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SESSÃO DE 6 DE MAIO DE 1885

Presidencia do exmos. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios- os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Angusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Dois officios do ministerio das obras publicas e um do da fazenda, acompanhando documentos. - Segundas leituras e admissão de dois projectos de lei.- Representações mandadas para a mesa pelos srs. ª Carrilho, Wenceslau de Lima e Lopes Vieira.- Declaração do sr. Rocha Peixoto.- Pareceres apresentados pelos srs. Figueiredo Mascarenhas e Frederico Arouca.- Explicações do sr. Luiz José Dias sobre a questão do beneplacito. - Parecer da commissão de guerra apresentado pelo sr. A. J. d'Avila.
Na ordem do dia continua a discussão, na generalidade, do projecto relativo ao orçamento rectificado e confine o seu discurso, começado na sessão anterior, o sr. Emygdio Navarro. - O sr. ministro da fazenda responde ao sr. Emygdio Navarro. - E approvada a ultima redacção do projecto de lei das reformas politicas.- O sr. Pereira Leite apresenta um parecer da commissão de legislação civil. - Entra na discussão do projecto o sr. Elvino de Brito, que apresenta uma proposta, ficando com a palavra reservada. - Dá-se conhecimento de um officio recebido do ministerio do reino com referencia ao fallecimento do ministro hespanhol, o sr. Alvarez Bugallal.

Abertura - Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada - 38 srs. deputados.

São os seguintes:- Agostinho Fevereiro, Albino Montenegro, Silva Cardoso, Pereira Corte Real, A. M. Pedroso, Santos Viegas, A. Hintze Ribeiro, Augusto Poppe, Barão de Ramalho, Conde da Praia da Victoria, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, E. Hintze Ribeiro, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Correia Barata, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Joaquim de Sequeira, Teixeira Sampaio, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, José Frederico, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, Simões Dias, Luiz Ferreira, Bivar, Luiz Dias, Manuel de Medeiros, Marçal Pacheco, Guimarães Camões, Pedro de Carvalho, Gonçalves de Freitas, Pedro Roberto, Sebastião Centeno, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Antonio Candido, Antonio Centeno, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Moraes Machado, Carrilho, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Elvino de Brito, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Francisco Beirão, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Franco Frazão, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, José Borges, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, José Luciano, Oliveira Peixoto, J. M. dos Santos, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Reis Torgal, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, M. J. Vieira, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Santos Diniz, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima.

Não compareceram á sessão os srs.:- Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Anselmo Braamcamp, Antonio Ennes, Pereira Borges, Jalles, Seguier, Fuschini, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Conde de Thomar, Cypriano Jardim, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Wanzeller, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Matos de Mendia, Silveira da Motta, Costa Pinto, Baima de Bastos, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Melicio, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, J. A. Neves, Amorim Novaes, Avellar Machado, Correia do Barros, Ferreira Freire, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Franco, Vicente Pinheiro, Visconde de Reguengos e Visconde do Rio Sado.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officio

1.° Do ministerio das obras publicas, remettendo 150 exemplares da conta de gerencia d'este ministerio, relativa ao anno economico de 1883-1884 e ao exercicio de 1882-1883.
Á secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, remettendo documentos para servirem de esclarecimento a commissão que tem por fim estudar es causas da crise agricola do paiz.
Á commissão de inquerito parlamentar sobre a crise agricola.

3.° Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Mariano de Carvalho, a informação prestada pela direcção geral da thesouraria ácerca dos encargos das operações realisadas com o comptoir d'escompte em virtude do contrato de 9 de maio de 1879.
Á secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Quando tive a honra de apresentar o projecto, que foi convertido na lei de 16 de maio de 1884, em virtude da qual foi o governo auctorisado a conceder definitivamente o edificio do extincto convento de S. Francisco e suas dependencias á santa casa da misericordia da cidade da Horta para construir um hospital, existiam em cofre para este sympathico fim 8:000$000 reis de differentes dadivas, tendo contribuido largamente para este resultado o muito valioso donativo mandado dar por Sua Magestade a Rainha.
A caridade publica tem continuado a proteger esta patriotica idea, e actualmente existem em cofre cerca de reis 12:000$000 Resolveu. pois, a santa casa da misericordia dar começo á construcção do hospital para a qual estão orçados os materiaes em 15:818$443 reis, e vem pedir-vos que auxilieis este meritorio emprehendimento de dotar o districto da Horta com um hospital, auctorisando o gover-

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no a conceder a isenção, dos direitos de entrada ao material, que vae importar para a sua construcção.
Fundado na justiça do pedido, tenho a honra de submetter a vossa elevada consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisado o governo a conceder, durante anno e meio, a datar da publicação d'esta lei, a isenção de direitos de entrada a todo o material que a santa casa da misericordia da cidade da Horta importar para a construcção do hospital, de que trata a lei de 16 de maio de 1884.
§ 1.° O governo, ouvidas as estações competentes, realisará a concessão, por meio de decreto publicado na folha official, no qual se declare circumstanciadamente a qualidade e a quantidade dos materiaes a importar e os direitos que, pela pauta geral, lhes corresponderiam. Quando quaes quer objectos importados não forem empregados na construcção do hospital, ficam sujeitos ao pagamento dos respectivos direitos.
§ 2.° A applicação do material importado será fiscalisada da pelo governo.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 5 de maio de 1885. = Antonio José d'Avila.
Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - A necessidade de acompanhar o movimento scientifico do seculo determinou a creação do curso superior de letras.
Em sessão da camara popular de 18 de abril de 1857 propoz um professor distincto da universidade a creação de cursos superiores, onde fossem ensinadas a historia, a geographia, a philosophia, a archeologia e a litteratura.
A opinião do governo e da commissão chamada a dar parecer foi inteiramente favoravel ao projecto.
Não era mesmo de esperar que fizesse outra cousa. Sobrevieram porem difficuldades, e as cortes fecharam-se sem converter em lei a proposta, que era mais que todas justa e urgente.
A generosidade real veiu então, e o nome do Senhor D. Pedro V vinculou-se para sempre a esse instituto scientifico. Aquelle nosso chorado monarcha cedeu da sua dotação um capital para se converter em inscripções, destinando-se os seus juros a fundação de tres cursos publicos, um de historia, outro de litteratura antiga e outro de litteratura moderna.
A benemerita obra do illustrado Rei era muito para iniciativa. Era, porem, pouco para complemento, e depressa se reconheceu que eram necessarias novas cadeiras para seguir mesmo de longe o progresso dos institutos analogos da Europa.
Dois annos depois o sr. Fontes Pereira de Mello, sendo ministro do reino, apresentou a proposta de lei para se augmentar o curso superior de letras com duas cadeiras, uma de philosophia transcendente e outra de philosophia da historia.
Foi essa proposta immediatamente convertida em lei, e cinco cadeiras ficaram constituindo o curso até 1878, anno em que se creou a cadeira de lingua e litteratura sanskrita, vedica e classica, e a de philologia ou sciencia de linguagem.
A organisação actual do curso superior de letras é esta. Ha ao todo sete cadeiras, que evidentemente o não tornam ainda adequado as necessidades da actualidade. Já isso havia sido ponderado na reforma apresentada pelo lente da universidade Antonio José Teixeira, antigo ornamento do magisterio portuguez. O relatorio do talentoso mestre e um trabalho de grande valia, que bem quereriamos resuscitar agora. Só com a sua conversão em lei ficariam quasi satisfeitas as necessidades do ensino, e ficaria tambem o nosso paiz collocado a par das mais adiantadas nações. Não ousâmos, porém, propor tanto.
As difficuldades financeiras tolhem iniciativas rasgadas, embora ellas sejam justos e necessarios emprehendimentos, e obrigam a avarezas mesmo no assumpto em que menos se deve regatear.
Assim não proporemos ampliar o novo quadro com as quinze cadeiras indicadas pelo douto professor.
Proporemos apenas a creação de uma cadeira, cuja falta constitue uma vergonha nacional perante o accelerado movimento scientifico do seculo.
Proporemos apenas a creação da cadeira de anthropologia, reclamada já no projecto de 1874, como uma necessidade instante, á similhança do que já então se praticava n'outros paizes. Não proporiamos apenas uma cadeira, se mais desafogadas fossem as circumstancias.
O seu assumpto e um corpo de doutrina, que constitue sósinho por assim dizer uma faculdade.
Comprehende todos os factos que derramara luz sobre o presente e o passado da humanidade, sobre a sua natureza, sobre o seu logar na serie organica, sobre a determinação dos grupos secundarios chamados raças, sobre os seus caracteres physicos, intellectuaes e moraes, sobre a sua origem, a sua filiação, as suas migrações, os seus cruzamentos; n'uma palavra, sobre tudo quanto constitue o seu estado social e a sua civilisação.
Ramificando-se em todas as direcções, todas as sciencias são suas tributarias.
Todas concorrem para tornar conhecido o estado presente da humanidade.
Isto porém não basta. A ordem actual das cousas não póde ser explicada senão pelo passado. Para se remontar a esses periodos anteriores, tem-se de consultar a historia inteira, e não só a historia politica, mas todas as historias, a litteraria, a scientifica, a philosophica, a artistica, a industrial, a commercial, a social, etc.
A historia, porém, não basta ainda. Os documentos positivos vão pouco alem da nossa era.
As tradicções e as historias convencionaes, que a critica tem modernamente julgado e condemnado, não alongam o periodo historico senão á custa da certeza. Então começam as historias esquecidas, relembradas apenas pelas pinturas da mythologia, e as velhas relações de povos stratificadas nas linguas.
A mythologia e a linguistica entram assim pela antiguidade dentro.
Mais longe, quando ellas se tornam impotentes, a paleontologia serve de guia nas trévas do passado, estudando os monumentos, as sepulturas, as industrias, todos os restos materiaes das epochas prehistoricas. Cada uma d'estas epochas e caracterisada por certos factos, por certos objectos, por certas industrias. Remontando assim de estação em estação, percorre a anthropologia toda a epocha quaternaria, fazendo a sua geographia politica. formula o problema do homem terciario e só pára nos dominios exclusivamente geologicos.
Ainda mesmo depois de conhecer tudo isso, que e commum ao genero humano, resta conhecer os seus grupos parciaes, as caracteristicas que os distinguem, os modos de ser de cada raça, os meios e as condições da vida.
São assumptos que constituem sciencias especiaes, a ethnographia, a ethnologia, a demographia.
Assim, a sciencia immensa, que ha pouco tempo tinha só incredulos, é reconhecida em toda a parte, e o seu ensino é tido por uma necessidade da civilisação.
Triumphando de todas as opposições mais ou menos apaixonadas, tornou-se finalmente sciencia especial, cultivada em congressos annuaes, demonstrada em museus notaveis e professada em cursos regulares. Começou-se por compendiar toda a anthropologia num curso só.
Cedo, porém, se reconheceu que todos aquelles grandes assumptos confiados a um professor não podiam comple-

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tar-se desenvolvidamente senão no fim de muitos annos, não se correspondendo assim ás necessidades do ensino.
O quadro alargou-se e hoje diversos cursos de sciencias anthropologicas são professados em Paris e n'outras cidades da Europa e da America.
Ainda há pouco tempo no congresso anthropologico que se celebrou n'esta cidade foi profundamente sentido que Portugal se não associasse mais de perto aos progressos da sciencia prehistorica, concorrendo mais proficuamente para o estudo completo do homem, que por toda a parte com fervor se emprehende.
N'esse intuito propozeram então alguns membros estrangeiros a fundação de uma sociedade portugueza de anthropologia e archeologia prehistoricas.
O conselho não chegou e deliberar, mas os sabios que aqui se reuniram voltaram aos seus paizes justamente convencidos de que essa sociedade brevemente se crearia em Portugal, visto como Sua Magestade o Senhor D. Luiz, comprehendendo todo o interesse d'aquelles estudos, prometteu tomar a iniciativa da sua organisação.
Os votos da sciencia, a que o monarcha se associou e a que se associam por certo todos aquelles que desejam ver florear Portugal nas festas universaes da intelligencia, cumprem-se em parte com a creação de um curso especial, que é emprehendimento seguramente mais facil e economico do que a organisação de uma sociedade.
Não proporemos nós agora para Portugal mais do que uma cadeira, na qual se professe a geographia, a anthropologia e a ethnologia prehistoricas.
A linguista tem já o seu ensino especial, e a ethnologia entra parte d'ella nos dominios de outras cadeiras já instituidas.
Na nova tratar-se-há sómente do que toca á prehistoria e servirá assim de introducção indispensavel á historia universal e á philosofia da historia, assumptos já de si bastante grandes para não caberem bem em duas cadeiras só.
Por isso, tendo o professor de prescrutar as origens do homem primitivo e das raças prehistoricas, de fazer as suas classificações e de traçar o quadro da sua distribuição no globo, poderá acertadamente intitular-se a nova cadeira de anthropologia e archeologia prehistoricas, por ajustarem bem com tal epigraphe todas aquellas generalidades.
Sendo, porém, mister não perder de vista que nos devemos principalmente conhecer a nós e aos nossos antepassados, incluir-se-há a obrigação de tratar em especial das raças prehistoricas da peninsula, e quanto seja possivel dos antigos occupantes d'este sólo, que é hoje a nossa querida patria.
Fundados no que levamos exposto, temos a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É creada no curso superior de letras uma cadeira de anthropologia e archeologia prehistoricas.
§ 1.º O primeiro provimento d'esta cadeira será feito por nomeação do governo sob proposta do conselho de curso superior de letras em individuo de reconhecida e provada aptidão n'esta sciencia.
§ 2.º O professor d'esta cadeira terá os mesmos vencimentos, honras e prerogativas dos outros lentes do curso.
Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, 5 de maio de 1885.= Teixeira de Vasconcellos.
Foi admittido e enviado ás commissões de instrucção superior e de fazenda.

Representações

1.ª Da camara municipal do concelho da Pesqueira, pedindo ser auctorisada a desviar a quantia de 4:000$000 réis do fundo especial de viação municipal para ser applicada á construcção de cemiterios em seis freguezias d'este concelho.
Apresentada pelo sr. deputado A. Carrilho e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de adminisração publica.

2.ª Dos guardas subalternos da academia polytechnica do Porto, pedindo augmento de vencimento.
Apresentada pelo sr. deputado Wenceslau de Lima e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de instrucção superior.

