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Discurso proferido na sessão de 12 de abril, e que devia ler-se a pag. 1126, col. 2.ª, lin. 94.ª do Diario n.° 85

O sr. Cunha de Barbosa: — Parece-me ter dito aqui em outra sessão, que algumas disposições de certo projecto me pareciam aceitaveis. Referia-me ao actualmente em discussão: mas tendo votado, como votei, contra a sua generalidade, poderei agora ser taxado de contradictorio pela camara: pois não fui! fui logico. As rasões de complicação (que se afiguraram no meu espirito) com a reforma, alterações e reducções das comarcas judiciarias e das parochias ecclesiasticas, além de outros motivos que omitto agora, me levaram a votar pelo adiamento; e se por elle votei era consequente a rejeição temporaria.

Dada esta explicação á camara, e respeitando, como me cumpre, a sua decisão, passo a dizer alguma cousa sobre

Sr. presidente, já Horácio o dizia e eu repito agora: Verum operi longo fas est obrepere somnum. Já se vê que considerando assim o projecto do nobre ministro do reino lhe não faço injuria; muito pelo contrario! Longe, bem longe de mim suppor em s. ex.ª intenções liberticidas em nome do principio de descentralisação que nos apresenta, e de que eu creio estar sinceramente compenetrado.

A parochia civil não me desagrada em theoria, como primeiro élo de administração, ou antes escola primaria de tirocinio (disse um illustre deputado), para formar e crear -homens aptos na gerencia dos cargos superiores do estado. Tudo isto é bello, mas por ora um mytho! Tenho graves apprehensões de que na pratica será de todo inexequivel, principalmente em muitas das parochias ruraes, onde por infelicidade ainda não ha pessoal habilitado, porque saber der (na verdadeira accepção).para o desempenho de importantes attribuições, não consiste em saber firmar meramente o seu nome; sendo, assim, onde fica aquella escóla de tirocinio, e principalmente sequestrado o parocho da ingerencia civil, que em alguma localidade ainda seria o unico mais habilitado a poder dar direcção!

Alem d'isso, agrupadas as freguezias para constituirem uma só parochia naquella em que preponderar a população e por consequencia o numero dos conselheiros, ahi se fará sentir a influencia e o mais directo beneficio da instituição; as outras serão bastardas, e teremos um conflicto, permanente, recusando-se mesmo a contribuir para beneficios de que não participarão com a necessaria igualdade, acontece exactamente o que tem succedido nos concelhos annexados...

Demais, o administrador de parochia (que corresponde ao actual regedor) é nomeado pelo governo d'entre os conselheiros eleitos, parecendo á primeira vista uma concessão ao principio electivo, trará todavia graves complicações, e direi mesmo incompatibilidade; não harmonisa de fórma alguma o dualismo de conselheiro ou presidente da parochia (onde delibera e exerce influencia) e de administrador ou regedor da mesma; se elle é o fiscal do governo junto ao conselho da parochia, como é o competente para fiscalisar os seus proprios actos? Isto é inconciliável, uma pura inversão, uma utopia!

Direi igualmente (e note bem a camara esta consideração que é ponderosa!) que no interesse e tendencias politicas de qualquer governo, esta nova instituição que deveria ser puramente administrativa, corre o grave risco de se converter em politica. O administrador gratificado, saindo dos eleitos, mas nomeado d'entre elles pelo poder central, a dissolução do conselho sempre impendente e arbitraria na mão d'aquelle poder, sem que ao menos seja ouvido! A commissão provisoria entre o acto da dissolução e a nova eleição por absoluta escolha do governo entre todos os contribuintes ou recenseados da parochia, não recaíndo, como era de rasão, entre os membros do conselho anterior, onde militava ainda a experiencia e o suffragio do povo (doutrina e praxe do codigo actual para o mesmo caso das camaras municipaes), tudo isto, sr. presidente, não poderá dar a esta instituição um caracter politico, não poderá ser mais uma arma terrivel eleitoral, dando em resultado graves perturbações e dissensões entre os povos, que já não eram poucas?! (Apoiados. — Vozes: — E verdade.)

