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SESSÃO DE l DE MAIO DE 1888

Presidencia do. exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral
Francisco José Machado

SUMMARIO

Decreto prorogando as côrtes geraes até ao dia 22 de maio inclusive.- Requerimento de interesse publico apresentado pelo sr. Bandeira Coelho. - Requerimento de interesse particular mandado para a mesa pelo sr. Alfredo Brandão. - Justificação de faltes do sr. Alpoim. - Considerações feitas pelo sr. Terceira de Vasconcellos era referencia ao caminho de ferro em estudos, e que faz parte do plano das linhas ferreas ao norte do Mondego. Resposta do sr. ministro das obras publicas. - Manda para a mesa um parecer da commissão de guerra e renova a iniciativa de um projecto de lei o sr. Brito Fernandes. - O sr. Carrilho apresenta dois pareceres da commissão de fazenda. - Considerações feitas pelo sr. Barbosa de Magalhães em referencia aos factos que se têem dado em Ovar, no sentido de justificar alguns d'elles, de restabelecer a verdade em relação a outros e de repellir accusações que reputa injustas. Responde-lhe em seguida, por concessão especial da camara, o sr. Arroyo.

Na ordem do dia o sr. Pedro Victor continua o seu discurso sobre a interpellação relativa ao contrato para a adjudicação das obras do porto de Lisboa, ficando ainda com a palavra reservada para a sessão seguinte. - O sr. Ruivo Godinho, que pedira a palavra para antes de se encerrar a sessão, insta com o sr. presidente do conselho para que compareça antes da ordem do dia. Resposta de s. exa. - Trocam-se explicações entre os srs. Avellar Machado e presidente do conselho relativamente á prisão do redactor do Diario do Alemtejo. - O sr. Serpa Pinto requer a impressão e distribuição pelos srs. deputados de uns documentos relativos ao em: prestimo para estradas. A camara resolve affirmativamente. - O sr. Franco Castello Branco reclama a presença do sr. ministro do reino no dia seguinte antes da ordem do dia, para lhe expor algumas considerações com respeito á influencia das obras do porto de Lisboa na salubridade publica. - O sr. Avellar Machado refere-se segunda vez ao fado da prisão do redactor do Diário do Alemtejo. Responde aos dois ultimos oradores o sr. ministro do reino, e levanta-se a sessão.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 48 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Mendes da Silva, Oliveira Pacheco, Guimarães Pedrosa, Antonio Maria de Carvalho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Lobo d'Avila, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Emygdio Julio Navarro, Feliciano Teixeira, Firmino Lopes, Francisco de Barros, Sá Nogueira, Candido da Silva,, Baima de Bastos, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Simões Ferreira, José Castello Branco, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, José Maria do Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, Santos Moreira, Julio Graça, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Martinho Tenreiro, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor, e Dantas Baracho.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Anselmo do Andrade, Sousa o Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Pereira Borges, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Barão de Combarjua, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Góes Pinto, Madeira Pinto, Este vão de Oliveira, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Vieira do Castro, Sousa Machado, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Jorge do Mello (D.), Alves de Moura, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Ferreira de Almeida, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Alpoim, Oliveira Matos, José de Saldanha (D.), Pinto de Mascarenhas, Abreu e Sousa, Julio Pires, Lopo Vaz, Marcellos Ferraz, Vieira Lisboa, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Pinheiiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno Presado, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Vicente Monteiro, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Albano de Mello, Alves da Fonseca, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Ennes, Gomes Neto, Conde de Fonte Bella, Elizeu Serpa, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Casal Ribeiro, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Alfredo Ribeiro, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Avellar Machado, Pereira de Matos, Guilherme Pacheco, José Maria dos Santos, Simões Dias, Santos Reis, Marianno de Carvalho, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Visconde da Torre, Visconde de Silves e Wenceslau de Lima.

Acta-Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio do reino, acompanhando o seguinte:

Decreto

Usando da faculdade que lhe confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.°, § 4.° e a carta de lei de 24 de julho de 1885, no artigo 7.° § 2.°, depois de ter ouvido o conselho d´estado, nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as cortes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 22 do proximo mez de maio inclusivamente.

O presidente da camara dos senhores, deputados da nação portugueza, assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.

Paço da Ajuda, em 30 de abril de 1888. = REI. = José Luciano de Castro.

Inteirada.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro, por parte da commissão de guerra, que seja remettido ao governo, para informar, o requerimento de João Francisco das Noves. = O secretario da commissão, Luiz de Mello Bandeira Coelho.

Mandou-se expedir.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

Do aspirante a official de fazenda da armada, Eduardo Augusto Cabral de Sampaio, pedindo o soldo de 30$000

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réis mensaes, correspondente á sua graduação de guarda marinha e segundo o disposto no decreto de 22 de agosto de 1887.

Apresentado pelo sr. deputado Alfredo Brandão e enviado á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Declaro que o sr. visconde de Monsaraz faltou ás sessões do mez passado por motivo justificado. = José Maria de Alpoim de Cegueira Borges Cabral, deputado secretario.

Á secretaria.

O sr. Teixeira Vasconcellos: - Sr. presidente, pedi a palavra para pedir explicações ao sr. ministro das obras publicas com relação ao caminho de ferro que s. exa. mandou estudar e que faz parte do plano das linhas ferroviarias ao norte do Mondego.

Differentes representações têem sido remettidas a esta casa solicitando do illustre ministro das obras publicas a sua iniciativa para a construcção immediata das linhas ferreas que compõem e fazem parte do plano que s. exa. tenciona apresentar acamara. Em nome do concelho de Amarante tive a honra de mandar para a mesa uma representação d'aquella camara municipal, na qual se pede a s. exa. que não leve por diante a resolução que lhe attribuiram de excluir do projecto a linha do valle do Tamega.

Sr. presidente, essa representação fundava-se em uma noticia espalhada, não sei se com fundamento ou sem elle, que s. exa., attendendo ao custo da construcção d'essa rede, tinha tomado a resolução de adiar a construcção d'esse caminho de ferro. Esta noticia surprehendeu-me dolorosamente, porque a meu ver, esta é de todas as linhas a que melhor satisfaz os interesses do estado e a que melhor protege e fumenta o desenvolvimento economico o agricola de uma região importantissima. Por essa occasião tive a honra de merecer uma resposta do illustre ministro da fazenda, uma resposta que não me satisfez e que teve por fim dizer unica e simplesmente que sobre tal assumpto não havia uma resolução definitiva tomada pelo gabinete. Sendo assim, a minha voz callou-se, até julgar chegado o momento de provocar da parte do sr. ministro das obras publicas uma resposta sobre este assumpto, mas clara, definitiva e explicita.

A primeira rasão desapareceu desde o momento em que o sr. ministro das obras publicas se julgou habilitado a declarar na camara dos dignos pares, n'esta camara e tambem á commissão que representava ás idéas manifestadas no meeting realisado na cidade de Braga em relação ao caminho de ferro de Guimarães; digo, s. exa. julgou-se habilitado a poder assegurar ao digno par, ao meu amigo o sr. Franco Castello Branco e á commissão de Braga que tinha o maximo empenho na construcção d'essa linha ferrea, e esse empenho manifestou-o s. exa. de um modo tão positivo e tão claro, que chegou a declarar que punha a sua pasta sobre a approvação em conselho de ministros da linha de Braga e Guimarães a Chaves.

É claro que faço a justiça de acreditar que o sr. ministro, fazendo esta declaração, pensou nas vantagens e conveniencias das linhas ferro-viarias do norte; e s. exa. que pensou n'essas vantagens não póde deixar de ter uma opinião assente, firme e segura com relação ás vantagens da construcção da linha das margens do Tâmega, porque da comparação feita de umas com outras é que póde resultar a preferencia dada por s. exa. á linha de Braga e Guimarães.

Sendo assim, e tendo s. exa. pensado maduramente nas vantagens que resultam da construcção das differentes linhas que constituem o plano da sede do caminhos de ferro mandados estudar por s. exa., eu folgarei em ouvir a opinião de s. exa. sobre a linha do Valle do Tamega.

Para mim é fóra de duvida que s. exa., em seu alto criterio, sempre entendeu que a linha do valle do Tamega é de todas a mais importante, pelos interesses geraes que representa e porque é a mais curta ligação de Chaves com o Porto. E tanto s. exa. o julgou assim, que, mandando proceder aos estudos das differentes linhas, fez excepção das linhas do Tamega, mandando que fosse considerada e estudada de via larga.

Esta preferencia dada por s. exa., quando mandou proceder aos estudos, mostra, não só que no espirito de s. exa. dominava a idéa de que esta era a mais importante, como tambem mostra que s. exa. desejava attender aos mais legitimos interesses do paiz n'um assumpto de tanta magnitude.

