de se manifestar prejuizo ou ruina causada por vicio de construcção, devidamente reconhecido, terá o governo o direito de mandar proceder ás necessarias reparações, pagando o custo d'ellas pelas quantias em deposito, ou deduzindo-o das que tiverem de ser pagas ao empreiteiro.
Para as machinas, pontes, apparelhos e utensilios recebidos e dados pelo governo á exploração publica, o periodo de garantia para o empreiteiro terminará um anno depois da entrega á exploração das mesmas machinas e utensilios.
O capitulo 5.° trata da execução das obras; n'esse capitulo o artigo 1.° é o seguinte:
Desenhos de execução
"Dois mezes depois de approvado o projecto, o empreiteiro entregará ao governo dois exemplares completos de todos os desenhos geraes, especiaes e de detalhe, das differentes obras a executar, comprehendidas na empreitada, em todas as modificações introduzidas pelo governo no projecto primitivo1."
Depois d'isto, em portaria de 19 de março de 1887, são nomeados os srs. João Joaquim de Matos, Manuel Affonso de Espregueira, Adolpho Ferreira de Loureiro e Ricardo Sylles Coutinho, para na qualidade de adjuntos ao director oral, conselheiro Bento Fortunato de Moura, Coutinho de Almeida de Eça, formarem a commissão que ha de dirigir
1 Doe., vol. I, pag. 280 a 289,
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os trabalhos do concurso a que se tem de proceder no dia l 20 do mesmo mez.
No dia 21 offiia-se no, sentido da portaria anterior aos engenheiros indicados e ao procurador geral da corôa e fazenda.
No dia 26, ás duas horas da tarde, n'uma sala do ministerio das obras publicas, reuniu-se a commissão, e achando se tambem presente o procurador geral da corôa e fazenda, o conselheiro Antonio Cardoso Avelino, se deu começo aos actos do concurso, e foram recebidas duas propostas, uma (n.° 1) do sr. Hersent, outra (n.° 2) do sr. Reeves, fechando-se o concurso ás duas horas e quarenta minutos, passando se logo a effectuar a abertura das propostas apresentadas, visto não se ter offerecido duvida, nem se ter pedido explicação alguma.
Aberta a proposta n.º l verificou-se que continha os seguintes documentos: 1.°, recibo do thesoureiro da caixa geral de depositos da quantia de 540:000$000 réis em bilhetes do thesouro; 2.°, certificados abonatorios da capacidade do sr. Hersent, como empreiteiro de trabalhos maritimos; 3.º, uma memoria descriptiva e justificativa dos meios de construcção e diversos annexos.
Aberta a proposta n.° 2 encontrou-se um recibo do thesoureiro da caixa geral de depositos da quantia de 545:169$000 réis, em titulos de divida portugueza de differentes especies; e um abaixo assignado do sr. Reeves, obrigando se, no caso de lhe ser adjudicada a obra, a apresentar engenheiro ou pessoa idonea para dirigir a construcção, e uma carta fechada sem designação exterior.
Reconheceu e declarou a commissão como habilitados para entrarem no concurso, os srs. Hersent e Reeves, sem que houvesse reclamação alguma.
Abriram-se em seguida os sobrescriptos encontrados nas propostas n.ºs l e 2, e no primeiro encontrou se, alem de uma procuração do sr. Hersent ao sr. Maury, a proposta d'este em nome d'aquelle; no segundo um requerimento dirigido ao governo com varias ponderações.
"O abaixo assignado obriga-se, em nome o com procuração bastante e especial do sr. H. Hersent, a construir as obras para melhoramentos no porto de Lisboa, segundo as disposições e clausulas do programma de 22 de dezembro do 1886, e bem assim as complementares e accessorias abaixo especificadas pelo preço de 10.790:000$000 réis.- Lisboa, 25 de março do 1887.
"A obra complementar e accessoria que o proponente offerece e se obriga a construir gratuitamente é um caminho de ferro de via reduzida entre Lisboa e as proximidades de Belem, com faculdade para o proponente de o prolongar até Cascaes com o seu respectivo material fixo e circulante para transporte de passageiros e de mercadorias, e isto sujeito ás disposições dos artigos 9.° e 10.° do decreto de 22 de dezembro de 1887.
"O proponente fará a exploração do mesmo caminho de ferro por noventa e nove annos, findos os quaes reverterá para o estado gratuitamente.
A construcção e exploração, d'este caminho de ferro ficará sujeito ás disposições que regulam os demais caminhos de ferro portuguezes.
"Lisboa, 25 de março de 1887. = Como procurador bastante o especial de H. Hersent, Maury.
"Reconheço o signal supra. Lisboa, 26 de março de 1887.=(Estampilha do sêllo de 10 réis.)=Em testemunho do verdade.= Camillo José dos Santos Junior 1.
Vem em seguida á proposta uma memoria descriptiva e justificativa, escripta em francez.
Essa memoria está dividida em diversas partes, marcadas por epigraphes, a primeira das quaes se intitula: "Disposições geraes do projecto" e a segunda "Muros de caes".
Sobre este ultimo assumpto, diz-se na memoria:
1 Doe., vol.I, pag. 291.
"Duas circumstancias, particulares ao porto de Lisboa, devem preoccupar o constructor:
1.° A grande profundidade á qual se tem de ir procurar terreno solido em muitos sítios da linha dos caes;
2.° A propria natureza dos terrenos lodosos, que cobrem o solo consistente, e que podem, n'uma dada occasião, derribar muros os mais consideraveis, sob a influencia de pressões hydrostaticas, que se produzem algumas vezes.
"Para obviar a estes, inconvenientes, nós procurámos um systema de construcções baseado sobre o emprego do ar comprimido, carregando pouco o solo, e apresentando aberturas na parte inferior dos muros, pelas quaes poderia, quando fosse necessario, despender-se a pressão hydrostatica, se se produzisse; e offerecendo, emfim, todas as garantias de estabilidade que se podem desejar."
Para justificar esta construcção dos muros com fundações descontínuas, o proponente recorda que uso d'esse systema no porto de Bone, na Argelia, no porto militar de Brost, no porto de Lorient, e que esse mesmo systema foi tambem seguido em Nantes e em Ruão.
Descrevo depois o emprego do systema, os diversos typos de muros e a applicação de cada um d'elles. Do extracto copiámos essa descripção que a commissão fez da memoria. Diz a commissão:
"Consiste o emprego do systema no seguinte:
"Levantar sobre o terreno consistente, ou sobre uma base, que possa considerar-se suficientemente resistente, pilares fundados pelo ar comprimido, os quaes, medindo na base 7 a 8 metros, no sentido da espessura dos caes, e 4 metros nos sentido longitudinal, terminam á cota de 2 metros com 6m,l de largura util, por 4 metros de comprimento.
"Entre estes pilares, distanciados de 12 a 14 metros de eixo, é que ficam as aberturas livres de 7 a 8 metros, por onde se deriva dos muros grande parte da pressão hydrostatica dos lodos.
"Para a execução da parte continua dos muros, acima d'aquelle nível, assenta se sobre os mesmos pilares uma forte estructura metallica, constituída por quatro longrinas de ferro formando a base da construcção, e tendo pela parte superior uma enseccadeira de folha de ferro, que a faz fluctuar, e dentro da qual se executam a secco as alvenarias, podendo sobre os pilares lançar-se d'este modo uma abobada abatida, que supportará o muro de cães contínuo acima do nível das mais baixas aguas.
"Estas grandes caixas trazem-se fluctuando ao seu logar e fazem-se assentar sobre os pilares, ficando entre os seus topos á distancia umas das outras de Om,35, enchendo se este intervallo com beton na parte inferior e com alvenaria na superior, e deixando exteriormente a ranhura, que ha de receber o poste de defensa do caes, formado por uma viga de pitsch-pine resinosa da America.
"Pela retaguarda do muro de cães assim construído serão lançados os enrocamentos de pedra perdida, que serão levantados até á cota das baixamares medias, formando taludes de 45°, tanto para o interior dos aterros, como para o lado exterior.
"Os muros construídos pelo processo de Anvers com fundações pneumaticas assentarão sobre o terreno consistente, se este se encontrar até á cota de 13 metros ou sobre enrocamentos, que poderão baixar até á de 20 metros, depois de previamente dragados os lodos até essa profundidade.
"Segundo este systema, distingue o proponente Hersent tres typos de muros conforme a base d'elles descer até -13 metros, ou de -13 metros a -16 metros, ou de -16 metros a -20 metros.
"Nos molhes que cobrem pelo exterior as docas do Terreiro do Trigo, da alfandega, e de Santos, o systema será o mesmo; apresentando duas faces igualmente paramenta-
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das e acostaveis, e tendo no coroamento 10 metros de largura, ligados os muros lateraes por uma abobada de alvenaria, com uma abertura na parte superior, por onde só lançarão os enrocamentos que devem encher os intervallos que separam os muros.
"Estes molhes terão assim no coroamento uma largura maior do que a que lhes era fixada nas condições do concurso, o que dará melhor serviço commercial, permittindo o assentamento de duas vias ferreas para o transporte das mercadorias de importação e de exportação.
"Alem d'estes typos propõe o concorrente tres outros typos de cães simples, ou construídos pelo systema de Anvers, quando se pretenda um muro estanque, que desce até á rocha ou fundo consistente, ou que possa ser empregado aos logares em que se não exija grande tirante de agua para os navios, taes como: os caes da doca do Terreiro do Trigo e da alfandega, os interiores da doca de fluctuação, e o exterior do caneiro de Alcantara, podendo tambem construir-se este ultimo sobre enrocamentos e blocos artificiaes 1."
Trata depois a memoria, em paragraphos distinctos, das dragagens e aterros para os terraplenos, eclusa, doca de fluctuação e docas de reparação, fundação das pontes, embarcadouros fluctuantes, obras de ferro ou aço, machinas de manutenção, calçadas, vias ferreas e vedações, canos, telheiros, aterro a jusante de Alcantara e ponte sobre o caneiro do mesmo nome.
Sobre a proposta Hersent encontram-se ainda os seguintes documentos:
1.° Uma carta do seu representante, o sr. Maury, datada de 26 de março e dirigida ao sr. ministro das obras publicas, na qual te diz que, tendo o jornal Novidades, publicado n'aquella tarde, annunciado que o sr. Hersent se obrigava a executar por 10.790:000$000 réis, todos os trabalhos do programma, comprehendendo-se n'elles a secção de Alcantara a Porto Franco, elle vem declarar, que a proposta que apresentou em seu nome especifica como trabalhos accessorios e complementares, o caminho de ferro, de Lisboa a Belem, mas não a secção de Alcantara a Porto Franco, que é uma obra complementar, como se vê do artigo 21.° do caderno de encargos. O sr. Hersent, diz a carta, teve primitivamente a intenção de propor ao governo encarregar-se tambem d'esta secção, pedindo, como indemnisação, a cessão gratuita de hectares de terrenos conquistados ao Tejo, tendo por isso comprehendido esses trabalhos na sua memoria descriptiva, mas observando-se-lhe que este pedido importava a nullidade da sua proposta, supprimiu a offerta correspondente a esta secção, deixando a descripção que poderia servir de base a um accordo anterior;
2.° Desistencia da obra complementar proposta, se não se julgasse vantajosa para o estado 2.
O requerimento de Reeves era textualmente o seguinte:
"Senhor. - No programma para o concurso por empreitada geral das obras para melhoramento do porto de Lisboa, exige se que o adjudicatario tome certas responsabilidades que ordinariamente não são comprehendidas em empreitadas de obras analogas; esta circumstancia n'um trabalho que deve durar dez annos tem como consequencia augmentar o orçamento, por essa rasão o abaixo assignado não póde chegar a fazer uma proposta completamente dentro da base financeira da lei; ruas se o governo permittir que se introduzam no projecto algumas modificações e vantagens que não alteram o merito do projecto,
1 Doe., vol. I, pag. 291 a 295.
2 Doe., vol. I, pag. 299 e 301.
mas que facilitara as condições de trabalhos, a somma de 10.800:000$000 réis é sufficiente.
"N'estas condições, o abaixo assignado abstem-se de apresentar uma proposta, convencido de que para nenhum dos concorrentes serão alteradas ou modificadas as condições do programma de 22 de dezembro ultimo. - E. R. M.cê
"Lisboa, 2ô de março de 1887. =Frederic William Reeves. = (Segue o reconhecimento.)4"
No acto do concurso foi apresentada pelo sr. Bartissol ao presidente do mesmo concurso uma carta fechada, que depois se verificou conter o seguinte officio:
"III. Mº e exmo sr. presidente da commissão do concurso para a execução das obras do porto de Lisboa. - Os abaixo assignados Duparchy & Bartissol, empreiteiros das obras do porto de Leixões, estudaram cuidadosamente o projecto e condições para a execução dos melhoramentos do porto de Lisboa e reconheceram :
" l.° Que a fórma de pagamento é incerta e bastante complicada;
" 2.° Que o systema de trabalhos que serviu de base ao orçamento, não representa exactamente a quantidade de trabalho que ha a executar para a segurança das obras.
"3.° Que os preços elementares da serie não são sufficientes para trabalhos tão difficeis e nos quaes ha sempre grandes despezas imprevistas.
"Como o artigo 14.° do decreto do 22 de dezembro diz
"que não se considera valida qualquer proposta em que se requeiram ou proponham modificações no programma, desistimos de apresentar a nossa proposta, reservando-nos para o fazer, se um segundo concurso tiver logar, e no caso que as condições de execução e financeiras sejam sensivelmente melhoradas".
"Deus guarde a v. exa. Lisboa, 26 de março de 1887.= Duparchy & Bartissol. = (Segue o reconhecimento.)2"
Demonstra-se, pelos documentos do concurso, que um engenheiro belga, o sr. Leon Souzée, enviou de Bruxellas, pelo correio, uma carta dirigida ao sr. ministro das obras publicas, e contendo uma proposta para o mesmo concurso, proposta que foi devolvida sem ser aberta, porque só no dia 28 é que a carta chegou ás mãos do destinatario, e porque, mesmo que tivesse sido recebida no dia 26, não podia ser tomada em consideração por falta do deposito previo exigido na lei. Demonstra-se tambem pelos documentos que, alem dos dois concorrentes, depositaram a quantia necessaria para garantir uma proposta o banco lusitano e o sr. Henry Burnay 3.
Pela nullidade do concurso protesta em tres requerimentos, um de 29, outro de 30, outro de 31 de março, o concorrente sr. Reeves. As principaes rasões do protesto são: conter-se a procuração dada pelo sr. Hersent ao sr. Maury no sobreacripto que continha a proposta do sr. Hersent, e não ser apresentada pessoalmente pelo mandatario; não lhe admittir o sr. procurador geral da corôa e fazenda protesto ou declaração contra este facto senão em portuguez e em papel sellado, com a assignatura reconhecida por tabellião, o que o impossibilitou de protestar; não se lhe admittir igualmente protesto contra o pedido feito na proposta do sr. Hersent de um caminho de ferro, a titulo de obra complementar, com o fundamento de que tinha passado o praso para a apresentação de protestos ou reclamações e de que o proponente estava no seu direito, em virtude do § 2.° do artigo 1.º do decreto de 22 de dezembro de 1886; e ao encerrar-se a sessão, quando tentou novamente protestar, pedindo para que os seus protestos fossem exarados na acta, oppor-se a isso o
1 Doe., vol. I, pag. 294.
2 Doo., vol. I, pag. 257.
3 Doe., vol. I, pag, 302,
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sr. conselheiro procurador geral da corôa e fazenda, declarando que o supplicante não podia ser considerado como concorrente, e que, se alguma reclamação tinha a fazer, a apresentasse directamente ao governo de Sua Magestade 1.
Os requerimentos do sr. Reeves e as declarações em nome do sr. Hersent foram, por despachos ministeriaes, mandados á commissão, que deu a 5 de abril de 1887 o seu parecer sobre todo o processo de concurso, que foi depois submettido á junta consultiva e á procuradoria geral da corôa e fazenda.
Não havendo mais do que a proposta apresentada pelo sr. Hersent, aprecia-a a commissão sob o ponto de vista technico e de conformidade com o programma do concurso.
Diz que a proposta se conforma, sem restricção alguma, com as condições do programma do concurso e que nos termos do artigo 8.° é acompanhada por uma memoria descriptiva e justificativa dos meios de construcção, em que é summariamente indicado o systema de construcção.
No paragrapho "Disposições geraes", diz que o proponente se conforma com as do plano geral que serviu de base ao concurso.
No paragrapho "Muros de cães", diz, depois de descrever o systema apresentado pelo proponente, o seguinte:
"Em resumo, os princípios em que se funda este systema de construcção são acceitaveis e têem sido já vantajosamente applicados em obras analogas, com bom resultado, permittindo estabelecer um muro continuo do nível das baixas aguas para cima, acostavel em toda a extensão aos navios, com a altura de agua marcada nas condições do concurso.
"É no projecto definitivo que se hão de determinar rigorosamente os comprimentos dos muros a que devem applicar-se os diversos typos, empregando-se, era todo o caso, o n.° 3 na doca de fluctuação (interiormente) e na eclusa e nos outros, sempre que for possível, sem perigo para os operarios e sem grande difficuldade.
"E tambem no projecto definitivo que deve descrever-se minuciosamente e justificar-se a disposição e detalhes da estructura metallica e das abobadas lançadas sobre os pilares, e bem assim a natureza e apparelho das cantarias, que, segundo as condições do concurso, devem formar os paramentos dos muros de caes.
"Pelo que diz respeito ás escadas de cantaria e de ferro, postes para amarração e para defensa, e rampas de varadouro e descarga, a proposta do concorrente Hersent conforma-se inteiramente com as condições do concurso."
No paragrapho "Dragagens e aterros para terraplenos" a commissão diz que julga admissível o systema de construcção proposto, mas que entende que esse systema não deve ser adoptado, exclusiva e absolutamente, em todos os muros de cães, mas só quando as circumstancias locaes justifiquem o seu emprego, devendo esta indicação constar do projecto definitivo a que o adjudicatario é obrigado nos termos do concurso.
No paragrapho "Eclusa, doca de fluctuação e de reparação" diz que nenhum inconveniente resultará na pratica de se admittir o praso maximo de quatro horas para-se fazer o esgoto da grande doca de reparação, apesar de se marcar nas condições do concurso o de duas horas e meia, porque o período maximo só terá de ser aproveitado por occasião das maximas maraés, sendo na grande maioria dos casos sufficiente o de duas horas e meia.
No paragrapho "Fundação de pontes" entende a commissão que, sendo a cal de Theil vantajosamente empregada, nos mais importantes portos do Mediterraneo, é de parecer que se póde permittir o seu emprego na parte superior dos muros de cães, como já se auctorisou para Leixões, havendo as precisas cautelas e experiencias para garantir a sua boa qualidade, e bem assim que o enchimento
Doc., vol, I, pag, 299 a 801.
dos caixões em que se trabalhar ao ar comprimido, póde fazer-se sem inconveniente com beton fabricado com argamassa de cal hydraulica de Theil, e tambem que, no caso de em Portugal se fabricarem cimentos ou cal hydraulica, poderia ser auctorisado o seu emprego, logo que se reconheçam em estado de satisfazerem completarmente aos fins a que forem destinados.