3.ª dos empregados menores do lyceu nacional de Leiria, pedindo que por lei lhes seja garantida a aposentação.
Apresentada pelo sr. deputado Lopes Vieira e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de instrucção primaria e secundaria.

Declaração

Declaro que não revi as notas tachygraphicas, nem as provas impressas, das palavras que proferi em sessão de 2 do mez corrente, por parte da commissão de inquerito parlamentar sobre a crise cerealifera.
6 de maio de 1885.= Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.
Para a acta.

O sr. Figueiredo Mascarenhas:- Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra sobre a renovação feita pelo sr. deputado Barbosa Centeno do projecto de lei apresentado pelo sr. deputado José Luciano de Castro na sessão de 15 de abril de 1879, que tem por fim auctorisar o governo a ceder á camara municipal de Tavira o edificio que actualmente serve de estação da guarda principal, ficando a camara obrigada a construir outro edificio com igual fim.
For enviado á commissão de fazenda.
O sr. Frederico Arouca:- Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre o requerimento em que Miguel de Sá Nogueira, capitão de cavallaria, pede que, pata todos os effeitos, lhe seja reconhecida a antiguidade de 24 de junho de 1863 no posto de alferes, e a antiguidade do assentamento de praça, de 10 de junho de 1861, ficando, porém, collocado fóra do quadro da sua arma.
A imprimir.
O sr. Luiz Dias:- Sr. presidente, se estivesse presente o sr. ministro da marinha, desejava fazer-lhe uma pergunta ácerca do estado em que se encontram as negociações com a santa sé, respectivas á questão do padroado.
Visto que elle não está presente aproveito a occasião para mostrar qual a minha humilde opinião ácerca da questão aqui largamente debatida, e ácerca da qual não me pronunciei na occasião opportuna por isso mesmo que de um lado tive de obedecer a um dever de disciplina partidaria, por outro lado sabia bem que nem o meu voto, nem a minha voz poderiam influir na deliberação d'esta camara.
Refiro-me á questão do beneplacito a respeito da qual vou expender as minhas idéas. Encaral-a-hei debaixo do ponto de vista mais elevado da philosophia espiritualista, raciocinando com os philosophos mais eminentes de todos os tempos, baseando-me nos principios da psichologia empirica e racional e apoiando-me nas idéas mais tracescendentes da metaphysica correspondente.
A analyse rigorosa da constituição e organisação moral do nosso espirito, fornecer-me há prova que farte, para demonstrar as minhas assenções; a critica dos systemas philosophicos, e a simples referencia á historia das extraordinarias relações entre o estado e a igreja, servir-me-hão de confirmação á proposição que pretendo demonstrar.
Os consectarios deduzidos dos ensinamentos da philoso-

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phia e da historia servirão de reforço e serão resões de congruencia, que confirmam admiravelmente as minhas idéas, que me parece discordarem mais ou menos de todas as opiniões apresentadas n'esta casa por oradores distinctos e talentos brilhantes, que respeito e acato.
N'esta questão ponho de parte a philosophia positiva.
Não a admito em todos os seus principios, nem me conformo com todas as suas conclusões.
Admitto-lhe o methodo como parte integrante de outro mais completo e mais perfeito.
Permitta-me s. exa. e a camara que eu diga com franqueza que não ignoro a philosophia positiva nas suas origens, afinidades e filiações, no seu desenvolvimento, nos seus principios, no seu modo de raciocinar, nas considerações a que ella chega em administração publica, em litteratura, em crenças religiosas, e portanto nas relações entre a igreja e o estado, e na questão do beneplacito.
Não posso deixar de combater e rejeitar essa philosophia no sentido indicado, porque, como humilde cultor da philosophia espiritual e da metaphysica, sou seu sectario ardentissimo.
Tambem não tratarei a questão do placet á face dos principios da theologia geral ou especial, porque me não parece que seja esta a occasião propicia, nem azado o terreno para produzir argumentos d'esta ordem, ou adduzir provas d'esta natureza.
Apenas me limitei a dizer e a provar, se a tanto fosse obrigado, que a biblia, a tradicção constante e ininterrupta dos Santos Padres, os sagrados canones e os ensinamentos dos Summos Pontifices condemnam e rejeitam o beneplacito como direito inherente á sociedade civil.
E n'este ponto julgo poder asseverar á camara que mais uma vez acho a philosophia e a historia em accordo perfeito com o ensino da igreja e do catholicismo; a rasão e a fé, a natureza e a biblia, não podem estar em opposição, como manifestações do mesmo principio, d'aideurs leur combat fairait combatre Dien contre Dieu même.
Hoje a polemica com o catholicismo está collocada no dominio das sciencias naturaes, e os que sinceramente pretendem defender as verdades religiosas, acceitam a lucta n'esse terreno, vendo-se por isso na necessidade de se embrenharem nos estudos physicos-mathematicos. Os incredulos, esgrimindo com as armas geographia, da mathematica, da physica, da chimica, geologia, paleontologia e botanica, ainda não poderam colher uma só palma de victoria contra os dogmas catholicos e verdades biblicas; affirmo-o em nome das idéas que a esse respeito tenho adquirido, e principalmente em nome dos mais eminentes e sinceros naturalistas; dizem-me qual a verdade catholica que está em opposição com os principios da sciencia e quaes os principios determinados a que essa verdade se oppõe?
Mas deixemos isto.
O beneplacito regio, como formula, que traduz as relações entre o estado e a igreja, não é um direito que derive da nação d'estes dois termos, e da comprehensão d'estas duas sociedades.
A sua separação, porém, completa e radical é uma verdadeira utopia, que não póde Ter perfeita realisação pratica. As duas sociedades, se bem que distinctas, estão intimamente ligadas e coordenadas por nexos e laços, que derivam da propria natureza moral do homem.
São estas as idéas que me proponho desenvolver e sustentar.
Vejamos primeiramente como preambulo explicativa qual a rasão por que se não têem fixado com precisão e clareza as verdadeiras relações ente a sociedade civil e a religiosa, porque eu é d'essa fonte que promana a variabilidade das opiniões e pareceres ácerca da questão do beneplacito.
Todos sabem que nas questões de relação, e esta é uma d'ellas, o espirito para poder affirmar com vigor e verdade a conveniencia ou repugnancia entre dois termos, precisa de Ter adquirido previamente uma moção clara e nitida ou o mais adequada possivel de todos os elementos constitutivos da idéa synthetica, mas da synthese lucida e philosophica, e não da obscura de cada um dos termos que entram na comparação, e cujas relações pretendemos affirmar.
Todas as vezes que o espirito affirma ou nega quaesquer relações, determinando-se ou fixando-as sem o previo conhecimento dos termos ou idéas comparadas, é induzido a errar.
Temos d'este facto muitas provas e exemplos na historia da philosophia e das sciencias ethico-juridicas, que posso citar para que se não diga que as minhas affirmações são apenas concepções da metaphysica, idéas abstractas, entes de rasão a que não corresponde verdade objectiva ou realidade pratica.
Os dois objectos que primeiro occupam o espirito do philosopho e do observador, aquelles sobre que antes de tudo recáe a applicação da actividade intellectual, são Deus e o homem.
Quando o espirito humano pretende affirmar as relações entre estas duas entidades, sem ter tido perfeito conhecimento, no limite do possivel, d'esses dois termos, é se levado ao theismo ou no pantheismo. Se damos a Deus mais do que lhe pertence, sacrificando qualquer dos elementos da comprehensão do homem, somos levados á philosophia da substancia única, exagerando a idéa de unidade, como aconteceu á philosophia oriental e aos melhores philosophos da Grecia, determinadamente a Aristoteles e Pythagoras, a Socrates e Platão.
Se porém affirmâmos do homem mais do que o que se contém na sua noção synthetica, caimos no extremo opposto.
Foi o que aconteceu a Kant, Fichte, Scheling e Hegel, que são os mais famosos representantes do criticismo allemão, patriarchas do moderno racionalismo.
O pantheismo idealistico, convertido em panegoismo por Fichte, não tem outra origem, nem outra explicação, na critica dos systemas.
A rasão por que o direito e a moral andaram confundidos até Grocio e Thomasio, o motivo por que desde estes dois publicistas até hoje se não póde ainda fixar com rigor e precisão a relação entre estas duas idéas e as sciencias correspondentes, é porque se tem ignorado uma boa porção do conteudo do direito, que eu considero irmão gemeo da moral, como vergonteas que brotam de um mesmo tronco superior, que é a idéa do bem, que fez o objecto da ethica.
E esta falta é devida ao atraso em que têem estado os estudos anthropologicos.
O sr. Azevedo Castello Branco:- Felizmente!
O orador:- Felizmente para os catholicos esses estudos têem tomado grande desenvolvimento nos ultimos tempos e nós só nos arrecciamos da meia sciencia, porque a completa está em harmonia com a nossa religião, e é a nosso favor.
Muito tem luctado a philosophia de todos os termos para fixar com verdadeiro rigor as relações mysteriosas que existem entre as duas substancias constituidas da personalidade humana; mas os systemas até hoje formulados ainda não poderam satisfazer o espirito humano.
Leibnitz e Mallebranche, apesar dos immensos recursos de seu talento, não foram mais felizes que os outros pensadores.
Os erros grosseiros e as consequencias absurdas a que nos leva o systema das causas occasionaes, da harmonia preestabelecida, do influxo physico, etc., são a prova provada das duas asserções- noções incompletas dos dois termos comparados e atraso da anthropologia.
E não julgem os naturalistas, que me escutem, que isto acontece sómente nas sciencias sociologicas, nas natu-

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raes tambem há muitos factos que provam as minhas asserções.
O sr. Azevedo Castello Branco:- Por exemplo!
O Orador:- As theorias de Volta e de Galvini, architectadas em simples factos observados ao acaso, desapparecem perante as correntes de Ocrstedt e esse vê derrocada a sua doutrina em face do systema dos selenoides, formulado por Ampere.
O sr. Azevedo Castello Branco:- Apoiado!
O Orador:- Folgo com o apoiado do meu illustre amigo o sr. José Castello Branco, porque alem de ser muito intelligente é formado em sciencias naturaes.
E se ei quizesse continuar passando da physica dos imponderaveis para a optica...
O sr. Castello Branco:- A theoria das emissões, por exemplo!
O Orador:- É verdade. Essa theoria foi desverbada pela das ondulações, e o motivo é porque não explicava todos os phenomenos e, determinadamente, os da refracção. Não é assim?
O sr. Castello Branco:- Muito bem.
O sr. Correia Barata:- Mas para que vem isso?
O Orador:- Para provar que o espirito é induzido a erro todas as vezes que affirma relações de conveniencia ou de repugnancia entre os termos comparados, sem primeiramente os conhecer; assim como erra quando pretende submeter todos os factos a uma lei ou explica todos os phenomenos por uma hypothese, sem Ter formado a inducção rigorosa e feito a observação e experimentação com todo o escrupulo, paciencia e serenidade. (Muitos apoiados)
Tambem o sr. Correia Barata, distincto e intelligente professor de chimica da universidade, tem factos e exemplos na sua sciencia.
A theoria de Lavoisiére sobre combustão foi refutada por um simples facto, e Eduard Williams, observando a combustão animal na rã, provou quão incompleta era aquella doutrina.
O systema do grande Berselio, que parecia explicar tão racional e satisfactoriamente os phenomenos thermo-dynamicos, desapparece diante da verdadeira theoria mechanica do caloiro, cuja formula mais geral se traduz pela equivalencia mutua e reciproca entre a perda de calor e o augmento de trabalho mechanico; isto se a memoria me não falha e pedindo a devida venia ao sr. Correia Barata, que poderá dignar-se corrigir qualquer inexactidão que eu profira n'este assumpto.
O mesmo poderia eu colher, sr. presidente, da bothanica, da zoologia, da paleontologia e da geognosia, mas não quero alargar mais as minhas considerações, porque julgo não se poder negar a minha proposição.
Vê-se, pois, que não só a historia de todas as sciencias mas tambem a philosophia, nos ensinam que somos induzidos a erro quando affirmâmos ou negâmos relações entre termos que não conhecemos bem.
O mesmo acontece com as relações entre a igreja e o estado.
Não se póde dizer que os theologos e canonistas tenham tido noções menos exactas sobre a origem e instituição da igreja, sua natureza, indole, propriedades, notas, caracteres e esphera de actividade; mas o que posso affirmar, com a historia na mão e sem receio de ser desmentido, é que tanto estes, como os philosophos e publicistas, têem tido idéas menos rigorosas e menos verdadeiras ácerca da origem interna e externa do estado, da sua rasão philosophica e historica, das causas ethicas ou pathologicas que provocaram a sua apparição, da sus natureza e fim, da origem da soberania e das fórmas sociaes, através das quaes ella se torna effectiva no meio sociologico; e tanto basta para se fixarem relações erroneas entre a sociedade civil e religiosa, entre o sacerdocio e o imperio.
Todos conhecemos os systemas differentes de direito publico desde Platão e Aristoteles até Krause, e todos sabem que elles trazem o seu erro da noção inexacta da liberdade, e, portanto, de direito, e facil é de prever as consequencias que d'aqui brotam para a concepção do fim do estado, e, portanto, para a determinação das relações entre este e a igreja.
E o estudo critico e rigoroso d'estes systemas leva-nos a tirar uma conclusão importante para a politica e para a questão do beneplacito.
É que todos os philosophos e publicistas deduzem seus systemas politicos do modo como concebem a natureza moral do homem. E este resultado, que a historia critica dos systemas apura, demonstra a legitimidade das provas philosophicas, de que vou lançar mão, deduzidas da organisação moral do nosso espirito.
Em verdade, srs. deputados, o modo como em philosophia se encaram certas questões e resolvem determinados problemas, influe na doutrina politica, que depois se há de seguir, na solução da questão do benaplacito.
Se nós quizessemos seguir passo a passo, como faz Rondin, as doutrinas de Hobbs e de Rousseau sobre psichologia e metaphysica, haviamos de chegar, por uma serie logica de considerações e raciocinios, rigorosamente deduzidos, ao Contrato social d'este, ou ao Bellum omnium contra omus d'aquelle, ou ao Homo...
O sr. Navarro:- Homo homini lupus!
O Orador:- É exacto. Estes dois systemas politicos são philosophicos. E de todos os problemas da philosophia há um, que é capital, dividindo as escolas e determinando a sorte e os destinos de todas as sciencias sociologicas; é o problema da origem das idéas que apparece na psichologia empirica e na racional.
O sr. Correia Barata:- Ah! Ahi, ahi!
O Orador:- Sim, é aqui que toma nascimento o sensualismo e o idealismo, cada um dos quaes conta como sectarios uma pleiade brilhante de talentos robustos e de summidades scientificas.
Mas permitta-me o illustre deputado que eu observe que todos aquelles que são mediocremente instruidos na historia da philosophia e na critica dos systemas, e o distincto collega não pertença a este numero, porque é muito illustrado, sabem que o sensualismo conduz logicamente, na moral, ao egoismo; no direito, ao interesse e utilitarismo; na politica, ao despotismo e na religião ao atheismo, cortando a questão do beneplacito pela raiz; eo idealismo leva na moral ao estoicismo; no direito ao formalismo, na politica ás theorias unitarias, individualistas, absorventes e centralisadoras, e na religião ao pantheismo, não sendo mais feliz que o primeiro na solução do placet.
E para que os positivistas não digam que as affirmações da metaphysica são puras abstracções e verdadeiras chimeras, eu appelo ainda para a critica philosophica da historia da philosophia.
Kant começa por avaliar e aniquiatar o valor objectivo das idéas da rasão, e quebrando o laço entre o principio cognitico e a realidade objectiva, esbarra n'um formatismo de ferro e cáe no scepticismo. Concebendo a liberdade como força negativa, como ausencia de todos os obstaculos externos e remoção de todos os motivos de coacção interna e exterior, chega á formula negativa de direito; o neminem laede é a conclusão fatal de suas concepções philosophicas, e o modo como defrontou as relações entre a sociedade civil e religiosa derivou-o d'estas doutrinas anteriormente estabelecidas.
Posso affirmar de um modo cathegorico que todos os erros sobre sociologia derivam immediata e directamente das falsas noções bebidas na philosophia, e por isso as doutrinas modernas não me causam estranheza, nem são uma novidade e muito menos uma invenção das conquistas da sciencia dos ultimos tempos, do seculo das luzes. O erro philosophico representa-se em differentes tempos sempre o mesmo e apenas reveste formas diversas.