Podem os collegas de s. exa. ter uma opinião contraria n'esta assumpto; s. exa. nunca! Póde o sr. ministro da fazenda deixar prevalecer no seu animo a questão financeira ; perfeitamente de accordo! Póde o sr. presidente do conselho deixar-se influenciar por motivos politicos; ainda é desculpavel. Mas s. exa. é que não póde, sem quebra dos seus deveres, deixar de considerar os interesses grandiosos que se ligam á construcção d'esta linha. E s. exa. não desconhece, como não desconhece ninguem, que a linha do valle do Tamega é de todas a que mais deve promover, acrescentar e favorecer o desenvolvimento do trafego e movimento da linha do Douro.

S. exa. sabe que a ligação mais curta de Chaves para o Porto se faz unicamente pelo valle do Tamega; s. exa. sabe que a ligação de Chaves, por meio do caminho de ferro de Guimarães, traz apenas um augmento de movimento na extensão de 23 kilometros na linha do Minho, e que a ligação de Chaves, por meio do caminho de ferro do Tamega traz para o caminho de ferro do Douro um augmento de 64 kilometros.

Ora, estas duas considerações da rapidez de communicação o de maior percurso no movimento da linha do Douro bastam para que esta tinha nunca seja preterida, bastam para que ao governo se imponha pela sua urgencia e evidente utilidade.

É evidente que esta linha serve interesses particulares importantes, pelo seu valor economico, mas é certo tambem que, atravessando concelhos onde não existem as grandes agglomerações urbanas, falta-lhes um dou elementos principaes de ponderação politica para fazerem valer as suas justas reclamações e os seus sagrados direitos.

Assim Braga convocando um numeroso meeting pôde conseguir que os seus interesses fossem assegurados, não só sobre a palavra do ministro das obras publicas, como tambem sob a ameaça de que s. exa. abandonaria o seu logar e os seus collegas se não se tornassem solidarios com o seu desejo em attender á cidade de Braga.

Ora o que e certo é que em questões d'esta ordem não se deve estar a mercê dos meetings; o meeting é uma manifestação importante, é um meio de manifestação da opinião publica do um grande valor, quando tem por si a rasão e a justiça. Os motivos sobretudo, n´estas circumstancias, são os que justificam e dão grandeza ás reclamações formuladas por estes meios. Mas são porventura uma indicação constitucional, uma força tão vigorosa a que os ministerios tenham immediatamente do ceder o obedecer?

Não, por fórma alguma. E n'este ponto não quero de maneira nenhuma contrariar os desejos do Braga, acho-os muito legitimes, e pela minha parte, não serei eu que os combata. Mas o que se não pôde admittir em boa pratica constitucional, como bom regimen do governo, é que se attenda em primeiro logar unicamente ás localidades importantes que se reunem, que tumultuam e que tomam delirações collectivas, que só impõem, como uma força irresistivel, á acção do governo! Este exemplo da influencia dos meetings tem-o já, demonstrado o actual governo em muitas conjuncturas. Nós vimos que, tratando-se da creação de um julgado municipal, os povos da comarca á custa

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de quem era, organisado o julgado municipal lançaram para a rua meia duzia de musicas, promoveram outros tantos meetings, protestavam contra a creação do julgado, do julgado não se creou!

Isto não é governar, é ser governado!

Isto não é poder, é a fraqueza â mercê dos que tumultuam e sopram ás gaitas das philarmonicas. (Riso.)

Póde dizer-se que com o governo actual, desde que lá fóra se amotinam e fazem reclamações em voz alta, essas reclamações são attendidas e traduzidas em factos!!

Ora, posso asseverar a v. exa. que, como o exemplo está dado, creio que esta linha do Tamega ha de tambem ter meetings a patrocinar a sua construcção.

E se v. exa. precisa, como meio estimulante, a força coercitiva dos meetings, ha de tel-os; e isto não é uma idéa que não esteja em via do realisação. Consta me que no domingo passado se realisaram dois meetings nos concelhos de Mondim e Gelorico do Basto, com o fim de protestar contra o adiamento da construcção da linha do Tamega, e a estes meetings seguir-se-hão outros, que se hão de realisar em Amarante e em Marco de Canavezes.

Quando os povos têem por si a justiça e o direito, difficil é contel-os antes de lhe ser dada satisfação plena e completa aos seus interesses.

E, n'este caso, creia o illustre ministro que os povos ribeirinhos ao Tamega não permittirão que os seus direitos sejam menosprezados, para regalia e gaudio de uma companhia que vê dependente do traçado de Braga a sua prosperidade e a remuneração dos seus capitães.

E n'esta lucta de Uma companhia e o estado duvido que s. exa. esqueça os seus deveres de ministro, collocando-se ao lado d´aquella.

Emfim não creio que s. exa. tome sobre si a responsabilidade de favorecer uma linha particular á custa de uma linha do estado, do uma linha que ficou carissima ao paiz, e que é necessario que os seus encargos vão diminuindo com a construcção de outras linhas subsidiarias, que augmentem e enriqueçam o seu trafego.

Fundado n'estas considerações, espero que o illustre ministro me dê uma resposta que me satisfaça como representante de um concelho que interessa directamente com essa linha, e sobre tudo que me satisfaça como representante do paiz, cujos interesses eu tenho dever e obrigação de defender aqui a todo o transe.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Responde ao orador precedente, affirmando, como já n'outra occasião o fizera, que tinha na maior consideração a linha ferrea do valle do Tamega; e tanto assim que a mandara estudar de via larga, como fóra a sua primeira idéa.

Dá explicações relativamente ao plano geral da rede das linhas ferreas ao norte do Mondego e depois de declarar que a sua opinião era favoravel ás idéas manifestadas pelo sr. Teixeira de Vasconcellos, tendo comtudo de a subordinar ás considerações dos seus collegas do ministerio, termina pedindo que se espere mais algum tempo pela resolução d'este negocio, que vae ser submettido a conselho de ministros, onde elle, orador, advogará os interesses a que se referira o illustre deputado.

(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Brito Fernandes: - Mando para a mesa o parecer da commissão de guerra, fixando, ácerca da proposta de lei n.° 17-H, o contingente para o exercito, armada, guarda municipal e guarda fiscal em 1888.

Visto estar com a palavra, renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 145 de 30 de abril de 1885 e que teve parecer das commissões de fazenda e do ultramar na sessão legislativa d'aquelle anno, pata melhorar no posto de major a reforma do capitão Miguel Augusto de Oliveira, com o soldo correspondente.

O parecer foi a imprimir.

A proposta de renovação ficou para segunda leitura.

O sr. Carrilho: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda, augmentando os vencimentos para comedorias aos officiaes da armada, concordando assim com o parecer da commissão de marinha.

Mando tambem o parecer da mesma commissão de fazenda, relativo ao contrato de navegação para a Africa.

Foram a imprimir.

O sr. Barbosa de Magalhães: - Quando eu entrava hontem n'esta sala, echoavam as ultimas palavras do discurso do sr. deputado Arroyo.

Não tive portanto occasião de as ouvir. Mas fui então informado, e vejo agora pelo extracto das sessões, que s. exa. se referiu, com o costumado desfavor, ao circulo que tenho a honra de representar.

Careço de restabelecer a verdade dos factos, de desfazer de uma vez para sempre essa lenda phantastica de atrocidades e horrores que alguns membros da opposição jornalistica e parlamentar inventaram e avolumam para seu uso rhetorico e partidario, e de arredar as injurias repetidamente dirigidas áquella laboriosissima e honesta povoação. (Apoiados.)

Acabemos do uma vez com essa fastidiosa cantata sobre Ovar, que teria sido, o está sendo, o trecho forçado de todas se operas comicas do repertorio da opposição. (Riso.- Apoiados.)

Sr. presidente, eu sou o primeiro a sentir que as luctas dos partidos se não limitem em toda a parte ao campo legal e digno da uma, da imprensa e da tribuna.

Eu sou o primeiro a lamentar que as campanhas eleitoraes se convertam em caçada feroz aos eleitores, que as pugnas jornalisticas se transformem em duello sangrento de calumnias, e que as discussões parlamentares desçam da região serena e levantada dos principios ao lodaçal infamante das invectivas pessoaes.

Eu quereria, como de certo querem todos os que amam deveras o seu paiz, que as paixões politicas se não tornassem paixões partidarias, que as divergencias partidarias se não tornassem odios de facções, e que as facções se não tornassem, por sua vez, bandos de salteadores da honra e até da propriedade individual.

Mas, sr. presidente, se isso nem sempre infelizmente acontece, a culpa é dos que, devendo pelo seu grau de illustração civica, educar, dirigir e bem encaminhar a opinião, andam, pelo contrario, a toda a hora, a desvairal-a o pervertel-a, por um falso proveito de occasião.

Em Ovar, sinceramente o confesso, são em verdade profundas, e por vezes cruentas as dissenções partidarias.

Mas é porque tambem a lucta politica teve de ser ali travada em condições excepcionaes.

A camara sabe que durante mais de vinte annos os destinos d'aquella terra estiveram entregues ao rancoroso e desenfreado capricho de um homem, que absorvia em si todos os poderes politicos civis e judiciaes, e que tinha na sua mão todas as molas da administração local. (Apoiados.)

Escuso de avivar agora na memoria dos que me escutam as vinganças ferozes, as prepotencias selvagens, as tropelias escandalosas, as illegalidades, abusos e atrocidades de toda a ordem que por tão largo periodo martyrisaram áquella infeliz terra. (Apoiados.)

