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Discurso que devia ter sido transcripto a pag. 1160, col. 3.ª, lin. 27 do Diario de Lisboa, na sessão de 3 de maio

O sr. Matos Correia: — As poucas palavras que, em consequencia de dar a hora, pude proferir na sessão antecedente, tiveram por objecto levantar algumas expressões em que o nobre relator da commissão manifestou a opinião singular de que as nossas colonias têem pequeno valor actual; e ainda mais de que não são susceptiveis de progresso e desenvolvimento futuro.

No pouco tempo que me pude occupar do assumpto procurei demonstrar, que o estado estacionario em que se conservou a provincia de Angola, durante o espaço de perto de trezentos annos, fóra devido ás condições especiaes da sua existencia; condições que não tendo variado sensivelmente n'aquelle longo periodo, encerraram o seu desenvolvimento em limites constantes e restrictos.

Todos sabem que as» povoações crescem, param ou se definham, segundo o estado progressivo, estacionario, ou retrogrado das causas que as determinam, do grupo das circumstancias que constituem a sua rasão de ser; citarei para o provar, se tanto é necessario, algumas das nossas antigas colonias da America; citarei como exemplo o Ceará e o Piany; os estabelecimentos que ali formámos cresceram no seu começo rapidamente, depressa chegaram ao apogeu, e foram constituidos em governos geraes; estacionaram logo depois; e hoje acham-se muito abaixo da importancia que tinham no momento em que se verificou a separação do Brazil. Factos d'esta ardem observam-se por toda a parte.

A provincia de Angola, considerada economicamente, não foi mais do que uma vasta feitoria, do que um aggregado de estabelecimentos quasi exclusivamente commerciaes, durante o longo periodo que medeiou entre a creação das primeiras povoações que fundámos na costa occidental de Africa ao sul do Zaire, e a data da extincção legal do trafico da escravatura. Digo intencionalmente a extincção legal, porque o trafico clandestino continuou bastante tempo com grande intensidade, e ainda hoje é minha opinião que não cessou inteiramente, como muito convinha aos interesses da colonia, á dignidade nacional, e ao bem da humanidade. Como grande feitoria, como grupo mais ou menos desenvolvido de estabelecimentos commerciaes, a sua extensão e importancia achou-se sempre comprehendida nos limites que lhe traçavam as leis geraes economicas da procura e da offerta. A absorpção dos braços escravos na America não era illimitada, nem tambem o podia ser o numero dos escravos que afluiam do interior aos mercados do litoral. Limitada assim a extensão do commercio, a povoação que elle exclusivamente alimentava, não podia deixar de conservar-se circumscripta nos mesmos limites, a menos que novas fontes de producção e riqueza se não abrissem á sua actividade; a menos que explorações de natureza diversa não derivassem e ampliassem o emprego dos capitães e da intelligencia dos colonos.

Com a extincção do trafico, a população europea movel, essencialmente commercial, ou havia de procurar em outra parte emprego á sua actividade e capitães, abandonando a colonia, ou continuar no mesmo trato clandestinamente, ou, finalmente, lançar-se em caminhos novos ou pouco explorados até então, por menos lucrativos. A colonia resentiu-se d'esta transição brusca e forçada; algumas casas commerciaes passaram ao Brazil, outras continuaram o commercio da escravatura, affrontando os riscos inherentes a este contrabando immoral, e a parte mais permanente da população, alargando para o interior o campo das suas especulações, conseguiu trazer ao mercados quantidades maiores dos productos exportáveis, que durante o periodo anterior figuravam na exportação como objectos secundarios. A riqueza da provincia diminuiu consideravelmente, e continuaria a declinar, se a exploração directa de riquezas agricolas e minerarias do solo não viessem pouco a pouco, mas sempre progressivamente, como é da sua natureza, encher o vasio que deixara a extincção do commercio dos escravos.

Mas perguntar-se-ha naturalmente: «Emquanto o trato foi livre e a colonia se conservou estacionaria, não estavam patentes e ao alcance de todos a fecundidade do solo e as suas riquezas minerarias?» Estavam certamente; mas á sua exploração sufficientemente productiva e compensadora do trabalho, oppunham-se difficuldades graves, devidas a causas geraes e permanentes. Estas causas não cessaram inteiramente, mas variaram em grande parte por effeito dos esforços constantes e generosos que nos ultimos tempos têem sido empregados em toda a parte no sentido da extincção total da escravidão.