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O naturalismo, o deismo, o pantheismo, o racionalismo, o socialismo, o communismo e nihilismo, são hoje manifestações diversas, modalidades differentes, do erro philosophico de todos os tempos.
A gnesis oriental, a philosophia grega, a doutrina de Philon, o systema neoplatonico de Alexandria, emporio das sciencias nos tempos antigos e onde reinava o clectismo, tomando por base o syncretismo vago, as idéas de Scoto Erigene, que na historia do nacionalismo e do idealismo, é o vulto mais saliente, que se destaca em toda a idade medieval...
O sr. Simões Dias:- Apoiado!
O Orador:- Todos estas e as suas idéas são a base da philosophia racionalista da Allemanha.
A philosophia da serie ou da idéa de Hegel não differe essencialmente da doutrina de Valentin ou do systema gnostico dos valentianos, apesar de os separarem muitos seculos. Digam-me v. exa. e a camara se ha differença entre o modo como os eons descem do pleroma e a elle voltam e as affirmações da idéa, correspondendo-lhes sempre a apposição de uma effectividade e isto por uma serie de evoluções successivas até a sua manifestação no espaço e no tempo, por meio da metaphysica, da logica, da historia e da humanidade. Em certos pontos Hegel é quasi a reproducção de valentin. Scheling de Allemanha e Zenão da Grecia, apesar de distanciados por muitos seculos, partem das mesmas bases e chegam ás mesmas conclusões. O systema politico o religioso de todos estes grandes philosophos e na essencia e radicalmente o mesmo.
Outro tanto acontece aos sensualistas.
As idéas de Robinet, Fillemot, Geoffroy, Lamarch no seu livro Philosophia da Zoologia, Buchner, Vogt, Molleschot, Echel e Darwin, sobre seriação e transformismo, reduzidos a systema por este ultimo, têem egualmente os seus precedentes e as suas origens na historia antiga. Diga o sr. Correia Barata, que n'estas materias entendo poder ser mestre de nos todos, diga se são on não exactas estas idéas, verdadeiras estas affirmações.
O sr. Agostinho Lucio: - Mas com o seu methodo chegava-se a formular uma theoria e por isso não se póde assim rejeitar o positivismo n'esse sentido.
O Orador:- Sim, o methodo positivista e o physico inductivo, inaugurado por Bacon, um dos iniciadores da philosophia sensualista, posterior a renascença, como se pode ver no seu livro Novum organum. Mas poderá esse methodo applicar-se como exclusivo ao estudo das sciencias ethico juridicas?
Pois não sabe a camara a sorte que teve o livro do Spinosa, Ethica modo geometrico demonstrata? Como applicar methodo tão estreito e tão inflexivel ao estudo da sciencia de principios tão largos e tão espansivos ?
N'uma palavra; as theorias individualistas, unitarias, absorventes, centralisadoras, e as harmonicas de direito publico, sobre origem, natureza e fim do estado, origem da soberania e formas de governo, são sempre consectarias de doutrinas philosophicas, e as leis politicas e civis são a traducção e o reflexo d'essas idéas.
Os principios, que hoje vemos traduzidos nos codigos sobre liberdade, sociedade civil, matrimonio, propriedade, faculdade de associação, liberdade de cultos e separação completa do estado da igreja, são ainda o resultado de idéas philosophicas, protegidas pelos poderes publicos. E para que se não diga ainda que a philosophia espiritualista se reduz a affirmações abstractas, eu tomo dois factos quaesquer para provar a sua realidade pratica, a sua incarnação sociologica. A idéa de contrato, estudado na philosophia, deriva de liberdade; ora entre as muitas e variadas formas de contrato apparece o matrimonio. O philosopho, que seguir certos principios com relação a natureza, fundamento, propriedades e fim d'este facto social e natural, ha de chegar a conclusão de que a unidade e insolubilidade não são elementos constitutivos da sua essencia.
Começando por desligal-o do elemento religioso, traduz nos codigos legislação appropriada e por isso admitte e sancciona o casamento civil como consequencia de suas idéas. Mas como a logica não admitte meias conclusões e a força espansiva da idéa impelle-a á evolução, a par do casamento civil ha de apparecer necessariamente o divorcio, mais tarde ou mais cedo.
Sobre a verdade d'estas considerações responda por mim a historia da França, nos ultimos tempos.
A propaganda dos philosophos, que prepararam o campo para a revolução, fez com que no codigo napolitano se sanccionasse o casamento civil, e a idéa foi amadurecendo até Naquet, que ha poucos mezes conseguiu fazer votar o seu projecto relativo ao divorcio e hoje já é lei d'aquelle paiz. A mesma conclusão podia tirar do estudo philosophico historico sobre propriedade. Logo que em philosophia se não legitime como projecção da nossa personalidade sobre as utilidades onerosas ou gratuitas, para me servir da expressão de Krause; desde o momento em que não consideremos a propriedade como effeito e consequencia da objetivação da nossa actividade livre, como diz Lefrane no seu diccionario de philosophia na palavra propriété; não podemos de forma alguma legitimal-a: não é possivel descobrir o fundamento da linha divisoria, que dá origem ao meu e ao teu, como diz Kut no seu livro sobre propriedade, e por isso havemos de chegar forçosamente á conclusão de que ella é um roubo, como inferiu Proudhon.
O communismo e o nihilismo, que hoje assustam os imperantes e os governos, e convulsionam as sociedades, são uma consequencia das doutrinas philosophicas pregadas ás massas ignaras e inscientes, que se deixam arrastar por todo o vento de doutrina.
Hoje, infelizmente, segue-se este desgraçado e fatal systema, corrompe-se o povo, infiltrando-se no espirito o veneno de idéas deleterias, e depois criam-se instituições e votam-se leis adequadas, a pretexto de que e necessario satisfazer a opinião publica e ao estado da cultura social e a orientação mental, e a phrase dos espiritos assim preparados. Apregoa-se, por exemplo, a solubilidade do matrimonio e decreta-se depois legalmente o divorcio, porque e esse o sentir e o querer geral da nação.
Prega-se contra a religião e a igreja, apregoa-se o indifferentismo religioso e o atheismo, e depois de incarnadas na consciencia publica estas idéas e vasadas no coração do povo estes sentimentos, eriga-se uma lei de liberdade de cultos, pede-se a separação entre a igreja e o estado, e isto em nome da opinião e do grau de cultura social.
Mas, notavel coincidencia! Aquelles que mais prejudicados são com essas doutrinas e que por isso as deviam combater por meios apropriados de propaganda contraria, são os que menos se importam com a sua diffusão e ás vezes os que mais os protegem e fomentam; mas depois são as primeiras victimas dos resultados desastrosos a que taes idéas dão logar.
É que a Providencia, como diz a Aguia de Mô, assiste vigilante ao encadeamento dos successos, e dos factos; e que da nossa cabeça não cae sequer um cabello, sem que ella tome conta, como diz o Divino Redemptor.
Prepara-se a opinião publica de um modo errado e funesto, e depois criam-se leis nocivas e instituições menos honestas, para satisfazer a essa mesma opinião desvairada e oscillante, sem norte nem rumo, que a conduza á consciencia das verdades moraes e religiosas.
É por isso que o seculo XIX tem visto turbas de fanaticos violar a honra das familias, o incendio destruir as mansões pacificas, aniquilando a riqueza publica e arruinando as glorias da arte, nos campos, nas fabricas, nos palacios e nas igrejas. São as consequencias desastradas das falsas doutrinas que pregaste ou não combateste, e que produziram o communismo e o nihilismo, inimigos ver-

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dadeiros de todo o progresso, de toda a civilisação e liberdade.
Ora, se as relações do estado com a igreja, com a instrucção e com os dominios economicos, depende das noções de philosophia, como que parece ter demonstrado, qual a rasão por que não havemos de partir de principios sãos e justos para resolvermos com acerto esses importantissimos problemas de direito publico?
Pois não e a historia e a rasão que nos chamam para este terreno?
E como é que nós podemos resolver a questão do beneplacito a face dos principios de direito publico sem termos fundamentado estes nas concessões da philosophia?
Pois não são estas as que determinam a admissão ou rejeição do beneplacito?
Os systemas a este respeito não variam por ventura com os systemas philosophicos?
Vejamos ainda rapidamente o que nos diz a historia.
V. exa. sabe, e a camara com certeza não ignora, que os principios que presidiram a paz de Westephalia influiram poderosamente na determinação das relações entre as duas sociedades.
Estabeleceu-se ahi o principio - cujus regio, illius religio. - Deu-se ao principe o direito de reformar, admittir ou rejeitar as idéas religiosas.
O febronianismo, o gallicianismo em geral, e o josephismo e todos esses systemas que atacam os direitos do primado e a independencia da igreja catholica, são a consequencia dos systemas philosophicos. E eu tanto condemno o regalismo, como o ultramontanismo, que ambos são erroneos, e porque entendo que tão nefasto e errado e o fanatismo religioso como o atheismo, guardadas as devidas proporções; Christo disse, dae a Cesar o que é de Cesar, e a Deus o que é de Deus.
O sr. Navarro:- Reddite Caesari.
O Orador:- Reddite ergo quae sunt Caesaris Caesari, et quae sunt Dei Deo.
O seu irracionalismo, que é uma transição do socianismo para o racionalismo, pretendeu separar a igreja do estado, mas para chegar a esta conclusão começou por estabelecer a separação entre o direito e a moral.
Ninguem ignora que as leis ecclesiasticas de direito particular politico moderno se resentem todas d'estes systemas e d'estes principios.
E nós para sermos logicos como os auctores d'essas teorias, devemos tambem partir de bases determinadas, não nos limitando a affirmações vagas e indeterminadas, a declamações de rhetorica que são estereis e improductivas.
Assentemos os principios antes de affirmar as conclusões, estudemos a natureza das cousas e das pessoas antes de votarmos as leis; o contrario d'isto será legislar as cegas e á toa, sem sabermos porque, nem para que.
No desenvolvimento das rasões e provas, que passo a deduzir, derivadas da natureza moral do homem, para provar a impossibilidade da separação completa o radical entre a igreja e o estado, ha de transluzir e manifestar-se com mais força que a psichologia, a metathysica, a politica, a religião e as relações entre a sociedade civil e religiosa dependem do modo como se resolvem os problemas mais vitaes na psichologia empyrica e racional.
Como já terminou a hora, e não quero interromper os trabalhos da camara, fico hoje por aqui, e continuarei na sessão proxima a exposição das minhas ideas para chegar a conclusão que pretendo.
(O orador foi comprimentado por todos os lados da camara.)
O sr. Presidente: Os srs. deputados que estavam inscriptos e tiverem papeis a mandar para a mesa podem fazel-o.
O sr. A. J. d'Avila: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra sobre o projecto do lei n.° 43-B, da iniciativa do sr. Avellar Machado, auctorisando
o governo a applicar as disposições para accesso e collocação nos quadros que estavam em vigor antes do decreto de 30 de outubro de 1884, aos lentes proprietarios da escola do exercito e do collegio militar, e bem assim aos lentes da escola polytechnica de Lisboa, providos durante o tempo em que esta escola estava sob a direcção immediata do ministerio da guerra, segundo a lei do 11 de Janeiro de 1837.
Foi enviado á commissão de fazenda.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão na generalidade do projecto n.° 34 orçamento rectificado

O sr. Presidente:- Continua com a palavra que lhe ficou reservada da sessão de hontem o sr. Emygdio Navarro.
O sr. Emygdio Navarro: - Nas breves considerações, que a estreiteza do tempo me permittiu fazer hontem a camara, limitei-me a apreciar muito por alto as notas, enviadas pelos differentes ministerios a esta camara, com as verbas extraordinarias da despeza feita com fundamento na saude publica.