Nos paragraphos "Embarcadouros, obras de ferro, ou de aço, machinas de manutenção, calçadas, vias ferreas e vedações, carros" entende a commissão que as declarações do proponente estão em harmonia com as condições do concurso.
No paragrapho "Telheiros" diz a commissão que na proposta não são mencionadas estas obras complementares, o que era indispensavel para a rasão de preferencia absoluta, e que, comquauto estejam mencionadas na memoria descriptiva, entende que a responsabilidade do proponente não póde ir alem d'aquillo a que se obrigou na proposta a que se refere o artigo ll.° do programma. Diz mais a commissão que, terminando a memoria descriptiva por declarar mais uma vez a completa acceitação de todas as condições da empreitada, lembra que a serie de preços para os pagamentos parciaes e das modificações, que porventura se introduzam no projecto, no decurso dos trabalhos, terá de ser convenientemente modificada e harmonizada com o systema de construcção adoptado, e do mesmo modo pensa a commissão, em harmonia com o que se estipula nos artigos 26.° e 27.° das clausulas o condições das empreitadas de 8 de março de 1861.
No paragrapho "Caminho de ferro para Belém e Cascaes" diz a commissão que não tem na memoria elementos sufficientes para avaliar do merito da obra, mas que lhe parece que não deve admittir-se ali uma linha ferrea que não seja de via larga, por ser indispensavel a sua ligação com as dos caes do novo porto de Lisboa e com as dos raminhos de ferro que convergem á capital, dependendo, além d'isso, a sua concessão da interpretação do contratos já existentes, visto poder considerar-se ramal das linhas já concedidas, e no caso contrario da approvação das camaras, por exceder 20 kilometros de extensão.
Depois d'isto, a commissão resolve:
" Analysados minuciosamente pela commissão os termos da proposta de H. Hersent, e tendo presentes o programma e e as condições para a execução das obras de melhoramento do porto de Lisboa, datadas de 22 de dezembro de 1886, é de parecer que aquella proposta, no que diz respeito aos processos de construcção, que se projectam adoptar, não contraria as referidas condições, e está em circumstancias de ser acceita, por offerecerem as necessarias garantias de segurança e ficar a cargo do proponente a conservação e responsabilidade effectiva das obras no praso de tres annos depois de recebidas pelo governo nos térreos dos artigos 32.°, 37.° e 69.°
"O concorrente deverá, alem d'isto, como prescrevem os artigos 2.° e 70.º das mencionadas condições, introduzir no projecto definitivo, que é obrigado a apresentar dentro de tres mezes, depois de adjudicadas as obras e no decurso das mesmas, todas as modificações e alterações, que o governo julgar necessarias ou a experiencia aconselhar.
"Pelo que respeita ao requerimento datado de 26 de março ultimo, apresentado no concurso que teve logar na mesma data pelo concorrente Frederic Wilham Reeves, a commissão não encontrou no mesmo requerimento allegação ou consideração alguma que deva influir no resultado do mesmo concurso."
Mostra em seguida a commissão a improcedencia das allegações do concorrente, o sr. Reeves, e termina dizendo:
"Foi ultimamente presente á commissão um plano geral das obras dos melhoramentos do porto de Lisboa, assignado pelo mesmo requerente Reeves, e datado de 4 do corrente mez, no qual se introduzem importantes alterações ao plano geral dos mesmos melhoramentos, que ser-
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viu de base ao concurso, as quaes considerava indispensaveis para poder formular A sua proposta dentro dos limites financeiros fixados pela lei.
"A commissão, em vista do que dispõe o artigo 14.° do programma do concurso, julga inacceitavel o plano geral apresentado pelo requerente Reeves, ainda mesmo que tivesse sido no acto do concurso, acompanhado de uma proposta de preço e da respectiva memoria descriptiva em que fosse summariamente indicado o systema de construcção que se pretendia adoptar na execusão das obras, como prescreve o artigo 8.º do programma."
Este parecer está assignado pelos srs. João Joaquim do Matos, Manuel Affonso de Espregueira, Adolpho Ferreira de Loureiro.
Da commissão passou o processo do concurso para a junta consultiva. Esta resume os actos do concurso e o parecer da commissão, e conclue, dizendo:
"A junta consultiva de obras publicas e minas tendo examinado com a attenção que merece tão importante assumpto; conformando-se com o parecer minuciosamente elaborado pela commissão nomeada em 28 de março ultimo para examinar o processo de concurso que teve logar em 26 do mesmo mez, é de opinião que a proposta de H. Hersent para a execução das vibras de melhoramento do porto de Lisboa, satisfazendo ás condições do programma e do caderno de encargos está no caso de ser acceita, salvo na parte referente ao caminho de ferro de Lisboa a Belem o Cascaes.
"Pelo que respeita aos requerimentos datados de 26 e 29 do março ultimo, apresentados por Frederic William Reeves, a junta não encontra nos mesmos requerimentos allegação ou consideração alguma que deva influir no resultado do concurso.
"Vossa Magestade, porém, mandará o que for servido.
" Sala da junta consultiva de obras publicas e minas, em 6 de abril de 1837.= Caetano Alberto Maia = Placido de Abreu = Antonio Guedes Quinhones = Hermenegildo Gomes da Palma = Francisco de Sonsa Brandão = Agnello José Moreira = José Joaquim de Matos = Mathias Cypriano Pereira Heitor de Macedo = Boaventura José Vieira = Manuel Affonso Espregueira = José Augusto C. das Neves Cabral = Lourenço Antonio de Carvalho = D. Antonio de Almeida."
Da junta passou o processo para a procuradoria geral da corôa e fazenda. Na consulta da procuradoria allegam só factos e rasões, que, por motivo de brevidade e de analogia, resumimos sob tres numeros.
Diz se:
"1.º Que no correr da meia hora para a recepção das propostas (artigo 8.° das instrucções de 19 de março de 1861) foi apresentada uma carta fechada com sobre-scripto para o presidente da commissão. E como não tinha indicação externa do ser proposta, e porque a commissão não fôra nomeada, nem estava funccionando para receber cartas, mas para receber propostas, não a numerou, nem ao apresentante entregou cedula (citadas instrueções, artigo 9.°) nem d'esse facto fez menção na acta, e que, decorrida a meia hora, nenhum dos concorrentes, depois de interrogado pelo presidente, apresentou duvidas, nem pediu explicações (citadas instrucções, artigo 10.°)
"2.° Que sendo notada ao apresentante da proposta Hersent a falta de procuração, elle declarou perante a assembléa, que era numerosa, que a procuração fôra mettida por engano no sobrescripto que continha a proposta do preço; que n'esse sobrescripto se encontrou effectivamente; que seria mais regular que estivesse no primeiro; mas que entendia que não importava nullidade o ter sido incluída no segundo.
"3.° Que a commissão não podia admittir protestos, para inserir na acta, em lingua que não fosso a portugueza; nem podia ser a interprete de mr. Reeves ou tomar a responsabilidade dos protestos que elle apresentasse em qualquer língua estrangeira. Uns protestos não se lhe tinham acceitado por isto; e outros, posteriores á abertura do sobrescripto que deveria conter essa proposta, porque, apparecendo um requerimento, em vez de uma proposta, perdera por isso a qualidade de concorrente, unica que lhe dava direito a intervir n'aquelle acto, e declinava da competencia administrativa da commissão para a competencia constitucional do governo, para onde a commissão o tinha remettido.
"Do exposto, diz a consulta; resulta que o protesto do sr. Reeves é infundado e não tem valor jurídico para annullar, por contrario ao programma, leis o regulamentos, o processo do concurso.
"Devo advertir que a proposta de mr. Hersent está redigida o formulada nos precisos termos do artigo 11.° do programma de 22 de dezembro de 1886."
A consulta termina assim:
"Conclusão - O processo está valido. E o protesto não o póde invalidar e annullar, por ser infundado e não conforme a direito.
"O governo no artigo 17.° do programma declarou: que não é obrigado a fazer a adjudicação, se entender que ella não é conveniente aos interesses publicos, em vista dos termos e outras circumstancias das propostas apresentadas no concurso.
"Esta apreciação, porém, este julgamento da conveniencia ou inconveniencia das propostas e das suas circumstancias e da sua conformidade ou desconformidade com os interesses publicos, não é da competencia dos fiscaes da côroa.
"Com este parecer se conformou unanimemente a conferencia dos fiscaes superiores da corôa e fazenda.
"Deus guarde a v. exa Procuradoria geral da corôa e fazenda, 9 de abril de 1887.- III.mº e exmo sr. ministro e secretario d'estado das obras publicas, commercio e industria. = O procurador geral da corôa e fazenda, Antonio Cardoso Avelino."
Depois d'isto, por despacho de 9 de abril de 1887, assignado pelo sr. Emygdio Navarro, vista a resolução do conselho de ministros, vistos os pareceres extractados, e a desistencia de mr. Hersent, o protesto e o pedido da companhia real dos caminhos de ferro a respeito das obras complementares a oeste do caneiro de Alcantara, mandam-se adjudicar ao proponente mr. Pierre Hildenert Hersent pela quantia de 10.790:000$000 réis (dez mil setecentos noventa contos de réis) as obras que constituem a primeira secção do plano geral dos melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em l6 de março de 1883, conforme as condições approvadas por decreto de 22 de dezembro de 1886 e consultas supra mencionadas.
O pedido da companhia real dos caminhos de ferro, a que se refere o despacho antecedente, é o requerimento feito pela mesma companhia ao governo, em 30 de março de 1887.
Diz o requerimento que a companhia soube pela imprensa que n'uma proposta para as obras do porto de Lisboa, existe um pedido de concessão de uma linha ferrea de via reduzida de Lisboa a Belem, com a faculdade de continuar-se até Cascaes, e que protesta contra essa concessão, reclamando a como um ramal seu, nos termos do seu contrato, e expondo a fórma porque se tem proposto e propõe construir a mesma, linha ferrea.
A companhia real obriga-se:
"l.° A executar os trabalhos do rectificação da margem direita do Tejo, desde o caneiro de Alcantara até Porto Franco e d'ahi até á praia da torre de Belem, seguindo o alinhamento de plano geral approvado por decreto do 22 de dezembro de 1886.
2.º A ceder ao estado, dos terrenos que assim conquistar ao Tejo, os necessarios para o serviço do rio e para uma
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avenida da largura até 30 metros, e, alem d'estes, os que o governo julgar necessarios para outros fins de utilidade publica, não excedendo porém 2 hectares na secção entre Alcantara, Porto Franco e Belem.
3.° A cobrir o caneiro de Alcantara na parte que for necessaria para a ligação da estação do caminhe de ferro de Lisboa a Cintra é Torres Vedras com os caes marginaes e com a linha ferrea que d'aquelle ponto deverá partir em direcção a Belem e Cascaes.
4.° A construir em leito proprio e de via larga (lm,67 entre carris) uma linha ferrea, que sendo prolongamento da linha ferrea de ligação marginal das duas estações de Lisboa siga por Belem até Cascaes, com respectivo material fixo e circulante para serviço de passageiros e mercadorias, concedendo esta as isenções fiscaes das linhas de que esta é prolongamento, e os terrenos do estado que ella possa atravessar com todas as demais condições e encargos usuaes em concessões analogas, incluindo a reversão gratuita para o estado da mesma linha ao fim de noventa e nove annos.
Esta linha ferrea estará concluída no praso de dois annos.
5.° A construir nas proximidades de Alcantara uma doca de abrigo para embarcações miudas com uma superficie não inferior a l hectare.
6.° A executar um ramal que, partindo do valle de Alcantara, nas proximidades do aqueducto das aguas livres, venha, em tunnel, dar á referida estação nas proximidades da praça do D. Pedro, sem passagem de nível em rua alguma de Lisboa.
7.° A companhia poderá facultativamente ligar a linha de Cintra com o ramal de Cascaes, n'um ponto entre Cacem e o Ramalhão, ou onde se julgar mais conveniente.
A companhia declarava que não pedia subvenção, nem garantia de juro, nem qualquer espécie de subsidio.
Este requerimento teve o seguinte despacho:
Em vista da resolução do conselho de ministros, passe alvará. Paço, em 6 de abril de 1887. = E. Navarro.
O alvará, que faz as concessões e determina as condições com que são feitas é de 9 de abril.
Posteriormente à este alvará, em 13 de abril, apresentou o sr. Reeves uin requerimento offerecendo 100:000§000 réis pela concessão de uma linha desde a estação de Santa Apollonia até Alcantara, e 30:000§000 réis pela linha de Alcantara a Cascaes e mais 25 por cento dos lucros líquidos das mesmas linhas, depois de separado d'esse rendimento o juro de 7 por cento para os capitaes empregados. O proponente dizia que tivera intenção de incluir estes projectos na sua proposta de concurso, mas que o não fizera porque o sr. engenheiro Matos o avisára de que taes caminhos de ferro não podiam ser tomados em consideração, conforme o programma do concurso.
Por despacho de l5 de abril é mandado informar o sr. engenheiro Matos sobre o aviso que se lhe attribue.
O sr. Mattos informa que, conforme as instrucções do sr. ministro, deu a todos os indivíduos, que lh'os solicitaram, todos os esclarecimentos tendentes a facilitar a redacção de propostas em termos de puderem ser acceitas;
Que com relação ao requerimento entende pelos novos systemas de caminho de ferro a que elle se refere:
1.° O caminho de ferro que ha de unir a estação de Santa Apollonia da linha ferrea de leste com a de Alcantara da linha de Cintra o Torres Vedras;
2.° O caminho de ferro que partindo do caneiro de Alcantara siga a margem direita do Tejo até Cascaes.
O primeiro caminho de ferro faz parte do plano geral dos melhoramentos do porto de Lisboa, que serviu de base ao concurso e como o systema adoptado pelo requerente se afastava no seu traçado do d'aquelle plano geral, não poderia ser attendido no concurso, o que fez ver ao requerente, e aliás era obvio.
O segundo caminho de ferro, entendeu sempre que poderia ser considerado como uma linha, de serviço das obrais do novo porto, e por isso não só não emittiu a opinião de que não podesse ser tomado em consideração, mas ato indicou a sua conveniencia e opportunidade, nenhuma rasão havendo para que esta linha devesse deixar de ser considerada como uma das obras, cuja construcção poderia ser incluída hás propostas dos concorrentes, como facultava o § 2.° do artigo 1.º do programma de concurso de 22 de dezembro de 1886.
Depois d'esta informação o requerimento é mandado archivar.
Passando d'este facto incidente e accessorio aos que principalmente nos occupam, encontra se o termo de contrato celebrado a 20 de abril de 1887, entre o governo e o empreiteiro sr. Hersent, no ministerio das obras publicas. Achavam-se presentes, alem do secretario geral do mesmo ministério, conselheiro Elvino José de Sousa e Brito, o sr. ministro das obras publicas, o Sr. Hersent, é o sr. procurador geral da coroa e fazenda, conselheiro Antonio Cardoso Avelino, e como testemunhas os srs. João Rozendo Peres Ramos e Manuel Quedes Coelho. Pelo sr. ministro, primeiro outorgante; foi dito que, considerando que o segundo outorgante na proposta apresentada no acto de concurso, e aberta com as formalidades consignadas no decreto de 22 de dezembro, declara acceitar todas as clausulas, e condições approvadas pelo mesmo decreto, Havendo previamente effectuado como caução o deposito de réis 540:000§000, e desistindo das obras complementares que propozera - resolvêra por isso o governo fazer a adjudicação das obras que constituem a l.ª secção do plano geral dos melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883; ao segundo outorgante, Pierre Hildenert Hersent, pela quantia de réis 10.790:000§000, era conformidade com as disposições contidas na carta de lei de 16 de julho de 1885, decreto de 22 de dezembro de 1886 e mais disposições legaes vigentes ; e, em consequencia, reduzir a mesma adjudicação, feita por despacho ministerial de 9 do corrente mez, ao presente contrato, nos termos do disposto no artigo 16.° do já citado decreto de 22 de dezembro. E por elle, segundo outorgante, foi dito que acceitava nos mesmos termos, e para todos os effeitos e responsabilidades legaes, o mesmo contrato, declarando ambos os outorgantes que se obrigavam, cada um na parte que lhe pertencesse, a cumprir fielmente as condições n'elle exaradas, e são as seguintes:
l.ª O segundo outorgante apresentará ao governo, no praso de noventa dias, a contar de 9 de abril de 1887 data em que foi feita a adjudicação de que trata o presente contrato, o projecto completo para a execução de todas as obras, segundo o plano datado de 6 de dezembro de 1886, que serviu de base ao concurso e fôra approvado pela regia portaria de 20 do mesmo mez e anno, com os necessarios desenhos geraes, especiaes e do detalhe, é com todas as medições, calculos e justificação das disposições adoptadas, e dos systemas propostos, bem como a descripção de todas as machinas, edifícios, pontes, portas, bateis-portás e diversos accessorios do projecto, indicados nas condições para a execução das obras, e que abaixo se mencionam.
2.ª Os prasos para o começo e conclusão das obras da empreitada, começarão a contar-se desde a approvação do projecto pelo governo, e nos termos das condições abaixo transcriptas.
§ unico. Se passados trinta dias, depois da apresentação do projecto por parte do empreiteiro, não houver resolução alguma do governo, considera-se approvada para todos os effeitos a parte d'este projecto que se tornar indispensavel para começar a execução das obras, segundo a ordem dos trabalhos fixados nas condições.
3.ª As condições para a execução das obras de melho-
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ramentos no porto de Lisboa são as constantes dos capítulos e artigos que seguem:
E são as mesmas que vem annexas ao decreto de 22 de dezembro de 1886.
Era harmonia com a primeira condição do contrato, o empreiteiro enviou ao governo, no dia 25 de junho, o projecto da execução de trabalhos, por elle elaborado, acompanhando-o de um officio, em que dizia que submettia ao ministro e ao exame da junta consultiva algumas modificações do plano e algumas correcções de detalhe, que lhe pareciam constituir melhoramentos, para a execução dos quaes elle estava disposto. Indica summariamente as modificações; diz que é provavel que se reconheça ainda, durante a execução dos trabalhos, a necessidade de algumas modificações, e que pede que se precisem de antemão, tanto quanto possível, para que a sua execução não possa prejudicar o andamento geral dos trabalhos; n'esta ordem e idéas lembra a vantagem que poderia haver, principalmente para a salubridade, em que o cano de esgoto collector fosse executado o mais cedo possível, no limite dos trabalhos emprehendidos salvo completal-o ulteriormente.
Termina lembrando que as condições do pagamento, conforme os cadernos de encargos, são muito onerosas para elle e sem proveito para o estado, pedindo por isso que lh'as modifiquem, assim como as condições de restituição parcial e successiva da caução em deposito.
O despacho do sr. E. Navarro, datado de 8 de julho, foi o seguinte:
Informe a direcção das obras do porto de Lisboa. Com sua informação vá todo o processo do projecto á commissão nomeada para apreciar o plano geral proposto ulteriormente por mr. Hersent, e composta dos srs. inspectores Matos e Espregueira e do director da segunda circumscripção hydraulica, Adolpho Loureiro. Com o parecer d'estes suba á junta consultiva. - Recommendação de urgencia.