Um bello dia, porém, haverá tres annos, o povo de Ovar acordou, sacudiu aquelle jugo de ferro, e proclamou energicamente a sua emancipação.

Ora eu vou dizer á camara, em duas palavras, qual foi a gotta de agua que fez trasbordar a taça de tantas iniquidades. E digo-a, porque ella dá a medida exacta de todas as outras.

Ha em Ovar um homem que, pela illustração do seu es-

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pirito, pela nobreza do seu caracter e pela excellencia do seu coração, se impõe ao respeito, á estima e á veneração de todos.

Esse homem, que é hoje benemerito presidente da camara municipal d'aquelle concelho, o chefe illustre do partido progressista de Ovar, era então medico do partido municipal; e, embora convictamente affeiçoado ás idéas progressistas, não dera nunca manifestação alguma publica das suas opiniões politicas, e sempre se mantivera arredado das luctas partidarias locaes.

Uma noite foi chamado altas horas para assistir ao parto laboriosissimo de uma senhora, que era filha de um dos membros mais ferrenhos e valiosos do partido regenerador, mas que era tambem esposa de um dos mais dedicados e distinctos membros do partido progressista.

Para salvar a mãe e a filha de uma morte imminente, teve o medico absoluta necessidade de instrumentos cirurgicos, que só havia no hospital da camara, e mandou-os buscar á pressa; mas o enfermeiro declarou que os não podia entregar, porque o presidente da camara lhe prohibira de os emprestar áquelle medico.

O medico correu então ao hospital, trouxe os instrumentos, sob sua responsabilidade, salvou com elles a vida da parturiente, e restituiu-os logo.

ois querem v. exa. e a camara saber o que no dia seguinte fez o presidente da camara municipal e chefe do partido regenerador? Suspendeu o enfermeiro e demittiu o medico, sem fórma alguma de processo e sem o ouvir, do partido camarario, em que foi depois reintegrado pela junta geral.

Imagine-se a indignação profunda que este facto, depois de muitos outros igualmente horrorosos, causou em todo o concelho. Já era de mais. A população inteira, cansada da horrivel oppressão em que vivia, ergueu-se como um só homem, poz á sua frente áquelle medico distincto e cavalheiro respeitavel, que idolatrava, e correu á conquista da sua emancipação politica e social, de que saiu victoriosa.

Aqui têem os illustres deputados da opposição a vida e a morte do partido regenerador em Ovar; aqui têem o que são e o que valem os seus famosos correligionarios de lá. (Apoiados.)

Mas isto veiu apenas para dizer que desde esse momento se operou uma completa reviravolta na opinião publica d'aquelle concelho.

Logo nas eleições immediatas, o partido regenerador, apesar de estar ainda no poder, e de haver falsificado todo o recenseamento eleitoral, ficou completamente derrotado e nunca mais tornou a dar batalha perante a urna.

Agora, o ex-mandão regenerador, rodeado de meia dúzia, se tantos, de caceteiros emeritos, vinga-se das repetidas derrotas, promovendo a cada passo nas ruas, pequenas desordens pessoaes, a que lhe convem dar o caracter de motins politicos, e para encobrir aos olhos dos seus chefes e correligionário da capital o seu completo desprestigio e a sua actual insignificancia e impopularidade, inventa de quando em quando as mais extravagantes e inverosímeis mentiras, que transmitte por telegrammas alarmantes á imprensa, aos deputados da opposição, ao sr. ministro do reino, e até por vezes a Sua Magestade El-Rei. Ora alguns d'esses deputados, ou por ingenuidade, que a sua intelligencia me não deixa presumir lhes, ou por mal entendida conveniencia partidaria, por varias vezes se têem feito n'esta casa echo d'essas inexactas informações.

Foi o que succedeu hontem ao illustre deputado o sr. Arroyo. S. exa. começou por apresentar algumas duvidas, que ninguem tem, na interpretação do ultimo decreto de amnistia. E por uma ligação de idéas, que não explicou bem, passou á politica de Ovar.

Permitta-se-me que eu faça tambem essa approximação, para ser mais completo o desmentido, e mais evidente a injustiça das accusações. Diz-se a toda a hora, com insistencia perfida, que em Ovar não ha auctoridade, nem lei nem justiça desde que subiu ao poder o partido progressista; que a liberdade eleitoral não tem sido mantida, que os direitos politicos dos cidadãos são constantemente violados, que as garantias individuaes estão suspensas, e que as rixas partidarias têem alagado de sangue as ruas d'aquella villa. Se isto assim fosse, se tudo isto não passasse de uma invenção facciosa, é claro que a ninguem aproveitaria mais a munificencia regia da amnistia que aos progressistas de Ovar.

Pois tenho a satisfação e o orgulho de affirmar á camara, que não houve nem ha na comarca de Ovar processo algum de caracter politico ou eleitoral a que esse decreto de amnistia fosse ou tenha de ser applicado. Nem um só.

O unico processo politico instaurado contra progressistas de ha tres annos a esta parte, foi definitivamente julgado em audiencia geral o anno passado. E os réus, que tive a honra de defender, foram todos absolvidos por unanimidade, sem ter sido preciso usar da faculdade legal de recusar qualquer dos jurados, e até fazendo parte do jury um dos quarenta maiores contribuintes que os regeneradores, na imprensa e em celebres representações a El-Rei, diziam ser um dos que tinham sido privados pelos réus do exercicio do direito eleitoral.

Estas circumstancias provam bem a justiça d'aquella decisão absolutoria.

Ha ainda um outro processo judicial, mas esse é contra os regeneradores, que em tumulto, a pretexto das licenças de contribuição industrial, espancaram barbaramente o regedor da parochia de Ovar; e a elle se não póde, a meu ver, applicar o decreto de amnistia, porque o crime é commum, e não politico, e porque dos ferimentos resultou lesão permanente.

O sr. deputado Arroyo podia ter-se limitado habilmente, como era de esperar da sua perspicacia parlamentar, a declamações banaes vagas sobre o assumpto, e a chamar,, como chamou, sicarios e bandidos aos progressistas de Ovar.

Mas caiu na imprudencia de citar factos, e teve logo a infelicidade de não citar um só que fosse exacto!

É admiravel como s. exa., de tanto talento como feliz memoria, teve a rara desdita de os transtornar a todos!

S. exa. começou por dizer "que até aqui as violencias em Ovar tinham poupado o poder judicial; mas que nem mesmo esse poupavam agora".

Ora, sr. presidente, todos sabem, e a opposição parlamentar sabe-o melhor do que ninguem, que em parte alguma foi o poder judicial tão offendido e aggravado como em Ovar no tempo dos regeneradores; e foi-o, deixem-me lembrar-lhes a verdade toda, na propria casa onde eu estou fallando.

Estava n'esse tempo administrando justiça em Ovar um juiz illustrado e recto, intelligente e digno, mas que se não vergava ás imposições do mandão regenerador. Pois contra esse distincto e respeitavel magistrado se desencadeou uma furiosa campanha de desacatos, de perseguições e de violencias, directas e pessoaes, na propria sala do tribunal, e no exercicio das suas elevadas funcções.

E como a nada d'isso o integerrimo juiz se dobrasse, esta camara, o poder legislativo prestou-se á violencia de alterar a classificação da comarca de Ovar, para que as sim o juiz podesse ser legalmente transferido!

Era assim que os regeneradores mantinham o prestigio da auctoridade judicial! Era assim que respeitavam a dignidade dos tribunaes! Era assim que davam forca e independencia á administração da justiça! (Apoiados.)

E vem então dizer-se que até aqui se tinha poupado em Ovar o poder judicial! Até aqui, na phrase do sr. Arroyo, é que nem sequer os magistrados judiciaes se pouparam n'aquella comarca, porque os insultos e as ameaças os perseguiam por toda a parte, na imprensa, nas ruas, no tribunal, e até no parlamento. Até aqui, até ao tempo em que o partido progressista subiu ao poder, é que a aucto-

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ridade judicial em Ovar era desacatada, offendida e vilipendiada a toda a hora.

Citarei apenas um facto bem conhecido, bem publico, que não foi uma simples offensa individual, cuja responsabilidade se não podesse estender a todo o partido regenerador, mas que, pelo contrario, revestiu todo o caracter de uma verdadeira manifestação politica, promovida e ajudada pela propria auctoridade administrativa local, pelo proprio representante do poder central n'aquella terra.

A sala do tribunal judicial é no mesmo edificio dos paços do concelho.

Por baixo d'essa sala ha umas lojas que servem para deposito de materiaes da camara.

Pois foi n'essas lojas que o então presidente da municipalidade, e chefe do partido regenerador, mandou por seu irmão, que era administrador do concelho n'aquella epocha, postar uma philarmonica com todos os bombos e tambores que póde encontrar pelas aldeias do concelho, e amontoar uma porção enorme de bombas e morteiros; e á hora em que o tribunal estava funccionando, em audiencia geral, á hora em que o magistrado judicial estava administrando justiça, estouraram todas as bombas, e rompeu a musica n'um estrondo infernal, que impedia toda a discussão.