Em summa, por inexequivel em partes, pela carencia de pessoal habilitado, e onde possa realisar-se, tendendo esta instituição a enfraquecer e debilitar a acção do municipio, cujo pessoal ás vezes não abunda, mas que distrahido ou repartido na parochia (que fica sendo outro municipiosinho) ainda mais se restringe, attendendo ás consideraveis despezas que traz comsigo, que os povos muito estranharão, difficultando tambem por esse lado os meios indispensaveis e extraordinarios que incumbem ás camaras pelo projecto; eu entendo que a parochia civil, pelo modo que se organisa é, pelo menos, intempestiva e inconveniente na conjunctura actual; oxalá que me engane, mas parece-me que difficilmente!

Esquecia-me: eu preferiria o administrador ou regedor, estranho a esse conselho, quando muito com voto consultivo. Sobre parochia ficarei por aqui n'esta occasião.

Sr. presidente, ha nos grandes acontecimentos humanos, nas revoluções, nas instituições, finalmente, em todas as cousas, uma certa cadeia que liga mais ou menos o passado com o presente e o presente com o futuro; esta cadeia ultima, se é mysteriosa para o vulgar dos homens, é todavia tangível e conhecida ás intelligencias privilegiadas, a ponto de parecerem ás vezes inspiradas do dom prophetico. A do passado com o presente é um pouco mais accessivel ás intelligencias vulgares, infelizmente como a minha.

O municipio, sr. presidente, o municipio, essa bella instituição que fôra implantada dos romanos (á similhança dos seus decuriones) para o nosso paiz, mas perfeitamente aclimatada, tem sido em todos os tempos — refugio dos fóros populares, fortes associações do homem de trabalho contra os poderosos, contra a manifestação violenta e absoluta do principio de desigualdade, e contra a annullação da liberdade das maiorias. — Alem de outras muitas, que fazem a mais brilhante pagina da sua historia de Portugal, aquellas são as unicas phrases do nosso primeiro historiador, o sr. Alexandre Herculano, que a commissão repete em seu relatorio, e que perfeitamente me servem!

O municipio, sr. presidente, era e deve ser entre nós uma instituição veneranda, porque n'elle residia o grande elemento politico e popular d'outras eras; elle constituia um braço distincto dos tres estados nas côrtes do reino; emfim tomava parte na confecção das leis, e mormente nas tributarias!

Afigura-se-me ouvir já a algum collega: «Mas que importa tudo isso? Nós temos a nossa representação nacional, e os municipios foram o que foram, e são o que sâo». Muito bem! Mas, sr. presidente, parece-me amesquinhar muito a sua importancia prohibir-lhes aquella preciosa regalia de petição que nem os governos absolutos lhes vedavam, porque as suas funcções se dizem hoje puramente administrativas!

A limitação d'este direito exclusivamente aos objectos de suas attribuições, além de summamente mesquinha, é inconcebivel! Pois tratando-se de uma lei geral economica, financeira, tributaria ou administrativa, como esta, será vedado ás camaras o que se permitte a todo o cidadão?! Essa lei, por ser geral, é que vae aproveitar ou affectar particularmente os interesses particulares de cada municipio; e sendo assim, porque não hão de as camaras poder emittir livremente a sua opinião, pró ou contra, se ellas tambem se devem presumir a expressão da parte pensante do municipio?! (Apoiados.)

Nós que exprimimos, segundo a opinião da maioria, a parte pensante do paiz, fazemos leia; os vereadores, digo eu, que se devem presumir a expressão pensante do municipio, avaliam e peticionam. Parece que nada ha mais justo, conforme e natural! E não será muito mais conveniente e menos perigoso dirigir a camara a opinião dos seus administrados, representar em seu nome, evitando-se por alguma vez os meetings da praça publica, que é possivel degenerarem em tumulto e desordem?

Sr. presidente, disse aqui um illustre collega, o sr. Sampaio: á Eu, cidadão administrado, não admitto essa latitude da camara representar em meu nome, porque lhe não passei procuração, porque não abdiquei». Concedamos que diverge da opinião da camara, e que tem por si o rigor do direito. Ainda assim, em que póde ficar prejudicado? Pois o cidadão, caso discordar, não lhe assiste igual direito de peticionar, de reclamar contra a camara. Não dizemos nós aqui a toda a hora que o melhor correctivo do abuso da palavra — da liberdade da imprensa — está na liberdade da palavra e da imprensa? Sendo assim, e ninguem prejudicado, porque se hão de restringir as prerogativas d'aquella veneranda instituição?!

Deu a hora, e para não cansar mais a attenção da camara, peço a V. ex.ª que me reserve a palavra para ámanhã.