Em virtude d'este despacho, a direcção das obras do porto deu parecer a 18 de julho.
N'este parecer, depois de considerações geraes e de diversas analyses, lê-se o seguinte:
Os muros de abrigo são no projecto definitivo a parte mais delicada e menos estavel. O empreiteiro, logo na praça, propoz que a sua espessura fosse elevada do 6 a 10 metros para resistirem melhor aos choques dos grandes navios, e terem mais estabilidade; pois, sendo fundados sobre pedra perdida, durante muito tempo soffrerão sub-pressões que lhes alterarão a resistência pelos movimentos oscillatorios, que terão braços de alavanca de 400 e 255, metros.
Discutiremos mais tarde as modificações propostas pelo empreiteiro a estes muros, que em todo o caso ficarão sem terraplenos de descarga por detrás, o que é grande defeito.
Todas estas observações me levam a concluir que a administração deve aproveitar-se da faculdade que lhe dá o artigo 2.º do caderno de encargos, com que foi aberto o concurso para a adjudicação d'estas obras, para introduzir modificações no projecto definitivo, que não alterem a economia geral da empreitada, como esta direcção está convencida que é possível, e tem a certeza que o proprio empreiteiro accederá, como se pôde ver pelas modificações que já apresenta e que passo a apreciar.
Apreciam-se depois as modificações propostas pelo empreiteiro ao plano geral, e os processos e modo de execução propostos pelo mesmo, e termina-se pelas seguintes:
Conclusões
Em resumo, de tudo o que expuz sobre as peças do projecto definitivo submettido á approvação do governo, conclue-se:
1.° Que para o empreiteiro trabalhar, durante dois annos desenvolvidamente, basta resolver sobre o merito dos typos de muros apresentados, para o revestimento do caneiro de Alcantara, o muro do caes exterior que lhe fica proximo, e o muro do caes externo junto á estação de Santa Apollonia com, desembarcadouro projectado no largo do Arsenal do Exercito.
2.° Que é minha opinião que esses typos constantes nos desenhos n.º 4, 5, 6, 7 e 8 estão no caso de serem approvados, com a modificação de se substituir o architectado recto por uma abobada, que reuna os pilares dois a dois; e com o additamento de se fazer no corpo de todos os muros, á excepção do muro do caneiro de Alcantara, uma galeria por onde passem os tubos de agua, gaz, etc.
3.° Que os desenhos n.os 9, 10 e 11, para o desembarcadouro fluctuante no largo do Arsenal do Exercito, podem ser approvados, mas que é minha opinião, que este desembarcadouro não deveria ter mais de 25 metros de extensão, e que se devia construir outro igual no caes de Santarem.
4.° Que se devem introduzir no plano geral do concurso modificações profundas, na disposição das avenidas, nas linhas ferreas, e nas docas sobretudo, do ante-porto e de Santos, as quaes, segundo diz o próprio empreiteiro, não alterariam a economia geral da empreza.
5.° Que o governo deve lançar mão do artigo 2.° do caderno de encargos, com que foi aberto o concurso, para melhorar tanto quanto fosse possível as disposições do projecto, aproveitando-se as boas disposições do empreiteiro.
Está o parecer assignado pelo sr. João Veríssimo Mendes Guerreiro.
Em virtude ainda do mesmo despacho, a commissão nomeada em 28 de março de 1887 deu parecer sobre o mês--mo assumpto a 2 de agosto de 1887.
N'esse parecer enumera a commissão as peças do projecto que examina; comparo-o com a proposta que foi presente no concurso pelo adjudicatario; nota lhe as differenças, expondo a sua opinião sobre cada modificação pedida, acceitando umas, rejeitando outras; contraria a conclusão do engenheiro director das obras do porto, para que se acceitassem quasi todas as modificações propostas pelo empreiteiro no plano geral que serviu de base ao concurso e para que se fizessem ainda outras, e termina-se pelas seguintes:
Conclusões
Resumindo quanto fica exposto, conclue a commissão:
1.° Que póde ser approvado o plano apresentado pelo adjudicatario das obras do porto de Lisboa, em data de 25 de junho ultimo, devendo porém completar o projecto definitivo, não só com os desenhos de execução e de detalhe, que faltam, como com os relativos ás obras e apparelhos que omittiu; reservando-se para apresental-os á medida que pela administração lhe for exigido ou que o serviço o reclamar ;
2.° Que podem ser approvados os processos e planos que apresenta para a construcção dos caes-docas de fundea-clouro e de reparação, eclusa e telheiros, que não incluem modificação alguma ao plano approvado superiormente, e que serviu de base ao concurso;
3.° Que os pilares de fundação dos muros de caes devem ser reunidos por abobadas abatidas, construídas nos linteis metallicos, com a espessura de l metro, com as nascenças á cota de (- 2 metros) e com a flecha de l/8 em conformidade da proposta apresentada no concurso de 26 de março e respectivo desenho;
4.° Que nos enrocamentos de fundação só se empregue pedra e só depois de previamente dragadas as vasas e lodos do fundo na espessura conveniente ;
5.° Que as argolas e arganéus sejam encaixados em nichos praticados nas cantarias do paramento dos caos, tendo o diâmetro 30 centímetros no ante-porto e doca de Santos, e nos muros exteriores, è que os postes de defensa sejam
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prolongados até á profundidade de 3 metros abaixo da baixamar;
6.° Que sejam approvadas as modificações propostas e que dizem respeito ás escadas interiores das docas, ao arredondamento dos angulos de E. na doca de Santos, e ao traçado dos muros do N. das docas do Terreiro do Trigo e da alfandega, observando-se, porém, as condições que a commissão deixou expostas;
7.° Que o avançamento do muro interior de E. do arsenal da marinha, como propõe o empreiteiro e a substituição d'elle por uma rampa, não seja permittida sem previamente ser ouvida a administração d'aquelle arsenal e a direcção das obras publicas de Lisboa;
8.° Que se construam, embebidas nos muros exteriores, as escadas de cantaria indicadas no plano geral e tendo lm,20 de largura;
9.° Que póde ser reduzido o comprimento do pontão do desembarcadouro fluctuante do cães do arsenal do exercito estabelecendo-lhe duas rampas ou pontes, sem augmento de despeza para o estado;
10.° Que seja convidado o adjudicatario a apresentar uma proposta em devidos termos para a substituição do plano inclinado projectado por um apparelho Clark para navios até 1:000 toneladas;
11.° Que se não dispensa uma soleira com a sufficiente espessura na camara ou caldeira da eclusa (sas) e que se projectem e executem n'esta e nas docas de reparação os aqueductos necessarios para entrada e saída das aguas, completando-se os respectivos projectos com os necessarios desenhos de detalhe, e com os calculos da estabilidade da obra, especialmente da espessura da soleira das docas de reparação, e bem assim o calculo pato que o esgoto das docas se faça no tempo conveniente para o serviço;
12.° Que á ponte movel sobre a eclusa se dê obliquidade necessaria para que a linha ferrea a transponha em curva de 200 metros de raio, pelo menos;
13.° Que os telheiros sejam construídos com as devidas precauções, sendo vedados do lado da terra por um muro de tijolo, e do lado do porto por uma barreira movel em todo o comprimento, sem grade alguma fixa;
14.° Que a chaminé da casa das machinas das docas de reparação seja de alvenaria ou de tijolo e não metallica;
15.° Que resolvendo as estações competentes a construcção do collector para o esgoto da cidade, esta obra se faça de accordo com o adjudicatario das obras do porto de Lisboa, utilisando se devidamente o trabalho a que elle é obrigado nos termos do seu contrato.
O parecer está assignado pelos srs. João Joaquim de Matos, Manuel Affonso de Espregueira e Adolpho Ferreira de Loureiro.
Ainda em virtude do mesmo despacho, a junta consultiva deu parecer sobre o mesmo assumpto, a 6 de agosto.
N'esse parecer a junta conforma-se com a opinião da commissão, e reproduz pela mesma ordem as suas quinze conclusões, fazendo-lhes algumas mudanças de simples redacção.
O parecer está assignado pelos srs. Caetano Alberto Maia, Placido de Abreu, Antonio Guedes Quinhones, João Joaquim de Matos, Matinas Cypriano Heitor de Macedo, Manuel- Affonso de Espregueira, Agnello José Moreira, Lourenço António de Carvalho e D. Antonio de Almeida.
Sobre esta consulta da junta recaiu o seguinte despacho:
Conformo-me. Paço, em 6 de agosto de 1887. = E. Navarro. . ' E em harmonia com elle, publicou-se a seguinte portaria:
Sua. Magestade El Rei, a quem foi presente o projecto definitivo das obras do porto de Lisboa, datado de 25 de junho do corrente armo, e apresentado pelo adjudicatário das mesmas obras, Pierre Hildenert Hersent;
endo em vista as informações prestadas pelo director das obras do porto de Lisboa, o parecer da commissão especial encarregada de dar opinião sobre o assumpto, e p 'da junta consultiva das obras publicas e minas, que com o mesmo parecer se conformou:
Ha por bem approvar o mencionado projecto com as conclusões de n.ºs 1.° a 15.°, que constam do alludido parecer da junta, e das quaes se envia copia ao engenheiro director das obras do porto de Lisboa, para seu conhecimento e para que d'ellas envie copia authentica ao referido adjudicatario.
Paço, em 6 de agosto de 1887. = Emygdio Julio Navarro.
Esta portaria foi vivamente censurada por uma parte da imprensa política, como prejudicando as boas condições technicas das obras, as clausulas geraes do concurso e a sua imparcialidade, e como dando ao empreiteiro lucros exagerados; publicou-se então a seguinte portaria:
Sua Magestade El-Rei ha por bem ordenar que a commissão especial que formulou as bases para o concurso das obras do porto de Lisboa, que examinou as propostas offerecidas n'esse concurso e que deu parecer sobre o projecto definitivo apresentado pelo adjudicatário das mesmas obras Pierre Hildenert Hersent, informe circumstanciadamente sobre os seguintes quesitos:
1.° Consequencias technicas e financeiras do artigo 8.° do decreto do concurso, e rasões que a levaram a propor esse artigo;
2.° Relação de conformidade ou desconformidade do projecto apresentado com as clausulas geraes do concurso;
3.° Estimativa orçamental dos muros de caes conforme o projecto approvado e o plano posto a concurso, e proporção do custo geral das obras com os lucros rascaveis da empreza.
O que se communica ao conselheiro director geral das obras publicas e minas para seu conhecimento e devida execução.
Paço, em 16 de dezembro de 1887. = Emygdio Julio Navarro.
A commissão deu o seu parecer em 26 de dezembro.
Começa o parecer fazendo a historia resumida dos antecedentes da lei de 10 de julho de 1885, e dos factos immediatamente posteriores, demonstrando por todos elles que sempre se entendeu que se devia deixar completamente livre ao empreiteiro o processo da construcção, methodo do trabalho e o systema a seguir, uma vez que fiquem bem garantidas as condições de resistencia, de duração e às bem corresponderem ao fim a que são destinadas as diversas obras que formam esse plano.
Foi n'esta conformidade, diz acommissão, que se organisou o plano e programma para o concurso das obras, como se reconhece pela leitura dos documentos que estiveram patentes ao publico, durante noventa dias, pois que na memoria descriptiva, datada de 6 de dezembro do 1886 se lê:
Estes typos de muros são apresentados somente como uma solução possível, mas de modo algum exclue outros systemas e processos que venham a ser propostos, e mais convenham aos meios de pessoal e material de que se possa dispor com mais vantagem, só porventura forem approvados pelo governo.
E nos desenhos dos typos e secções transversaes. dos muros de caes, que tambem foram patentes ao concurso (desenho n.° 4), se encontra o seguinte:
Observação.- O systema de construcção, indicado nestes typos de secções transversaes dos muros, é facultativo, podendo os concorrentes propor outros systemas, que serão adoptados, se forem approvados pelo governo.-
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Em conformidade com isto, o decreto de 22 de dezembro, que abriu o concurso, disse muito explicitamente no artigo 8.°:
Cada proposta será acompanhada de uma memoria descriptiva, em que seja summariamente indicado o systema de construcção, que o proponente pretenda adoptar na execução das obras, a natureza e processo de fundação dos muros de cães, e todos os mais esclarecimentos necessarios para a rigorosa apreciação da proposta.
A justificação d'este artigo está feita em todos os precedentes que deixâmos citados. E a clareza do seu texto não admitte equívocos.
Não póde, portanto, haver a menor duvida a este respeito, e todos os concorrentes estavam perfeitamente conhecedores dos termos do concurso, e sabiam que lhes era licito propor qualquer meio ou systema de fundação e execução dos muros de caes e mais obras para melhoramento do porto de Lisboa.
Este processo de concurso não é novo entre nós, e tem sido adoptado para muitas construcções importantes, podendo citar-se as pontes de Abrantes, da Regua, de D. Maria Pia, de D. Luiz I, a ponte internacional sobre o rio Minho, e outras, como já foi referido no relatorio da proposta de lei de 25 de abril de 1884.
No relatorio da ultima proposta do governo de 15 de junho de 1885, dizia-se expressamente que o caderno de encargos seria organisado em conformidade com as regras geralmente adoptadas em similhantes trabalhos.
Tem este methodo effectivamente a vantagem de diminuir muitas vezes as despezas pela adopção de processos especiaes de construcção peculiares aos empreiteiros, deixando-se ao mesmo tempo a estes a inteira responsabilidade das consequencias dos systemas e processos seguidos, o que é de maxima importancia em obras d'esta natureza sujeitas a muitos imprevistos.
Por outra fórma não seria possível impor-se ao empreiteiro, como se impoz, a garantia das obras durante o praso de tres annos depois de recebidas, por isso que, não tendo a liberdade de escolha de systema de fundação, não poderia ter a responsabilidade completa dos trabalhos.
Não foi, pois, a obrigação de executarem o projecto, tal qual foi apresentado ao concurso unicamente como base e solução possível, mas não obrigatoria, que afastou os concorrentes.
Outros foram os motivos de se não apresentarem mais propostas e facilmente se deduzem das declarações feitas por dois concorrentes, que em seguida se copiam textualmente.
Continua o parecer demonstrando que o sr. Reeves "se absteve de fazer proposta por não se haver incluído no orçamento uma verba para as eventualidades que era trabalhos d'esta natureza são frequentes e inevitaveis, e muito especialmente em um periodo de dez annos; e os srs. Duparchy e Bartissol por julgarem incerta e complicada a fórma dos pagamentos, por entenderem que a quantidade de trabalho a executar para a segurança das obras era superior á prevista, e finalmente por acharem que os preços elementares eram diminutos, e, portanto, insufficiente a série de preços adoptada pela commissão que redigiu o projecto e plano de concurso. O primeiro d'estes concorrentes juntou posteriormente um desenho, o plano geral do seu projecto, com a indicação das modificações que tinha por indispensaveis na parte technica para executar as obras dentro da base financeira, auctorisada pela lei. Essas modificações eram importantes, não accessorias, mas capitaes e portanto inadmissíveis, por alterarem profundamente plano definitivo que servira de base ao concurso. Consistiam principalmente na transformação do ante porto e doca de Santos em uma unica doca de marés, protegida do lado do rio por um simples muro de abrigo, havendo n'essa parte sómente caes abordaveis do lado da cidade.
Parece á commissão ter assim respondido ao primeiro quesito do despacho de s. exa o ministro, e demonstrado que a disposição do artigo 8.° do decreto de 22 de dezembro de 1886 está de accordo com a lei, com os relatorios que precederam as duas propostas do governo, e com todos os pareceres e opiniões formuladas a similhante respeito pelos engenheiros e corporações que intervieram no assumpto.
Pelo que respeita ao segundo quesito, lê-se no parecer, tem a commissão a dizer, que a proposta apresentada ao concurso e acceite, estava completamente de accordo com as condições do programma, porque, como se viu, os licitantes deviam apresentar uma memória descriptiva em que se indicasse a natureza e processo do fundação dos muros de cães, não sendo portanto obrigatório nenhum systema ou methodo de construcção, e exigindo-se sómente a approvação do governo.
Acommisão, que redigiu o programma e o projecto que serviu de base ao concurso, não desconhecia o principio em que se baseia o processo adoptado pelo adjudicatario, e sabia que d'elle se tinham feito algumas applicações com bom exito, e a elle se tinha referido já o adjudicatario no projecto que apresentou ao concurso de l de fevereiro. Proferiu, porém, seguir methodos de trabalhos mais definidos, mais vulgares, e mais ao alcance de todos os constructores, sem comtudo os considerar obrigatorios, deixando o campo livre para o estudo de novos methodos ou aperfeiçoamento dos existentes.
A avaliação do custo total das obras era assim mais facil e mais exacta, o que convinha para se não exceder a base financeira da lei.
Notará ainda a commissão que o systema de fundação adoptado para parte dos muros de caes no projecto que foi approvado em concurso, e depois nos projectos definitivos, é um aperfeiçoamento do systema indicado pela commissão de 1883.
No seu parecer diz esta:
O muro de caes será dividido em secções de 25 metros de comprido que corresponderão ao comprimento dos caixões, os quaes terão de 9 a 10 metros de largo. Entro cada duas d'estas secções ficará um espaço, pois difficilmente os caixões, se juxtaporão, que não excedendo l metro será facilmente preenchido com alvenaria ou beton lançado entre dois taipaes.
Como temos espessuras de lodo tão consideraveis, será inutil fazer o muro completamente cheio 14 ou 15 metros abaixo das mais baixas aguas. Portanto, n'estes sítios tão profundos deixar-se-hão abobadas de 5 metros, circulares, tendo pés direitos tambem de 5 metros, de sorte que em cada caixão haverá duas abobadas de 3 pés direitos; logo que as alvenarias estiverem na cota acima indicada, fecham-se as abobadas e começa-se a construcção contínua de muro de caes.
Este systema, consideravelmente aperfeiçoado, é o que foi definitivamente adoptado. Se, pois, não devesse ter-se deixado inteiramente livre aos concorrentes os methodos e systemas de fundações, o systema que devia impor-se como obrigatorio tinha de ser precisamente o que a final se adoptou, visto que a lei mandou seguir o plano geral da commissão de 1883.
Do que fica exposto conclue-se que a disposição do artigo 8.º do decreto do concurso teve aqui o mesmo bom resultado que se conseguiu em Anvers, que sempre se desejou seguir como norma, e que o programma do concurso em caso algum foi alterado, havendo-se o adjudicatario utilisado da faculdade que a todos os concorrentes era concedida. A efficacia e segurança dos processos propostos foram julgadas e apreciadas pela direcção das obras do porto de Lisboa, pela commissão especial e pela junta consultiva de obras publicas e minas, que sem discrepancia aconselharam a acceitação e adopção d'esses processos por offerecerem a garantia necessária e estarem de accordo com as condições do programma do concurso."
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Relativamente ao 3.° quesito, diz o parecer:
Para responder á primeira parte do terceiro quesito, em que se pede a estimativa orçamental dos muros de caes conforme o projecto definitivo approvado, junta-se ao presente relatorio a medição e orçamento linear dos typos d'este ultimo projecto, applicando os preços elementares do projecto que serviu de base ao concurso.