O juiz teve de interromper a audiencia, protestou no protocolo contra este facto estupendo, e pediu ao administrador do concelho que mandasse retirar a musica d'aquelle local, onde perturbava o acto solemne que se estava praticando.

O administrador negou-se a isso, a musica e as bombas continuaram a troar com crescida violencia, e a discussão da causa, que era importante, teve de ser adiada, como convinha á politica regeneradora.

Mas o que é mais notavel ainda é que este acto, não só foi praticado pelo proprio administrador do concelho, e no proprio edificio da camara municipal, mas até, segundo consta de uns apontamentos encontrados depois na secretaria da camara, e que se publicaram nos jornaes, foi pago pelo cofre do municipio !

Continuo na apreciação das affirmações do sr. Arroyo. Diz s. exa.:

"Estando imminente o julgamento em policia correccional de varios réus incursos em crimes não politicos, mas de ferimentos, de insultos e de assuadas, o juizos ameaçado de que os vidros lhe seriam quebrados, caso os réus fossem condemnados."

E completo o equivoco do illustre deputado.

Nem estava imminente nenhum julgamento d'esta ordem, nem o juiz foi ameaçado de lhe quebrarem os vidros, nem a população do. Ovar tinha interesse algum pelos réus, que eram todos de fóra da comarca, nem elles foram condemnados, mas sim absolvidos.

Vê-se, pois, que nem uma só das suas informações é exacta. O facto a que s. exa. se quiz referir foi n'outro dia, e em causa differente. Eu vou ler a v. exa. e á camara o orgão official do partido regenerador d'aquella villa, o jornal que com mais rancoroso facciosismo expõe os factos, para se ver bem até onde chegou o exagero rhetorico do sr. Arroyo.

O illustre deputado, em replica ao sr. ministro das obras publicas, declarou que as suas informações lhe provinham de dois jornaes. Foram de certo os dois unicos que se publicam n'aquella terra, O povo de Ovar, que é regenerador, e O ovarense, que defende a politica progressista.

Quer a camara ouvir o que diz a este respeito o jornal regenerador? Começa por lembrar a habil prophecia que fizera sobre o que havia de acontecer. Ora, como não é facil de attribuir a intelligencias communs o dom de adivinhar, sou mais propenso a suppor que o escrevinhador bem sabia o que mandara fazer.

"Ao fecharmos, no numero antecedente, o artigo d'esta secção, dissemos - está para ser julgado um dos politicos do bando..."

Já vê o sr. Arroyo que não eram varios réus, era um só. Na vespera é que tinham sido julgados alguns réus, barqueiros da comarca de Agueda, que ha tempos haviam travado entre si uma pequena desordem na Ribeira de Ovar, e que foram absolvidos sem o mais pequeno incidente. Continua o jornal:

"... e é possivel que os selvagens dêem mais uma prova do que são. Effectivamente succedeu, o que predissemos."

Ou talvez o que mandaram fazer, direi eu.

"Sabbado foi julgado em audiencia de policia correcional João de Freitas Lucena.
Desde o principio da audiencia até ao fim da inquirição das testemunhas nada se passou de notavel."

Isto é o que diz expressamente, insuspeitamente o orgão do partido regenerador d'aquella terra.

Pois querem saber agora o que disse o sr. Arroyo?

V. exas. ouviram-no, mas eu vou repetil-o. Está aqui no extracto official.

"Depois fôra acompanhado até ao tribunal por muita gente que o injuriou..."

Ora o jornal diz claramente que até ao fim do inquerito das testemunhas nada houve do notavel. É evidente que se tivesse havido insultos d'esta ordem, dirigidos publicamente pela rua, durante o trajecto da casa do juiz até ao tribunal, esta gazeta teria todo o interesse partidario em o dizer e avolumar; pelo contrario, nega-o.

E continua:

"Quando principiou a orar o advogado da defeza, o sr. dr. Albano de Mello, o administrador do concelho, que se achava junto á cadeira do sr. juiz, e os arruaceiros que tinham ficado fóra da tela, romperam em apoiados e palmas."

Aqui temos, segundo o testemunho insuspeito do advogado de accusação, que e o redactor e proprietario da gazeta regeneradora, o grande attentado praticado em Ovar contra o poder judicial: palmas e apoiados quando o advogado da defeza começou a fallar!

Foi uma manifestação irregular, que a lei não permitte, que eu não defendo, mas que é aliás vulgar nos tribunaes do nosso paiz. E era natural que se desse n'uma comarca onde o nosso distinctissimo collega o sr. Albano de Mello ia pela primeira vez advogar, e onde já tinham fama os seus bons creditos de jurisconsulto habil. Os auditorios de Ovar quizeram por aquella fórma, sem faltar ao respeito devido ao tribunal, e sem desacatar o juiz, n'um innocente e irrisistivel impulso de enthusiasmo, mostrar a sua sympathia e admiração por aquelle cavalheiro. Esta manifestação espontanea e cordata, embora irregular, cessou logo que o juiz observou do alto da sua cadeira que não era permittida. É o mesmo jornal que o confessa, quando diz: Assim terminou este incidente, etc.". É escusado affirmar que o administrador do concelho, homem circumspecto e illustrado, não tomou parte alguma em tal manifestação.

E é isto que se apresenta como symptoma de completa anarchia na comarca de Ovar!. (Apoiados.)

E é contra isto que se levantam altos berros aqui, proclamando-se Ovar fóra da lei e da ordem! Chega a ser caricato. (Apoiados.)

Precisarei de lembrar que o anno passado, estando abertas as duas casas do parlamento, aqui, na capital do reino, na sala do supremo tribunal de justiça, o primeiro tribunal d'este paiz, em sessão publica e solemne, houve de parte do publico duas manifestações ruidosas, não de applauso, mas de desagrado, contra um distincto e prezado collega nosso, quando eloquentemente defendia a sua eleição pela Madeira?

Precisarei de lembrar que ainda ha bem poucos dias houve aqui, n'esta casa, no sanctuario das leis, uma irregular manifestação das galerias ?

Estes factos são infelizmente vulgares, e por isso mesmo

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insignificantes. Nunca se lhes ligou a importancia que lhe pretendem dar agora.

E note-se que tem acontecido isto em circumstancias bem diversas, e com caracter bem differente.

Tem sido accintosas manifestações politicas, têem sido propositados desacatos ao parlamento e aos tribunaes.

Nada d'isso foi esta. Esta foi apenas uma irreflectida e momentanea manifestação de sympathia a um distincto advogado que ia ali pela primeira vez. E é isto que só apresenta como prova de anarchia e de desordem n'aquella comarca! E é com isto que se pretendem justificar os insultos do sicarios e de bandidos atirados ás faces dos honrados e laboriosos habitantes de Ovar! (Apoiados.)

Continuemos a leitura:

"Na sentença, o sr. juiz condemnou o réu a tres dias de prisão correcional. Ao terminar a leitura da sentença houve um começo de pateada."

Ora quer a camara ver como o sr. Arroyo traduziu aqui estas palavras?

"... foi recebida a sua deliberação com uma grande pateada."

E ainda acentuou a palavra grande para que podesse significar grandissima. Veja-se por aqui o exagero extraordinario, com que n'esta casa a opposição reproduz as noticias dos seus proprios jornaes.

Um simples começo, uma simples ameaça de pateada, é traduzida pelo sr. Arroyo n'esta camara como uma pateada grande!

Francamente, quem quer que as suas palavras tenham credito e os seus commentarios auctoridade, não deve alterar por esta fórma a verdade dos factos, para que ninguem ámanhã possa pôr em duvida as mais graves e serias informações que aqui nos venham dar.

Isto assim não póde ser.

Mas continua o jornal com todo o seu facciosismo:

"O sr. juiz, dirigindo-se ao administrador do concelho, perguntou-lhe se não dava providencias, este respondeu: eu ainda não vejo pau! mas em seguida dirigiu-se aos seus correligionarios que estavam fóra da teia, logar de onde a pateada partira." E nada mais diz sobre isto a folha regeneradora. Apesar de toda sua má vontade contra o digno administrador, attribuindo-lhe palavras que elle não proferiu, vae confessando que elle interviera logo, e tudo terminara, não havendo depois d'isso a mais pequena perturbação da ordem.

E aqui está reduzido este famoso incidente ás proporções ainda exageradissimas, que lhe quiz dar o jornal regenerador da terra.

Agora, se formos ler o jornal progressista, porque emfim, para julgar com justiça, temos obrigação de ouvir as partes ambas vemos que nem mesmo isto, que já era pouco, que já era muito menos do que o sr. Arroyo dissera, foi precisamente o que se passou.

