SESSÃO DE l DE MAIO DE 1888 1347
preciso que seja superior a todas as censuras, é preciso que não abuse da eminencia do seu logar, é preciso que saiba conservar immaculada a sua toga magistral.
Por isso, se houve, da parte do auditorio, alguma desattenção ao juiz, alguma manifestação de desagrado, que aliás não passou de um ligeiro rumor, é facto que se não defende, nem justifica, mas cuja gravidade se attenua, e cuja significação se desculpa, pela maneira imprudente, como o juiz, do alto da sua cadeira, insultou uma população inteira na pessoa do réu.
Sr. presidente, creio que já deu a hora, dentro da qual é permittido usar da palavra antes da ordem do dia, e por isso limito aqui as minhas considerações, pedindo apenas ao sr. deputado Arroyo, e aos seus, illustres collegas da opposição, que quando tenham outra vez de vir aqui fazer accusações d'esta ordem, que de mais a mais não offendem um individuo só, mas uma população toda, que merece tanto respeito e consideração de nós todos, corno nós mesmos, pensem mais maduramente na sua gravidade, usem menos da sua immunidade parlamentar, averiguem melhor da verdade dos factos, e sejam mais justos na sua apreciação, para pouparem a mim o trabalho de lhes responder, e á camara o incommodo de me ouvir.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Arroyo: - Sr. presidente, como o sr. Barbosa de Magalhães, nas suas considerações, fez uma referencia pessoal, que me foi tão directamente dirigida, eu julgo que a camara não deixará de permittir que eu responda já ao illustre deputado.
Rogo pois a v. exa. que se digne consultar a camara, sobre se consente que eu use da palavra.
Vozes: - Falle, felle.
Consultada a camara resolveu affirmativamente.
O sr. Arroyo: - Em primeiro logar, os meus agradecimentos a todos os meus collegas, por terem permittido que eu use da palavra n'este momento.
Direi muito pouco, porque nem quero abusar da benevolencia da camara, nem me parece que valha a pena fallar muito. Simplesmente vou referir-me a uma das phrases que o sr. Barbosa de Magalhães acaba de proferir.
O sr. deputado por Ovar, no principio do seu discurso, que eu, por benevolencia para com o individuo que foi meu companheiro em Coimbra e cujas qualidades pessoaes muito aprecio, apenas qualificarei de inconsciente; o sr. Barbosa de Magalhães disse, que as discussões parlamentares haviam descido a um lodaçal infamante de invectivas pessoaes.
O sr. Barbosa de Magalhães: - Eu não disse isso.
O Orador: - Perdão; v. exa. disse-o, e agora ha de responder pelas suas palavras.
O sr. Barbosa de Magalhães: - O que eu disse foi, que era de sentir que nem sempre as discussões na imprensa ou no parlamento se mantivessem á altura em que se deviam manter.
O Orador: - Ha uma cousa peior do que soltar phrases offensivas ou inconvenientes; é negal-as depois de as ter proferido. (Apoiados.)
Eu tenho respondido sempre n'esta casa pelas minhas palavras, e nunca, depois de as proferir, me recusei a repetil-as; mas o que pratica o sr. Barbosa de Magalhães n'este momento, nunca eu vi fazer a ninguem.
Certamente que, no ardor da paixão, não é para estranhar que se exagere um pouco; e tem-se visto isso mais de uma voz; mas depois, ao mesmo tempo que se desejaria não ter proferido umas determinadas expressões, não se recua diante da responsabilidade de as repetir.
(Aparte do sr. Barbosa de Magalhães)
O sr. Barbosa de Magalhães disse, e eu appello para o testemunho de toda a camara, que as discussões parlamentares haviam descido a um lodaçal infamante de invectivas pessoaes.
Ora, com franqueza, não é para admirar que o sr. Barbosa de Magalhães usasse d'esta linguagem, porque na realidade era ella a que mais convinha a quem tinha a ousadia, n'esta casa, de defender os attentados de Ovar; o que admira é que v. exa., sr. presidente, permanecesse n'essa cadeira, depois que a maioria ouviu aquella phrase sem protesto, e que v. exa. não chamou o orador á ordem. (Muitos apoiados da esquerda.)
Registo o facto.
Do resto não me admiro, porque, creia o sr. Barbosa de Magalhães, o maior castigo para a ousadia do seu discurso está em se ter Visto s. exa. obrigado a defender tal causa. (Apoiados.)
Um homem que, depois dos tristes acontecimentos de Ovar, depois das scenas mais vergonhosas e mais extraordinarias que, de ha muito, se toem praticado em Portugal, vem á camara sacrificar o seu nome e a sua individualidade honesta na defeza de uma obra de bandidos, creia s. exa. que faz mais do que dar uma prova de dedicação partidaria; vem comprometter o seu nome, juntando-o a uma obra que não está á altura do seu caracter.
Quaesquer que tivessem sido os abusos da situação passada, o certo é que Ovar está hoje fóra da lei, e que ali se têem praticado as maiores vergonhas e barbaridades de que ha noticia. (Muitos apoiados.)
E ousa s. exa. qualificar de cantata as simples phrases que eu aqui proferi, aqui, onde nós empregamos unicamente o latego da palavra, quando, contra esses factos, havia um unico latego, que, o sr. presidente do conselho devia empregar, se porventura não houvesse motivos pessoaes, que d'isso o impedem ? !!
E tem o sr. Barbosa de Magalhães a singular coragem de vir n'este momento á camara, defender esses homens, e chamar nos fazedores de cantatas ?!
Oh ! sr. presidente, cantatas, quando ha ferimentos, quando ha tentativas de mortes, tentativas de assassinatos! (Muitos apoiados do lado esquerdo.)
Ha do s. exa. permittir-me dizer-lhe que nunca devia ter proferido essa palavra, porque, repito, s. exa. é um bom advogado, é um homem honrado, que cumpre com aquillo que entende ser o seu dever, e essa palavra cantata, perante uma tal atrocidade de crimes, só estava bem na boca de quem fosse criminoso.
Perante mortes, perante ferimentos e tentativas de assassinato, e outros actos extraordinarios, só poderia chamar a isto cantata um assassino, um João Brandão, mas não o sr. Barbosa de Magalhães, porque s. exa. tem obrigação de se investir de toda a força da sua auctoridade moral contra similhantes actos.
Poderia s. exa. vir á camara fazer uma defeza de actos taes como s. exa. os imagina; mas o que nunca podia era qualificar de cantata as nossas accusações, e empregar phrases de um pretendido ridiculo contra quem, embora apaixonado no ponto da maior refrega partidaria, tem direito, com o codigo penal na mão, de exigir, não que sejam protegidos os interesses do um determinado partido, mas que se prenda essa malta que infesta Ovar, e cujo chefe eu não quero nomear, mas que, se for preciso, indicarei aqui mesmo. Não podia s. exa., repito, empregar esse termo contra quem tem direito de exigir, que se applique aquelle codigo, com toda a verdade e com toda a justiça. (Muitos apoiados.)
Eu não defendo aqui os chefes regeneradores, nem accuso os progressistas. O sr. Aralla praticou crimes? Pois accusem-n'o; enumerem esses abusos, enunciem esses excessos, que, se os houve, eu não o defenderei. Mas não defendo tambem quem, exhorbitando de um justo exercicio da sua dedicação partidaria, se lança com a pleiade de bandidos, em um caminho, que não pede discussão parlamentar, mas que pede unica e simplesmente procurador geral da corôa.
E dito isto, eu não discutirei a exposição detalhada que o sr. Barbosa de Magalhães quiz fazer perante a camara.