Comparando a extensão dos muros com fundações continuas e em arcadas, dos dois projectos, como consta do mappa junto n.° l, chega-se ao seguinte resultado:
Custo dos muros de caes conforme o projecto que serviu de base ao concurso 6.893:729§265
Idem conforme o projecto apresentado ao concurso 6.662:405§580
Differença 231:322§685
A commissão julga dever ponderar que, sendo esta empreitada um forfait no sentido mais amplo o absoluto, não tinha, na apreciarão da proposta, que occupar-se das quantidades do trabalho e volumes de alvenaria, mas sómente da execução do projecto era toda a sua latitude, e, das condições de estabilidade dos mui os e de todas as obras, não podendo o preço ser superior á cifra de 10.800:000§000 réis auctorisada por lei.
Se, porém, se pretende avaliar com a possível approximação o custo por que sairão as obras da empreitada, tomando por base os preços elementares do projecto do governo, torna se preciso attender em primeiro logar a que o processo seguido em parte das fundações dos muros diversifica muito do que foi empregado em Anvers, havendo em Lisboa pilares assentes sobre caixões, que são ligados abaixo da baixamar por abobadas abatidas construídas em grandes linteis de ferro. Esta construcção especial é muito difficil e sujeita a imprevistos, alem de necessitar do maior quantidade de ferro era relação ao volume das alvenarias a empregar.
No detalhe respectivo, annexo a este relatorio (nota A), indica-se o preço por que as alvenarias hydraulicas com cimentos de Portland têem ficado em muitas pontes, tanto estrangeiras como nacionaes.
O preço que aqui lhe foi arbitrado, é muito inferior áquelle por que têem sido pagas em toda a parte, e é inferior ao de 10§000 réis, em que o director das obras do porto de Lisboa orçou as alvenarias das fundações continuas.
Demais, a alvenaria em grandes massiços é muito mais facil e barata do que a de grandes abobadas abatidas e em pilares, que requerem materiaes proprios, e muito mais esmero e cuidado no trabalho, o que se traduz em um certo augmento de custo.
O ferro e o cimento são mais caros em Lisboa do que no estrangeiro, porque têem de pagar os respectivos direitos de entrada (artigo 64.° do programma do concurso), e como mostra o detalhe respectivo os caixões e linteis empregam muito mais ferro que os caixões e camaras de trabalho das fundações a ar comprimido de Anvers.
Tudo isto leva a crer que o orçamento dos typos approvados está feito em circumstancias menos favoraveis para o adjudicatario.
O orçamento do projecto que serviu de base ao concurso decomponha a verba de 10.800 000§000 réis da sua totalidade nas tres parcellas seguintes:
Obras e construcções do plano do concurso 10.137:300§265
Obras entre o caneiro de Alcantara e o Porto Franco. 427:884§000
Despezas da administração e imprevistas. 234:806§735
Somma 10. 800:000§000
O custo das obras complementares de Alcantara, que só em caso especial deveriam ser consideradas, quando constituíssem motivo de preferencia absoluta, tinha de sair dos lucros do empreiteiro, para os quaes se contara apenas com uma pequena percentagem na organisação da serie de preços.
A verba destinada para despezas imprevistas e de admnistração é menos que exígua, porque em projectos da obras analogas costumam calcular-se as despezas de administração em 5 por cento do custo da obra, o lucro do empreiteiro em 10 por cento de todas aquellas despezas, e as despezas imprevistas e eventuaes em 10 por cento, 10 por cento, e ás vezes mais.
Querendo apreciar melhor a importancia a que deverão montar as despezas de administração, a commissão junta a este relatorio a nota d'aquellas despezas (documento B), e por ella se vê que sem contar o período de garantia e de conservação das obras, virão a importar até ao fim do período da construcção em 352:000§000
As despezas com o pagamento dos juros e transferencias de fundos com que se deve contar, porque são encargos resultantes do methodo adoptado para o pagamento dos trabalhos, foram calculados pela commissão (documento C) em 300:000§000 Comparando estas differentes verbas temos o seguinte:
Obras complementares de Alcantara que o empreiteiro n3o executa. 427:884§000
Despezas de administração e imprevistas segundo o projecto do governa 234:806§730
Differença resultante do systema seguido nas fundações de uma parte dos muros. 231:323§685
Somma 894:014§420
Despezas calculadas para a administração
e pessoal technico 352:000§000
Encargos do capital durante a construcção 300:0000§000
Abatimento da praça 10:000§000
Somma 662:000§000
Differença 232:014§420
E pois, com a quantia de 232:014§420 réis que o empreiteiro terá que fazer face ás despezas provenientes de avarias, accidentes e trabalhos imprevistos, e ás da conservação durante o praso de garantia, por isso que o contrato é expresso a este respeito, lendo-se no artigo 69.° o seguinte:
Corre por conta do empreiteiro a reparação de todos os estragos, avarias e accidentes occorridos nas obras, exceptuando sómente, os produzidos pela guerra, unico caso imprevisto e de força maior que se considera para a respectiva indemnisação.
Nem a commissão, nem as estações que foram ouvidas sobre o processo d'este concurso, se tinham de preoccupar com os lucros do empreiteiro, uma vez que a obra era dada por uma quantia certa e fixa, correndo todos os prejuízos e riscos por conta do mesmo empreiteiro.
Para obedecer, porém, á ultima parte do despacho ministerial de 16 do corrente, cumpre á commissão informar que n'uma obra como a do porto de Lisboa, a qual exige dez annos de assíduo trabalho, um material enorme de construcção, o empate de um capital consideravel, a reparação de todas as avarias, e a conservação durante um praso de garantia de tres annos, o lucro do empreiteiro deve ser calculado n'uma somma importante, que aqui não se póde fixar com precisão, mas evidentemente resulta de todos os technicos a ponderai, que não poderá, em caso
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algum ser excedida pelas condições em que se fez a adjudicação e a approvação definitiva dos projectos.
Do exame consciencioso d'esses elementos se deduz que essa rasoavel margem de lucros só poderá ser conquistada pelo empreiteiro sobre a sua propria experiencia, habilidade e methodos particulares de trabalho, e outras circumstancias pessoaes, como aliás já fóra calculado pelos organisadores do plano de obras posto a concurso, que assim o disseram na sua memoria justificativa.
Nos mappas e mais documentos appensos a este relatorio se encontrará mais desenvolvidamente a explicação e justificação de tudo que se diz em resposta ao 3.° quesito.
Do que deixa largamente exposto, a commissão tem a consciencia de haver escrupulosamente cumprido os seus deveres professionaes, e aconselhado honradamente o governo nas differentes consultas que lhe foram incumbidas, e com as quaes elle se tem conformado.
Está assignado pelos srs. João Joaquim de Matos, Manuel Affonso de Espregueira, Adolpho Ferreira de Loureiro.
A este parecer vem junto um appenso, intitulado "Considerações justificativas sobre o orçamento estimativo das obras do projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa, approvado por portaria de 6 de agosto de 1887".
Depois da Commissião, deu parecer sobre os quesitos da portaria de 16 de dezembro a junta consultiva.
N´esse parecer, que tem a data de 9 de janeiro de 1888, começa a junta por estabelecer que a doutrina do artigo 8.° do decreto do concurso foi sempre apresentada ou acceita pelos engenheiros ou commissões, que se occuparam da organisação das bases para o concurso, e pela junta.
Por essas opiniões, com que concorda, entende a junta: "que a consequencia technica d'aquelle artigo é: facilitar a cada empreiteiro a apresentação de projectos, cuja execução dependa de systema de trabalho que seja especial ao mesmo empreiteiro, contribuindo assim a liberdade no concurso para augmentar o numero de concorrentes, e portanto a area na qual se poderá escolher o projecto que apresente as melhores condições technicas, quer debaixo do ponto de vista da solidez da abra, quer em relação ao fim a que a obra é destinada.
A mesma liberdade no concurso, permittindo a cada empreiteiro seguir o systema de trabalho que lhe seja peculiar, comtanto que mereça a approvação superior, não póde deixar de ter como consequencia financeira necessaria o poder-se obter na praça um preço mais favoravel do que se conseguiria, obrigando todos os concorrentes a um mesmo systema de trabalho.
Esta liberdade se tem deixado em todas as obras de grande importancia, e cita a commissão, entre nós, as grandes pontes de D. Maria Pia e D. Luiz I e quasi todas as pontes de ferro de alguma importancia, que se têem construído, tanto para estradas como para caminhos de ferro; e seriam numerosos os exemplos, se quizessemos ir buscal-os a paizes estrangeiros.
Estas consequencias technicas e financeiras, sem duvida vantajosas para o estado, são as rasões, que justificam a doutrina do artigo 8.° do decreto do concurso.
Pelo que respeita ao segundo quesito, lê-se no parecer: Corcorda esta junta com as rasões apresentadas peia commissão, ainda corroboradas pelo artigo 9.°, no qual se determina que o adjudicatario apresente com o projecto definitivo da obra a justificação das disposições adoptadas e dos systemas propostos.
Claro é, portanto, que um dado systema de fundações não era obrigatorio em vista das condições do concurso, e isso mesmo estava claramente expresso em um dos desenhos (o n.° 4) que estiveram patentes durante o praso do concurso, no qual se lê a seguinte observação: O systema de construcção indicado n'estes typos de secções transversaes dos muros é facultativo, podendo os concorrentes propor outros systemas que serão adoptados, se forem approvados pelo governo.
Em harmonia com o que dispõe o artigo 8.° do decreto do concurso, o concorrente Hersent acompanhou a sua proposta, apresentada em 26 de março, de uma memoria descriptiva, na qual expõe o justifica o systema de fundações que pretende empregar para os muros de caes e docas, sendo acompanhada esta memoria de dois desenhos explicativos.
Este systema de fundações, que consiste no emprego de pilares fundados sobre caixões de ferro por meio de ar comprimido, ligados entre si por abobadas abatidas de alvenaria hydraulica, construídas sobre linteis de ferro, foi julgado acceitavel no parecer de 5 de abril de 1887, dado pela commissão, que foi ouvida sobre o processo do concurso, e com esta opinião se conformou a junta na sua consulta de 6 do mesmo mez.
Foram tambem a mesma commissão e esta junta de parecer que podia permittir-se, em harmonia com a auctorisação pedida pelo concorrente Hersent na sua memoria descriptiva, o emprego de argamassas de cal do Theil na parte superior dos muros, em substituição das argamassas de pozzolana, como já se auctorisára para as obras do porto de Leixões, e que igualmente se podia auctorisar o emprego de cimentos ou cales hydraulicas fabricados em Portugal, logo que experiencias previas muito repetidas provassem a sua boa qualidade.
Entendendo, porém, esta junta que o concorrente Hersent na sua memoria descriptiva, áparte a proposta relativa ao systema de fundações que, como já se viu, não era obrigatorio, sómente fazia pedidos que podiam deixar de ser satisfeitos, mas não impunha condições, e convencida, portanto, de que o texto d'esta memoria não podia alterar a conformidade entre as clausulas geraes do concurso e a proposta do mesmo concorrente, na qual este se obriga explicitamente a construir as obras segundo as disposições e clausulas do programma de 22 de dezembro de 1886, consultou no sentido de que aquella proposta estava nas circumstancias de poder ser acceita, salvo na parte referente ao caminho de ferro de Lisboa a Belem e Cascaes.
E narrando os mais tramites do concurso do projecto do execução até á portaria de 6 de agosto e declarando que examinou novamente o mesmo projecto, e que é de parecer que nos pontos essenciaes elle está conforme com as clausulas geraes do concurso, tendo sido rejeitadas, como se vê nas conclusões n.ºs l a l5 do citado parecer da junta, as propostas feitas pelo adjudicatario, que não estavam de accordo com as clausulas geraes, continúa:
A portaria do 6 de agosto, que approva o projecto, mas com as referidas conclusões do parecer d'esta junta, foi communicado ao adjudicatario, que não fez reclamação alguma em relação áquellas conclusões, que, por tanto, se devem considerar por elle acceitas. Os pontos a que estas conclusões se referem são:
1.° Obrigação que incumbe ao empreiteiro, de completar o projecto não só com os desenhos de execução e do detalhe que faltam, mas com os desenhos relativos ás obras e apparelhos que omittiu; e sobre este ponto aproveita a junta consultiva esta occasião para dizer que é sua opinião que as descripções de todas as machinas, edifícios, pontes, portas-bateis, e diversos accessorios do projecto devem ser pelo empreiteiro apresentados com a possível brevidade cm desempenho do que se determina no artigo 9.° do decreto do concurso;
2.° Processos e planos para a construcção dos caes, docas, eclusas e telheiros que, por não terem modificação alguma no plano e clausulas dos concursos, são approvados;
3.° Fundações dos muros de caes, sendo rejeitado o systema apresentado no projecto definitivo o approvado o que fôra indicado pelo adjudicatario na memoria descriptiva, que acompanhou a sua proposta; differindo este
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d´aquelle systema em que, n'este, os pilares de fundação são reunidos por abobadas abatidas e n'aquelles por abobadas planas, o que esta junta não julgou conveniente para a resistência e boas condições technicas dos caes;
4.° Enrocamentos. - O empreiteiro deverá fazel-os exclusivamente com pedra e sómente depois de previamente dragado o terreno á profundidade necessaria para a solidez da construcção;
5.° Argolas e arganéus. - Serão collocados conforme determina o § 2.° do artigo 16.° das condições geraes do concurso;
6.° Escadas interiores das docas; arredondamento dos angulos leste da doca de Santos e traçado dos muros norte das docas do Terreiro do Trigo e da Alfandega, sendo approvadas as modificações propostas pelo empreiteiro. As que dizem respeito ás escadas e arredondamento dos ângulos dos muros são de pouca importancia e a ultima relativa ao alinhamento de dois muros de caes; sem diminuir sensivelmente a superficie molhada das docas, faz com que os caes fiquem em alinhamento recto, o não em linha curva, como estavam no projecto primitivo, o que facilitando a construcção, é tambem preferível para o serviço ;
7.° Avançamento do muro interior de leste no arsenal da marinha. - Não foi por ora approvado ;
8.° Escadas de cantaria. - Devem ser collocadas como determina o § 1.° do artigo 19.° das condições;
9.° Desembarcadouro fluctuante do arsenal do exercito.- Ficará com duas rampas em logar de uma, encurtando se convenientemente para esse fim o pontão de 67 metros a 42 metros; parecendo esta disposição preferivel para o serviço publico, e sendo por isso approvada, mas sem que esta alteração possa trazer augmento de despeza para o estado;
10.° Convite ao adjudicatario para apresentar uma proposta de substituição do plano inclinado projectado por um apparelho Clark, convite que póde ser feito em virtude do que dispõe o artigo 2.° das condições do concurso, o qual diz que o adjudicatario fica obrigado a introduzir no projecto, por elle apresentado, as modificações que o governo julgar necessarias e que não affectem a economia geral do plano;
11.° Soleira e aqueductos na eclusa. - São exigidos conforme o projecto primitivo;
12.° Ponte movei sobre a eclusa. - Exige-se que tenha a obliquidade necessaria para que a curva da linha ferrea não seja do raio inferior a 200 metros como determinam as condições do concurso;
13.° - Telheiros. Recommenda-se que sejam fechadas pelo modo como determina o § 4.° do artigo 16.° das condições;
14.° Chaminé da casa das machinas. - Indica-se que deverá ser construida de alvenaria, o não de folha de ferro;
15.° Saneamento da capital, sobre o qual se poderá vir a accordo com o empreiteiro, quando as estações competentes resolverem pôr em execução aquella obra.
Do exame d'estas conclusões vê-se que, apenas em duas d´ellas, a 6.ª e a 9.ª, são approvadas propostas do empreiteiro que não estão completamente conformes com as condições geraes do contrato; mas sendo estas alterações de pequena importância, e não affectando a economia geral do plano approvado e sendo do vantagem para o serviço, está o governo no direito de as acceitar, como estaria no direito de as impor, em vista do que dispõe o artigo 2.° das condições, se porventura as julgasse necessarias.
Mostra-se finalmente que em vista da conclusão 2.º são approvados os planos e processos que não incluem mo dificações algumas no plano primitivo, base do concurso; e entende a junta que d'esta conclusão se deduz a obrigação, em que fica o empreiteiro de executar todas as obras, salvo aquellas para, que expressamente tem auctorisação em contrario, em harmonia com as condições do concurso e não segundo o projecto apresentado, quando este projecto não esteja de accordo com aquellas condições.
ssim, por exemplo, as calçadas ao longo dos caes não deverão ter largura inferior a 10 metros (artigo 11.°) apesar, de estarem indicadas no projecto do empreiteiro com 4 metros de largura; os postes de defeza, de carvalho ou de pinho da America, devem descer 3 metros abaixo do nivel hydrographico (artigo 16.°); e finalmente (artigo 4.°) todos os muros interiores deverão ter na sua parte superior, como se vê no desenho n.° 4 do plano que serviu de base ao concurso, uma galeria visitavel destinada ás canalisações para o serviço do porto, apesar de não estar indicada esta galeria nos desenhos ou peças escriptas do projecto apresentado pelo empreiteiro.
Pelo que acaba de expor, entende esta junta que, tudo que foi approvado do projecto apresentado pelo adjudicatario das obras do porto de Lisboa, está em conformidade com as clausulas geraes do concurso.
O terceiro quesito, diz a junta, consta de duas partes: estimativa orçamental dos muros de caes, conforme o projecto approvado o plano posto a concurso; proporção do custo geral das obras com os lucros da empreza; e, depois de os reproduzir, declara a junta que concorda, por estimativa, com os calculos da commissão; acrescenta porém, o seguinte :
...mas, entende que para se ajuizar, ainda que com pouca precisão, dos lucros do empreiteiro, se deve attender a que ha outras verbas a addicionar aquella e com as quaes a empreza deve contar para seus lucros e imprevistos.
Nem póde admittir-se que em uma empreitada, na importancia de 10.790:000§000 réis, o adjudicatario, se contente apenas para seus lucros, imprevistos e accidentes com a somma relativamente insignificante de 232:014§420 réis, ou pouco mais de 2 por cento da importancia da obra, quando é certo que só para lucros do empreiteiro se costuma sempre contar com 10 por cento da importancia do orçamento.
Uma verba que deve ser considerada a favor do empreiteiro para seus lucros e imprevistos é uma parte dos 10 por cento abonados para ferramentas, imprevistos e lucros nos preços compostos do orçamento, que serviu de base ao concurso. E como para ferramentas se abona, em geral, 5 por cento, restarão para lucros e imprevistos os outros 5 por cento, ou metade dos decimos incluidos nos preços de applicação.
A commissão calcula na nota D a importancia d'estes decimos em 524:531§395 réis; e, pelo que leva exposto, entende ajunta que metade d'aquella verba, ou 262:260§700 réis deve ser considerada como destinada para imprevistos e lucro da empreza.
No mesmo orçamento, que serviu de base ao concurso, ha diversas obras calculadas por estimativa e não por series de preços; e não póde deixar de considerar-se que n'esta estimativa se comprehende para lucro da empreitada, como é uso, pelo menos 10 por cento, senão mais, visto que os orçamentos por estimativa são sempre feitos com mais largueza do que aquelles que são confeccionados por uma serie de preços bem assente e bem estudada.