ão entrarei hoje no exame minucioso d'essas notas, por querer deixar esse encargo a outros collegas meus, visto que o sr. ministro da fazenda, pelas nossas instancias no pedido dos documentos, pareceu querer insinuar que nós só queriamos discutir no orçamento aquellas notas de despezas. Como a nossa reclamação foi em parte satisfeita, e reconhecida a justiça d'ella, posso mudar de objectivo.
Vou entrar especialmente no exame de um assumpto, que e da maxima importancia, esperando que o sr. ministro dará uma resposta completa, categorica, e tão triumphante como já a annunciou a camara. E estimarei que assim seja, porque, se não posso folgar com os triumphos partidarios de s. exa., folgo sempre com ver demonstrado que são bons, patrioticos e consoantes ao bem publico os actos praticados pelo governo do meu paiz. (Apoiados.)
Não irei, pois, esmiuçar as notas, enviadas a esta camara, ácerca da despeza extraordinaria feita com os resguardos contra o cholera, sem todavia deixar de lastimar que na elaboração d'essas notas se seguisse á sina velha dominante na organisação das contas dos ministerios regeneradores, em que sempre se atropellam os factos sem nenhuma subordinação a verdade e sem sujeição alguma a lei de contabilidade publica e ao rigor dos dictames parlamentares.
Como já disse hontem, é absolutamente inadmissivel que, a titulo de despezas para evitar a invasão do cholera, appareça uma verba de 7:556$300 reis, para compra de mobilia, utensilios e roupas para a penitenciaria, despeza esta feita pelo ministerio das obras publicas.
Não se pode comprehender como tal despeza corre pelo ministerio das obras publicas, nem o que ella tenha que ver com o cholera.
Mas estes factos repetem-se, como disse, em todas as contas dos ministerios regeneradores. (Apoiados.) Haja vista, por exemplo, a celebre conta que foi publicada no Diario de 25 de maio de 1882, para se dar noticia de uns 1.700:000$000 réis com a compra de armamentos, de que não se sabia o paradeiro certo. Ali se encontram, sob a rubrica de armamentos, muitas despezas de uma indole totalmente diversas; e ainda nas que pertencem a essa categoria ha verbas, que são evidentemente arranjadas a dedo para desculpar o dinheiro gasto por outro modo. Era 1873 ou 1874 deu-se como adquirida uma equipagem de pontes, que não se comprou; e só dez annos mais tarde se adquiriu no estrangeiro o respectivo material, que custou réis 13:000$000, tirando-se o dinheiro da dotação para a estrada militar de Lisboa. As contas dizem uma cousa, e a verdade dos factos e muito differente. Nas taes contas de

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armamentos, publicadas no Diario de 25 de maio de 1882, diz-se que se haviam comprado por 11:455$210 reis 596 culatras para espingardas Snyder, sendo portanto o custo de cada culatra de 19$203 reis, isto e, mais do que o prego de uma espingarda completa, o que manifestamente não pode ser. Sempre contas de sacco, e contas de gran capitão! (Apoiados.)
Não é esta a menor e menos importante curiosidade d'essas curiosissimas contas, de que não quero fallar mais largamente, porque são aguas passadas.
Sinceramente desejo que, para credito da contabilidade publica, as contas de despeza sejam de futuro melhor e mais fielmente organisadas, para não se levar o paiz ao triste convencimento de que n'isto ha pouca seriedade, e que o dinheiro se gasta como o governo quer, não se dando este ao incommodo de regularisar ou organisar umas contas, que ao menos satisfaçam as apparencias.
A camara não póde levar a mal que eu estranhe em termos poucos favoraveis este modo de organisar as contas, porque a propria commissão de fazenda, embora referindo-se ao ultramar, diz no parecer sobre o orçamento rectificado o seguinte:
«A vossa commissão, reconhecendo que o estado da administração da fazenda nas provincias ultramarinas e da sua contabilidade e insustentavel; que a ausencia quasi absoluta de contas, de como os dinheiros de estado são ali cobrados o applicados, não pode continuar; approva comtudo os creditos pedidos e confia em que o governo continuará nas diligencias que ha muito emprega, para haver contas das ditas provincias, desejando que sejam tomadas todas as providencias, para que, no mais curto espaço de tempo, o parlamento, e portanto o paiz, saibam de como os rendimentos publicos são cobrados e applicados nas terras de alem mar.»
É uma commissão parlamentar, que vem dizer á camara, que no ultramar se gasta sem conta, peso nem medida, e, o que é peior ainda, sem fiscalisação! Sob o predominio d'esta falta de contas, apresentou aqui o governo uma proposta, legalisando, approvando ou sanccionando, ou como se deva dizer, umas suppostas dividas das juntas de fazenda ao banco nacional ultramarino. Ninguem sabe como e para que essas dividas foram contrahidas, não ha documentos, que justifiquem a sua applicação e nem mesmo a sua importancia, mas o thesouro ha do ficar sobrecarregado com mais algumas centenas de contos de réis, que assim foram cahir no sacco. (Apoiados.)
Não ha contas do ultramar, não ha documentos, não ha fiscalisação efficaz, como a illustre commissão de fazenda declara no seu parecer; e todavia o sr. ministro da marinha furta-nos o exame do orçamento das provincias ultramarinas, para que essa falta de fiscalisação seja ainda maior, e para que o paiz não saiba cousa alguma do modo, como ali se cobram e applicam os dinheiros do estado! (Apoiados.)
Continua, invariavel e incorrigivel, por parte dos poderes publicos este desleixo, esta complacencia com o abuso, a qual dá em resultado administrarem-se centenares de contos, sem se saber como se despendem! E, não obstante, pedem-se e concedem-se novos creditos, ao mesmo tempo que uma commissão parlamentar vem dizer estas palavras, cuja altissima gravidade não pode ser desconhecida para ninguem, porque em ultima analyse querem significar que continuam a ser desbaratados centenaes de contos, arrancados as miserias dos contribuintes, e com ausencia quasi absoluta de contas! (Apoiados.)
Impressiona dolorosamente que, ao passo que se confessa que nas provincias ultramarinas ha ausencia quasi absoluta de contas, se venha pedir um credito de 123:000$000 réis para a imaginaria revolta de Massangire. Assim como aqui ha o microbio providencial para se alargarem algumas verbas orçamentaes, e se darem gratificações, no ultramar ha sempre um regulo ou sóba; que se revolta providencialmente, para arranjar um credito extraordinario, que suffoca o micobrio da revolta! (Apoiados.)
Aqui está esta revolta de Massangire, que nunca se disse com exactidão como rebentou, que não se sabe o que foi, que se sabe só que não custou um tiro, mas que vae custar ao thesouro um novo tiro de 123:000$000 réis! (Riso.)
O pedido d'este credito tem no parecer do orçamento rectificado o commentario d'aquellas palavras, em que a illustre commissão de fazenda diz que no ultramar se gasta sem conta, peso, nem medida! O facto é infelizmente verdadeiro; e toda a gente sabe quaes são as consequencias de se administrarem abundantes quantias de dinheiro, sem contas e sem fiscalisação efficaz. Mas, ao mesmo tempo que isto se confessa, o governo continua a manter era pé todos os abusos, d'onde este estado de cousas resulta. (Apoiados.)
O governo, que devia procurar no parlamento a força necessaria para arcar de frente com esses abusos, trata, ao contrario, de cercear o mais possivel as attribuições do parlamenlo, recorrendo a todo o instante ao artigo 15.° do acto addicional, para afastar o parlamento da sua legitima ingerencia nos negocios ultramarinos. (Apoiados.)
A commissão de fazenda diz que no ultramar não ha contas, nem ha contabilidade. Diz uma verdade, que a camara de certo não impugnara. Mas se a camara se associa a esta apreciação, tem o rigoroso dever de não se associar á continuação d'essas responsabilidades. (Apoiados.)
Não comprehendo, nem o paiz poderá comprehender, que se exponha ao publico uma tal anarchia de contabilidade, e que ao mesmo tempo se de sancção e apoio aos processos da governação, que mantêem um tal estado de cousas. É preciso ser coherente; e a coherencia n'este caso pede, que as votações se harmonisem com as confissões, e que se empenhem todos os esforços para que os actos do governo vão de accordo com os principios.
Desde que se declara, que annualmente se despendem centenares de contos de réis sem contas e sem fiscalisação; a obrigação do governo e tornar effectiva a responsabilidade dos ministros, que por qualquer modo promovem ou favorecem ou toleram a continuação do um tal estado do cousas. (Apoiados.)
D'esta anarchia de contas no ultramar, que a final não é senão a ampliação do que succede no continente, resulta em parte o crescimento de despezas inuteis e iligitimas, e d'ahi o aggravar-se a necessidade do recurso constante ao credito, para saldamos o deficit dos nossos orçamentos.
Esse mal concorre tambem por outro lado para desinteressar o paiz da marcha dos negocios publicos, a mingoa de elementos com que a possa fiscalisar, o que deixa os governos privados do receio salutar, que, as mais das vezes, é o unico estimulo forte para os desviar dos abusos, a que as solicitações politicas os arrastam.
Se houvesse uma contabilidade regularmente feita, clara, e ao alcance de toda a gente, até as pedras das calçadas se levantariam contra o governo, que continuasse n'este systema de desperdicios, em que vivemos. (Apoiados.)
Pensam que o governo poderia continuar n'este caminho de desperdicios, se cada um podesse ver com os seus proprios olhos como se gastam e em que se gastam os dinheiros publicos? (Apoiados.)
Não de certo.
Mas continuam as cousas assim, e de mal em peior, porque não ha contas, porque não ha fiscalisação. (Apoiados.)
D'esta anarchia de contabilidade, da qual provém a anarchia financeira, e tambem de inveteradas tendencias para o fausto, resulta a necessidade de se recorrer constantemente ao credito, e de modo tal, que um grande emprestimo de dois ou de tres em tres annos se tornou um meio normal de saldar as contas do thesouro! E damo-nos por muito alliviados quando empregâmos esse meio, que em qualquer paiz regularmente governado e justamente consi-

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derado como um expediente certo de ruina, e só por isso legitimado em circumstancias extraordinarias. (Apoiados.) A França, que tem outros recursos, que nós não possuimos, manifesta a mais decidida repugnancia em augmentar a sua divida consolidade, e ainda há pouco foi essa uma das rasões, porque se demittiu o ministro da fazenda, que julgava necessario effectuar-se consolidado. Nós, mal realisâmos um emprestimo, estamos já deitando as linhas para realisar outro. (Apoiados.)
E tão alheados andamos das boas doutrinas financeiras que, em vez de considerarmos o facto como um aggravamento das nossas circumstancias, quando um emprestimo se realisa apregoâmos muito contentes que a situação financeira está desafogada! (Apoiados.)
Isto é desconhecer completamente a perniciosa influencia do crescimento constante dos encargos perpetuos. Isto é querermos deitar poeira nos nossos proprios olhos. (Apoiados.)
Cá vem no orçamento rectificado essa nota triste da nossa situação financeira.
A dotação da junta do credito publico é sobrecarregada com 739:000$000 réis, encargos do ultimo emprestimo.
E aqui sou entrado no assumpto principal, de que hei de de occupar-me na sessão de hoje: o emprestimo.
O sr. ministro da fazenda dá conta no seu relatorio d'essa operação, que vem documentada com varios mappas elucidativos, e diz que no contrato definitivo proferiu a proposta, que offerecia um preço mais favoravel para o thesouro.
Vou tratar de demonstrar á camara, que a proposta aceita pelo governo não foi a mais favoravel nem em preço, nem nas condições necessarias, que haviam de influenciar sobre a situação financeira e sobre o movimento economico da praça. (Apoiados.)
Tres foram as propostas apresentadas. Uma por um syndicato inglez, outra por um sindicato allemão, e outra por um syndicato, de que era representante em Lisboa a casa Henry Burnay. Foi esta a proferida pelo governo.
No documento n.º 15, que acompanha o relatorio, e que se encontra a pag. 70, faz-se a comparação das propostas apresentadas, conforme os seus respectivos encargos e vantagens. Mas não se faz bem essa comparação.
Na ultima columna d'esse mappa diz se que a proposta do syndicato inglez dava um encargo para o thesouro de 6,43 ou de 6,44 e isto conforme fosse a operação realisada em titulos de 3 por cento ou em titulos de 5 por cento.
A proposta do syndicato allemão diz se ahi que dava um encargo de 6,32. E, finalmente, a proposta preferida de Henry Burnay dava o encargo de 6,30.
Portanto, segundo a affirmativa do sr. ministro da fazenda, a proposta preferida do syndicato Burnay tinha a vantagem de 0,02 sobre a proposta do syndicato allemão.
Antes de mais nada devo dizer, que, em meu parecer, o nobre ministro da fazenda não considerou exactamente a proposta do syndicato inglez.
Com effeito, a pagina 13 do relatorio diz o sr. ministro da fazenda:
«E não me pareceu preferivel a proposta, feita ao typo de 5 por cento pelo grupo Bahring, por não ser a operação tomada firme, como muito convinha, porque o preço de 79 1/2 por cento, ou antes de 79 1/1 por cento, deduzida a percentagem para despezas, equivaleria ao preço liquido de 71$325 réis por cada titulo de 90$000 réis, o que seria muito inferior ao da collocação das obrigações de 1881, prejudicando por isso muito sensivelmente os possuidores d'essas obrigações».
D'estas ultimas palavras parece deduzir-se, que o nobre ministro considerou aquella proposta de emprestimo em titulos de 5 por cento, como sendo de obrigações amortisaveis. E a isso referiu os calculos.
Ora a proposta ingleza não diz similhante cousa.
Os documentarios n.ºs 7 e 8 dizem que o syndicato inglez tomava o emprestimo em titulos de 3 por cento ou de 5 por cento, se o governo preferisse este ultimo typo. Mas não diz que este seria em titulos amostisaveis. Pelo contrario. No documento n.º 7, offerecem-se os titulos de 3 por cento a 16,90; e no documento n.º 8 offerecem-se os titulos de 5 por cento a 79 1/2.
Ora o preço de 79 1/2 a 5 por cento corresponde exactamente ao preço de 46,90 a 3 por cento, o que mostra que o syndicato inglez offerecia a opção ao governo em titulos da mesma natureza; isto é, uns e outros de renda perpetua.
Esta mudança de typo seria vantajosa. Circumstancias, que não vem para o caso esplanar, levaram-nos a adoptar em 1852 o typo de 3 por cento, que tem graves inconvenientes e constitue um estorvo grande para uma remodelação proveitosa da nossa divida consolidada. Não entrarei agora no exame d'essa questão; mas tenho por mim boas auctoridades, que julgam de decidida vantagem para nós o typo de 5 por cento.
D'essa opinião é tambem o sr. relator da commissão de fazenda que por varias vezes a tem sustentado na imprensa.
O sr. Carrilho:- Apoiado.
O Orador:- Portanto, o nobre ministro considerou menos exactamente a proposta ingleza, suppondo que se tratava de titulos amortisaveis, quando em verdade ella offerecia opção para titulos de renda perpetua de um typo mais favoravel. E essa vantagem era muito para se tomar em consideração, se outras rasões a não prejudicassem, não sendo aliás motivo bastante para isso o não ser tomado firme a totalidade do emprestimo, porque a mesma proposta assegurava por outro modo a collocação vantajosa do milhão sterlino, que não tomava na occasião.
Não quero demorar-me no exame da proposta ingleza, porque é especialmente do confronto entre a proposta allemã e a proposta Henry Burnay, que vou fallar.
Segundo os elementos de apreciação, que os documentos offerecem, a proposta allemã, do syndicato Greenhill, era preferivel, não só por ser mais barata em preço, mas porque, quando o não fosse, as outras vantagens que essa proposta offerecia valiam muito mais que a differença dos 2 centesimos, achada, aliás erreadamente, pelo nobre ministro da fazenda.
Diz o sr. ministro no documento n.º 15, que a proposta Henry Burnay saia para o thesouro a 6,30. E eu acceito a exactidão do calculo.
A lei de 14 de maio de 1884, que auctorisou o emprestimo, estipulou que este não podesse Ter um encargo superior a mais de 1/2 por cento sobre a cotação, no dia em que o emprestimo se realisasse.
O contrato foi assignado a 29 de maio, e a cotação n'esse dia foi de 52. Descontando os juros, já vencidos, de cento e quarenta dias decorridos, ou 1$150 réis, achâmos a cotação liquida de 50$850 réis, o que dava uma margem ainda superior ao preço de 6,30 pelo qual se realisou o emprestimo.
Portanto, debaixo d'esta ponto de vista, nada tenho que dizer ao contrato feito pelo sr. ministro da fazenda.
Está dentro da auctorisação parlamentar.
Não é por este ponto que eu tenho que combater a assignatura do contrato com o syndicato Burnay.
Combato-a, porque, embora esteja dentro da auctorisação legislativa, a proposta do syndicato allemão era a todos os respeitos mais vantajosa. E isso impunha ao governo a obrigação de a preferir.
Desculpe-me a camara o Ter de fatigar a sua attenção com a exposição de um assumpto arido; mas n'estas questões não há unicas demonstrações, que podem convencer. A eloquencia amena, de que aliás não disponho, não teria cabimento aqui.
No documento n.º 15 faz-se um confronto dos encargos

