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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado José Dias Ferreira, na discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa, proferido nas sessões de 16, 17, 18 e 19 de agosto do corrente anno.

Sessão de 16 de agosto, pag. 220, col. 2.ª

O sr. Dias Ferreira: — Sr. presidente, cabe-me a palavra em occasião desfavoravel. Está a bater a hora em que termina a sessão. Ainda assim aproveito-me da benevolencia de v. ex.ª e da camara, para durante os minutos, que faltam até se encerrar a nossa sessão, apresentar algumas considerações sobre o assumpto que se debate.

Começo por fazer a leitura da minha moção de ordem.

O simples enunciado da minha moção convence a camara de uma maneira clara, explicita e terminante do pensamento fundamental do meu discurso. Proponho-me tratar uma questão de principios, uma questão eminentemente politica, de interesse geral, que póde ter toda a largueza no debate. Não venho discutir uma questão pessoal, nem envolver me n'um duello com o sr. presidente do conselho, como se tem espalhado.

Até hoje ainda não provoquei ninguem a duello, e muito menos o faria n'esta assembléa, aonde temos obrigação todos de ser contra os duellos, que são prohibidos pela nossa legislação penal.

Se a circumstancia de um deputado se comprometter no uso liberrimo dos seus direitos, e no pontual cumprimento de uma obrigação impreterivel, a tomar estreitas contas a um gabinete ou a um dos srs. ministros, por haver attentado contra alguma das liberdades individuaes ou publicas, significa duello parlamentar, não ha questão nenhuma que se aprecie e resolva no campo da discussão politica, que não possa ter caracter de duello entre o deputado que accusa e o ministro que se defende (apoiados).

Deploro este modo de amesquinhar muitas vezes os graves assumptos da governação do estado, pretendendo-se inverter em questões puramente individuaes, em questões

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meramente pessoaes, questões do mais elevado interesse publico (apoiados). É uma questão de principios que eu vou discutir. Não trato hoje de defender os direitos dos eleitores de Arganil, nem os direitos dos eleitores d'este ou d'aquelle circulo, venho discutir primeiro que tudo o parecer da illustre commissão de resposta á falla da corôa, collocando-me ao lado d'aquelles que querem desaffrontadas as liberdades publicas, em vez do systema anarchico e reaccionario da prevenção administrativa. Pertenço á escola dos que querem a repressão energica, a repressão legal contra todos os attentados e desacatos á magestade da lei, mas que negam á administração a arma perigosa e os poderes discricionarios d'uma prevenção illegitima, especialmente na occasião em que o paiz é chamado a pronunciar o seu voto no acto eleitoral (apoiados).

Esta é a minha questão, o meu intento e o meu exclusivo proposito.

Poderá alguem estranhar que a camara deixe prejudicar as discussões de assumptos fazendarios com a apreciação de uma questão politica. Tem chegado quasi a ser moda o declarar-se que primeiro que todas as questões está a questão de fazenda.

Como a hora está a bater, reservo para ámanhã o fazer algumas considerações sobre o deploravel systema que se está proclamando, de que se deve tratar unicamente das questões de fazenda e de administração, descurando inteiramente as questões politicas.

E se porventura se quer significar por este modo que as questões de fazenda e de administração podem prevalecer sobre as questões de liberdade individual, protesto contra similhante doutrina.

Declaro a v. ex.ª e á camara que prescindo completamente da organisação da fazenda e da organisação da administração no dia em que vir por esse motivo algemar as liberdades publicas (apoiados).

Desgraçadamente não está na tela do debate nenhuma questão de fazenda, nem de administração. Por infelicidade nossa está apenas renovada a iniciativa de algumas propostas de lei, que o governo apresentou á camara na sessão passada. Aquellas medidas que haviam de vir para serem apreciadas depois da discussão do orçamento, a fim de se regular a situação da fazenda publica, como o sr. presidente do conselho prometteu na sessão de 1 de junho, ainda não vieram!

Tenho lido todas as propostas que o governo tem apresentado, e todos os projectos que têem saído do poder das illustres commissões, e creio que nenhum d'elles vale a pena de occupar por muito tempo a attenção dos representantes do povo. Mas ainda que a mesa e a camara estivessem cheias de trabalhos d'esta ordem, declaro a v. ex.ª que não prescindia por circumstancia alguma de tratar da questão das liberdades individuaes e das liberdades publicas (muitos apoiados), porque as não quero algemadas nem sacrificadas por pretexto algum, nem ainda com o especioso pretexto de nos occuparmos de questões de fazenda e de administração (apoiados).