As verbas calculadas por estimativa no citado orçamento primitivo são:
Rampas. 31:320§000
ragagens em terreno consistente. 459:300§000
Aterros 662:660§000
Eclusa. 250:000§000
Docas de reparação 610:000§000
Pontes moveis. 70:000§000
Desembarcadouros 140:000§000
Edifícios de serviço hydraulico 71:200§000
Apparelhos elevatórios de tracção 131:300§000
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Apparelhos elevatorios a braços 6:000$000
Vias ferreas 108:700$000
Accessorios dos caes 80:000$000
Pavimento 113:900$000
Esgotos 60:000$000
Telheiros 136:000$000
Perfazendo a somma total de 2.940:380$000
"Deve pois suppor-se que l/11 d'esta verba, ou a quantia de 267:307$272 réis, é destinada a lucros da empreitada.
"Addicionando as tres mencionadas verbas, a saber:
A verba calculada pela commissão 232:014$420
O que diz respeito aos decimos descontados nos preços compostos do orçamento. 262:265$700
E finalmente os 10 por cento relativos ás obras calculadas por estimativa 267:307$270
teremos a somma de 761:587$390
e é esta a verba que, segundo os orçamentos approvados e segundo as despezas provaveis que a empreza tem a fazer, poderá ser considerada como destinada para lucro da empreza e para fazer face aos accidentes e imprevistos.
E como é evidente que estes não podem previamente ser calculados, impossivel é tambem destrinçar os lucros provaveis da empreza.
" O que porém se póde desde já affirmar é que aquella verba de 761:587$390 réis não póde rasoavelmente bastar para os fins a que se suppõe destinada, e que o empreiteiro terá que procurar os lucros rascaveis, remuneração condigna do seu trabalho e risco, na economia e boa direcção das obras, na sua aptidão já comprovada e nas circumstancias especiaes em que se acha por dispor de um pessoal já exercitado em obras hydraulicas, e de material muito importante apropriado ás mesmas obras."
Está o parecer assignado pelos srs.: Caetano Alberto Maia, Placido de Abreu, Antonio Guedes Quinhones, Hermenegildo Gomes da Palma, Manuel Vicente Graça, Silverio Augusto Pereira da Silva, Mathias Cypriano Heitor de Macedo, José Augusto Cesar das Neves Cabral, Agnello José Moreira, D. Antonio de Almeida, Lourenço Antonio de Carvalho, Joaquim Pires de Sousa Gomes.
É esta a exposição dos factos; desejava a vossa commissão que fosse menos longa; não o póde, porém, conseguir, já porque a estreiteza do tempo não permittiu que se estivessem a procurar as fórmas de dizer tudo o que era necessario, do modo mais preciso e laconico; já porque muitas vezes se julgou obrigada a extractar opiniões, em vez de as indicar, resumindo-as. Sacrificou-se assim a brevidade, que agradaria, á demonstração de escrupulosa fidelidade, que era necessario que ficasse evidente.
PARTE SEGUNDA
Quesitos e respostas
Á luz dos factos expostos comprehendem-se agora os quesitos e vê-se a rasão das respostas.
Foi o 1.° quesito:
"A lei de 16 de julho de 1885, que auctorisou a adjudicação dos melhoramentos do porto de Lisboa, determinava que o concurso se fizesse sobre um projecto definitivo, previamente approvado pelo governo, tendo-se em attenção o plano de melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas, ou deixava ao licitante a faculdade de apresentar o projecto definitivo das obras.?"
Não se encontra na lei a palavra previamente, que está no quesito, nem ha cousa alguma que exclua o licitante de ser elle quem apresente o projecto que ha de ser approvado pelo governo; formulando-se o quesito por este modo, pede-se pois uma interpretação da lei que resolva estas questões.
Se se attendesse só ou principalmente á proposta e projecto de lei, aos relatorios, e a declarações na discussão parlamentar, poder-se-hia dizer que o que se pretendeu com o § 1.° do artigo 1.° da lei de 16 de julho, de cuja interpretação se trata, foi que o concurso se fizesse, tendo por termo de comparação o plano geral proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, e trazendo cada licitante o seu projecto definitivo, que era base ou condição essencial do concurso. Que são os licitantes que devem trazer o projecto definitivo, declaram-o, alem de outros, o relator da camara dos pares, e deduz-se da rejeição de propostas para que o projecto definitivo fosse elaborado pelo governo.
Se estas declarações se mantivessem sempre em todos os documentos e em todo o correr da discussão parlamentar, a vossa commissão interpretaria a lei, e, sem hesitar, n'este sentido. Mas a par d'estas declarações, encontram-se, e ás vezes da parte da mesma pessoa, declarações que são ou pelo menos parecem oppostas; assim é o mesmo sr. Fontes, que n'uma parte declara que é provavelmente o sr. Hersent quem ha de fazer o projecto definitivo, que n'outra parte diz que tencionava mandar abrir concurso para projectos e que os concorrentes trariam projecto definitivo. Não se podendo suppôr a co-existencia de idéas contrarias sobre o mesmo assumpto em intelligencias tão lucidas, e dever da commissão procurar conciliar o que á primeira vista parece opposto; e, não dando luz sufficiente o elemento historico de interpretação, procurar, como auxiliar, um outro. Foi o que a commissão fez.
Não podendo coexistir o concurso de projectos com a ampla liberdade de apresentarem os licitantes qualquer projecto, na occasião de concurso para as obras; deixando isso ao governo um arbitrio tão amplo e completo que equivaleria a abolir o concuiso, tornando-o apenas nominal; não podendo por isso interpretar-se a lei no sentido d'essa amplissima liberdade, a maioria da vossa commissão foi de parecer e votou, em resposta ao primeiro quesito, o seguinte:
"A lei de 16 de julho de 1885 determinou que o concurso se fizesse sobre um projecto definitivo, previamente approvado pelo governo, tendo-se em attenção o plano de melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas".
Sobre a disjunctiva relativa ao licitante não se pronunciou aqui a commissão, porque não é na resposta a um quesito que se faz a interpretação completa de uma lei; o papel do licitante relativamente a projectos ha de apparecer determinado em quesitos seguintes e hão de assim apparecer conciliadas e harmonicas idéas que por outra fórma eram inintelligiveis e entre si repugnantes.
A minoria da commissão votou que na resposta se supprimissem todas as palavras que vão desde "tendo-se em attenção" até "obras publicas e minas"; respondendo portanto o seguinte: "A lei de 16 de julho de 1885 determinou que o concurso se fizesse sobre um projecto definitivo, previamente approvado pelo governo."
A minoria procedia assim porque, segundo declarava, queria tornar precisa a resposta. A maioria da vossa commissão não póde acompanhar a minoria n'este voto, porque não lhe parecia licito cortar a lei, diminuil-a, para a interpretar; e não comprehendia como é que por um lado se queria interpretar a lei, acrescentando-lhe a palavra "previamente" e por outro tirando-lhe palavras, que lá estão, que estiveram em todas as propostas e projectos de lei relativos a este assumpto, posteriores a 1883, e que são neces-
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sarias, como se verá, para se determinar o que seja e que condições deva ter o projecto definitivo de que se falla.
O 2.° quesito foi:
" No concurso de projectos, que se effectuou, guardaram-se todas as formalidades legaes?"
A resposta foi por unanimidade:
"Nenhuma disposição da lei de 16 de julho de 1885 determinava que se fizesse um concurso de projectos, o qual resultou de um acto perfeitamente facultativo do governo. Guardaram-se as formalidades prescriptas na, portaria de 24 de agosto de 1885 que mandou abrir esse concurso, com excepção do praso para a apresentação dos projectos, que, devendo terminar a 23 de dezembro d'aquelle anno, foi prorogado até l de fevereiro de 1886, por despacho ministerial de 15 de dezembro de 1885."
O 3.° quesito foi:
" N'este concurso resolveu-se com prejuizo dos interesses legitimos de alguem?"
A resposta da maioria da commissão foi:
"Resolveu-se sem prejuizo dos interesses legitimos de pessoa alguma ou do estado."
Na discussão na sub-commissão, a resposta dividiu-se, para se votar, em duas partes, uma: - Resolveu-se sem prejuizo dos interesses legitimos de pessoa alguma - e outra - Resolveu-se sem prejuizo do estado; - a maioria respondeu affirmativamente á primeira, concordando com essa resposta o sr. Julio de Vilhena, mas declarando que votava que não houvera prejuizo, - porque houvera favor; na segunda parte a maioria negou e a minoria affirmou haver prejuizo para o estado.
Vê-se na exposição de factos que nenhum dos projectos foi classificado para ser premiado, vê-se tambem que o estado precisou e se aproveitou d'elles, tendo por isso de os comprar; para haver favor para alguem e consequentemente prejuizo para o estado, era necessario que os preços de compra fossem exagerados, o não se demonstra que o fossem. Póde notar-se que ao pagamento dos projectos se desse a forma de adjudicação de premios, em vez da forma do um contrato de compra; mas esse pagamento não deixa, pelo nome que se lhe dou, de ter a natureza d'este contrato, do mesmo modo que não se altera a natureza da retribuição de determinados serviços designando-a sob o nome especial de honorarios.
O 4.° quesito foi:
"O processo seguido pelo governo para obter um projecto que servisse de base ao concurso foi perfeitamente legitimo e imparcial?"
A resposta da maioria foi:
"O processo seguido pelo governo para obter um projecto que servisse de base ao concurso foi perfeitamente legitimo, assegurou melhor do que qualquer outro a imparcialidade do concurso, e como tal tinha sido aconselhado pela junta consultiva de obras publicas e minas na sua consulta de 10 de junho de 1886."
A divergencia entre a maioria e a minoria foi sómente relativa á segunda parte da resposta, - assegurou melhor do que qualquer outro a imparcialidade do concurso. A minoria não contestava a legitimidade do processo seguido; o que ella dizia é que achava exagerado affirmar-se que esse processo assegurasse melhor do que qualquer outro a imparcialidade do concurso. O sr. Pereira dos Santos disse que o governo tinha a faculdade de proceder como procedeu, mas que o processo seguido não foi o usual, nem o que melhor poderia assegurar a boa organisação do projecto.
Affirmou pois toda a commissão a legalidade do procedimento do governo; no que parte d'ella não concordava era em que se dissesse que esse procedimento fôra o
mais conveniente para a imparcialidade do concurso; não via rasão para se affirmar isso.
A rasão é todavia evidente; é claro que os licitantes para a adjudicação de uma obra estão em circumstancias mais iguaes quando o projecto da obra não foi feito por nenhum d'elles, mas por um terceiro, neutral entre elles, ou pelo estado, do que quando foi feito por um dos proprios licitantes; esse que fez o projecto cuja execução está a concurso tem quasi todas as probabilidades de excluir os outros concorrentes. Esta doutrina é intuitiva e na camara dos dignos pares a expendia, na discussão da lei de que se trata, o sr. Fontes, dizendo: "Todos sabem que aquelle que fizer o projecto tem uma grande probabilidade de que a companhia que elle organisar tome conta da obra".
O 5.° quesito foi:
"É justificavel o motivo por que o governo creou uma direcção especial para a elaboração do projecto do porto, de Lisboa, e um corpo consultivo para essa direcção?"
A resposta por unanimidade foi:
"Os motivos que determinaram a creação da direcção das obras do porto de Lisboa e que constam do respectivo diploma são de verdadeiro interesse publico. É perfeitamente justificavel, como determinada pelo desejo de mais seguro acerto, a nomeação que se fez de dois engenheiros consultores para auxiliarem a direcção na elaboração do projecto definitivo das obras do porto de Lisboa."
A lei organica do ministerio permittia o que se fez, e a grandeza da obra, a necessidade de estudos antes da adjudicação d'ella, a de fiscalisação depois, a conveniencia de que as obras do porto servissem de escola, aconselhavam o procedimento que se teve, que se justificaria, mesmo que fosse novo, mas que o não é, porque tem sido adoptado, ainda a respeito de obras de menor importancia.
O 6.° quesito foi:
"O procedimento do governo, mandando que o projecto definitivo elaborado pela nova direcção fosse remettido á junta e remodelado em conformidade com o parecer da mesma junta, foi correcto e inspirado pelos sãos principies da justiça e do interesse publico?"
A resposta da maioria foi:
"Foi correcto e inspirado pelos sãos principios da justiça e do interesse publico."
Alguns membros da minoria não contestaram que o procedimento fosse legal, mas parecia-lhes que não era correcto nem conforme com as praxes seguidas.
A maioria poderia com rasão começar pela rejeição do quesito, tal como está formulado, e redigil-o, perguntando: - se o procedimento do governo era legal e proprio para conseguir, sem prejudicar os interesses do estado, o projecto definitivo que se pretendia obter -; porque desde o momento em que se sáe da apreciação da legalidade dos actos e da sua harmonia ou desharmonia com os fins que se têem em vista, e se recorre aos sãos principios da justiça, sem se indicarem princípios determinados, não ha meio, nem de reduzir as opiniões á unidade, nem de mostrar quaes são as verdadeiras e as falsas.
A maioria deixou, apesar d'isto, o quesito como estava, e se o procedimento do governo na questão de que se trata foi legal, se conseguiu com elle, sem prejudicar o mais pequeno interesse do estado, o que pretendia e necessitava, se se obtiveram assim maiores condições de imparcialidade no concurso, como se demonstrou na ,resposta ao quesito antecedente, a affirmação de que não foi correcto e conforme as praxes é injustificada, e não impede a resposta dada pela maioria; e nada mais legitimo e mais natural do que encarregar um vogal de uma corporação de executar o que essa corporação aconselha.
O 7.° quesito foi:
"O projecto elaborado pela direcção ou o projecto defini-
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tivamente approvado estava de accordo com as auctorisações concedidas na lei de 16 de julho de 1885, ou houve qualquer omissão ou acrescentamento ás auctorisações que aquella lei limitava?"
A resposta por maioria foi:
"O projecto elaborado pela direcção não estava inteiramente de harmonia com as auctorisações concedidas na lei de 16 de julho de 1885. O projecto definitivamente approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas está de accordo com essas auctorisações, como expressamente fôra recommendado á mesma junta pela portaria de 3 de novembro de 1886 e como tambem corista da portaria de approvação de 20 de dezembro de 1886."
Alguns vogaes da commissão, os srs. Julio de Vilhena, Elias Garcia e Pedro Victor declararam que teriam votado a resposta ao quesito setimo, uma vez que se modificasse a sua redacção de modo a significar-se que a mesma resposta estava em harmonia com os pareceres dos consultores e da junta consultiva de obras publicas e minas sobre tal assumpto, resalvando-se, comtudo, a opinião sobre só taes pareceres estavam ou não de accordo com a verdade dos factos.
A maioria da vossa commissão affirma a harmonia da resposta, não só com os mencionados pareceres, mas tambem a d´estes com os factos.
A resposta divide-se evidentemente em duas partes; a primeira das quaes é:
"O projecto elaborado pela direcção não estava inteiramente de harmonia com as auctorisações concedidas na lei de 16 de julho de 1885".
Diz-se no artigo 1.° da lei de 16 de julho de 1885, que as obras a adjudicar em hasta publica comprehendem caes marginaes, pontes girantes, docas de abrigo, de carga, descarga e reparação, machinismos e guindastes hydraulicos, caes fluctuantes e vias ferreas para serviço do porto, e no § 1.° do mesmo artigo, que todas estas obras têem de ser feitas por empreitada geral; ora vê-se pela, exposição de factos, onde vem extractado o projecto da direcção, e pelos documentos, onde vem todo, que case projecto dividia as obras em infrastructura e superstructura, distribuindo por ellas a verba, que a lei applicou em globo para todas, pondo a concurso separado as primeiras, e convertendo a empreitada geral absoluta n'uma empreitada relativa, suppondo-se que as fundações de todos os muros do caes seriam á cota de 20 metros abaixo do zero hydrographico, e tendo tudo quanto o empreiteiro profundasse a mais de lhe ser pago, e tudo quanto deixasse de construir de lhe ser deduzido; tornando-se portanto incerta a despeza, e contrariando-se evidentemente a lei.
Fica o resto da resposta; e confrontando as auctorisações com o projecto, vê-se que não differem nem na natureza das obras, nem no limite da despeza; falla-se, é verdade, no projecto, nas obras complementares a poente do caneiro de Alcantara, e descrevem-se; mas no proprio titulo com que se designaram se demonstrou que não eram parte obrigada do projecto; e, se este se devia fazer tendo em attenção o plano geral proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, n'esse plano, depois do agrupamento das secções, lê-se o seguinte:
"As duas secções de obras desde a torre de Belém até o caminho de ferro são quasi inseparaveis, e devem fazer parte indispensavel do projecto, que for elaborado para estes trabalhos de melhoramentos do porto de Lisboa."
Foi a isto e ás considerações technicas expostas no quesito 25.° que se attendeu, o que portanto está justificado.
Os quesitos:
8.°
" Se houve omissão ou acrescentamento, prejudicariam elles a concorrencia e a inteira liberdade do concurso ?"
9.°
" Se se ampliou ou restringiu a auctorisação, estas ampliações ou restricções tinham o caracter definitivo ou tinham caracter condicional no concurso?"
10.°
"Que rasões determinaram esses augmentos ou diminuições, se as houve?"
Foram todos julgados prejudicados pela resposta ao quesito 7.°
O sr. Pereira dos Santos desejou que ficasse consignado que votara contra esta deliberação, porque as obras complementares indicadas no projecto não estão na lei.
A consideração do sr. Pereira dos Santos está respondida na justificação da resposta ao quesito 7.°
O 11.° quesito foi:
"O projecto que serviu de base ao concurso era ou não um projecto definitivo?"
A resposta a este quesito foi por toda a commissão, excepto o sr. Pereira dos Santos:
"O projecto que serviu do base ao concurso era um projecto definitivo."
O 12.º quesito foi:
"As corporações consultivas apresentaram-no como definitivo e nas circumstancias de poder servir de base ao concurso?"
A resposta por toda a commissão, excepto o sr. Pereira dos Santos, foi:
"As corporações consultivas consideraram-no como definitivo e nas circumstancias de poder servir de base ao concurso nos precisos termos da lei de 16 de julho de 1885."
O sr. Pereira dos Santos declarou que entendia que a resposta devia ser concebida nos seguintes termos: "o governo pediu um projecto definitivo, que o engenheiro que o elaborou, apresentou como plano geral, e a junta denominou-o apenas projecto, mas nos termos de servir de base ao concurso".
A maioria da vossa commissão responde, mesmo suppondo a rigorosa exactidão dos factos mencionados pelo sr. Pereira dos Santos, que, se a junta julgou o projecto nos termos de servir de base ao concurso, como o que devia servir de base ao concurso era um projecto definitivo, o que ella muito bem sabia, segue-se que a junta considerou como tal o projecto que approvou.
Mas a vossa commissão acrescenta, que ajunta não diz só o que o sr. Pereira dos Santos lhe, attribue; diz claramente que o projecto que ella approva póde "servir de base ao concurso de execução das respectivas obras nos termos da carta de lei de 16 de julho de 1885."