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das propostas dos tres syndicatos. N'esse mappa ha uma columna com a inscripção percentagem, de cambios. E a proposta Burnay figura ahi com a percentagem de 0,29, contra. A respeito das outras propostas a columna vem totalmente em branco, sem nenhuma indicação contra ou a favor. Ora isso não podia ser, porque a percentagem de cambios havia de influir de qualquer modo nas outras propostas, como influia na proposta do syndicato Burnay.
O primeiro motivo de estranheza é este: o não haver n'esta mesma columna indicação da influencia da percentagem do cambio, tanto a respeito da proposta ingleza, como a respeito da proposta allemã. Porque succede isto?
A epigraphe d'esse mappa comparativo diz: - «suppondo que encargo algum de cambio resultaria da acceitação das propostas ingleza e allemã, e que o não haveria tambem com a proposta allemã em relação as diversas despezas do emprestimo.»
Que não haveria encargo algum, suppoz, e bem, o nobre ministro. Mas isso não bastava, para o decidir no confronto. Restava-lhe examinar- se, não havendo encargo algum, haveria alguma vantagem importante, que devesse entrar em calculo, e ser tomada em conta. E foi isto o que se não fez. A vantagem era manifesta.
A demonstração á facil, e resulta d'este simples facto: que uma libra, que em Portugal vale 4$500 réis, pela differença dos cambios, frete e seguro vale em Londres, pelo menos, 4$560 réis.
Portanto, o mesmo dinheiro, metal, posto em Lisboa ou posto em Londres, apresenta uma differença em libra do 60 réis em favor d'esta ultima hypothese. Ora no contrato com o syndicato Burnay, que vem no documento n.° 16, e que o governo acceitou, clausula 4.ª, diz-se: «que o producto do capital nominal será entregue ao thesouro, em Lisboa, transferindo se para Paris e Londres a parte, que for requisitada pelo governo».
O governo recebeu na totalidade do emprestimo libras, em Lisboa, a 4$500 réis, valor inferior ao da libra papel, que tinha de transferir para Londres e Paris. É o que resulta da clausula 4.ª do contrato.
Pela proposta allemã, como pela ingleza, succedia exactamente o contrario. A proposta allemã dava 4.000:000 de libras postas em Lisboa ou em Londres, onde o governo quizesse, conforme se vê da clausula 8.ª da respectiva proposta, que constitue o documento n.° 11 do relatorio.
Ora, se a mesma libra, metal, vale em Portugal 4$500 réis e em Londres vale, pelo menos, 4$560 reis, haveria uma differença de 60 réis em cada libra a favor da proposta allemã.
Esta differença, em quatro milhões sterlinas, daria ao thesouro o beneficio de 240:000$000 reis, na totalidade do emprestimo. Foi este importantissimo elemento de calculo, que o sr. ministro da fazenda não attendeu na sua preferencia.
O sr. ministro da fazenda disse no seu relatorio, que a proposta do syndicato era mais vantajosa que a proposta allemã, porque, ao passo que esta dava um encargo de jure de 6,32, aquella dava um encargo do jure mais favoravel e porque era só de 6,30.
Ora isto não é exacto.
Se s. exa. tivesse mettido em conta a differença dos cambios acharia a proposta allemã muito mais vantajosa, pois que o encargo de juro, por aquelle beneficio de réis 240:000$000 resultante da percentagem de cambios, ficaria reduzido a 6,24.
Portanto, em vez de haver um beneficio do dois centesimos na proposta do syndicato Burnay, ha realmente n'ella um prejuizo de seis centesimos.
O nobre ministro da fazenda, que desde os bancos da universidade affirmou a sua alta competencia sobre o mechanismo dos cambios, tendo até escripto sobre o assumpto um livro que ainda hoje e consultado com muito proveito, não podia ignorar as differenças do resultado, provenientes de acceitar uma proposta, que lhe deu o dinheiro em Lisboa, em vez de acceitar a que lhe dava o dinheiro em Londres.
O nobre ministro devia saber isso pelos seus estudos, devia-o saber pelas obrigações do seu cargo, e devia-o tambem saber, por lhe ter sido expressamente indicado esse beneficio em uma das propostas, que lhe foram apresentadas.
Nem mesmo pode allegar a desculpa de não ter cogitado do caso, porque isso lhe foi lembrado.
Para que havia o governo de preferir a proposta, que lhe dava o dinheiro em Lisboa, se uma grande parte delle havia de servir para pagamento de dividas no estrangeiro?
O governo tinha de pagar immediatamente a divida fluctuante externa, na importancia de cerca do 1.030:000 libras.
Tendo acceitado a proposta do syndicato allemão, teria logo n'esse momento realisado n'aquella parte o beneficio resultante da differença do cambio. Isto não pode ser contestado. (Apoiados.)
Mas não era só isso. Alem da divida fluctuante, o governo tinha que pagar o coupon, armamentos e outras despezas importantes. Para todas ellas, com o dinheiro em Londres, teria realisado immediatamente o lucro da differença de cambio.
A parte livre do emprestimo, que se destinava para pagamento da divida fluctuante interna, podia e devia tambem ser aproveitada com o mesmo beneficio. E sabido, que n'estes ultimos tempos a praga de Lisboa tem, por causas diversas, um acrescimo de saldo negativo com relação a Londres, o que se traduz pela falta de papel cambial.
Para pagar a divida fluctuante interna, o governo não precisava de transferir o resto do dinheiro disponivel para Lisboa. Bastava-lhe pagar com papel sobre Londres; e esse papel teria facil escoante ao cambio de 4$560 réis por libra, não só porque as necessidades da praça o absorveriam totalmente, mas tambem porque esse fornecimento do papel não seria feito de uma só vez, visto que as letras da divida fluctuante se não vencem no mesmo dia.
Por conseguinte, ainda para essa parte do emprestimo, o lucro resultante da percentagem do cambio era certo. E quando a affluencia do papel, que aliás aquellas circumstancias corrigiam, podesse fazer descer n'aquella parte a menos de 60 réis o lucro em libra, e todavia fora de duvida que um lucro importante ficaria sempre subsistindo, e muito superior a differença de dois centesimos, que o nobre ministro da fazenda achou entre a proposta allemã e a proposta Burnay.
Vou examinar agora a questão por outro lado, que é o mais grave.
Supponhamos que o governo não queria este beneficio de 60 réis em libra; que dispensava este lucro, immediato, certo, resultante da differença dos cambios. Tinha ainda assira outro meio para conseguir beneficios, e muito mais valiosos para o thesouro e para a praça.
Eu me vou explicar.
Foi aqui apresentada o anno passado uma proposta, auctorisando o governo a abolir, quando julgasse conveniente, os direitos sobre a exportação do oiro e prata amoedado. Esta proposta foi apresentada pelo governo em resultado de uma representação do banco de Portugal feita em 25 de Janeiro de 1884, representação já fundada n'uma consulta do conselho geral das alfandegas de 18 de fevereiro de 1881.
N'esta representação o banco do Portugal instou pela necessidade de se abolirem os direitos do exportação sobre o oiro e prata amoedados, considerando que esta abolição dava grandes vantagens para o thesouro e grandes beneficios para a praça. O sr. ministro da fazenda perfilhou estas apreciações, e n'este sentido apresentou uma proposta, que foi convertida em lei.
Foi relator do projecto o meu amigo sr. Luciano Cor-

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deiro, que sinto não ver presente, cuja alta competencia em assumptos economicos e bancarios é de há muito reconhecida.
Um dos fundamentos do projecto foi precisamente a differença do cambio, e o prejuizo que por causa d'ella o thesouro soffre annualmente com a remessa do dinheiro, que tem que fazer para Londres para pagamento do coupon e juros das obrigações amortisaveis. Só o prejuizo resultante da remessa do dinheiro para pagamento do coupon foi calculado em cerca de 60:000$000 réis annuaes.
A praça soffre prejuizos analogos, e principalmente os soffre o banco de Portugal, que, por ser o regulador do nosso mercado, se vê obrigado a importar annualmente grandes quantidades de oiro.
Essa importação não corrige todo o mal, porque a saida do oiro faz-se de modo clandestina. E assim, o direito da exportação sobre o oiro e prata amoedado converte-se só em ganancia para o commercio illicito. Os direitos arrecadados pela exportação avultam muito pouco, e não compensam de modo algum os prejuizos, que o thesouro soffre directamente por outro lado.
Nos documentos comprovativos da representação do bando de Portugal vem indicada a importancia dosa direitos cobrados pela exportação do oiro e prata amoedado, e por ella se prova, que esse direito não favorece senão o contrabando. Vê-se de um d'esses documentos que o dinheiro importado nos onze annos de 1873 a 1883 foi na importancia de 27.000:000$000 réis, e o exportado só na importancia de 9.000:000$000 réis. Deveria haver, portanto, uma grande reserva de oiro. Mas não há. Succede até o contrario. A differença entra aquella importação e a exportação desappareceu toda pelo contrabando.
E o systema é facilimo. Transportar-se o dinheiro em libras d'aqui para Badajoz. D'ali por diante circula livremente, porque o oiro e prata amoedado não pagam direitos em Hespanha. O dinheiro segue para qualquer dos portos hespanhoes e d'ali para Londres, fugindo ao pagamento dos direitos de exportação.
Sae tambem clandestinamente, quasi diariamente, nos navios que dos nossos portos se dirigem para Inglaterra, porque o dinheiro é mercadoria, que por sua natureza escapa facilmente á acção fiscal.
Ha ainda outro processo para os lucros do commercio illicito. O dinheiro sáe clandestinamente para Hespanha; ali transforma-se em papel sobre Londres; e esse papel vem ser negociado em Lisboa, concorrendo com o outro papel cambial, cotado sob a pressão dos direitos de exportação.
O lucro, que a exportação clandestinamente assim offerece, póde ser de 30 e 40 réis em libra, o que representa um lucro avultadissimo, se se attender a que elle é realisado no curto espaço de poucos dias. Isso quer dizer, que há de sempre influir para que o contrabando continue.
O relatorio da proposta apresentada pelo sr. ministro da fazenda o anno passado, para a abolição do direito de exportação do oiro e parta amoedado, reconhece que a conservação de tal direito é prejudicial para o thesouro e para a praça.
O sr. ministro da fazenda não póde renegar o que então escreveu, principalmente porque isso é uma verdade economica e financeira, que está ainda em pé.
A lei não decretou immediatamente a abolição do direito, mas auctorisou o governo a decretar essa abolição, quando o julgasse conveniente. A rasão d'isto encontra-se na mesma representação, que eu peço licença á camara para ler n'essa parte. É a seguinte:
«O simples facto da apresentação em côrtes de uma proposta de lei, abolindo o direito de exportação, há de necessariamente determinar uma corrente de especulação por parte de quantos estabelecimentos e particulares estejam no goso de creditos abertos em praças estrangeiras. Todos elles procurarão, com effeito, saccar a 52 11/16, gold-point actual, com a esperança de cobrir posteriormente esses saques por meio de remessas adquiridas na peior hypothese ao gold-point de 53 7/32, proveniente da abolição do direito.
«Há quem tenha receiado que essa especulação possa assumir proporções taes, que o banco de Portugal se visse obrigado a fornecer mais tarde, para cobrir os compromissos assim contrahidos pela praça, papel em uma importancia que absorvesse a inteira cifra dos seus creditos, e podesse mesmo determinar um drain metallico de incalculaveis consequencias para as praças de Lisboa e Porto.
«Sem contestar a possibilidade de um momentaneo abalo no mercado, e reconhecendo tambem o inconveniente de brusca alteração, proveniente de providencia legislativa, nos valores em cambiaes retidos nas diversas carteiras, alteração que póde representar, para muitos possuidores de papel, uma reducção e um prejuizo no seu capital empregado por similhante fórma, parece-nos poder affirmar que a supposta drainagem de soberanos e crise monetaria receiada, não deverão produzir-se como consequencia da abolição do direito de saida do oiro amoedado; e que o effeito benefico d'esta providencia compensará largamente qualquer pequeno inconveniente que possa resultar da sua adopção.
«No entanto, e para prevenir todas as eventualidades, bastaria que a proposta de lei assumisse a fórma de uma auctorisação conferida ao governo para decretar essa abolição quando julgasse opportuno o momento de o fazer. Por similhante modo desarmar-se-ia a especulação, pela ignorancia e que esta ficava da epocha em que poderia cobrir, pelo typo do novo gold-point, os saques que tivesse emittido; ou anda se dava tempo a esperar uma epocha em que o cambio, pela sua natural subida, se houvesse tornado independente do direito e portanto independente da suppressão ou conservação d'este.»
Eis a rasão de se ter decretado uma auctorisação e não a abolição immediata. Tive-se receio de uma grande drainagem metallica, produzida pela especulação.
E porque é que o governo não usou até agora d'essa auctorisação? A lei promulgada há um anno, e até hoje ainda o governo não achou ensejo de usar de uma auctorisação, que foi aqui pedida, como de grande vantagem para o thesouro e para a praça.
Temos, portanto, hoje o governo apertado entre o perigo de uma drainagem, que provocaria talvez uma crise, e a necessidade de decretar uma abolição de direitos, que são causa de importantes prejuizos e de embaraços para o giro commercial.
Como sair d'esta difficuldade? Evidentemente, o governo tinha obrigação de aproveitar a primeira occasião, que para isso se lhe offerecesse. E essa occasião fornecia-lhe a proposta allemã.
Não sou eu que o digo. Quem falla é o parecer da commissão respectiva sobre o projecto para a abolição dos direitos de exportação sobre o oiro e prata amoedado.
Esse parecer, que tem a data de 10 de março de 1884, e foi publicado no Diario das sessões de 1 de abril, a pag. 962, do anno findo, diz o seguinte:
«Porventura a emissão do emprestimo, que acaba de vos ser proposto, offerecerá ao governo occasião de prevenir a acautelar o perigo, que se denuncia e receia.»
Este perigo era o que vinha apontado na representação do bando de Portugal. Era uma grande drainagem metallica, produzida pela especulação. E a commissão entendia, e muito bem, que a operação do emprestimo podia realisar-se de modo, que fizesse desapparecer esse risco, permittindo ao governo decretar, com toda a segurança, a abolição dos direitos de exportação sobre o metal amoedado, o que até agora não pôde fazer, nem já agora poderá fazer tão cedo.
Se o governo, em vez de receber o dinheiro do emprestimo em Lisboa, o recebesse em Londres como pela proposta allemã lhe era offerecido, podia fornecer á praça de