Confrontando o que fazia antigamente fr. Thomás Arala, como o jornal, lhe chama, com o que diz agora escreve:

"Fr. Thomás Aralla, que quer que olhem para o que diz e não para o que faz, continua a dizer calumnias no seu jornal, sem se lembrar do seu passado. Falla de espancamentos, e fr. Thomás bem sabe que já o tribunal disso que elles se não deram, e deve lembrar-se que tem na sua historia politica as mortes de 1869, as mortes de Arada e a morte de D. Rita. Falla de desacatos á auctoridade; o fr. Thomás bem sabe que na sua historia politica tem a infame campanha das bombas, pagas pelo seu bolsinho, contra a auctoridade judicial e as arruaças de Vallega contra a auctoridade administrativa. Falla de ameaças ao juiz; e já se não lembra de quando em Vallega ameaçou o regedor com um chicote. Falla em vidros quebrados em casa do juiz; e esquece-se de que mandou sujar a porta e a escada de um juiz com uma substancia cujo nome immortalisou Cambrone. Falla em desacatos dentro do tribunal, e esquece-se de que já mandou encher as escadas do mesmo tribunal com bombas chinezas para desprestigiar um juiz quando entrasse! E não se lembra que actualmente está fazendo na imprensa uma campanha, tão porca como a das bombas, contra um juiz. Quem é, pois, que educa mal a comarca?

"Mas fr. Thomás Aralla deve saber que as ameaças se não deram. Deve saber que ninguem foi propositadamente quebrar vidros ao juiz; este mesmo está convencido d'isso. Na tarde de domingo, ainda muito de dia, uma creança qualquer atirou uma pedra, que foi quebrar um vidro da habitação do sr. sr. Vieira Xavier. Se fosse proposito, então não se limitaria a um simples vidro e escolheriam a noite. O Orgão sabe-o bem, mas convem-lhe fingir que ignora. Se houve algum desacato dentro do tribunal, tanto poderia ser feito por progressistas como por aralistas, porque estavam ahi uns e outros; e os precedentes levam a concluir que fossem antes estes ultimos.

Aqui nunca se faltou ao respeito aos magistrados judiciaes, até que, em 1884, o grupo arallista desacatou o sr. dr. Macedo. O sr. dr. Brochado tem soffrido os maiores insultos dos arallistas. Se agora fizeram qualquer desacato ao sr. Vieira Xavier e querem saber quem foi, tirem pelos antecedentes os consequentes."

Ninguem ameaçou, portanto, o juiz de lhe quebrar os vidros da sua casa, se condemnasse os réus.

Um dia de manhã, muitos dias antes, do julgamento de que se trata, uma creança, um garoto qualquer, como conta fidedignamente este jornal, andando a brincar com outros, despediu uma pedra, que foi quebrar um vidro das janellas do juiz. Não póde, pois, em boa fé attribuir-se este facto a manejos potiticos, e muito menos referir-se como ameaça para absolver os réus. Foi uma imprudencia de rapazes, aos olhos do dia, e de que nem se quer o proprio juiz se queixou.

Mas a parte principal d´este artigo é a que passo a ler, e que é preciso ouvir com attenção, para bem se restabelecer a verdade dos factos:

a Devemos fazer justiça a todos. Nós não costumâmos intrometter-nos com os magistrados; estão fóra do nosso programma, quando exercem as suas funcções. Mas este nosso modo de ver não vae tão longe, que não devamos repellir aqui as injurias que o sr. Vieira Xavier diz do alto da sua cadeira a esta comarca. O sr. juiz está aqui para fazer justiça, e para punir os criminosos, conforme entenda; mas não póde, nem deve por dignidade propria, e do seu cargo, insultar uma comarca inteira, em pleno tribunal. Tanto repellimos as calumnias da politica, que são mais desculpaveis, como os improperios de um juiz, que nada póde justificar!"

Note-se a delicadeza com que este jornal, distinctamente redigido e circumspecto, discute o procedimento da auctoridade judiciaria, e a gravidade do facto a que se refere.

O juiz, cujo caracter pessoal eu respeito, e cujas rectas intenções eu presumo, não tendo a honra do o conhecer; o juiz, que pode ser um magistrado digno e consciencioso, e cuja apreciação é insuspeita pelo jornal progressista, e que ainda no seu numero anterior fizera justiça ás suas intenções, foi imprudentissimo nas palavras que proferiu do alto da cadeira, quando acabou de ler a sentença que condemnava o réu.

N'um momento de mau humor, ou de injustificada exaltação de espirito, o juiz, voltando-se para o réu, disse-lhe que condemnava n'elle todos os selvagens de Ovar.

Ora um homem que estava na comarca haveria apenas quinze dias, insultar assim, em plena audiencia, do alto da sua cadeira de magistrado, uma população inteira, era realmente para provocar da parte dos que o ouviam uma manifestação do desagrado e do protesto.

Quem quer ser respeitado, deve ser o primeiro a respeitar-se a si, e a respeitar os outros.

Para que um juiz seja digno de todos os respeitos, é

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preciso que seja superior a todas as censuras, é preciso que não abuse da eminencia do seu logar, é preciso que saiba conservar immaculada a sua toga magistral.

Por isso, se houve, da parte do auditorio, alguma desattenção ao juiz, alguma manifestação de desagrado, que aliás não passou de um ligeiro rumor, é facto que se não defende, nem justifica, mas cuja gravidade se attenua, e cuja significação se desculpa, pela maneira imprudente, como o juiz, do alto da sua cadeira, insultou uma população inteira na pessoa do réu.

Sr. presidente, creio que já deu a hora, dentro da qual é permittido usar da palavra antes da ordem do dia, e por isso limito aqui as minhas considerações, pedindo apenas ao sr. deputado Arroyo, e aos seus, illustres collegas da opposição, que quando tenham outra vez de vir aqui fazer accusações d'esta ordem, que de mais a mais não offendem um individuo só, mas uma população toda, que merece tanto respeito e consideração de nós todos, corno nós mesmos, pensem mais maduramente na sua gravidade, usem menos da sua immunidade parlamentar, averiguem melhor da verdade dos factos, e sejam mais justos na sua apreciação, para pouparem a mim o trabalho de lhes responder, e á camara o incommodo de me ouvir.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Arroyo: - Sr. presidente, como o sr. Barbosa de Magalhães, nas suas considerações, fez uma referencia pessoal, que me foi tão directamente dirigida, eu julgo que a camara não deixará de permittir que eu responda já ao illustre deputado.

Rogo pois a v. exa. que se digne consultar a camara, sobre se consente que eu use da palavra.

Vozes: - Falle, felle.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Arroyo: - Em primeiro logar, os meus agradecimentos a todos os meus collegas, por terem permittido que eu use da palavra n'este momento.

Direi muito pouco, porque nem quero abusar da benevolencia da camara, nem me parece que valha a pena fallar muito. Simplesmente vou referir-me a uma das phrases que o sr. Barbosa de Magalhães acaba de proferir.

O sr. deputado por Ovar, no principio do seu discurso, que eu, por benevolencia para com o individuo que foi meu companheiro em Coimbra e cujas qualidades pessoaes muito aprecio, apenas qualificarei de inconsciente; o sr. Barbosa de Magalhães disse, que as discussões parlamentares haviam descido a um lodaçal infamante de invectivas pessoaes.

O sr. Barbosa de Magalhães: - Eu não disse isso.

O Orador: - Perdão; v. exa. disse-o, e agora ha de responder pelas suas palavras.

O sr. Barbosa de Magalhães: - O que eu disse foi, que era de sentir que nem sempre as discussões na imprensa ou no parlamento se mantivessem á altura em que se deviam manter.

O Orador: - Ha uma cousa peior do que soltar phrases offensivas ou inconvenientes; é negal-as depois de as ter proferido. (Apoiados.)

Eu tenho respondido sempre n'esta casa pelas minhas palavras, e nunca, depois de as proferir, me recusei a repetil-as; mas o que pratica o sr. Barbosa de Magalhães n'este momento, nunca eu vi fazer a ninguem.

Certamente que, no ardor da paixão, não é para estranhar que se exagere um pouco; e tem-se visto isso mais de uma voz; mas depois, ao mesmo tempo que se desejaria não ter proferido umas determinadas expressões, não se recua diante da responsabilidade de as repetir.

(Aparte do sr. Barbosa de Magalhães)

O sr. Barbosa de Magalhães disse, e eu appello para o testemunho de toda a camara, que as discussões parlamentares haviam descido a um lodaçal infamante de invectivas pessoaes.

Ora, com franqueza, não é para admirar que o sr. Barbosa de Magalhães usasse d'esta linguagem, porque na realidade era ella a que mais convinha a quem tinha a ousadia, n'esta casa, de defender os attentados de Ovar; o que admira é que v. exa., sr. presidente, permanecesse n'essa cadeira, depois que a maioria ouviu aquella phrase sem protesto, e que v. exa. não chamou o orador á ordem. (Muitos apoiados da esquerda.)

Registo o facto.

Do resto não me admiro, porque, creia o sr. Barbosa de Magalhães, o maior castigo para a ousadia do seu discurso está em se ter Visto s. exa. obrigado a defender tal causa. (Apoiados.)