O 13.° quesito foi:
"O projecto definitivo devia ou não comprehender a determinação rigorosa de todos os detalhes e systemas de construcção?"
A resposta por maioria foi:
"Não era obrigatorio que o projecto definitivo comprehendesse a determinação rigorosa de todos os detalhes e systemas de construcção, antes se entendeu sempre e uniformemente que, para bem dos interesses publicos, convinha deixar aos concorrentes liberdade de systemas e de methodos de construcção."
Em todos os documentos que resumimos na exposição de factos apparecem a respeito de projecto definitivo, das condições a que deve satisfazer, e de quem o deve apresentar dois systemas: um em que o apresenta o concorrente na occasião da licitação, e n'esse caso o projecto definitivo comprehende ordinaria, mas não necessariamente, systemas e methodos de construcção; outro em que o governo approva previamente um projecto, pondo depois a concurso a sua execução, e n'esse caso o projecto que serve do base ao concurso define as obras que se têem de fazer,
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mas não determina obrigatoriamente os systemas e methodos de construcção.
O primeiro systema era o do plano de melhoramentos de 1883, o da proposta de lei de 1884, o do projecto d'esse mesmo anno; mas ainda assim, mesmo n'estes exemplos, o projecto definitivo, apesar de elaborado pelo empreiteiro, não comprehendia os detalhes e systemas de construcção, do que são uma prova frisante as palavras seguintes do relatorio da proposta de 1884, transeriptas a paginas 6 da exposição de factos: - "O governo prefere, como já se viu, o systema das empreitadas geraes, elaborando o empreiteiro o projecto definitivo, e sendo obrigado a apresentar os projectos especiaes convenientemente desenvolvidos".
É claro que se, alem do projecto definitivo tinha de haver projectos especiaes, era porque o projecto definitivo não comprehendia tudo.
O outro é o da lei de 16 de julho de 1885, e tratando-se da execução d'ella, tanto quando se procurava obter um projecto definitivo, como quando se formulou e depois, os technicos, quer individualmente, quer reunidos em commissões ou em corporação, aconselharam sempre como de muita conveniencia conservar livre e desembaraçada o mais possivel a iniciativa e proposta dos emprezarios, emquanto aos processos e systemas de construcção, sujeita essa proposta á approvação do governo. Differem os engenheiros uns dos outros em muitos pontos; são muitas vezes profundas as divergencias; mas n'este ponto estão todos de accordo.
Se se procura aquilatar o merito de ambos os systemas, o primeiro, aquelle em que o licitante apresenta o projecto definitivo na occasião da licitação, tem a vantagem de lhe assegurar a liberdade da disposição e mais condições das obras que se lhe pedem e dos systemas e methodos de construcção, mas tem o inconveniente de tornar pouco iguaes as condições de concurso e de deixar muito arbiitrio na resolução d'elle, e por tudo isto o de diminuir o numero dos concorrentes pelo receio de verem inutilisados sem indemnisação estudos e organisação de projectos, que demandam despezas importantes.
O systema completamente opposto, aquelle em que o governo apresenta o projecto definitivo, comprehendendo n'este systema, methodos, todos os detalhes emfim da construcção, tem a vantagem de tornar iguaes as condições do concurso, mas tem o inconveniente de tirar aos concorrentes a liberdade de empregar os seus systemas e methodos de construcção, diminuindo por isso mesmo o numero d'esses concorrentes, a facilidade da execução da obra e augmentando-lho o preço. Os inconvenientes d´estes dois systemas oppostos levaram a procurar um systema em que se conciliassem as vantagens e desapparecessem os inconvenientes de um e de outro; chegou se assim a um systema intermedio, em que o governo apresenta o projecto geral definitivo, deixando aos licitantes a liberdade de systemas e methodos de construcção, sujeita essa liberdade á approvação e fiscalisação do governo.
É este o systema da lei de 16 de julho de 1885, e que é este revela-o perfeitamente o facto de se explicarem, entendida a lei por esta fórma, as idéas que pareciam incontradas e oppostas, apresentadas no relatorio e discussão da mesma, pelo sr. Fontes e por outros oradores. O governo abre concurso de projectos, porque approva e apresenta previamente o plano ou projecto geral definitivo, cujo execução é posta a concurso; os licitantes trazem projectos, porque apresentam o projecto definitivo de execução e os projectos especiaes de detalhes.
Este systema em que se deixa ao licitante a liberdade de systema e methodos de construcção é o systema natural das obras construidas por empreitada geral sob responsabilidade e garantia do empreiteiro por um certo numero de annos. Para correr os riscos da empreitada e dar essa garantia, é necessario que tenha a iniciativa no modo de construir; nunca, em cousa nenhuma, se comprehende um certo grau de responsabilidade sem a liberdade correspondente, nem esta é impedida pela fiscalisação.
O quesito 14.° foi:
"O que se indica no programma do concurso ou no projecto que lhe serviu de base ácerca do systema de construcção?"
A resposta por unanimidade foi:
"O artigo 8.° do programma do concurso, base fundamental d'este quesito, diz o seguinte:
"Cada proposta será acompanhada de uma memoria descriptiva, em que seja summariamente indicado o systema de construcção que o proponente pretende adoptar na execução das obras, a natureza e processo de fundação dos muros de caes de todos os mais esclarecimentos necessarios para a rigorosa apreciação da proposta."
O projecto definitivo, que serviu de base ao concurso, diz, referindo-se aos muros de caes:
"Estes typos de muros são apresentados sómente como uma solução possivel mas de modo algum exclue outros systemas e processos que venham a ser propostos e mais convenham aos meios de pessoal e material de que se possa dispor com mais vantagem, se porventura forem approvados pelo governo.
O 15.° quesito foi:
"O programma do concurso para a adjudicação dos melhoramentos do porto de Lisboa estava em harmonia com a lei?"
A resposta por maioria foi:
"O programma do concurso para a adjudicação dos melhoramentos do porto de Lisboa estava dentro dos termos da lei."
Confrontando com a lei o programma do concurso, vê-se que n'este se põem a concurso, como obrigatorias as obras designadas na lei; que se marca como limite extremo da licitação a verba de despeza que a lei determina; que se respeitam todas as outras disposições da mesma lei; mas que apparecem como obras complementares, as que decorrem desde o caneiro de Alcantara até Porto Franco, junto da cordoaria nacional, e que dariam rasão de preferencia absoluta ao concorrente que propozesse construil-as dentro da despeza auctorisada, e, alem d'estas, quaesquer outras obras complementares ou accessorias, de reconhecida utilidade publica ou a cessão de vantagens importantes para o estado, que dariam preferencia relativa, em igualdade de preço, a quem as incluisse na proposta.
A questão é pois se se podiam, sem se infringir a lei, incluir no programma estas obras complementares, e a resposta da maioria foi que podiam, e esta resposta e a inclusão das obras de que se trata no programma do concurso justificam-se por uma rasão legal e por considerações technicas.
Por uma rasão legal, dissemos. Já demonstrámos na resposta ao quesito 7.° que as duas secções de obras desde o caminho de ferro até á torre de Belém, ou pelo menos até Porto Franco, deviam fazer parte do projecto definitivo; e se era por este que se devia fazer o concurso, segue-se que essas obras deviam todas entrar no programma, e tendo sido a verba dos 10.800:000$000 réis calculada para as obras da l.ª secção, conclue-se que dentro d'essa verba, estas eram obrigatorias e as outras facultativas e complementares.
Por considerações technicas. As estações competentes affirmaram sempre a necessidade de se proceder ao mesmo tempo, ou, se isso não podesse ser, com pouco intervallo, ás obras das duas primeiras secções; levavamos a isso rasões tecnhicas - a unidade do plano, e a segurança das obras; rasões economicas - a convicção em que estavam de que a secção do caneiro de Alcantara a Belém interessa a navegação intercontinental, por ser a ella que suppunham que virão os grande? transatlanticos, com os pas-
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sageiros, correios e encommendas; rasões de hygiene - receiarem que a praia lodosa que se estende desde o caneiro de Alcantara até Porto Franco, e que já é insalubre, se tornasse ainda mais, se se fizessem as obras da primeira secção, deixando-se todas as da segunda; receio que ia a tal ponto que muitas vezes se investigou se não seria possivel fazer as obras da segunda secção, reduzindo as da primeira, e algumas vezes se aconselhou isto, conselho que, alem de outros, deram os srs. João Chrysostomo de Abreu e, Sousa, Lourenço Antonio de Carvalho e Boaventura José Vieira.
Estas considerações e estes conselhos dos engenheiros, de diversas procedencias politicas, preoccuparam naturalmente o governo e justificam completamente o seu procedimento.
O quesito 16.° foi:
"O concurso e suas clausulas tiveram a devida publicidade de modo que nenhum concorrente podesse ignorar os termos d'ellas conforme eram apresentadas para todos os concorrentes?"
A resposta por maioria foi:
"O concurso e as suas clausulas tiveram maior publicidade do que é de uso e do que era exigido por lei; e nenhum concorrente podia allegar ignorancia dos termos d'ellas conforme eram apresentadas para todos, tanto no que tinham de obrigatorio como no que era livre e facultativo."
O sr. Elias Garcia propoz na subcommissão a substituição seguinte: "O concurso e as suas clausulas tiveram a devida publicidade; e nenhum concorrente podia allegar ignorancia dos termos d'ellas, conforme eram apresentadas para todos."
A minoria que rejeitou a primeira resposta approvou a substituição proposta; a divergencia era pois pequena; uns diziam que tivera maior publicidade do que é de uso o do que era exigido na lei; outros diziam que tivera a devida publicidade.
A maioria da commissão manteve a sua resposta, porque lhe pareceu que pelas palavras publicidade devida, se podia só entender a que era exigida, como indispensável, pela lei; e é facto que, alem d'essa publicidade, o programma e as clausulas do concurso foram traduzidos em francez, e mandados em folheto para diversas nações.
O quesito 17.° foi:
"No concurso que se effectuou para a adjudicação dos melhoramentos do porto de Lisboa, cumpriram se todas as formalidades legaes?"
A resposta por maioria, foi:
"Cumpriram-se todas as formalidades legaes."
O sr. Pereira dos Santos propoz a seguinte substituição:
"No concurso houve algumas irregularidades, mas a procuradoria geral da corôa achou-as de pequena importancia, e opinou favoravelmente sobre a legalidade do concurso."
O procurador geral da corôa, que esteve presente no acto do concurso, diz textualmente: "Consta da acta que no concurso de 26 de março ultimo se cumpriram os artigos do programma publicado no n.° 291 do Diario do governo de 22 de dezembro, e que foram observadas as formalidades prescriptas nas instrucções de 19 de março de 1861", e termina essa parte do seu parecer dizendo: pois evidente que o processo correu regularmente; que não houve preterição de formalidades, violação de lei, ou transgressão do regulamentos, e que não ha rasão juridica para o annullar". Declara depois que o artigo 11.° do programma manda que as propostas do preço sejam fechadas em sobrescripto separados sem declaração alguma exterior, prohibição que tem por fim evitar que os licitantes reve-
1 Doe. vol. I, paginas 63, 271, 275, 277 e 278.
lem por qualquer modo ou por qualquer indicação qual é a sua proposta, e que no sobrescripto da proposta Hersent foi escripta a indicação que se póde verificar no processo, que não deixa perceber o conteudo da proposta, que apenas diz terem sido fechados n'aquelle sobrescripto documentos para o concurso.
Diz mais o parecer da procuradoria geral da corôa que a procuração do sr. Hersent não se continha no primeiro sobrescripto, mas no segundo; que teria sido mais regular o contrario; mas, que existindo, sendo encontrada onde o apresentante declarou, e sendo especial e com poderes bastantes, e com as formalidades legaes, não entende que importe nullidade ter sido incluida no segundo c não no primeiro sobrescripto.
A conclusão do parecer é, por unanimidade dos fiscaes superiores da corôa e fazenda, que o processo está valido.
Em vista dos factos expostos, a maioria da vossa commissão rectifica a sua resposta do modo seguinte:
"Foram cumpridas todas as formalidades legaes, excepto as duas indicadas no parecer da procuradoria geral da corôa, que não foram porém contrariadas no fim que têem 1 em vista, sendo por isso completamente valido e legal o processo do concurso."
Com effeito o fim com que se prohibe que o sobrescripto que contem a proposta não tenha declaração exterior, é para que o preço e mais condições da proposta que está dentro se não divulguem, podendo com isso ser prejudicado o proponente; é uma formalidade de protecção aos licitantes. Ora tendo o sobrescripto de que se trata apenas a designação de que continha a proposta para o concurso, é claro que a designação que se discute não augmenta nenhuma idéa, nada revela e nada importa.
Conter-se a procuração dentro do sobrescripto da proposta nada importa tambem, visto que era para tornar do mandante a proposta que a procuração que estava junto d'ella era precisa.
No volume dos documentos vem um fac-simile dos sobrescriptos.
O quesito 18.° foi:
"A proposta apresentada pelo adjudicatario Hersent estava perfeitamente em harmonia com o programma do concurso?"
A resposta por maioria foi:
"Estava perfeitamente em harmonia com o programma do concurso."
O sr. Pereira dos Santos propoz a seguinte substituição:
"A proposta apresentada pelo adjudicatário Hersent tinha uma redacção ambigua na parto em que se reforma ás obras complementares. O systema de construcção dos muros que offerece é diverso do que tinha sido previsto na l confecção do plano geral que serviu de base ao concurso, mas a sua apresentação era admissivel nos termos da condição 8.ª do respectivo programma; a proposta comprehendia algumas alterações de somenos importancia ás condições do programma."
O parecer já citado da procuradoria geral da corôa diz : "Devo advertir que a proposta de mr. Hersent está redigida e formulada nos precisos termos do artigo 11.° do programma de 22 de dezembro de 1886". E com effeito assim é.
Não ha ambiguidade na parte em que a proposta se referia ás obras complementares.
No primeiro periodo da proposta lê-se: "e bem assim as complementares abaixo especificadas pelo preço de réis 10.790:000$000. Lisboa, 25 de março de 1887".
E no periodo seguinte: "A obra complementar e accessoria que o proponente offerece e se obriga a construir gratuitamente é um caminho de ferro de viu reduzida entre Lisboa e as proximidades de Belém, com a faculdade para o proponente de o prolongar até Cascaes, etc."
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A ambiguidade parece resultar de no primeiro periodo se fallar em obras complementares e no segundo em obra complementar. Mas a fórma plural do primeiro periodo é a determinada no artigo 11.º do programma de concurso, como se póde ver lendo o mesmo artigo; a singular do segundo é determinada pelo que o proponente realmente offerece como complementar; ainda que não offerecesse cousa alguma, como tal, fallaria no primeiro periodo em obras complementares que offerecia, e diria depois que não offerecia nenhuma.
O systema de construcção de muros não está na proposta, está na memoria justificativa, que não faz parte d'ella, e, como se reconhece, a sua apresentação era admissível nos termos da condição 8.ª do respectivo programma, mas a sua acceitação era dependente da approvação do governo.
As outras alterações de somenos importancia de que se falla tambem não estão na proposta, mas na memoria, e dependem tambem da approvação do governo.
O quesito 19.º foi:
"Qual foi o parecer das estações competentes consultadas a este respeito?"
A resposta por maioria foi:
"Foram de parecer que estava perfeitamente em harmonia com a lei, e que não tendo havido outro concorrente, a este podia ser adjudicada a construcção das obras."
Na sub-commissão os srs. Julio de Vilhena, Elias Garcia e Pedro Victor, rejeitando a resposta apresentada, declararam entender que ella se devia limitar a descrever syntheticamente os pareceres das commissões sobre tal assumpto.
Na commissão o sr. Pereira dos Santos propoz a seguinte substituição:
"A commissão consultiva do porto de Lisboa disse que a proposta Hersent; no que diz respeito aos processos de construcção que se projectam adoptar, não contraria o programma e as condições para a execução das obras de melhoramentos do porto de Lisboa, e estava em condições de ser acceita.
"A junta consultiva disse que era de opinião que a proposta Hersent, satisfazendo ás condições do caderno de encargos estava no caso de ser acceita, salvo na parte referente ao caminho de ferro de Lisboa a Belém e Cascaes."
A maioria da commissão observa que foi exactamente por querer synthetisar os pareceres das estações competentes e não lhe poder servir para isso um só periodo de qualquer d'elles, que consignou sob uma fórma geral o resultado d'esses pareceres.
A divergencia de opiniões não póde ser grande, porque as estações competentes de que falla o quesito votam que a proposta se conforma sem restricção alguma com as condições do programma do concurso e que podia ser acceita, excluindo o caminho de ferro de Belém a Cascaes.
Dão a sua opinião sobre todos os pontos da memoria descriptiva que acompanha a proposta, muros, dragagens, eclusa, etc.; mas pareceu á maioria da vossa commissão que não se lhe perguntava qual era a opinião das estações competentes sobre cada um d'esses pontos da memoria, mas a sua idéa geral sobre a proposta.
O quesito 20.° foi :
"Foi o contrato feito na conformidade com o projecto definitivo e o programma do concurso?"
A resposta por maioria foi:
"O contrato reproduziu textualmente verbo ad verbum todas as clausulas do concurso, tendo-se resalvado no preambulo as omissões e modificações constantes da proposta, no que era livre e facultativo."
A resposta da maioria é a fiel expressão dos factos, e havendo no projecto definitivo condições que eram apresentadas só como uma solução possivel, e não excluindo outros systemas e processos que fossem propostos e approvados; marcando o artigo 9.° do decreto do concurso o praso para a apresentação do projecto completo de todas as obras, não podia o contrato, exactamente para se conformar com o projecto definitivo e com a clausulas do concurso, reproduzir o mesmo projecto definitivo, como parece que se pretende pelo quesito.
O quesito 21.° foi:,
"Foi pelo empreiteiro proposta depois do concurso alguma modificação ao projecto definitivo, e qual foi a opinião da corporação consultiva a este respeito ?"
A resposta por maioria foi:
"Foram propostas algumas modificações, e em conformidade com o parecer unanime da junta consultiva de obras publicas e minas foram rejeitadas as que importavam uma alteração essencial ao projecto que serviu de base ao concurso, e acceitas as que se consideraram de muito pequena importancia e melhorando o projecto."
O sr. Pereira dos Santos propoz a seguinte substituição:
"Foram propostas algumas modificações; a junta só opinou favoravelmente sobre algumas d'ellas, que no seu entender não affectavam sensivelmente a economia da construcção e melhoravam o projecto."
A maioria da commissão manteve a sua resposta por lhe parecer mais completa do que a substituição que se propunha; a junta consultiva não só opinou favoravelmente sobre algumas modificarias propostas, mas tambem rejeitou claramente outras, dando assim opinião sobre todas.
Como se vê da exposição de factos, não foi só ajunta consultiva que foi ouvida sobre as modificações propostas; foi primeiro ouvida a direcção das obras do porto; depois a commissão especial, e finalmente a junta: o governo conformou-se com o parecer das ultimas, que era o mais rigoroso para o empreiteiro.
O quesito 22.° foi:
" Na portaria de 6 de agosto exorbitou ou não o governo das faculdades legaes?"