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Lisboa cambiaes abundantes e baratos, que tornariam impossivel a especulação.
A drainagem metallica podia realisar-se, havendo vantagem em mandar dinheiro metal para Londres, o que succederia continuando a falta de papel e abolindo-se os direitos de exportação. Mas desde que houvesse papel em abundancia, e sem cambio, não havia vantagem, e só prejuizo, em mandar metal. Portanto, a drainagem não se realisaria.
Eu explico mais claramente. Uma libra, metal, paga de seguro e frete para Londres 9 réis. O governo, em vez de vender o seu papel á praça por 4$560 réis a libra, como considerei no primeiro caso, prescindia d'esse lucro, e vendia-a a 4$509 réis, ou a menos.
A drainagem metalica não poderia realisar-se, visto ficar a libra papel pelo mesmo preço ou ainda a menos, que a libra metal. A especulação não tinha ensejo para se exercer. E o governo aproveitaria o ensejo para usar sem perigo d'aquella auctorisação, com o que realisaria indirectamente os lucros avultados, que foram ponderados na respectiva proposta, alem dos beneficios que d'ahi resultavam para a praça.
Isto podel-o-ia ter feito acceitando a proposta allemã, que lhe dava dinheiro em Londres, e não o pode fazer com o contrato Burnay, que o obrigou a transferencia de fundos, aggravando o desfavor do cambio. (Apoiados.)
N'estas duas hypotheses, que deixo indicadas, as preferencias eram todas pela proposta allemã. Porque, ou o governo aproveitava em seu beneficio a vantagem do cambio, lucrando 60 réis em libra, o que lhe dava um beneficio de 240:000$000 réis na totalidade do emprestimo, ou prescindia d'esse lucro, que era o que tinha de melhor a fazer, e fornecia abundantemente a praça de papel a 4$509 réis a libra, para decretar n'essa occasião a abolição dos direitos de exportação sobre o oiro e prata amoedado, tornando impossivel a drainagem metallica produzida pela especulação.
Alem d'estas vantagens, outras resultavam, e muito valiosas, da acceitação da proposta allemã, e que por isso ficaram prejudicadas com a preferencia dada a proposta Burnay.
O documento n.° 11, assignado por T. A. Greenhill, representante do syndicato allemão, diz claramente o seguinte:
«Desnecessario é de certo expor a v. exa. as vantagens de abrir ao credito portuguez um novo mercado monetario tão importante, como e o mercado allemão, estabelecendo legitima concorrencia com a bolsa de Londres e de Paris.
«As casas, que n'este momento represento, alem da proposta para a actual transacção, estarão sempre desejosas de serem convidadas em qualquer outra transacção d'aquellas, que o governo portuguez term realisado até hoje em Londres e Paris, e tanto em divida consolidada como fluctuante.»
O alcance d'este concurso dos banqueiros allemães salta aos olhos.
Esta vantagem era tão grande, que, sem hesitar, se devia dar a preferencia a proposta allemã, ainda que esta fosse mais cara em dois centesimos que a proposta Burnay, como o sr. ministro dizia, o que aliás não é exacto.
Em vez disso, o governo preferiu contratar com o mesmo grupo, que tem feito as ultimas operações financeiras, fortalecendo assim um monopolio, que em certas occasiões pesa cruelmente sobre nós. (Apoiados.)
Aquelle offerecimento de casas respeitaveis, como o illustre ministro da fazenda as considerou no seu relatorio, de casas de primeira ordem, para o auxiliarem, não só n'aquella operação, mas para o futuro, tendo por consequencia a possibilidade de estabelecer uma concorrencia que o livrasse das condições, por vezes onerosas, e das instancias as vezes perigosas das potencias monetarias, a que temos andado ajoujados, não devia ser desattendido. O governo, preferindo a proposta Burnay, deixou passar uma occasião propicia para libertar o paiz de um monopolio financeiro, que acontecimentos recentes mostram poder ter os mais graves inconvenientes. (Apoiados.) A independencia governativa e politica torna-se uma ficção quando a liberdade e a independencia financeira não existem. (Apoiados.)
Como a camara vê, eu não considero a questão sómente pela vantagem do aproveitamento da percentagem do cambio de 60 réis por cada libra, ou pela necessidade de se decretar immediatamente a abolição dos direitos da exportação do oiro, o que daria lucros para o thesouro o para a praça, e seria de grande vantagem para o movimento commercial.
Alem dos que já, expuz, ha outros beneficios accessorios a considerar e que o sr. ministro desprezou.
E sabido por todos, que os coupons da divida externa, que ha hoje no paiz, fogem quasi totalmente ao pagamento do imposto do rendimento.
Raros são os que pagam esse imposto. Apresentam-se a pagamento em Londres, onde não têem o encargo que teriam se se apresentassem ao pagamento em Lisboa. (Apoiados.)
Esses coupons negoceiam-se correntemente no paiz, como se não estivessem sujeitos ao imposto. Aquelles que os compram ao par, enviam-os para Londres, porque a percentagem dos cambios lhes deixa ainda uma larga margem do lucro sobre a despeza de frete e seguro. Os 60 réis de lucro em cada libra dão de sobejo para tudo. E quem perde é o thesouro.
Ora, desde que o sr. ministro estivesse habilitado a promulgar a abolição da exportação do oiro, e por consequencia a fazer descer a percentagem do cambio, desde que abastecesse a praça de cambiaes baratas, ao par, sobre Londres, esses coupons não iriam para lá, e ficariam sujeitos ao imposto do rendimento. A especulação, que hoje se exerce em larga escala, deixaria de se exercer porque deixaria de ter lucro, e o estado arrecadaria essa parte importante do imposto que hoje lhe foge.
A acceitação da proposta allemã tinha vantagens directas e indirectas, que o governo não podia desconhecer, e que desattendeu.
Não quero fatigar mais a camara com a aridez das minhas considerações; mas tendo assim começado, não devo fugir ao assumpto, enxertando n'elle considerações de ordem strictamente politica, que poderiam prejudicar um exame sereno e frio, embora fossem mais deleitosas para o ouvido.
Vou resumir as minhas observações, synthetisando, tanto quanto possivel, os meus argumentos.
Primeiro. A proposta allemã, offerecendo o dinheiro em Londres, proporcionava o lucro resultante da percentagem dos cambios, que na totalidade do emprestimo ascenderia a 240:000$000 réis, pelo menos, o que fazia descer o encargo annual do emprestimo a 6,24, ficando por consequencia inferior ao encargo proveniente da proposta Burnay.
O beneficio resultante da percentagem dos cambios foi indicado ao governo na proposta ingleza, que consta do documento n.° 7. Ahi se diz:
«Il faut prendre en consideration que recevant á Londres £ 3.000:000 effectives, le trésor sera bonifié de l'avantage du change.»
O sr. ministro da fazenda, pelos seus estudos, pelas obrigações do seu cargo, e porque assim lhe foi dito, não podia desconhecer esta vantagem, que aliás desattendeu.
Segundo. Quando o governo não quizesse realisar esse beneficio, podia vender ao par cambiaes sobre Londres, aproveitando o ensejo para por em execução a lei da abolição dos direitos sobre a exportação do oiro com todas as suas vantagens.
A praça, que tem estado muito precisada d'essas cambiaes, porque desde a deploravel conversão das obrigações

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amortisaveis se encontra em debito de grandes sommas ao estrangeiro, tendo se ultimamente aggravado essa situação, ficaria muito alliviada com essa abundancia de papel, que só por si removeria muitas das difficuldades existentes. E devo ainda dizer, que a reserva de um milhão esterlino para a nossa praça, que se estipulou no contrato Burnay, e que não vinha na proposta allemã, foi um funesto presente, cujos deploraveis effeitos se fizeram desde logo sentir. (Apoiados.)
Terceiro. A acceitação da proposta allemã dava-nos mais a enormissima vantagem de nos livrar de um monopolio financeiro, que póde, de um momento para o outro, ser uma tyrannia, que nos aperte a corda na garganta, fazendo-nos exigencias desarrasoadas, e deixando-nos sem concorrencia de defensores, quando, como em Anvers, se publicam brochuras de hostilidade acintosa e intuitos especuladores contra o nosso credito.
Qualquer d'estas considerações parece-me que era sufficientemente forte para levar o governo a preferir a proposta allemã, ainda que ella não fosse, como era realmente, mais barata em preço.
Terminando, creio que o illustre ministro não me lançará em rosto que eu tenha discutido os seus actos com menos cordura. E eu estimarei muito que a sua resposta esteja a altura das suas responsabilidades, isto é, do que deve a si proprio, ao governo que representa, á maioria que o apoia e considera, e a todos nos que o admiramos.
Vozes : - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro) : - Sr. presidente, vi com verdadeiro sentimento de satisfação que o illustre deputado, o sr. Emygdio Navarro, afastando completamente qualquer paixão partidaria que o podesse preoccupar n'este momento e demovel-o do seu louvavel proposito, entrou na questão de fazenda com aquella serenidade de animo que tão propria é d'estes assumptos e ao mesmo tempo com a largueza de vistas e com o desenvolvimento de conhecimentos que são o apanagio de s. exa.
É realmente assim que o assumpto deve ser tratado.
Regosijo-me, e creio que a camara toda se regosija tambem, (Apoiados.) por ver que a questão de fazenda é tratada na sua verdadeira altura, com dados positivos, com verdadeiro conhecimento do assumpto, e ao mesmo tempo com a moderação e com a cordura propria d'aquelles que dizem o que sentem e que pensam que, procedendo d'esta fórma, prestam um serviço utilissimo ao paiz. (Apoiados.)
E tambem para mim motivo de satistação o ver que o illustre deputado poz hoje de parte a questão que hontem aqui se levantou acerca, das despezas realisadas na occasião em que o governo se empenhava em evitar que o cholera viesse a Portugal.
Não digo que essa discussão não seja importante e não verse, emfim, sobre a fiscalisação de actos, cuja responsabilidade pertence ao governo e a qual elle por certo se não furta; mas mais importante e discutir os termos de uma operação de credito de tanta magnitude e alcance como a que ultimamente se realisou; mais importante e examinar a questão de fazenda no seu mais elevado ponto de vista, nos seus fundamentos mais substanciaes.
Mas, sr. presidente, não obstante assim ser, v. exa. comprehende bem que, antes de eu entrar, e breve será, na apreciação das considerações que o illustre deputado expendeu hoje, e dever meu refutar algumas das asseverações que s. exa. apresentou na sessão de hontem.
O illustre deputado censurou asperamente o governo porque, no desenvolvimento das despezas feitas por causa do cholera, foi muito mais longe do que a sua missão lhe permittia, entrando em gastos que em nada aproveitavam as medidas preventivas contra essa invasão e com intuitos, já se vê, que não eram de certo os de manter a saude publica no paiz.
Collocou-se s. exa. em um ponto de vista que não e aquelle em que o governo se achava então collocado.
Se o illustre deputado tivesse perante si as responsabilidades do governo e carecesse de tomar promptas providencias contra um flagello como é o cholera; se tivesse de attender por um lado aos receios que se manifestavam em todo o paiz, e por outro as reclamações que todos os dias se faziam para se tomarem providencias que podessem por termo a esses receios ; reclamações a que não era alheia a propria imprensa a que o illustre deputado se honra de pertencer; se s. exa., repito, tivesse a responsabilidade do governo em uma occasião assim angustiosa e apertada, de certo não se arreceiaria de lançar mão de todos os meios ao seu alcance para cumprir a sua missão.
Fizeram-se despezas, e certo; mas o illustre deputado não se lembra que a imprensa reclamava que estabelecessemos lazaretos em Elvas, Villar Formoso, Marvão, e mais tarde um cordão sanitario como o meio mais efficaz para tolher o passo á invasão do flagello; mas o illustre deputado não se lembra que estas providencias eram instantes e urgentes, tinham de ser tomadas quasi de um dia para o outro, e que, todavia, na fronteira, quasi nenhuns elementos tinhamos com que podessemos estabelecer um lazareto, por mais modesto que fosse, e que apesar de tudo nos tinhamos de proceder com a maxima rapidez e em ordem a conseguir o cumprimento do nosso dever, pela forma mais honrosa para o governo. (Apoiados.)
Os illustres deputados queixam-se agora de que as despezas foram exageradas ; e comtudo eu tenho bem presentes as queixas de que os lazaretos nas fronteiras não davam as commodidades necessarias aos individuos que ali entravam!
O que é certo e que o governo, em presença das circumstancias que então se davam, entendeu ser necessario tomar essas providencias sanitarias, mas sem comprometter os interesses do thesouro, sem se alargar em despezas inuteis, e sim obtemperando tão sómente ao indispensavel. (Apoiados.)
Uma das queixas que hontem fez o illustre deputado foi de que, na despeza do ministerio do reino, apparecesse trinta e oito vezes a palavra gratiticação!
Pois s. exa. não sabe que, em uma occasião d'aquellas, os serviços prestados têem de ser pagos ou então não se fazem? (Apoiados.)
S. exa. ignora que, n'aquellas occasiões, é forçoso que alguem ponha em pratica os meios de acção que a opinião publica reclama, mesmo com o risco da propria vida, o que tudo isso é necessario recompensar?
E o illustre deputado admira-se agora que nos procedessemos assim, n'uma occasião em que na fronteira não tinhamos um unico elemento com que se podesse preparar uma cama se quer que servisse para qualquer quarentenario!
Nós podemos, dizia o illustre deputado, não accusar o governo pelas despezas feitas propriamente com as medidas preventivas contra o cholera, mas não podemos fazer o mesmo a respeito de outras que em nada respeitam ao cholera, mas que o governo cobriu com esse nome; e a este respeito citava s. exa. umas obras feitas na penitenciaria e na cadeia do Aljube, a construcção de uma muralha do supporte feita no Lazareto, e ainda outras verbas de despeza de que não me recordo agora.
Esqueceu-se, todavia, s. exa. de uma consideração sobremaneira attendivel, e é, que n'aquellas despezas estão incluidas, não só as que directa, unica e exclusivamente prendem com os meios impeditivos da entrada do flagello, mas tambem as despezas que se n'outra occasião podiam, talvez, ser adiadas por mais algum tempo, em attenção as circumstancias do thesouro, se tornaram, todavia, urgentes e indispensaveis em vista da imminencia do mal. (Apoiados.)
Pois então, perante a ameaça da invasão do cholera,