Um homem que, depois dos tristes acontecimentos de Ovar, depois das scenas mais vergonhosas e mais extraordinarias que, de ha muito, se toem praticado em Portugal, vem á camara sacrificar o seu nome e a sua individualidade honesta na defeza de uma obra de bandidos, creia s. exa. que faz mais do que dar uma prova de dedicação partidaria; vem comprometter o seu nome, juntando-o a uma obra que não está á altura do seu caracter.

Quaesquer que tivessem sido os abusos da situação passada, o certo é que Ovar está hoje fóra da lei, e que ali se têem praticado as maiores vergonhas e barbaridades de que ha noticia. (Muitos apoiados.)

E ousa s. exa. qualificar de cantata as simples phrases que eu aqui proferi, aqui, onde nós empregamos unicamente o latego da palavra, quando, contra esses factos, havia um unico latego, que, o sr. presidente do conselho devia empregar, se porventura não houvesse motivos pessoaes, que d'isso o impedem ? !!

E tem o sr. Barbosa de Magalhães a singular coragem de vir n'este momento á camara, defender esses homens, e chamar nos fazedores de cantatas ?!

Oh ! sr. presidente, cantatas, quando ha ferimentos, quando ha tentativas de mortes, tentativas de assassinatos! (Muitos apoiados do lado esquerdo.)

Ha do s. exa. permittir-me dizer-lhe que nunca devia ter proferido essa palavra, porque, repito, s. exa. é um bom advogado, é um homem honrado, que cumpre com aquillo que entende ser o seu dever, e essa palavra cantata, perante uma tal atrocidade de crimes, só estava bem na boca de quem fosse criminoso.

Perante mortes, perante ferimentos e tentativas de assassinato, e outros actos extraordinarios, só poderia chamar a isto cantata um assassino, um João Brandão, mas não o sr. Barbosa de Magalhães, porque s. exa. tem obrigação de se investir de toda a força da sua auctoridade moral contra similhantes actos.

Poderia s. exa. vir á camara fazer uma defeza de actos taes como s. exa. os imagina; mas o que nunca podia era qualificar de cantata as nossas accusações, e empregar phrases de um pretendido ridiculo contra quem, embora apaixonado no ponto da maior refrega partidaria, tem direito, com o codigo penal na mão, de exigir, não que sejam protegidos os interesses do um determinado partido, mas que se prenda essa malta que infesta Ovar, e cujo chefe eu não quero nomear, mas que, se for preciso, indicarei aqui mesmo. Não podia s. exa., repito, empregar esse termo contra quem tem direito de exigir, que se applique aquelle codigo, com toda a verdade e com toda a justiça. (Muitos apoiados.)

Eu não defendo aqui os chefes regeneradores, nem accuso os progressistas. O sr. Aralla praticou crimes? Pois accusem-n'o; enumerem esses abusos, enunciem esses excessos, que, se os houve, eu não o defenderei. Mas não defendo tambem quem, exhorbitando de um justo exercicio da sua dedicação partidaria, se lança com a pleiade de bandidos, em um caminho, que não pede discussão parlamentar, mas que pede unica e simplesmente procurador geral da corôa.

E dito isto, eu não discutirei a exposição detalhada que o sr. Barbosa de Magalhães quiz fazer perante a camara.

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O maior castigo para s. exa. é ter tido na sua vida occasião de vir defender no parlamento actos tão extraordinarios.

E nada mais, sr. presidente, sobre este incidente, porque não vale a pena.

O fim principal para que pedi a palavra, não foi levantar a phrase de s. exa., porque ella ficava com o mesmo valor, quer eu a levantasse, quer não; mas foi para lamentar, que v. exa. sr. presidente, a quem a opposição, ainda nas crises mais agudas do ardor partidario, tem sempre rendido preito do seu respeito e consideração, permanecesse n'esse logar um segundo mais, depois de ter dito um deputado d'esta camara presidida por v. exa., que as discussões se tinham tornado um lodaçal infamante de invectivas pessoaes.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Devo declarar ao sr. deputado Arroyo, que na mesa da presidencia não se ouviu que o sr. deputado a quem s. exa. se referiu, proferisse essa phrase ou outra qualquer offensiva para a dignidade da camara.

Se a tivesse ouvido, eu convidaria immediatamente o sr. deputado a retiral-a.

ORDEM DO DIA

Continuação da interpellação sobre a execução da lei auctorisou as obras do porto de Lisboa

O sr. Pedro Victor: - Sr. presidente, com a deixa que me dava o sr. Arroyo e com as obras do porto de Lisboa, na mão, não sei onde nós iriamos; mas eu resolvi desde o principio levar esta questão serena e tranquillamente, como ella precisa e deve ser tratada, e portanto nem me quero lembrar do que disse o sr. Barbosa de Magalhães, nem das lactas politicas de Ovar.

Vamos, pois, seguir a nossa senda com verdadeira pachorra e paciencia, para expormos sem duvidas ou hesitações, mas sem sairmos fóra do caminho tranquillo e sereno que me propuz trilhar ao começar as minhas considerações.

Tenho a fazer uma pequenissima recapitulação das idéas expostas na primeira parte do meu discurso, para assim estabelecer ligação com o seguimento das minhas observações.

Insisto e devo mesmo insistir em fazer esta recapitulação, porque, tendo o sr. ministro das obras publicas seguido o pouco louvavel systema de se defender atacando, eu quero aproveitar todas as vantagens que resultam d'esse ataque.

O sr. ministro das obras publicas declarou á camara, que o pensamento do sr. Fontes era conceder ao empreiteiro Hersent, em todos os casos e por todos os modos, a empreitada das obras do porto de Lisboa; disse ainda que s. exa. fizera uma lei perfeitamente correcta, perfeitamente aceitável, mas que tinha na sua mente um ardil, uma ficelle, para fazer a adjudicação ao seu favorito.

A ficelle era a seguinte, na opinião do sr. ministro: o sr. Fontes abria um concurso de projectos, e, fossem quaes fossem esses projectos que ao mesmo concurso viessem, approvaria sempre o do sr. Hersent.

O sr. Hersent ficava assim com uma certa vantagem sobre os outros concorrentes, e por esta fórma imaginava o sr. Fontes falsear o concurso, falsear a lei que elle tinha feito, e entregar a empreitada ao seu amigo.

Esta foi a exposição feita pelo sr. ministro das obras publicas e, com geral espanto, s. exa. declarou que concordava plenamente com esta idéa, que o sr. Fontes procedera muito bem, e que s. exa. estava em pleno accordo com o pensamento, aliás errado, que dizia ser do chefe do partido regenerador; isto é, com o pensamento de dar, em todos os casos, a empreitada ao sr. Hersent.

Mas como o sr. Fontes não executou a lei e foi o sr. ministro quem teve a felicidade de pôr cm pratica as suppostas idéas do sr. Fontes, foi s. exa. tambem quem desde a sua entrada no ministerio pensou em entregar as obras do porto de Lisboa ao sr. Hersent.

É o proprio sr. ministro quem acaba de o confessar! (Apoiados.)

E como o sr. ministro começou produzindo esta argumentação, embora atacante para o sr. Fontes, eu tomo a expontanea declaração de s. exa., que agora já não é uma insinuação, parto da declaração feita por s. exa. e escuso de estar formulando quaesquer outras hypotheses.

O pensamento do sr. ministro era, pois, entregar a empreitada ao sr. Hersent.

O sr. Fontes, e eu vou dizer isto porque me esqueceu de o referir hontem, quando fallei; o sr. Fontes, com aquelle seu talento extraordinario, com aquella sua presciencia, que chega a admirar, quando em 2 de julho fallou, em resposta ao sr. Vaz Preto; na camara dos pares, já sabia que o sr. Emygdio Navarro, depois d'elle morrer, o vinha defender na camara dos deputados; já sabia que alguem viria apresentar na camara as suas idéas erradamente commentadas, e tanto conhecia a gente com que lidava, tanto sabia quem eram os seus inimigos e os seus adversarios, que teve a cautela de dizer n'esse discurso o seguinte:

"Apresentados esses projectos, o que póde levar um ou dois mezes a fazer, serão ouvidos os homens competentes e elles decidirão qual d'elles é o mais conveniente."

Já elle sabia que o sr. Emygdio Navarro viria fazer na camara a insinuação de que elle tinha tenção de quand même approvar o projecto Hersent, e foi dizendo: "que quem havia de escolher e decidir sobre o valor dos projectos, não era elle, ministro, eram os homens competentes!"

Admiravel presciencia a d'aquelle grande homem!

Digo isto incidentalmente para affirmar mais uma vez que o sr. Fontes nunca teve o pensamento de falsear o concurso; quem concorda com essa idéa, quem acha bom esse pensamento, é o sr. ministro; o sr. Fontes nunca pensou em tal, nem o tinha pensado, e se assim o entendesse, de certo não promulgaria a lei de 16 de julho de 1885, que representa o seu zêlo pelos interesses do estado, que representa a moralidade, e que traduz o melhor e o mais louvavel pensamento administrativo a seguir n'um negocio d'esta ordem. (Apoiados.)