A resposta por maioria foi:
"Na portaria de 6 de agosto, que sanccionou aquelle parecer, o governo conformou-se simplesmente com o voto unanime dos membros das estações techniccas consultivas procedendo correctamente e em nada exorbitando das suas attribuições legaes."
O sr. Pereira dos Santos declarou que approvava a seguinte parte da resposta ao quesito:
"Na portaria de 6 de agosto, que sanccionou aquelle parecer, o governo conformou-se simplesmente com o voto unanime dos membros das estações technicas consultivas."
A resposta tem duas partes:
Uma, em que se affirma que o governo se conformou com o voto dos membros das estações technicas consultivas. Sobre este ponto não póde haver duvida; a portaria não fez mais do que approvar o projecto com as conclusões da junta, que declara conformar-se com a opinião da commissão encarregada de examinar o dito projecto.
Outra em que se affirma que o governo procedeu correctamente e em nada exorbitando das suas attribuições legaes. Sobre esta parte é que póde haver discussão, mas já resolvida nas respostas a quesitos anteriores e ahi comprovadas.
O artigo 9.° do decreto de concurso, artigo copiado na exposição de factos, mandava que o adjudicatario apresentasse ao governo, no praso de noventa dias, a contar da adjudicação, o projecto completo para a execução das obras; e o programma do concurso e o projecto definitivo que lhe serviu de base deixavam ao proponente a iniciativa de apresentar á approvação do governo os systemas e processos de construcção, ainda que fossem diversos dos d'aquelle projecto; o que está demonstrado na resposta ao quesito decimo quarto; o governo conformou-se, pois, acceitando as
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modificações approvadas pela junta, com o decreto do concurso e com disposições ou clausulas do projecto definitivo.
Resta agora saber se taes disposições do decreto e taes clausulas do projecto definitivo estão ou não de harmonia com a lei de l6 de julho de 1885, e essa questão está afirmativamente resolvida na resposta ao quesito 13.°
A correcção do procedimento do governo está demonstrada no desejo de acertar, ampla e constantemente evidenciado no zêlo com que se cercou de homens competentes para consultar; não se contentando para isso com as estações officiaes que já havia, cremado outras, consultando-as sempre todas, e no caso especial que noa occupa, decidindo, como já dissemos, em conformidade com as que menos modificações permittiam ao empreiteiro. Graves seriam as responsabilidades do governo só n'um assumpto do tanta importancia, como as obras d'um porto, e em que tanto se precisa dos conselhos dos technicos, os pozesse de parte, sendo elles legaes, como foram, para obedecer a outras preoccupações.
O quesito 23.° foi:
"Os projectos definitivamente approvados asseguram ou não a execução proveitosa das obras contratadas?"
A resposta por maioria foi:
"Os projectos approvados asseguram pelo melhor modo a execução proveitosa das obras contratadas."
O sr. Pereira dos Santos propoz a seguinte substituição:
"As estações technicas opinam que asseguram a execução proveitosa das obras contratadas. Não dizem, porém, que os projectos approvados asseguram pelo melhor modo a execução proveitosa d'essas obras, nem me parece que isso possa facilmente affirmar-se."
É claro que o melhor modo a que se refere a resposta da maioria não e o melhor modo absoluto, irias relativo aos projectos anteriores e ao estado da sciencia.
Aqui, como n'outros pontos, a pequena divergencia que ha relativamente ás opiniões das estações technicas resulta d'essas opiniões se não encontrarem as mais das vezes synthetisadas n'um só periodo dos pareceres, havendo por isso necessidade ou de se procurarem muitos d'esses periodos, ou de se significar o pensamento dos pareceres n'uma proposição geral por meio de palavras que lá não estejam.
No caso presente, nem a resposta da maioria da commissão, nem a do sr. Pereira dos Santos são copiadas dos pareceres, e pensa a commissão que a sua formula, no sentido relativo em que ella declara que a entende, traduz mais fielmente a idéa geral dos mesmos pareceres; porque é claro que quando as estações technicas indicam modificações têem a idéa de que essas modificações são um aperfeiçoamento, e o proprio sr. Pereira dos Santos declarou na resposta ao quesito 21.° que ajunta consultiva só opinou favoravelmente sobre algumas modificações que no seu entender melhoravam os projectos.
A questão que se póde levantar sobre o valor scientifico das opiniões apresentadas pelas estações consultivas, essa não é para aqui, nem tem competencia para ella uma parte da vossa commissão.
O quesito 24.° foi:
"Póde rasoavelmente presumir-se a possibilidade de se fazer maior somma de obras do que as contratadas dentro da base financeira auctorisada, ou essa mesma somma de obras por um preço inferior ao ajustado?"
A resposta por maioria foi:
"Não póde rasoavelmente presumir-se a possibilidade de se fazer maior somma de obras do que as contratadas dentro da base financeira auctorisada, ou essa mesma somma de obras por um preço inferior ao ajustado."
O sr. Pereira dos Santos propoz a seguinte substituição:
"Acceitando-se como verdadeiro o orçamento das obras do plano geral que serviu de base ao concurso, deve presumir-se a possibilidade de se fazer maior somma de obras do que as contratadas dentro da base financeira auctorisada."
A presumpção afirmada pelo sr. Pereira dos Santos é condicional, e a respeito do orçamento de que se trata, diz a commissão especial das obras do porto, depois de uma analyse:
"Tudo isto leva a crer que o orçamento dos typos approvados está feito em circumstancias menos favoraveis para o adjudicatario."
mais:
"O custo das obras complementares do caneiro de Alcantara, que só em caso especial deveriam ser consideradas, quando constituissem motivo de preferencia absoluta, tinha de sair dos lucros do empreiteiro, para os quaes se contava apenas com uma pequena percentagem na organisação da serie de preços 1."
O quesito 25.° foi
"Os actos resolutivos do governo na adopção do projecto que servia de base ao concurso, na adjudicação das obras ao empreiteiro Hersent, e na approvação dos projectos por este apresentados, foram ou não conformes com os pareceres das estações consultivas para isso ouvidas?"
A resposta por unanimidade foi:"
"Foram sempre conformes com os pareceres das estações consultivas para isso ouvidas."
Na sub-commissão a resposta foi tambem approvada por unanimidade, resalvando comtudo os srs. Julio de Vilhena, Elias Gacia e Pedro Victor a sua opinião com relação a alguns actos do governo relativos a qualquer assumpto menos importante e concordando em que os principaes actos resolutivos do governo na adopção do projecto que serviu de base ao concurso, na adjudicação das obras ao empreiteiro Hersent, e na approvação dos projectos por este apresentados, foram sempre conformes com os pareceres das estações consultivas para isso ouvidas.
O quesito 26.b foi:
"A não acceitação do caminho de ferro a que se referia esta proposta (H) é justificavel?"
A resposta por maioria foi:
"A não acceitação do caminho de ferro a que se referia esta proposta (H) é justificada, e devia realisar-se ainda que não tivesse apparecido quem se propoz construir esse caminho de ferro em melhores condições."
O sr. Pedro Victor votou contra. O sr. Pereira dos Santos fez a seguinte declaração, que representa o seu voto:
"Entende que é justificada e não devia realisar-se a acceitação da proposta (H), sem comtudo reconhecer direito á reclamação da companhia, que julga infundada."
Para justificar a não acceitação do caminho de ferro a que se referia a proposta do adjudicatário, e que elle offerecia como obra complementar, basta lembrar que esse caminho de ferro era de via reduzida e que o proponente se reservava a faculdade de o prolongar ou não até Cascaes. A apreciação do direito da companhia que reclamou não a faz aqui a commissão, não porque a maioria d'ella não approve o acto do governo, mas porque não recebeu a missão de tratar este assumpto.
O quesito 27.° foi:
"Os systemas do construcção descriptos na memoria que acompanha a proposta differem dos indicados no projecto que serviu de base ao concurso?"
A resposta por maioria foi:
"Os systemas do construcção differem na parte que expressa e proveitosamente fôra deixada livre aos concorrentes."
1 Exposição de factos, pag. 23; doc., vol. I, pag. 352 e 353
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O sr. Pereira dos Santos apresentou a seguinte substituição:
"O systema de construcção descripto na memoria que acompanha a proposta é differente do descripto no plano geral, que serviu de base ao concurso, embora n'este plano se indicasse a conveniencia de se deixar aos licitantes o systema de construcção."
A resposta da maioria separa-se, analysando-se, em duas affirmações distinctas:
Uma, os systemas de construcção differem na parte que expressamente fôra deixada livre aos concorrentes; e essa parte é a expressão de um facto, que a substituição nos parece que não contesta, nem quer contestar; que foi affirmado por unanimidade na resposta ao quesito 14.°, e demonstrado nos documentos.
Outra: - Essa liberdade foi deixada proveitosamente, sob o ponto de vista technico e dos interesses publicos, é claro, é a expressão de uma opinião scientifica, a favor da qual se pronunciaram claramente quasi todos os technicos que intervieram por qualquer modo nos actos officiaes relativos ao porto de Lisboa, como BC vê na exposição de factos e nos documentos. "Todos sabem, diz o sr. Mendes Guerreiro, que um dos progressos da construcção moderna é fazer-se igualmente bem uma obra por differentes processos. Para que limitar o concurso a um methodo só de construcção1?"
O quesito 28.° foi:
"Da comparação entre elles resulta alguma preferencia technica para o primeiro ou para o segundo?"
A resposta por maioria foi:
"Não póde em absoluto e em geral dar-se preferencia technica a nenhum systema de construcção, parecendo, porém, que no caso sujeito, o systema proposto e approvado representa um melhoramento na arte das construcções hydraulicas, em relação aos methodos até agora mais geralmente empregados."
O sr. Pereira dos Santos apresentou a seguinte substituição :
"O systema proposto e approvado não representa um melhoramento em relação aos methodos até agora conhecidos."
A demonstração da resposta da maioria e a refutação da do sr. Pereira dos Santos constituiriam uma larga discussão technica, que não póde ter logar aqui.
A commissão recordará por isso sómente, em defeza da sua resposta, que no plano de melhoramentos da commissão de 1883 as fundações eram sobre pilares e abobadas, dando-se como rasão para isso as grandes espessuras de lodo que havia; que no projecto que serviu para o concurso o systema descripto, mas não obrigatorio, era, parte, o dos enrocamentos, como no porto de Trieste, parte por meio de ar comprimido, como em Anvers; e que nas obras dos portos de Boné, de Brest, de Lorient, de Nantes, de Rouen e outros, onde se empregou o systema do adjudicatario, que foi agora consideravelmente melhorado, os muros resistiram bem e não soffreram recalques.
O quesito 29.° foi:
"Sob o ponto de vista do custo das obras, qual é a economia provavel de um systema de construcção comparado com outro?"
A resposta por maioria foi:
"A commissão, n'este ponto, reproduz os calculos da commissão especial e da junta consultiva de obras publicas e minas, conforme o parecer e consulta de 26 de dezembro de 1887 e de 9 de janeiro de 1888, publicados no Appendice, n.° 2, do Diario ao governo do corrente anno."
O sr. Pereira dos Santos apresentou a seguinte substituição :
l Exposição de factos, pag. 13. Doc., pag. 249.
"A junta consultiva e a commissão consultiva dizem que a differença dos systemas de construcção importa em réis 231:323$685."
Os calculos da commissão e da junta, que a maioria adopta na resposta, vem na exposição de factos e no primeiro volume dos documentos de pag. 352 a 366.
A maioria da commissão não tem que os defender, porque não foram contradictados por outros; observa que o empreiteiro pediu no projecto, não só a modificação das fundações, que lhe diminuia a despeza, mas tambem o augmento da espessura do muro de abrigo da doca de Santo, que de e passou a 10 metros, e que em obras era que os riscos correm por conta do empreiteiro, que tem de as garantir por certo numero de annos, os pedidos de modificação são determinados, não só por considerações de economia, mas tambem pelas de solidez das mesmas obras.
O quesito 30.° foi:
"Em vista d'essa differença podia e devia fazer-se a acceitação ou rejeição da proposta Hersent?"
A resposta por maioria foi:
"Tendo sido contratadas as obras inteiramente a forfait, como muito convinha aos interesses publicos, não havia que apreciar, nem se apreciou qual a margem de lucros do empreiteiro. O exame das differenças orçamentaes, posteriormente ordenado e executado, mostra que essa differença, ainda no caso mais favoravel, deixa essa margem de lucros abaixo do limite a que o empreiteiro podia rasoavelmente aspirar."
A commissão especial que deu parecer sobre o assumpto conclue a este respeito:
"Os lucros do empreiteiro terão de sair das economias realisadas na execução das obras, da conveniente appliplicação dos processos de construcção e da longa e especial pratica d'estes trabalhos que possue o adjudicatario, dependendo os mesmos lucros em todo o caso de circumstancias eventuaes, mais ou menos favoraveis, que não é possivel prever, podendo porém assegurar-se que elles não attingirão quantia muito importante e que não esteja em justa relação com a importancia da empreitada e do longo praso de dez annos em que todos os trabalhos terão de ser concluídos, tendo-se ainda em attenção o praso de garantia de tres annos, durante os quaes o empreiteiro deverá occorrer á conservação de todas as obras da empreitada e ás reparações que nas mesmas obras forem necessárias."
E a junta:
"O que porém se póde desde já affirmar é que aquella verba de 761:587$390 réis não póde rasoavelmente bastar para os fins a que se suppõe destinada, e que o empreiteiro terá que procurar os lucros rascaveis, remuneração condigna do seu trabalho e risco, na economia e boa direcção das obras, na sua aptidão já comprovada e nas circumstancias especiaes em que se acha por dispor de um pessoal já exercitado em obras hydraulicas, e de material muito importante apropriado ás mesmas obras."
A commissão acrescenta que na discussão da lei na camara dos senhores deputados se affirmou tambem, e era a idéa que prevalecia, que só um empreiteiro nas circumstancias do sr. Hersent, dispondo de uma quantidade enorme de material de construcção, ao qual lhe convinha dar applicação immediata, podia realisar as obras do porto nas condições em que elle acceitava o contrato1.
São estas as respostas e as rasões das respostas da vossa commissão aos quesitos approvados.
PARTE TERCEIRA
Synthese da questão
Expostos minuciosa e fielmente os factos, respondidos os quesitos e demonstradas as resposta, as resta compendiar o
1 Doc., vol. I, pag. 128.
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mais possivel a questão n'uma synthese que corresponda com brevidade ás duas primeiras partes.
A tres pontos se póde reduzir todo o assumpto, a saber:
1.° Se foi legitima a interpretação que se deu á lei de 16 de julho de l885 nos diversos actos derivados d'ella para a sua execução.
2.° Se as condições do concurso foram iguaes para todos, igualmente publicadas, com uma publicidade tal, que quem quizesse as podesse com facilidade conhecei completamente, e se perante os concorrentes ou os que tivessem pretendido sel-o, se guardou absoluta imparcialidade, e se se fez a adjudicação a quem se podia e era util fazel-a.
3.° Se depois da adjudicação feita, as propostas de modificação do projecto de concurso, apresentadas pelo empreiteiro, o foram em virtude de um direito, e se a acceitação de umas e a rejeição de outras estava no mesmo caso, e se alem d'isso houve e se demonstrou evidentemente no procedimento do governo, o zêlo pelos interesses publicos, e a prudencia no modo de os considerar e de resolver.
É a questão nos tres momentos diversos em que naturalmente se divide: antes de postas as obras a concurso, d'ahi ato á adjudicação, e nos actos que lhe são posteriores.
Vejamos a interpretação da lei:
A parte mais importante da lei é o § 1.º do artigo 1.º que por isso transcrevemos de novo:
"§ 1.° As obras serão feitas por empreitada geral, segundo o projecto definitivo, que merecer a approvação do governo, tendo-se em attenção o plano de melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883 e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas. O projecto definitivo servirá de base ao concurso."
Tres questões se suscitam e se suscitaram realmente na interpretação da lei :
l.ª Por quem é Apresentado o projecto definitivo, pelo governo ou pelo licitante, e consequentemente, quando é approvado, antes do concurso, ou no acto da adjudicação ou depois?
2.ª O que se entende pelo projecto definitivo de que se falla, é um projecto que defina tanto as obras, propriamente ditas, como os systemas e methodos de construcção, ou póde considerar-se como tal, um que só detina as obras, permittindo liberdade de systemas e methodos de construcção ?
3.ª A lei prohibia que se marcassem outros motivos de preferencia alem do da inferioridade do preço, e que, se se podesse, se obtivessem e fizessem, pela despeza auctorisada, mais obras do que aquellas para que essa despeza fôra orçada, como limite maximo, e os calculos tinham indicado como custo provavel?
A lei não é clara sobre o primeiro ponto, porque mandando fazer as obras por empreitada geral, segundo o projecto definitivo que merecer a approvação do governo, não diz por quem é apresentado esse projecto, e quando é approvado; questão que não resolvem as palavras do fim do paragrapho "o projecto definitivo servirá de base ao respectivo concurso", que não passam de uma translação desnecessaria, e que tanto podem significar que é posta a concurso a execução do projecto, como que são os licitantes que devem trazer o projecto definitivo, o que é base ou condição essencial do concurso.
Se se recorre aos precedentes da lei, aos documentos que a acompanharam, á discussão em ambas as casas do parlamento, encontram-se opiniões, real ou pelo menos apparentemente inconciliaveis, e não deixando no espirito uma idéa precisa e perfeitamente determinada.
Os precedentes da lei são favoraveis à interpretação de que são os licitantes que devera apresentar o projecto definitivo.
O mesmo governo que propoz esta lei, a propozera já no anuo antecedente, e ahi affirmára com muita clareza que era muito vantajoso apresentarem os licitantes o projecto definitivo, e dera as rasões d'isso.
Na nova proposta, o governo e as commissões têem o cuidado de signalar as modificações que fizeram á anterior, e não dizem que as haja a respeito do systema de apresentação do projecto definitivo; pelo contrario a proposta vinha acompanhada de um documento em que se dizia que os trabalhos seriam executados em conformidade dos planos feitos pelo empreiteiro e approvados pela administração competente, para se não variar, documento a que se dava auctoridade, dizendo-se no relatorio da proposta que esse e outro davam clara idéa do que se pretendia fazer.
Na discussão da camara dos senhores deputados, o relator do projecto, o sr. Pereira dos Santos, e um outro orador, o sr. Almeida Pinheiro, affirmam que o governo mandará elaborar um projecto, e que, approvado esse projecto , pelo governo, elle servirá de base ao concurso; todavia, quando o projecto de lei chegou á camara dos dignos pares, ainda, apesar d´estas declarações, parece que prevalecia uma idéa ou de todo ou em parte contraria, pois que o relator do projecto, n'essa camara, sem que o fizessem passar por qualquer modificação, de muito expressamente que o systema adoptado deve ser aquelle que mais habilitar os concorrentes a usarem dos diversos meios de que dispõem para levar a cabo a empreza, livres das leis que lhes levaria um projecto definitivo elaborado pelos agentes do governo ou por qualquer particular.
Na camara dos senhores deputados o sr. Fontes diz que os estudos serão provavelmente feitos pelo sr. Hersent; na dos pares diz que a sua idéa é abrir concurso de projectos, e na primeira o sr. Fuschini propõe que na lei se declare explicitamente a fórma por que ha de ser elaborado o projecto e orçamento que devem constituir a base do concurso, proposta que suppõe-o que é verdade, que nada d'isso estava determinado.