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tendo nós prompta a penitenciaria, e estando o Limoeiro bem longe de satisfazer as condições de uma hygiene apurada, queria o illustre deputado que nos não prevenissemos a hypothese de se tornar necessario, de um momento para o outro, transferir os presos para aquelle edificio?
Queriam s. exas. que os transferissemos para lá sem que as condições hygienicas d'esse edificio estivessem assegura das, sem se ter realisado, por exemplo, a construcção de um cano de esgoto, que era uma das obras necessarias que restavam a fazer para que a penitenciaria podesse ser utilisada?
Seria assim que no entender de s. exa. nós cumpriamos a nossa missão?
Parece me que não. (Apoiados.)
Referiu-se tambem o illustre deputado, para nos censurar, as despezas com os reparos mandados fazer na cadeia do Aljube e á construcção de uma muralha de supporte no Lazareto.
Mas pode s. exa. deixar do concordar em que essas obras não só eram necessarias para melhorarem as condições materiaes d'aquelles edificios, mas concorriam para que ellas fossem garantia de aceio, de uma melhor hygiene, perservativo contra o desenvolvimento da epidemia que nos ameaçava?
A par de despezas que prendem exclusivamente com o serviço quarentenario ou do cordão sanitario na fronteira, s. exa. notou com estranheza outras que respeitara unicamente a obras publicas.
É verdade, despendeu-se com obras publicas; mas são obras que, depois de passado o periodo do cholera, têem vantagem pratica e permanente; e que, em todo o caso, se tornaram imprescindiveis e inadiaveis desde que o flagello nos ameaçava de perto, tendo por isso o governo de proceder com energia e resolução. (Apoiados.)
Dito isto, deixemos as despezas sanitarias, que eu n'esta parte imitarei o exemplo do illustre deputado, e occupemo-nos da questão financeira, tal qual o illustre deputado a apresentou.
É esta uma questão que só póde ser desapaixonadamente tratada e exposta com a lucidez que é propria de cada um. Pela minha parte procurarei exprimir-me de fórma que todos me possam comprehender, por isso que tenho de justificar os meus actos, arguidos pelo illustre deputado embora com uma consideração e deferencia pessoal que muito agradeço.
De todas as questões de fazenda que podem ser trazidas a esta discussão, o illustre deputado referiu-se sómente a um ponto realmente importante, o do emprestimo.
O emprestimo foi uma operação de credito baseada em largos moldes. Tinha um grande alcance para o paiz. E quando ha pouco via o illustre deputado a accusar-me pelas condições em que eu tinha effectuado esse emprestimo, e que attentava as amarguras e sobresaltos que eu tive antes de fechar aquelle contrato e depois aos seus resultados praticos, senti uma satisfação plenissima pelo modo como pude levar a effeito a auctorisação votada pelo parlamento, certo de que cumpri lealmente o meu dever.
Quando a auctorisação para o emprestimo era assumpto dos debates parlamentares, não faltava quem dissesse que eu não podia encontrar novos proponentes para uma tal operação de credito, e que tinha fatalmente de contratal-a com os proprios com quem realisara a outra operação em dezembro passado com quaesquer condições que me pretendessem impôr.
Dizia-se que eu estava vinculado, irremediavelmente preso ao contrato que fizera, porque não havia meio de sair d'elle; que nenhum estabelecimento de credito importante do estrangeiro ousaria, sequer, vir fazer uma proposta ao governo para esta nova operação, sabendo que essa proposta seria perfeitamente illusoria e teria de ser posta de parte.
E todavia o illustre deputado vê que alem da proposta que acceitei houve duas propostas, partindo ambas do grupos de estabelecimentos bancarios de primeira ordem; uma de allemães e belgas, e outra de casas inglezas.
S. exa. deve reconhecer que o quadro carregado e sombrio com que amedrontavam os nossos espiritos não era verdadeiro, apesar das prophecias de mau agouro que se faziam a proposito da operação do emprestimo que eu era levado a realisar. Isto prova que eu não estava vinculado a um contrato, e que por consequencia era exacta a minha affirmação de que não tinha compromisso algum com aquelles com quem fizera a anterior operação de credito. (Apoiados.)
É verdade que a segunda foi contratada com os mesmos, mas unica e exclusivamente por me convencer de que eram maiores as vantagens d'essa proposta e não porque deixasse de haver offertas feitas ao governo para se realisar uma operação de credito por parte de outros estabelecimentos muito importantes; e nunca porque Portugal estivesse desprestigiado aos olhos dos estrangeiros a ponto de ter de levantar as mãos para implorar auxilio das praças de fora do paiz. Pelo contrario, honro-me com as propostas recebidas, porque ellas mostram que muitos estabelecimentos de credito importantes no estrangeiro têem mais confiança no paiz, do que alguns portuguezes que tão desarrasoadas suspeitas levantam ácerca da fortuna publica em Portugal e dos meios de acção com que podemos contar.
E se não fosse isso não ouviriamos aqui o excellente discurso proferido pelo illustre deputado.
Sendo isto assim, vejamos quaes são as accusações formuladas por s. exa. e qual a defeza que posso offerecer em resposta.
Houve effectivamente tres propostas. Uma representada principalmente por uma casa ingleza, a casa Bahring; a outra representada por um grupo de casas allemãs do que fazia parte principalmente o Deutsche Effecten & Wechsel Bank, e a terceira de um grupo de capitalistas inglezes, francezes e portuguezes; sendo os de Inglaterra representados pela casa Stern, os de França pelo Comptoir, e os de Portugal por estabelecimentos bancarios, entre os quaes o banco de Portugal.
O illustre deputado comparou primeiramente duas propostas. A proposta que acceitei e sobre a qual se redigiu o contrato do emprestimo, e a proposta da casa Bahring, que tomava por base o typo de 5 por cento.
S. exa. disse que devia ter-se preferido a proposta da casa Bahring. E sobre este ponto que versa principalmente a discussão.
Se essa proposta era a mais acceitavel, vejamos em que o era.
Em primeiro logar, não era uma proposta firme, circumstancia esta que tinha grande importancia nos resultados praticos. A camara reconhece de certo quanto era importante esta clausula, as suas largas consequencias e o grande alcance que ella tinha para o credito portuguez.
Eu antes queria uma proposta em que houvesse algum a outra desigualdade de circumstancias, uma vez que fosse toda firme e que por conseguinte pozesse o governo portuguez ao abrigo de qualquer eventualidade em mercados estrangeiros, do que outra proposta que apenas offerecesse firme uma parte da quantia pedida e não a totalidade.
Em segundo logar, o illustre deputado, confrontando as duas propostas, entende que eu não tomei em linha do conta, que a da casa Bahring, do typo de 5 por cento, não era de typo amortisavel, mas de renda perpetua.
S. exa., porem, labora num equivoco e de certo se esqueceu do que eu escrevi no relatorio das propostas apresentadas e do procedimento que segui.
Quando tratei de negociar o emprestimo, disse eu, que acceitava propostas no sentido do typo de 5 por cento ou de 3 por cento; e quando indicava 5 por cento, referia-me ao typo de 5 por cento existente, que era typo amortisavel.

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Poderia vantajosamente acceitar a proposta de 5 por cento; mas dependia isso das condições offerecidas pela casa Bahring; e s. exa. não demonstrou nem podia demonstrar, que mesmo dada a hypothese do typo de 5 por cento ser de renda perpetua, houvesse mais vantagem n'essa proposta, com relação ao contrato que fiz.
Portanto, desde que eu não podia entender que se tratava de um typo differente do que já existia a data das propostas, desde que em qualquer hypothese as condições offerecidas não eram superiores as do contrato que realisei, o tanto mais que essa proposta Bahring, como já disse, não era firme, ao passo que o era a do outro grupo, em que fica a accusação feita pelo illustre deputado e que s. exa. diz dever pesar em minha consciencia, julgando que prejudiquei os interesses do thesouro?
Absolutamente em nada os prejudiquei. (Muitos apoiados.)
Mas s. exa. referiu-se tambem á proposta da casa allemã, e entendeu que era esta a que se devia, por muitas considerações, ter acceitado de preferencia.
A argumentação de s. exa. resumiu-se principalmente n'um ponto, que e necessario esclarecer bem para que se possa conhecer qual a sua natureza, qual a sua importancia e qual o sen alcance.
Esse ponto diz respeito aos cambios.
A camara toda sabe em que consiste a differença de cambios entre esta praça e o mercado inglez: consisto em que para se ter uma libra em Londres paga-se mais de uma libra em Lisboa.
No confronto das propostas tinha eu de attender aos cambios.
E porque?
Porque o emprestimo era destinado para o pagamento de 1.200:000$000 réis de despeza ordinaria e para amortisação da divida fluctuante, alem do pagamento das despezas extraordinarias, calculada para o corrente anno.
A divida fluctuante estava contrahida no estrangeiro e em Portugal. É claro que, recebendo eu dinheiro em Lisboa, satisfazia e amortisava a divida fluctuante interna ao par; não tinha que attender ao cambio. Mas em relação a divida fluctuante externa, contrahida em Londres e em Paris, tinha de certo de attender as differenças de cambio para ver por quanto me saia o dinheiro que recebia, em relação ao dinheiro que tinha a pagar da divida lá fóra contrahida. (Apoiados.)
Sendo isto assim, vejamos, sob este ponto de vista restrico, quaes eram as condições offerecidas nas duas propostas ; podia mesmo dizer nas tres.
A casa Bahring offerecia o pagamento integral em Londres ; mas desde o momento em que, ainda mesmo havendo differença cambial, e poderia havel-a em relação ao pagamento realisado em Lisboa, o preço que essa casa me offerecia pelos titulos dava uma desvantagem, apesar d'aquelle beneficio, e claro que a proposta Bahring ficava posta de parte.
Vejamos agora a proposta das casas allemãs apresentada por T. Greenhill.
Na clausula 8.º dizia-se o seguinte:
«A importancia das prestações em libras a 4$500 réis cada uma será entregue no todo ou em parte em Lisboa ou em Londres, a escolha do governo.»
Confesso que nunca percebi esta clausula da proposta, porque não percebo que se possa dar indifferentemente mais ou menos por uma determinada cousa, desde que uma libra em Londres vale mais do que uma libra em Lisboa.
Offerecer-se-me o pagamento, a minha escolha, indifferentemente em Londres ou em Lisboa, poderá ter uma explicação muito rasoavel; mas eu e que não comprehendo bem o alcance de n'uma operação de credito cujas bases não são definidas, quando é certo que n'uma proposta de emprestimo tudo se calcula e conta para se chegar ao apuramento do preço, liquido de todos os encargos, que se offerece e acceita. Emfim, será talvez falta de comprehensão da minha parte. Em todo o caso, boa ou má para os contratadores, essa clausula existia na proposta, e eu tenho de a considerar nos seus effeitos mais beneficos para o nosso thesouro.
Por conseguinte, ponderando a hypothese mais latitudinaria, entendendo esta clausula da proposta Greenhill como pondo á minha disposição em Lisboa ou em Londres, como eu quizesse, o dinheiro de que precisasse para satisfazer as despezas ordinarias e extraordinarias e para amortisar a divida fluctuante, e acceitando essa hypothese como segura, vejamos quaes seriam os resultados.
Como já expliquei á camara, tendo eu de fazer pagamentos em Lisboa e em Londres, saidos do producto do emprestimo, não podia deixar de metter em linha de conta o cambio, porque, desde que uma parte d'esses pagamentos me saia mais cara pela differença de cambio, eu precisava contar com esta differença para saber qual o producto liquido que me ficava para o cumprimento da auctorisação que me fôra dada para o emprestimo.
Como havia de fazer o confronto das propostas?
Porque o confronto para mim era tudo; era o ponto decisivo.
Dizia o illustre deputado que era realmente estranho que, apresentando-se aqui um documento que é uma comparação minuciosa e detalhada das tres propostas, se chegue a uma columna, a de percentagem de cambios, e não se encontre cousa alguma na proposta ingleza nem na proposta allemã, e se encontre na proposta portugueza uma percentagem de 29 centessimos.
Ora o que isto mostra e que eu fui verdadeiramente escrupuloso na comparação das differentes propostas, attendendo a todos os encargos que ellas envolviam, e por consequencia a differença de cambios em relação ás quantias de que eu precisaria fóra de Portugal. Porque a percentagem de cambio, que vem mencionada no documento, a que o illustre deputado se refere, e um encargo que eu levo á conta da proposta que acceitei, - o que é contra mim, - e prova só que apesar d'isso ainda o contrato que eu assignei e mais vantajoso no seu peso liquido definitivo do que a proposta allemã, que s. exa. desejaria ver preferida.
O que se torna, pois, evidente e que eu fui cauteloso até ao ponto de calcular quanto era que precisava em Londres, em Paris, e em Lisboa para, pelos cambios existentes então, ou que eu podesse assegurar para a occasião dos pagamentos, ver qual a differença que resultava d'ahi para o thesouro, a fim de poder chegar a um preço liquido definitivo; e em consequencia d'isso, calculei que precisaria de 1.030:000 libras em Londres, de 6.250:000 francos em Paris, e do resto em Portugal.
Calculei os cambios sobre estas quantias, reconheci que estava dentro da percentagem de 0,29, e, por consequencia, muito rigorosamente a descrevi ao comparar as differentes propostas com todas as suas dependencias e accessorios.
Especifiquei quanto precisava em Londres, Paris e Lisboa; ajustei o cambio, como consta de um despacho que aqui tenho, cambio que devia servir de base para essas tres transferencias, de modo a ficar dentro da percentagem que eu tinha calculado quando fiz o confronto das propostas.
Foi assim que se fez a operação, e, por isso, posso dizer que, pelo que toca á percentagem dos cambios, não paguei mais do que aqui esta calculado; e desde que não paguei mais, e claro que a proposta que acceitei era de todas a mais favoravel.
Mas diz o illustre deputado que o governo devia acceitar a proposta Greenhill que lhe dava o direito de receber todo o emprestimo em Londres; que era verdade que o governo não precisava do producto total do emprestimo ali, mas como havia prejuizo em mandar dinheiro de Lisboa