O primeiro direito que os povos têem conquistado aos governos é o direito das liberdades individuaes (apoiados). Ainda assim, um ministro da corôa declara n'esta assembléa sem estremecer, como declarou ha pouco o sr. presidente do conselho de ministros, que tinha mandado prohibir as conferencias do Casino, quando no nosso paiz o que não póde discutir-se é a pessoa do rei, que é inviolavel e sagrada.

Até assumptos religiosos podem ser discutidos, com tanto que se respeite a religião do estado, e não se offenda a moral publica!

Quero amplissima liberdade de discussão, e quem abusar responderá pelos excessos de palavra ou de escripta nos termos da carta e mais leis regulamentares.

Pois nós podemos serenamente, a pretexto de que se trata da organisação da fazenda e da administração, deixar ir caminhando a passos largos a reacção acobertada e envolvida n'este pretexto especioso e altamente attentatorio da liberdade individual? É impossivel (apoiados). Havemos de discutir, quer o queiram, quer o não queiram os governos reaccionarios, as questões que são base e condição fundamental do systema que felizmente nos rege.

Na minha opinião não é possivel nem decoroso estar a todos os momentos a proclamar a necessidade de nos occuparmos exclusivamente das questões de fazenda e de administração, prescindindo do exame de assumptos mais graves, que fazem a honra do um povo livre, que nobilitam a sua civilisação, o seu progresso e o seu desenvolvimento. Seria decretar a morte do systema representativo o deixar morrer essas questões, sacrifica las, passar de leve sobre ellas, e estabelecer a barbara doutrina de que as questões de fazenda estão primeiro que todos os outros assumptos, que prendem com os direitos individuaes, com os direitos que vem da natureza humana, a que muitos escriptores chamam divinos e sagrados. (Vozes: — Muito bem.)

Eu, como já declarei a v. ex.ª e á camara, vou discutir primeiro que tudo a resposta á falla do throno. Hei de discutir os acontecimentos, que tiveram logar na ultima luta eleitoral n'um circulo onde tive a honra de nascer, e que já me honrou duas vezes com os seus seus votos, mas hei de discuti-los, como discutiria os interesses dos eleitores de um circulo aonde não conhecesse ninguem, aonde não tivesse parentes, nem bens, nem relações algumas pessoaes. Cada um dos membros d'esta assembléa é representante, não do seu circulo unicamente, mas dos interesses geraes da nação (apoiados); é representante do paiz inteiro. Não póde estranhar-se por isso que qualquer deputado tome a seu cargo a defeza dos direitos, que os povos tinham a exercer n'uma occasião solemne e grave, como é aquella em que são chamados os eleitores a conferir o mandato a quem ha de defender os seus interesses na assembléa reunida dos representantes da nação.

V. ex.ª vê pois que eu colloco o debate na altura dos interesses geraes, como realmente o devo collocar. Não provoco questões pessoaes com ninguem. Nunca as provoquei; mas, se a questão pessoal é precisa para dar outra direcção ao debate, tome cada qual a responsabilidade da direcção, que lhe der, sem fugir ao assumpto principal.

Eu não evito as questões que me propozerem, qualquer que seja a sua natureza.

Pela minha parte hei de aceitar a questão no terreno em que a collocarem, mas hei de trata-la com a seriedade, com a gravidade e com a placidez devida á minha dignidade de homem, e ao respeito que me merece a assembléa dos representantes do paiz, ainda que se estabelece agora a jurisprudencia de que quem tem um animo irrascivel e costuma a apaixonar-se nas lutas politicas, deve ser preso para indagações (riso).

Sem me comprometter a que não me hei de apaixonar n'esta discussão politica, posso todavia comprometter-me com v. ex.ª e com a assembléa a que da minha bôca não sairá palavra que proxima ou remotamente possa ir ferir corporação ou individuo, ainda que seja o meu mais encarniçado inimigo.

Bem estimava eu o ter em subido grau a qualidade de me apaixonar, e sobretudo nos debates, porque a paixão, irmã germana do enthusiasmo, constitue com elle o verdadeiro caracteristico do orador politico.

Confesso a v. ex.ª e á camara, que eu tenho os mais vivos desejos de poder ser orador distincto e agradavel, não só aos que me ouvem, mas principalmente a mim mesmo, ao meu sentimento, e ao meu coração.