A primeira e principal difficuldade que tem obstado á exploração da terra nas nossas provincias africanas, tem sido a insalubridade de todas ellas, e ainda mais a circumstancia notavel e excepcional na especie humana de não propagarem as raças europeas sufficientemente em toda a extensão do continente africano que fica comprehendido entre os tropicos; phenomeno que aliás se verifica igualmente com relação a algumas raças de animaes. Este facto importantissimo, cujas causas até agora não têem podido ser conhecidas, não permitte á colonisação africana seguir os mesmos caminhos, nem tomar as mesmas feições e rapido incremento que se observa, com admiração e assombro, na America e na Australia. Estas difficuldades, que infelizmente são permanentes e se oppõem na Africa á exploração da terra pela acção directa dos braços europeus, não obsta todavia nem foi nunca a rasão principal de se desprezar a cultura dos generos de exportação.

A rasão principal foi então, e é agora, uma rasão da ordem economica. Os generos ditos coloniaes, que alimentam quasi exclusivamente o commercio da America, dão-se com igual facilidade e abundancia na Africa; os gastos da producção variavam porém consideravelmente entre os dois continentes. Na Africa, á falta de uma população sedentária sufficientemente illustrada, que nunca se pôde ali desenvolver, por effeito das causas que já indiquei, juntava-se a difficuldade de se poderem obrigar os escravos a trabalhos duros e permanentes, como a cultura requer, pela facilidade que estes tinham de abandonar os senhores, fugindo para o interior. Na America o desenvolvimento das raças europeas foi rapido, como todos conhecem; as povoações sedentárias e agricolas formaram-se e cresceram por toda a parte, e os escravos, fóra do seu paiz natal, sem meios possiveis de evitar a acção dos senhores, resignaram-se ao trabalho.

As consequencias necessarias d'estas causas reunidas foram o menor valor dos gastos da producção na America, comparados com os gastos necessarios a producções similhantes na Africa, e não poderem por isso os productos coloniaes d'este continente competir com os do outro nos mercados da Europa. A Africa foi pois, como não podia deixar de ser, o mercado dos braços, e a America o paiz da colonisação europea.

A extincção da escravidão veiu agora alterar profundamente as condições economicas da producção nos dois continentes; por effeito d'ella faltam, ou quando menos rareiam já na America os escravos que a alimentavam, ao passo que na Africa, tendo cessado a emigração forçada, começam os emprehendedores da exploração do solo, quer agricola, quer mineraria, a encontrar, sem difficuldade, e por baixo preço, os braços de que carecem. A estas circumstancias, devidas tão sómente á extincção do trafico, e que eram bastantes para fazer pender, a favor das nossas colonias actuaes, as facilidades necessarias á producção util, juntaram-se ultimamente, no Brazil, a immensa mortalidade dos escravos, produzida pela choleramorbus e a febre amarella, calamidades até então ali desconhecidas; e nos Estados Unidos a guerra civil desastrosa e esterilisadora, que todos deplorámos. O assucar, o café, o algodão, e o tabaco, podem hoje extrahir-se do solo africano, em condições economicas muito mais favoraveis do que sendo extrahidas da America. A cultura d'estes riquissimos generos de exportação começa a desenvolver-se de uma maneira esperançosa na provincia de que nos occupâmos. Variaram assim as suas condições de existencia, e hoje assentam em bases solidas e progressivas.

Pela mutação das condições economicas, que temos esboçado rapidamente, a provincia de Angola estacionaria por alguns seculos, torturada depois pelas difficuldades de uma transição rapida e difficil, entra finalmente em um caminho natural de desenvolvimento crescente, e abrem-se á sua prosperidade novos horisontes, tão largos quanto são vastos, os sertões agrestes e inexplorados do immenso continente em que se acha collocada.

O nobre relator da commissão tocou tambem por incidente uma das questões mais graves da nossa economia colonial, a questão do trabalho; e pareceu-me que s. ex.ª se inclinava a resolve-la no que respeita á provincia de Angola, pela continuação da escravidão, ou quando menos pelo trabalho obrigado imposto aos indigenas, o que julga ser mais proprio meio de os civilisar e de se obter mais rapidamente a utilisação do solo.

Permitta-me o meu nobre amigo e distincto collega, que eu desde já me declare em desaccordo completo com as suas idéas n'esta parte, e permitta-me tambem que lhe diga que tenho a convicção profunda de ser acompanhado n'esta manifestação pela grande maioria dos nossos collegas, pelo paiz que nos ouve e pela Europa, empenhada como nós no progresso moral da humanidade.