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para Londres e beneficio em o mandar vir de lá para cá, o governo, acceitando todo o emprestimo em Londres, dava depois, para a amortisação da divida interna, saques sobre Londres a praça de Lisboa, com o que muito lucraria.
Este argumento do illustre deputado e inteiramente especioso. (Muitos apoiados.)
Desde que eu tivesse quantias avultadas em Londres, e para effectuar largos pagamento tivesse de offerecer avultadissimos saques á praça de Lisboa, e evidente que o tal beneficio de cambio desappareceria. (Apoiados.) Isto com referencia a primeira accusação.
A segunda accusação do illustre deputado era a seguinte:- No anno passado votou-se uma lei auctorisando o governo a abolir o direito que pesa sobre a exportação do oiro. Era uma auctorisação pela qual, segundo as condições da praça e as circumstancias do credito, ficava ao prudente arbitrio do governo o direito de escolher o momento em que a lei se podesse executar sem prejuizo das condições do mercado.
Sua exa. concorda em que eu procedi acauteladamente, não pondo em execução esta lei em vista das circumstancias que se têem dado; não me accusa por não lhe ter já dado comprimento; accusa-me sómente por não ter acceitado a proposta Greenhill, que, segundo diz, me facilitaria a sua execução.
O argumento é ainda o mesmo. Se o governo acceitasse a proposta para o emprestimo da casa Greenhill, ficava com todo o emprestimo em Londres e contando ahi com largas disponibilidades, teria então margem para pôr em execução a lei que auctorisava o governo a abolir o direito sobre a exportação da moeda de oiro, sem prejuizo para a nossa praça. Foi isto o que disse s. exa.
Mas eu já mostrei que esta questão de cambios depende da lei de offerta e da procura; e é evidente tambem que desde que eu tivesse em Londres uns poucos de milhares de contos a disposição da nossa praça, sendo então a offerta maior do que a procura, não só perdia o beneficio do cambio, mas podia haver n'isso ou resultar d'ahi importante prejuizo para o thesouro. E assim, pelo systema do illustre deputado eu teria que executar a lei no momento em que ella podia trazer mais embaraços para esta praça.
Resta-me responder a ultima accusação.
A grande vantagem que o illustre deputado encontrava em eu acceitar a proposta allemã, era a de se nos abrirem os mercados allemães.
Eu reconheço esta vantagem. Não contesto que effectivamente é conveniente que Portugal tenha credito, transacções e relações de governo com estabelecimentos de credito, não só em Paris e Londres, mas tambem na Allemanha.
Perfeitamente de accordo; mas o que não vou é até ao ponto de, tendo de fazer uma operação de 18.000:000$000 réis, dever preferir a proposta menos vantajosa, só para conseguir que o emprestimo saisse de mercados allemães.
Alem de que, desde o momento em que a boa vontade dos mercados allemães se manifestou para comnosco, é de esperar que em outra opportunidade o governo possa, sem prejuizo do thesouro, acceitar qualquer proposta d'esses mercados.
Da abertura que elles nos fizeram eu não posso dizer senão que foi um bem para o nosso paiz ; mas entendo tambem que, sendo eu executor da lei, e tendo de attender, sobretudo, aos interesses do paiz numa questão tão grave, como é um emprestimo, eu não podia ir preferir aquella proposta, só pela vantagem de se nos abrirem os mercados allemães.
Ainda outra vantagem a que eu attendi n'aquella occasião, e que poderá não ser a de hoje, era a de ir fazer esta operação com casas já conhecidas e que estavam ha muito em transacção com o governo, interessando ao mesmo tempo n'ella os bancos do paiz.
O illustre deputado não ignora que, quando o meu illustre antecessor, o sr. Barros Gomes, celebrou um contrato tambem de 18.000:000$000 réis, entendeu reservar para Portugal, pelo menos, um quarto da operação, porque achava vantajoso que os titulos do operação se diffundissem pela massa dos capitaes portuguezes.
Devo tambem dizer a s. exa. que para apreciar devidamente uma operação, e preciso reportar-se ao momento era que ella foi feita e as circumstancias que então se davam.
Creio ter respondido aos pontos fundamentaes da argumentação do illustre deputado, dizendo que escolhi a proposta que foi assumpto do contrato realisado, por me convencer que, confrontando os encargos de umas com outras, a que eu approvei, era a mais vantajosa.
Procedi n'este assumpto com tanto escrupulo, quanto pode ter quem se sente responsavel por uma operação de credito de tal importancia; acrescendo a circumstancia de ser esta a primeira vez que fiz um emprestimo, e de mais a mais n'um momento difficil, quando não faltava quem sendo mais auctorisado do que eu, quem tendo mais competencia, mais experiencia e mais conhecimentos praticos do que eu tenho, dissesse que eu não tinha ninguem com quem tratar, chegando até ao ponto de affirmar que uma proposta de lei que eu apresentara e pela qual os fundos das misericordias passavam para a caixa geral de depositos, era um perigo para os bens d'aquellas corporações, porque os titulos de credito portuguezes estavam, ameaçados de uma bancarota!!
Não faltava, finalmente, quem dissesse que seria expor-nos a uma desastrada negativa o ir n'aquella occasião realisar uma operação de credito de tal ordem; motivo tenho eu, pois, para me felicitar hoje de ter conseguido realisar a melhor de todas as operações de credito que d'esta natureza se tem effectuado no paiz.
Confrontem os encargos, discutam as condições, examinem as clausulas, e desde o momento em que queiram discutir com a serenidade, com a moderação e com a consciencia, com que discutiu o illustre deputado, parece-me que, dadas as explicações do governo, determinados bem os factos, qualquer dos membros da opposição ha de concordar commigo que pelo que toca a este emprestimo, eu não só cumpri o meu dever, com o maior escrupulo, mas ainda com a mais rigorosa previdencia dos acontecimentos. (Apoiados.)
Depois d'isto, não tenho senão a applaudir-me do illustre deputado me ter, dado ensejo de poder demonstrar á camara, o que equivale a demonstrar ao paiz, que Portugal ainda ha pouco encontrava lá fóra, nos mercados mais importantes do estrangeiro, a maior acceitação nas suas propostas, para uma operação de credito tão importante como aquella que se realisou, e que por conseguinte esses que pretendem desprestigiar e desacreditar os recursos que o paiz possue, esses que pretendem affectal-o no seu credito e amesquinhal o nos seus interesses, nunca podem ser levados a isso, nem pelo exame imparcial e sereno dos factos, nem pela investigação desapaixonada dos acontecimentos, mas simplesmente, por interesses mesquinhos de especulação, que, fundados em bases falsas, desapparecem perante a rasão mais clara, e, que, uma vez que desappareçam, deixarão perfeitamente levantada a verdade, e perfeitamente restabelecido o credito de Portugal.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
Foi lida e approvada a ultima redacção do projecto de lei n.º 13, reformas politicas.
O sr. Pereira Leite: - Mando para a mesa o parecer da commissão de legislação civil sobre o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Santos Viegas, tendente a, dividir em duas a conservatoria de Braga.
A imprimir.

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O sr. Elvino de Brito (sobre a ordem):- Leu a seguinte moção:
«A camara, fazendo suas, sem a minima reserva, as palavras com que o illustre commissão do orçamento, a pag. 4 do parecer n.º 34, descreve a situação das finanças coloniaes, reconhece, em perfeita concordancia com a mesma commissão, que o «estado da administração da fazenda nas provincias ultramarinas e da sua contabilidade é insustentavel, e que a ausencia, quasi absoluta, de contas de como os dinheiros do estado são ali cobrados e apreciados, não póde continuar; e, por isso, desejando, ainda em accordo com a referida commissão, que sejam tomadas todas as providencias para que, no mais curto espaço de tempo, o parlamento, e portanto o paiz, saibam como os rendimentos publicos são cobrados e applicados nas terras de alem mar», convida o governo:
«1.º A submetter ao juizo do poder legislativo, como lhe cumpre, o relatorio dos seus actos na gerencia dos negocios coloniaes;
«2.º A reorganisar a fazenda publica do ultramar, em ordem a poder ser convenientemente exercida a fiscalisação segura e rigorosa na cobrança e applicação dos rendimentos publicos;
«3.º A cumprir o preceito clara e expressamente estatuido na lei da contabilidade publica, artigo 5.º, relativo á apresentação ás côrtes do orçamento da receita e despeza das provincias ultramarinas, orçamento que desde 1882 não é submettido ao exame do parlamento, em desobediencia flagrante ao acto addicional, á lei fundamental do estado e á referida lei da contabilidade, que ainda não foi derogada n'esta parte, em nenhuma das suas disposições;
«4.º A apresentar á consideração dos representantes do paiz quaesquer documentos elucidativos ou comprobativos da extraordinaria differença que se observa entre o deficit das provincias ultramarinas, approvado na ausencia das côrtes pelo decreto de 29 de novembro de 1884, e o deficit que figura na proposta do governo de 15 de fevereiro do corrente anno, e no projecto de lei que approva o orçamento rectificado para o exercicio de 1884-1885, e ora sujeito ao exame parlamentar; e bem assim quaesquer esclarecimentos que indiquem a verdadeira despeza extraordinaria a que obriguem a expedição de Massingire, na provincia de Moçambique:
«E, aguardando a apresentação immediata d'estes ultimos esclarecimentos, continua na ordem do dia.
«Sala das sessões, 6 de maio de 1885= O deputado por Quelimane, Elvino de Brito»
Em seguida passou a sustentar a sua moção.
Disse que não era a primeira vez que os governos e as commissões dizem, nos seus pareceres, que a administração da fazenda do ultramar era catholica, e no entanto, não se tem tratado de prover de remedio.
Sentiu que o actual sr. ministro da marinha, ainda não tivesse apresentado o orçamento do ultramar, não imitando o exemplo que lhe deram os srs. marquez de Sabugosa e José de Mello Gouveia.
A este respeito fez largas considerações e, como desse a hora, pediu para lhe ficar reservada a palavra.
( O discurso será publicado na integra quando o sr. deputado restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente:- Vae dar-se conhecimento de um officio recebido agora do ministerio do reino.
Leu-se. É o seguinte:

Officio

Ministerio do reino- Direcção geral de administração politica e civil- Primeira repartição- Illmo. e exmo. sr.- Tendo fallecido hontem, 5 do corrente, pelas seis e meia da tarde, o sr. D. Saturnino Alvarez Bugallal, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario de Sua Magestade Catholica n'esta côrte, deverá o prestito funebre Ter logar no dia 7 do corrente, logo em seguida aos officios funebres que se celebrarão pelas tres horas da tarde na igreja de Nossa Senhora das Mercês (Jesus), para a estação dos caminhos de ferro do norte e leste; assim, tenho a honra de o participar a v. exa. para que se sirva, com a sua assistencia áquelle acto funebre, concorrer para que o mesmo acto tenha, por parte dos poderes publicos, a significação de respeito que é devido á elevada categoria e representação do finado ministro.
Deus guarde a v. exa.- Secretario d'estado dos negocios do reino, 6 de maio de 1885- Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação prtugueza= Augusto Cesar Barjona de Freitas.

O sr. Presidente:- Querendo alguns srs. deputados assistir aos actos funebres e acompanhar o prestito, juntando-se á mesa, ficam prevenidos há hora em que devem comparecer na igreja das Mercês.
Amanhã há trabalhos em commissões, e para Sexta feira a ordem do dia á a continuação da que estava dada e mais o projecto n.º 44.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Rectificação

Por esquecimento deixou de se declarar, no logar competente, que o sr. deputado Marçal Pacheco não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso, que se acha publicado na sessão de 4 do corrente, pag. 1408, columnas 1.ª e 2.ª.

Redactor- S. Rego.

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