Começo por deplorar que o governo não tivesse trazido á camara os documentos indispensaveis para apreciar na discussão da resposta ao discurso da corôa, a sua gerencia financeira, e a das administrações anteriores, e tanto mais que lhe foram pedidos os respectivos documentos, pelo ministerio da fazenda na sessão passada e n'esta. É preciso continuar a publicação dos contratos de supprimentos pro-

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visorios, que está interrompida desde 2 de abril de 1868. Desde esta data não se tem publicado na integra os contratos dos supprimentos provisorios contrahidos dentro e fóra do paiz, como era absolutamente indispensavel para avaliar a gerencia financeira de cada um, e fazer justiça a todos (apoiados).

Não comprehendo como o sr. presidente do conselho fez ha dias uma allusão desfavoravel á gerencia de uma certa administração, a que hoje se referiu tambem, indicando mesmo ao publico o preço por que se tinham feito alguns supprimentos, sem ao menos ter trazido á camara os documentos que indicam o preço por que tinham sido feitos iguaes supprimentos, e se tinham negociado tambem operações financeiras por aquelles que se achavam exactamente na mesma posição e nas mesmas circumstancias.

Eu posso dar conta da minha gerencia financeira como ministro da fazenda em 1870. Sei-a de cór. Tenho os documentos em minha casa, com relação ao mez de junho, em que tive a honra de gerir aquella pasta. Desejo que venham á camara os contractos de operações por mim negociadas sem receio do parallelo com os actos dos meus antecessores ou dos meus successores, a cujo zêlo pela justa distribuição dos impostos, e pela boa arrecadação dos dinheiros publicos, faço aliás inteira justiça.

É provavel que depois de ter rompido a guerra entre a França e a Prussia, as operações financeiras estivessem mais caras, e o dinheiro se não levantasse senão a juro alto, porque desde julho de 1870 até quasi ao fim do anno não estavam os mercados nacionaes e estrangeiros nas condições de prosperidade, em que hoje se encontram.

É certo que durante todo este tempo, isto é, desde abril de 1868, ainda ninguem trouxe á camara os documentos necessarios para se conhecer bem a gerencia financeira de tão longo periodo, o que era aliás indispensavel para se apreciar com inteiro conhecimento de causa a situação da fazenda publica. E eu desejava por vantagem publica que viessem os contratos, na integra, de todos os supprimento provisorios feitos dentro e fóra do paiz, para occorrer á despeza ordinaria e extraordinaria do estado, durante aquella epocha.

No Diario do governo de hontem vi eu publicada uma nota da divida fluctuante com a media dos encargos que ella custa, e já hoje o sr. presidente do conselho aqui disse que os encargos custavam termo medio 7 1/2 por cento. Eu acredito o que s. ex.ª disse, mas não percebi pela leitura do Diario qual era ao certo o encargo medio d'essas operações, porque no Diario falla-se da percentagem media dos encargos de juro, commissão, e corretagem, mas não se toma em conta um elemento muito importante, que é o encargo do cambio onde o houver. Vejo a percentagem media dos encargos do juro, commissão, e corretagens, mas não sei o preço dos cambios.

Ora o meu empenho n'esta parte limita-se a ser esclarecido; e era possivel e mesmo conveniente que todos estes documentos tivessem vindo á camara, porque então nós avaliariamos franca e devidamente a gerencia financeira das differentes administrações.

O sr. presidente do conselho pareceu ter duvida em declarar quem tinha negociado uma operação a 17 por cento de juro e 4 por cento de commissão; mas se tivessem vindo os documentos, elles o diriam sem necessidade das revelações de ninguem.

Em todo o caso o que eu posso asseversr á camara é que, segundo as circumstancias do mercado, póde uma operação a 10 por cento, por exemplo, ser mais cara do que outra a 17 (apoiados).

É necessario apreciar as circumstancias commerciaes em que as operações se fizeram para se averiguar a justiça com que o governo vem fazer alarde de uma vantajosa administração, unicamente porque o dinheiro está barato, e porque é facilimo obter recursos para o thesouro a baixo preço.

Por todos estes motivos, repito, parecia-me conveniente que o governo enviasse os documentos comprovativos dos supprimentos levantados pelas ultimas administrações, para se ver o preço por que as operações financeiras tinham sido realisadas, a fim de se conhecer não qual o ministro mais zeloso, porque acredito que todos o são igualmente, mas qual o que tinha podido obter melhores resultados, e que tinha sido mais feliz em attenção ás circumstancias (apoiados).

O actual gabinete, alem das condições economicas dos mercados, é o que se tem encontrado em mais favoraveis condições para negociar a preço rasoavel.

É mesmo natural que tenha sido feliz esta administração, que durante muito tempo viveu sem opposição, e que agora se acha com uma opposição pouco numerosa, e com a vantagem que não teve ainda nenhum governo, de votar as moções apresentadas pelos partidos politicos que, sem estarem identificados com elle, não querem todavia hostilisa-lo.