S. ex.ª para provar que o progresso n'esta parte carece de ser lento para ser seguro, disse que = ha cem annos ainda se vendiam francezes em París! = Não sei se o collega se engana? Parece-me que sim. O que sei porém com inteira certeza, é que os nossos maiores, os habitantes do solo abençoado que nos coube em sorte na partilha do universo, não foram escravos em tempo algum. Os compatriotas e seguidores de Viriato, na luta gigante e generosa que sustentaram contra a primeira potencia d'essa epocha, não eram escravos; as hostes de Sertório que por mais de uma vez viram abatidas diante de si as águias orgulhosas de Roma, não se compunham de escravos; os companheiros de Affonso Henriques e dos seus gloriosos successores quando formaram e alargaram a casa portugueza, não eram escravos. Nunca os habitantes d'esta terra deixaram de ser livres.

Não é pois a escravidão uma phase inevitavel da vida da humanidade. Em toda a parte aonde tem existido como base social, tem sido tão sómente o effeito da força, do egoismo brutal, e do desprezo de todos os principios generosos, sacrificados ao interesse pessoal. A exploração do homem pelo homem não é felizmente caminho necessario para passar da barbaridade á vida culta, á civilisação adiantada, á perfectibilidade possivel.

A questão do trabalho na Africa é uma questão de civilisação; eleve-se o nivel moral dos povos indigenas que ali formam parte da nossa nacionalidade e a questão ficará resolvida.

Na ultima sessão da camara transacta disse um dos primeiros ornamentos d'esta casa, o ministro que então era das colonias, que a passagem da escravidão para a liberdade não se tinha verificado directamente, mas sim passando pelo intermedio da servidão; ao que juntou em um áparte o meu illustre amigo o sr. deputado por Salsete, que entre a servidão e a liberdade se encontrava ainda o feudalismo. É certo que na civilisação antiga e pagã figurava a escravidão como elemento indispensavel da organisação social; tambem é certo que a servidão existiu na Europa em larga escala, e ainda não terminou inteiramente, apesar dos esforços empregados ultimamente na Russia com esse fim; tambem sabem todos que o regimen feudal se generalisou durante a idade media na maior parte da Europa. Estes factos porém não formaram em parte alguma os anneis de uma cadeia ligados inevitavelmente entre si; são factos independentes e isolados provenientes de circumstancias varias e necessidades especiaes dos povos e dos tempos em que nasceram e existiram; não são leis immutaveis; não são caminho que a humanidade tenha de trilhar inevitavelmente no seu progredir incessante. A sociedade portugueza não passou por estas phases ou gradações successivas. A escravidão, a servidão e o feudalismo não foram em tempo algum elementos do nosso viver social.

Antes de entrar directamente no exame do contrato que se discute, permitta-me a camara que eu junte ainda algumas palavras ao que disse com relação á importancia das colonias que possuimos na Africa.

No relatorio sobre o estado das provincias ultramarinas apresentado na ultima sessão da camara transacta, e logo nas primeiras linhas, diz o distincto ministro que então tinha a seu cargo os negocios das colonias: «Quando a electricidade e o vapor fazem desapparecer as distancias e os estorvos inherentes; quando da moderna civilisação se pôde dizer o que de um mero symbolo fabularam os antigos, vires aquirit eundo, porque de hora para hora accelera o movimento tirando de cada progresso realisado novo grau de velocidade; quando emfim já nos avizinhamos á convivencia das mais cultas nações, tendo para nos avantajar uma posição geographica excepcional e uma successão de escalas maritimas como predestinada; não será certamente desconcerto da phantasia prever a epocha, talvez menos remota do que se pensa em todo o Portugal, tornado a bem dizer contiguo ao porto de Lisboa pelas suas vias ferreas e rede de estradas, se faça uma vasta metropole, e os amplíssimos territorios ultramarinos se tornem suas condignas provincias, mais adiante lê-se Portugal, metropole de um rico imperio ultramarino, parecerá, acaso alvo demasiadamente afastado, ou proposito em extremo ambicioso? Permitti-me te-lo em conta de muito possivel por muito natural. E não só é natural senão de ha muito previsto.»

O nobre ministro no anciar ardente do seu coração pelo engrandecimento da patria, nos vôos da sua imaginação poetica, vê as provincias africanas transformadas em um imperio vastissimo de que só será condigna capital todo o reino, convergindo e concentrando-se nas margens do Tejo pela acção dos caminhos de ferro, dos fios electricos e das mais communicações faceis e multiplicadas. Agora uma voz não menos auctorisada, o nobre relator da commissão, diz