Partindo, pois, da hypothese, porque ainda assim quero ter a delicadeza parlamentar de chamar á declaração do sr. ministro uma hypothese, o sr. Navarro tinha tal confiança no sr. Hersent ou era qualquer outro empreiteiro, tinha tal confiança em um, fosse elle quem fosse, que achava perfeitamente regular o pensamento que attribue ao sr. Fontes ; isto é, o pensamento de lhe dar a empreitada apesar das condições taxativas da lei de 16 de julho de 1885!

Pois seja assim.

Foi, portanto, n'este ponto, como eu disse hontem, onde se manifestou de um modo verdadeiramente notavel a finura do sr. ministro, quando a compararmos com a habilidade e as suppostas intenções do sr. Fontes.

O sr. Fontes descobriu o expediente miseravel de approvar o projecto do sr. Hersent, abrindo um concurso de projectos, e apenas a sua intelligencia lhe sugeriu aquella ficelle, que dava uma vantagem de ordem verdadeiramente secundaria.

Mas o sr. Navarro! O sr. Navarro, n'este ponto, excedeu tudo o que a mesa antiga canta, (Riso.) visto que, com o seu programma de concurso, é evidente que a obra se adjudicaria unicamente á pessoa a quem o ministro muito bem quizesse. (Apoiados.)

Programma com quatro bases de licitação nunca se viu, sobretudo a base a que se refere o § 2.° do artigo 1.°

O empreiteiro tem preferencia relativa quando apresentar uma obra de reconhecida importancia. Quem reconhece a importancia da obra para dar essa preferencia ao empreiteiro ?

É o ministro.

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togo está na mão do ministro dar a empreitada a quem muito bem quizer. (Apoiados.)

Não foi preciso lançar mão d'esta valvula, diga-se a verdade. Mas quando os empreiteiros viram tal clausula, a sua primeira idéa foi fugir do concurso, porque sabiam perfeitamente que sem estarem combinados com a administração era escusado lá ir. (Apoiados.)

Isto é claro e evidente. (Apoiados.)

A condição 2.ª foi evidentemente para afastar os empreiteiros do concurso, porque não era facil encontrar quem tomasse a seu cargo todos os encargos de um concurso d'esta ordem, em que era preciso fazer trabalhos e estudos importantes e um deposito de 540:000$000 réis, para depois ficar com esse trabalho inutilisado com o julgamento do ministro sobre a importancia de uma qualquer obra estranha ao projecto e que um competidor feliz apresentasse no concurso.

O empreiteiro que não podesse saber qual era a obra do agrado do ministro fugia com toda a rasão do concurso; portanto esta condição afastava totalmente os empreiteiros. (Apoiados.)

É até curioso notar que os dois empreiteiros que fizeram deposito e foram ao concurso, se chegaram a apparecer ali, é porque tiveram ambos, ao mesmo tempo, a mesma, idéa a respeito das taes obras de reconhecida importancia.

Mas, afóra todas as condições que afastaram do concurso os empreiteiros, e de que fallei hontem, que são, especialmente derivadas do disposto no § 2.° do artigo 1.° e dos artigos 8.º e 9.º do programma, que davam ao empreiteiro o direito de fazer elle o projecto definitivo que fosse posto em execução, ha ainda uma outra rasão para os empreteiros terem toda a duvida em concorre á licitação.

Examinando o artigo 14.,° do programma, vemos que elle diz: "não se considera valida qualquer proposta em que se proponham modificações ao programma ou nos artigos 1.° 2.° e 4.º do caderno de encargos."

Entende-se d'aqui claramente que se podem alterar os outros artigos do tal caderno de encargos. (Apoiados.)

Mas vae-se ler o artigo 1.° d'esse caderno e acha-se que a empreitada será feita nos termos de todos os artigos d´esse mesmo caderno de encargos.

Como se entendem estas contradicções?

Os empreiteiros estavam perfeitamente desnorteados, não sabiam o que se queria dizer. E d'estas circumstancias todas, da existencia d'estes alçapões diversos abertos no programma, ou, follando em termos mais scientificos, da introducção d'estas valvulas de segurança, combinada com a hypothese de que o sr. ministro quizesse dar a empreitada a um certo homem, nasceu naturalmente a idéa e a necessidade de nomear, como eu hontem disse, um leccionista.

Quando eu me vou referir ao leccionista, tenho a dizer que só o excessivo espirito de disciplina, porque o sr. Matos é militar, só o espirito de disciplina podia obrigar um engenheiro a acceitar uma commissão d´estas.

E eu explico a rasão.

É claro que, estando os engenheiros em contacto com os empreiteiros a ensinar lhes a maneira como havia de fazer as suas propostas, nada havia mais natural do que, quando se realisasse o concurso, se a qualquer empreiteiro leccionado não fossem adjudicadas as obras poder elle immediatamente reclamar contra as explicações dadas pelos engenheiro encarregado d´este serviço.
Logo não havia engenheiro nenhum que de boamente, e não ser por obediencia e amor á disciplina, accetasse uma commissão d´estas e a responsabilidade de todas as accusações, que os empreiteiros lhe poderiam fazer.(Apoiados.)

Evidentimente, quando se organisa o concurso de uma empreitada n´estas condições, caso no ministerio das obras publicas, (Apoiados) ha necessariamente logar a apparecerem reclamações dos empreiteiros, deduzidas das boas ou más explicações que lhes possam ser dadas sobre a maneira de fazer as propostas para a licitação, e por isso, torno a repetir, só o amor da disciplina podia levar o sr. Matos a acceitar uma commissão d'esta ordem.

Vejâmos agora os inconvenientes e os graves transtornos que resultaram dos factos apontados.

No ministerio das obras publicas, no dizer do sr. ministro, havia todo o empenho em que o concurso fosse concorrido por varios empreiteiros. Nomeou-se um explicador, e este andou junto dos empreiteiros a ensinar-lhes a maneira de fazerem as suas propostas.

Circumstancia curiosa, infelicidade verdadeiramente lamentavel, o unico concorrente que appareceu foi o sr. Hersent!

É na realidade notavel!

Mas se não houvesse explicador, se não tivesse havido leccionista, eu podia imaginar que os diversos empreiteiros que appareceram em Lisboa, não vieram ao concurso porque não quizeram; havendo leccionista e dada à intenção confessada pelo sr. ministro, estou no meu direito do poder suppor que, se uns não quizeram concorrer, outros haveria que o não fizeram, talvez porque foram mal leccionados (Apoiados.)

Isto é evidente; sem leccionista eu não tenho direito para fazer observações d´esta natureza; mas havendo leccionista, tenho completo direito para admittir a possibilidade de que alguns empreiteiros não vieram, porque não quizeram e outros porque não tivessem sido bem leccionados, quer este facto representasse um engano do empreiteiro que um indicação menos exacta dada de boa fé pelo sr. Mato, ou ainda o reflexo da tal idéa preconcebida pelo sr. Ministro.

Uma Voz: - Ou porque ficaram reprovados. (Riso.)

Orador: - Podia ser tambem.

Vamos, pois, ver se n'este enorme processo, que eu declaro estar bem organisado, descobrimos algum meio de demonstrar que o delegado do sr. ministro não leccionou bem os empreiteiros.

Quando fallo em leccionista, para mim é o mesmo que dizer o sr. ministro, (Apoiados.) pois que lhe attribue toda a responsabilidade dos actos praticados pelo sr. Matos como leccionista.

É preciso ir com cautela e de vagar; e peço á camara que me releve se for prolixo e demorado n'uma ou n'outra explicação.

É preciso andar, por assim dizer, com uma pinça tirando aqui e ali a camada de verniz que encobre este enorme trabalho, para ver onde está a chaga. (Apoiados.)

Esta operação é fatigante e mesmo massadora, mas assim é preciso; é essa a minha missão, e eu hei de cumpril-a como poder e souber. (Apoiados.)

Vamos pois a ver se descobrimos, como ía dizendo, algum facto por onde se demonstre que o leccionista não andou bem, ou que o sr. ministro não explicou bem aos empreiteiros a maneira de fazerem as suas propostas.

Os empreiteiros foram fugindo a pouco e pouco e para o fim apenas ficaram dois teimosos, com a intenção de irem ao concurso. Se pois havia um preferido, fosse o sr. Hersent ou fosse o sr. Reeves, como os dois ficaram até ao fim, era preciso pôr um fóra do concurso.
Vejâmos então se o sr. ministro, de boa ou de má fé, concorreu ou não para arredar algum d'estes dois empreiteiros do concurso.

Os empreiteiros com relação ao § 2.° do artigo 1.° do programma caladinhos até ao fim.

Natualmente porque não queriam descobrir o seu jogo e dizer qual era a obra completar que pretendiam offerecer para terem a preferencia relativa. Mas, desde que havia um explicador do concurso e disseram de si para si: nós o que presisâmos é saber qual é a obra completa que o ministro quer, de que elle gosta, porque se nós não incluimos essa, elle não nos dá a empreitada. (Apoiados)

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E naturalmente abriram-se com o explicador, porque era aquelle o caminho direito para saberem as intenções do sr. ministro. (Apoiados.)

E o sr. Reeves caíu n'esta ingenuidade e foi pedir conselho ao explicador.