Na politica militante nada ha mais curioso do que apresentar um grupo politico uma proposta, por intermedio de um de seus membros mais distinctos, declarando que o governo nem realisa o seu programma, nem segue as idéas do seu partido, que o governo não é o seu representante, que o programma d'aquelle partido não é o do governo; e, apresentada a proposta, votarem-na todos, inclusivè o governo; e não ir o sr. presidente do conselho em seguida depositar as pastas em poder do chefe do estado para elle chamar aos seus conselhos o grupo, cuja moção vingou, sendo approvada quasi por unanimidade!

Tudo isto é novo e inaudito. É incomprehensivel similhante politica!

E por outro lado nem sequer se admitte á discussão uma proposta destinada a dar um voto de confiança ao governo!! (Apoiados.)

De tudo isto tenho eu deprehendido, sem querer devassar as intenções de ninguem, e respeitando as opiniões de todos os grupos politicos, que o governo tem a vantagem de estar ao abrigo dos grupos historico e regenerador, que lhe têem estendido a mão de protecção para o unico effeito de não o deixarem morrer ás mãos da opposição parlamentar.

Assim anda o governo n'um tormento constante e n'um supplicio enorme. A opposição accusa e aggride os srs. ministros, ninguem se levanta para os defender, conservam-se todos os seus amigos e alliados em silencio profundo; mas chegam as votações, que podem ser para elle de vida ou de morte, levantam-se os amigos e os alliados, benignos, prazenteiros e amaveis, e salvam o governo!! (Apoiados — riso).

Emquanto lhe percebem alguma vida, vão no amparando e auxiliando, até que elle, exangue e desfalecido, tenha de ir repousar no logar para onde vão os tristes mortaes, sem que os herdeiros do seu patrimonio, que o ampararam e lhe assistiram até á ultima, fiquem com elle na mesma valla! (Riso.) É um systema que póde ser politico, que póde aproveitar aos grupos, que se preparam para herdar o poder, mas que effectivamente não convem aos interesses do paiz (apoiados). É absolutamente indispensavel que todos nós tomemos a responsabilidade de uma situação politica definida. A opposição é verdadeira opposição ao governo, faz opposição politica, franca e intransigivel.

É por isso conveniente que, os outros grupos ou sejam do governo, ou o governo seja d'elles. É preciso que cheguemos a esta posição definida. O procedimento em contrario é verdadeira sophismação do regimen constitucional. Ou o governo ha de ser um representante verdadeiro dos grupos politicos, que o toleram, e que o estão amparando e salvando da morte, quando ella se lhe approxima, ou esses grupos hão de ser contra elle. É o que requer a vida constitucional.

A situação de um paiz não póde viver d'este doce amparo, d'esta triste consolação que tem por base o incerto e o indefinido.

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Tomar a opposição parlamentar uma attitude hostil e definida, collocando as questões politicas no terreno que lhe parece conveniente, o estarem os outros grupos guardando um silencio profundo, sem se collocarem ao lado do governo, e o governo votando-lhes as suas moções e as suas propostas, e nós todos vivendo n'esta santa paz e n'esta santa vida, que faz o nosso enlevo ha uns poucos de dias!!

Uma voz: — É uma paz armada.

O Orador: — Se é uma paz armada peior ainda, porque n'esta parte o governo foi franco. Leiam os illustres deputados o orçamento rectificado, e leiam mesmo o discurso da corôa, e ahi encontrarão a declaração franca do governo de que conta attenuar o deficit com mais algumas reducções nas despezas, e com o augmento provavel dos impostos actuaes, sem a promulgação de novas medidas legislativas!

Estas asserções são tão claras que todos as entendem; o que eu não entendi foram os encargos da nossa divida fluctuante, só pela conta publicada no Diario do governo, a que ha pouco me referi, mas a declaração de que não contemos com novas medidas n'esta sessão, comprehendia perfeitamente, e estou persuadido de que todos os illustres deputados a comprehenderam muito melhor do que eu. Nós não podemos dizer ámanhã, que o governo não foi franco; porque elle foi a este respeito franco e claro quanto é possivel se-lo nos assumptos politicos.

E provavelmente nenhum dos partidos politicos que o toleram aceita a declaração de que o deficit vae ser atenuado unicamente com algumas reducções nas despezas, com o melhoramento provavel dos impostos actuaes, independentemente da promulgação de novas medidas.

Como deu a hora...

Vozes: — Falle, falle.

Peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para ámanhã.

Vozes: — Falle falle.

Ámanhã continuarei.

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