No meio d'estas affirmações, pelo menos apparentemente encontradas, como é que se ha de interpretar a lei? Será desprezando umas e aproveitando outras? Mas qual será o criterio d'essa escolha; será o arbitro? O que se preceitua em hermeneutica juridica é que, quando n'um elemento de interpretação se encontram resultados que se contradizem, se procure se é possivel concilial-os, e, no caso de o não ser, se recorra a um outro elemento. Póde e deve perguntar-se pois: Será possivel conciliar a approvação previa do projecto definitivo pelo governo, de que falla o relator da camara dos senhores deputados, com a liberdade de usarem os concorrentes dos diversos meios de que dispõem, de que falla o relator da camara dos pares?
Vejamos se a segunda questão - o que é um projecto definitivo - offerece elementos para a contradicção se resolver, e vejamos os factos.
O governo que propuzera e promulgara a lei, abriu, por portaria de 24 de agosto de 1885, concurso para a apresentação do projecto definivo, palavras de que se serve, prorogando depois a requerimento de um concorrente o praso d'esse concurso. Terminam aqui as responsabilidades do governo regenerador, que propozera e promulgara a lei, e começam as do governo progressista, que o substituiu.
Os projectos apresentados no concurso não satisfizeram, principalmente porque teria de ir muito alem da auctorisação da lei o custo da sua realisação; o governo mandou então por portaria de 28 de junho de 1886, elaborar o projecto definitivo., palavras de que se serve, por uma direcção especial que creou para as obras do porto de Lisboa, submettendo esse projecto a consultores especiaes e á junta consultiva, que lhe foram contrarios, entre outras causas, porque convertendo a empreitada geral, adoptada na lei, em empreitada relativa, tornava incerta a despeza, a que a lei marcava um limite maximo; foi então encarregado outro engenheiro de modificar esse projecto, que, depois de mo-
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dificado, foi submettido á junta, cuja consulta lhe foi favoravel.
Esse projecto, que a junta julgou bom, e do qual ella disse que podia servir de base ao concurso "da execução das respectivas obras, nos termos da carta de lei de l6 de julho de 1885" esse approvou o governo e esse poz a concurso.
Estudemos agora o projecto.
Tanto no projecto da direcção e no parecer dos consultores, como no projecto do segundo engenheiro e no parecer da junta, julga-se que o projecto cuja execução tinha de se pôr á concurso devia ter duas partes bem distinctas: uma, as obras propriamente ditas; outra, os systemas e methodos de construcção; a primeira parto devia pôr-se a concurso, como obrigatoria; a segunda como podendo ser alterada por proposta do adjudicatario, se essa proposta fosse approvada pelo governo.
Esta iniciativa e liberdade de proposta de systemas e methodos de construcção, deixada ao adjudicatario, era reclamada pelos technicos em nome da sciencia da sua profissão, que lhes dizia que a bondade de uma obra, como a do porto de Lisboa, se determinava, não simplesmente pelo systema e methodos de construcção, mas pelas pressões e cargas que póde supportar e pela resistencia que póde offerecer, e que visto que fica aos empreiteiros a responsabilidade das obras por um corto numero de annos, devem ter tambem a de proporem e applicarem os seus systemas e methodos de construcção, e que essa liberdade, sujeita á approvação e fiscalisação do governo, tem como resultado technico facilitar a cada empreiteiro a apresentação de projectos, cuja execução dependa do seu systema de trabalho, augmentando o numero de concorrentes, e como consequencia financeira ou apparecerem concorrentes que não appareceriam por outra fórma, ou poder obter se na praça um preço mais favoravel do que se conseguiria, obrigando todos os concorrentes a um mesmo methodo de trabalho.
Estas ideas não eram novas; na proposta de lei de 1884 affirmára-se que era muito vantajoso trazerem os licitantes o projecto definitivo; e se a sciencia aconselhava como vantajosa esta plena liberdade de 1884, não podia aconselhar a restricção completa d'ella no anno seguinte como vantajosa tambem. O systema aconselhado pela direcção, approvado pelos consultores e pela junta, era um systema mixto, em que se procuravam conciliar as condições de igualdade do concurso, a restricção no arbitrio do governo, com a liberdade necessaria aos empreiteiros responsaveis.
O governo pediu aos technicos um projecto definitivo; não lhes disse, porque não lhe pertencia dizer-lhes, quaes as condições technicas que elle devia ter; conformou-se a este respeito com as idéas que elles apresentaram em nome da sciencia, e conformando-se com ellas entendeu que o projecto definitivo de que a lei falla é um projecto, completo sim, em que as obras são todas determinadas, mas em que os systemas indicados para a construcção das mesmas obras, podem ser substituidos por outros que e, era preiteiro proponha, se derem igual ou maior segurança, e se forem approvados pelo governo; se não, o empreiteiro tem obrigação de executar, o projecto tal qual estava, isto é, tem não ao de fazer as obras, mas de as fazer pelo methodo indicado. Esta interpretação é racional, porque é a que é dada pela sciencia relativa ao assumpto de que se trata; é legitima e legal, porque por meio d'ella explicam-se as declarações á primeira vista contradictorias dos documentos e discussão de que resultou a lei, por outro modo inintelligiveis.
Em harmonia com estas idéas o projecto que foi apresentado para o concurso da adjudicação da obra foi um projecto completo, mas, como já se disse na resposta por unanimidade ao quesito 14.°, dizia, referindo-se aos muros de caes:
" Estes typos, de muros são apresentados sómente como uma solução possivel, mas de modo algum exclue outros systemas e processos que venham a ser propostos e mais convenham aos meios de pessoal e material de que se possa dispor com mais vantagem, se porventura forem approvados pelo governo. "
Observação que se repetia nos desenhos.
Assim o concurso de projectos e approvação previa coexistem com a liberdade deixada aos concorrentes de usarem dos diversos meios de que dispõem.
Relativamente á terceira questão, a lei falla expressamente na adjudicação das obras da l.ª secção; ao mesmo tempo porém manda terem attenção o plano de melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada ora 16 de março de 1883 e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas, e n'este determina-se que as duas secções deviam fazer, parte do projecto definitivo, havendo alem d'isso rasões technicas e considerações de hygiene a aconselharem que no dito projecto se incluisse pelo menos as obras desde o caneiro de Alcantara até Porto Franco ; as rasões tecnicas erdin a maior unidade de plano e maior segurança de todas as obras ; as considerações de hygiene eram, como já se disse, recciar-se que a praia lodosa que se estende de Alcantara até Porto Franco, e que já é insalubre, se tornasse ainda mais, se se fizessem as obras da primeira secção, deixando-se todas as da segunda; receio que ia a tal ponto que muitas vezes se investigou se não seria possivel fazer as obras da segunda benção, reduzindo as da primeira, e algumas vezes se aconselhou isto, conselho que, alem de outros, deram os srs. João Chryhostomo de Abreu e Sousa, Lourenço Antonio de Carvalho e Boaventura José Vieira.
A lei diz que a licitação versará sobre o preço, mas que não prohibia, nem queria prohibir, motivos de preferencia, demonstra-o o facto de ter sido rejeitada na camara dos senhores deputados a proposta ahi apresentada pelo sr. Fuschini na sessão nocturna de 2 de julho de 1885, e que era o seguintes, sejam eliminadas da proposta de lei as disposições dos §§ 4.°, 5.°, 6.° e 7.°, abrindo-se unicamente a licitação sobre o preço das obras que o orçamento approvado fixar, admittida a condição do § 9.°
A interpretação, pois, da lei, resume-se no seguinte:
A lei de 16 de julho de 1885 determinou que o concurso se fizesse sobre um projecto definitivo, previamente approvado pelo governo, e tendo em attenção o plano da commissão de 1883. Não era obrigatorio que esse projecto comprehendesse a determinação rigorosa de todos os detalhes e systemas de construcção, entendendo uniformemente as estações technicas que, para bem dos interesses publicos, convinha deixar aos concorrentes liberdade d'esses systemas e methodos. Era obrigatorio comprehender nas obras a secção que vae desde a estação do caminho de ferro até ao caneiro de Alcantara, e não exceder a despeza de réis 10.800:000$000; mas não era prohibido, antes aconselhado, comprehender, como complementares e dando motivo de preferencia, as obras da segunda secção, pelo menos até Porto Franco, e quaesquer outras.
Foi este projecto assim, que serviu de base ao concurso; vejâmos pois o concurso.
Tendo sido mandado elaborar pelo governo, e não sendo obra de nenhum dos concorrentes, o projecto que serviu para o concurso collocava-os em condições mais iguaes do que um projecto que tivesse sido feito por algum d'elles; é uma doutrina intuitiva, e, como ficou exposto, expressa pelo sr. Fontes na camara dos dignos pares.
Affirmou toda a commissão que o decreto e programma do concurso tiveram a devida publicidade, e demonstrou-se que essa publicidade fôra maior do que a exigida na lei, maior do que a ordinaria.
Durante o praso do concurso estiveram patentes na primeira repartição, da direcção geral de obras publicas e minas e na secretaria, da direcção das obras do porto de Lisboa, em todos os dias uteis, desde as onze horas da ma-
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nhã até ás quatro da tarde, as peças escriptas e desenhadas, relativas ao mesmo concurso, e na memoria justificativa se lia que os typos de muros eram só uma solucão possivel; e nos desenhos dos typos e secções transversaes dos muros de caes se fazia uma observação analoga.
Todos poderam ver tudo isto; viram todos os que quizeram, e do estrangeiro vieram os representantes de emprezas constructoras examinar as condições do porto e as do concurso para se determinarem a ser ou não concorrentes.
No dia do concurso assistiu a elle, como fiscal do cumprimento da lei, o procurador geral da corôa e fazenda, e por unanimidade doa fiscaes que compõem a procuradoria, foi o processo do concurso declarado valido.
Para examinar technicamente o mesmo processo foi nomeada uma commissão de engenheiros, e essa commissão e ajunta dizem que a proposta do concorrente se conforma sem restricção alguma com as condições do programma, e que, á excepção do caminho de ferro para Belém e Cascaes, offerecido como obra complementar, estava no caso de ser acceita.
Assegurada pela origem do projecto a igualdade das condições do concurso; larga e indubitavel a publicidade; affirmada unanimemente pelos representantes da lei a validade do processo, o governo fez o que devia, adjudicando ao concorrente que houvera a execução das obras; e não satisfaria a vontade do paiz, representada n'uma auctorisação, concedida na expectativa e com o intuito claro de que se fizesse uso d'ella, e não seria digno, se depois de ter aberto concurso, e dadas todas estas circumstancias, não fizesse a adjudicação.
Igualara as condições do concurso; affirmavam-lhe e devia estar convencido da sua legalidade, era o seu dever de terminar-se no resto pelos conselhos dos homens da sciencia, e, seguindo-os, revelou a sua inteira despreoccupação de tudo que não fossem interesses publicos e a sua completa e absoluta imparcialidade.
Esta verdade - a igualdade das condições do concurso e a imparcialidade absoluta do governo - é independente da boa ou má interpretação da lei.
Supponhâmos por um pouco que essa interpretação foi má; que os engenheiros a quem se mandou fazer o projecto definitivo, não sabendo o que isso era, deram como tal uma cousa diversa, e que o governo errou com elles; é claro que o erro, ou favoravel ou prejudicial aos concorrentes, era igualmente favoravel ou prejudicial para todos, não só destruindo por isso a igualdade e a imparcialidade que a vossa commissão affirma.
Tem-se notado que houvesse e se manifestasse pressa em se fazer a adjudicação; que a commissão especial para examinar o processo do concurso fosse nomeada a 28 de março, desse parecer a 5 de abril, que ajunta consultasse no dia seguinte, que o processo fosse logo enviado á procuradoria geral da corôa, com a nota de urgencia, que a procuradoria respondesse no dia 9, e que n'esse mesmo dia se reunisse conselho de ministros e se ordenasse a adjudicação.
A rasão do facto é simples; é que o artigo l5.° do decreto do concurso mandava que o processo do mesmo subiria ao governo, que resolveria dentro de quatorze dias, disposição identica ou analoga á de outros decretos da mesma natureza, e determinada pela attenção em que se devem ter os interesses dos concorrentes, para uns poderem levantar os seus depositos, para outro poder, sem perdas de tempo, começar a obra que se lhe adjudicava.
Agora os factos posteriores.
Em conformidade com o artigo 9.º do decreto de concurso o adjudicatario apresenta ao governo, dentro do praso de noventa dias, a 25 de junho, o projecto completo para a execução de todas as obras; n'esse projecto propõem-se algumas modificações ao que tinha servido de base ao concurso.
O governo manda informar a direcção das obras do porto de Lisboa, indo depois todo o processo do projecto com essa informação á commissão especial, subindo com o parecer d'esta á junta consultiva.
A direcção dá parecer muito favoravel á proposta do empreiteiro; a commissão e ajunta rejeitam muitas modificações e consultam a favor de algumas, sendo uma d'estas a substituição do systema de fundação dos muros de caes, indicado no projecto de concurso, pelo que o empreiteiro apresentou logo na occasião do concurso, na memoria que acompanhava a proposta.
O governo conformou-se com o parecer da commissão e da junta, approvando o que ellas approvavam, rejeitando o que não julgavam bom; é de 6 de agosto a portaria em que se exprimo essa conformidade.
A portaria á censurada na imprensa, e o governo ordena, por outra de 16 de dezembro, que a commissão especial que formulou as bases para o concurso das obras do porto de Lisboa, que examinou as propostas offerecidas n'esse concurso, e que deu parecer sobre o projecto definitivo apresentado pelo adjudicatario, informe sobre os tres quesitos d'essa portaria, transcripta na exposição de factos.
O governo quiz com justo motivo que o publico ouvisse as rasões que uns tiveram para aconselhar, que foram as que elle teve para resolver.
O empreiteiro propoz a substituição de um systema de fundação de muros por outro em nome do direito que a esse respeito se tinha declarado o evidenciado a todos nas condições do programma, na memoria do projecto e nas observações nos desenhos; o governo consultou em nome do "eu dever; os technicos, e estes numerosos, e de todos os partidos, uns auctores de obras especiaes sobre portos de mar, outros ministros d'estado honorarios de um partido adverso, todos respeitaveis e respeitados, responderam em nome da sciencia; e o governo, na divergencia da opinião de um com a de muitos, seguiu a d'estes, que eram tambem os mais rigorosos para o empreiteiro.
Revelam-se nas respostas dos technicos as rasões que tiveram para as liberdades, que, dentro do tempo e limites determinados, deixaram aos concorrentes; mostra-se nos seus calculos que os lucros da empreza só poderão ser conquistados pelo empreiteiro sobre a sua propria experiencia, habilidade e methodos particulares de trabalho.
Na discussão parlamentar da lei de cuja execução se trata, dizia o sr. Elias Garcia: "Simplesmente posso dizer que desejo que os poderes do estado, quando hajam de adoptar o projecto definitivo, se inspirem na opinião das pessoas e das estações competentes, e que se inspirem n'essas opiniões, quer pelo concerto dos pareceres que ahi se manifeste, quer pela contradicta, porque a contradicta contribuo muito para esclarecer os espíritos dos que administram superiormente".
Nunca conselho tão judicioso foi seguido mais á risca. Ao quesito 25.°, respondeu se por unanimidade que os actos resolutivos do governo na adopção do projecto que serviu de base ao concurso, na adjudicação das obras ao empreiteiro Hersent, e na approvação dos projectos por este apresentados, "foram sempre conformes com os pareceres das estações consultivas para isso ouvidas"; e a vossa commissão não sabe nem que um governo tenha outro meio de dar provas mais evidentes de zêlo pelo bem publico, nem que outras cautelas de reflectida e escrupulosa prudencia possa tomar a favor dos interesses, cuja guarda e cuja defeza lhe são confiadas.
Seria de um pessimismo, remotissimo de toda a justiça e de todo o bom senso, suppor, por um momento que seja, que, do mesmo modo que se envenena uma fonte, assim os conselhos da sciencia desceram até ao governo, fôra e longe das inspirações da consciencia de tantos, das leis da justiça e do decoro; não póde por outro lado exigir-se-lhe que se
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desviasse d´esses conselhos, porque então o governo seria ao mesmo tempo culpado do imperdoavel leviandade e de criminosa arrogancia.
Senhores, vae longo este trabalho, e deveis estar causados de factos; factos expostos na primeira parte, em narrações minuciosas e em longos extractos; factos na segunda, n'uma analyse levada a todos os pontos em que o assumpto se podia scindir; factos ainda agora, quando se esperariam talvez conceitos e argumento, as considerações agradaveis de uma philosophia facil.
Cansâmos-vos tanto expondo os factos, pelas tres fórmas por que se podiam expor, na sua longa serie, na consideração do cada um d'elles, e na sua maior unidade, porque, se argumentos podem derribar argumentos, se es conceitos podem impressionar, só os factos, completa, ordenada e fielmente apresentados, fazem resaltar d'elles para o espirito a luz da evidencia, necessaria e impresicindivel para as convicções.
É dos factos que a vossa commissão tira as conclusões seguintes:
l.ª Que foi legitima a interpretação que se deu á lei de 16 de julho de 1885, nos diversos actos derivados d'ella para a sua execução.
2.ª Que as condições do concurso foram iguaes para todos, largamente publicadas, com uma publicidade tal que quem quizesse as podia com facilidade conhecer completamente, e que perante os concorrentes ou os que tivessem pretendido sel-o se guardou absoluta imparcialidade, fazendo-se a adjudicação a quem se podia e era util fazel-a; e sendo as affirmações d'esta conclusão independentes da primeira.
3.ª Que depois da adjudicação feita as propostas de modificação do projecto do concurso apresentadas pelo empreiteiro o foram em virtude de um direito; que a approvação de umas e a rejeição de outras estava no mesmo caso; e que, alem d'isso, houve, e se demonstrou no procedimento do governo, o zêlo pelos interesses publicos e a prudencia no modo de os considerar e de resolver.
Estas conclusões resume-as a commissão affirmando a completa regularidade dos differentes actos administrativos, referentes á abertura do concurso, adjudicação o approvação definitivas dos projectos das obras do porto de Lisboa, sobre os quaes a commissão recebeu o mandato de inquirir.
Sala da commissão, 30 de abril de 1888.= Eduardo J. Coelho = Vicente R. Monteiro = Augusto Pinto de Miranda Montenegro = José da Cunha d´Eça Azevedo = Francisco J. de Medeiros = Luiz de Mello Bandeira Coelho = José Maria Barbosa de Magalhães = Antonio Maria de Carvalho = José Domingos Ruivo Godinho (vencido) = Antonio Eduardo Villaça = Pedro Victor da Costa Sequeira (vencido, reservando-se o direito de apresentar perante a camara e a commissão parecer especial) = José Elias Garcia (vencido, referindo-se á declaração consignada na acta) - José Gonçalves Pereira dos Santos (vencido, referindo-se á declaração consignada na acta) = Julio de Vilhena (vencido, com a declaração do sr. Pedro Victor) = José Frederico Laranjo, rector.