Diz o sr. Reeves: a minha intenção é construir os muros das obras do porto de Lisboa exactamente como estão descriptos no projecto feito pelo sr. Matos; mas a margem dos lucros que tenho é nulla ou pouco importante, e por isso preciso arranjar alguma outra obra de onde mo venha uma margem de lucros qualquer para eu poder fazer faço ás eventualidades de um trabalho d'esta ordem; e descobri o seguinte meio de conseguir o meu fim:

Se eu fizesse uru caminho de ferro que fosse de Alcantara até Cascaes, se ficasse com a exploração d'este caminho de ferro e com a do caminho de ferro que vae do caes dos Soldados até Alcantara, se fizesse tambem a rectificação da margem do Tejo desde o Porto Franco até Belem.

ficando com os terrenos d estas obras, tirava os lucros sufficientes para com elles me julgar habilitado a poder ir ao concurso, e sujeitar-me aos poucos lucros que tiraria da execução da obra principal.

E lembrou-se de propor aquellas obras como complementares, nos termos do § 2.º do artigo 1.º do programma do concurso, e foi esta sua idéa, este seu pensamento que elle communicou ao sr. Matos.

Por uma curiosa coincidencia, viu-se mais tarde que o sr. Hersent tambem andava pensando exactamente a mesma cousa.

Mas o que respondeu o sr. Matos?

O caminho de ferro que vae de Santa Apollonia até Alcantara chamava-lhe o sr. Reeves o seu primeiro systema, e o caminho de ferro que segue de Alcantara até Cascaes chamava-lhe o mesmo empreiteiro o seu segundo systema.

O sr. Matos, consultado sobre se esta obra complementar era ou não do agrado do sr. ministro, disse que o primeiro caminho de ferro fazia parte do plano geral dos melhoramentos do porto de Lisboa, pois que effectivamente era o que estava traçado no dito plano geral e fazia parte do projecto que servio de base ao concurso; e como o systema adoptado pelo sr. Reeves, quer dizer, o traçado que elle apresentava se afastava do indicado n'aquelle plano geral, por isso não poderia elle ser attendido no concurso, o que era obvio.

Por consequencia, o leccionista disse ao empreiteiro, com relação á obra complementar que queria propor; - o seu projecto affasta-se do traçado do caminho de ferro que faz parte do plano geral, e como esse plano geral não póde ser alterado, escusa de fazer essa proposta porque vae ao concurso, e fica sem a obra.

O sr. Reeves, em vista d´esta informação, deixou de ir ao concurso, não podendo seguir o seu plano que se combinava com o resto das suas operações financeiras, E, como o sr. Matos lhe tinha dito que lhe não era acceite a proposta n'aquelles termos, não foi.

Foi só o sr. Hersent; seguiram se os tramites, e foi-lhe adjudicada a obra.

O sr. Hersent, como nós sabemos, é quem tinha de fazer o projecto definitivo, e quando o executou, pediu, e foi-lhe concedido, entre outras cousas, o poder alterar e arredondar os angulos da doca de Santas, a fim de convenientemente modificar o traçado do caminho de ferro do Alcantara a Santa Apolonia.

Logo, a idéa do sr. ministro de que não podia ser alterado o plano geral foi modificada; logo afastou do concurso o sr. Reeves sem rasão e sem motivo, porque, se o plano não se podia alterar, se era inalteravel, se não se podia modificar em qualquer ponto, o conselho dado ao sr. Reeves não foi leal e verdadeiro, e serviu só para elle não ir ao concurso!

É fatal; desde, que se consentio ao sr. Hersent fazer qualquer modificação no plano geral que para o sr. Reeves era inalteravel, este empreiteiro não foi correctamente leccionado.

Antes do concurso não se podia alterar o plano geral, mas depois do concurso já se podia alterar a doca de Santos, o traçado do caminho de ferro, a doca do arsenal de marinha, e a linha exterior dos muros da doca do Terreiro de Trigo!

Já se podia alterar tudo; não havia já rasão para se conservar o plano geral!

Aqui está como o leccionista não andou bem, aqui está como se poz fóra do concurso o concorrente Reeves.

E como o cesteiro que faz um cesto faz um cento, assim como foi posto fóra um podiam ter sido postos fóra do concurso todos os outros.

De, mais a mais era a idéa do sr. ministro dar-se a empreitada a um empreiteiro favorecido ou que segundo imaginava, desempenharia melhor do que qualquer outro, aquelle trabalho.

Parece-me que como exemplo de boa administração não ha nada superior a este quadro. (Apoiados.)

Os actos irregulares do governo succedem-se e encastellam-se de uma maneira notavel n'este processo.

Vou agora tratar, e discutir o despacho de adjudicação das obras do porto de Lisboa, feita depois do concurso que teve logar n'estas bellas condições, que acabo de expor.

Permitta-me v. exa. que eu leia á camara este despacho para que ella tomando inteiro conhecimento d'elle possa apreciar todas as considerações que vou fazer.

O despacho diz assim:

"Despacho. - Vista a resolução do conselho de ministros;

"Visto o parecer n consultas da commissão especial e da junta consultiva de obras publicas e minas e procuradoria geral da corôa e fazenda, com as quaes o governo se conforma ;

"Vista a desistencia apresentada por parte de mr. Pierre Hildenert Hersent por via do seu bastante procurador Nicolás Arthur Maury, quanto ás obras complementares a oeste do caneiro de Alcantara;

"Visto o protesto e pedido da companhia real de caminhos de ferro portuguezes, que em documento especial são attendidos a respeito das obras complementares acima referidas e de um caminho de ferro que assente sobre ellas.

" Adjudique-se ao proponente Pierre Híldenert Hersent, pela quantia a l0.790:000$000 réis (dez mil setecentos e noventa contos de réis) as obras que construem a primeira secção do plano geral dos melhoramentos do porto do Lisboa proposto pela, commissão nomeada em 16 de março de l883, conforme as condições approvadas por decreto de 22 de dezembro de 1886 e consultas supramencionadas.

Paço em 9 de abril de 1887. = Emygdio Julio Navarro."

Sinto que não esteja presente o sr. presidente do conselho. (Apoiados.)

Sendo esta uma questão que se póde considerar do honra e dignidade para o partido progressista, o sr. presidente do conselho tinha obrigação de assistir á discussão completa d'ella; e todavia no momento em que tenho de me dirigir a s. exa., não o vejo no seu logar.
Sou informado por alguns dos meus collegas que o sr. ministro de remo e presidente, do conselho foi para a camara dos dignas pares; pedia por isso a v. exa. a fineza de lhe fazer saber que eu desejava que s. exa. viesse occupar o seu logar.

O sr. Presidente: - O sr. Sr. presidente do conselho está na camara dos dignos pares.

O Orador: - O sr. ministro das obras publicas lhe dirá,, se julgar conveniente, o que vou expor.

Acabei de ler o despacho que fez a adjudicação das obras do porto de Lisboa e que affirmava ter sido feito em

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conselho do ministros, o que bom justifica a asserção produzida por mim no principio do meu discurso, quando declarei, de uma maneira terminante, que todo o governo estava ligado á adjudicação d'aquellas obras.

Examinemos o terceiro periodo; a desistencia apresentada por parte de mr. Hersent, por via do seu procurador, de construir obras complementares a oeste do caneiro de Alcantara.

É esta de facto uma peça de resistencia do despacho; aqui está a descoberto uma chaga d'este negocio, e dos actos mais extraordinarios que se tem visto.

(Entrou o sr. presidente do conselho de ministros.)

Estimo que o sr. José Luciano de Castro comparecesse, porque vou contar-lhe uma historia interessante.

O empreiteiro Hersent, como todos os empreiteiros, no seu plenissimo direito, inventou uma artimanha para enganar o governo.

Eu emprego a palavra artimanha porque não desejo ser offensivo nem mesmo de "agradavel, e por que tendo o sr. ministro nomeado um leccionista para funccionar junto dos empreiteiros, podia suppor-se que s. exa. sabia bem o que se passava, e essa circumstancia mais me obrigava a ser delicado.

Como ía dizendo, o empreiteiro inventou uma artimanha, e vou dizer qual era.

No programma do concurso estava explicado o modo como os empreiteiros deviam fazer as suas propostas. O sr. Hersent encontrou pois no artigo 11.° a formula pela qual devia escrever a sua proposta, e esse artigo é do teor seguinte :

"Artigo 11.° As propostas feitas pelos licitantes serão fechadas em sobrescriptos separados, sem declaração nenhuma exterior e serão escriptas em portugues, nos termos seguintes:

"O abaixo assignado obriga-se a construir as obras para melhoramento do porto de Lisboa, segundo as disposições e clausulas do programma de 22 de dezembro de 1886, e bem assim as complementares e accessorias abaixo especificadas, pelo preço total de... (por extenso)."

"Eis seguida irá a especificação das obras e dequaesquer vantagens cedidas para o estado, que sirvam para determinar as preferencias mareadas no artigo 1.° e seus para graphos d'este decreto."

Recordemos ainda como estava regulado o concurso.

O empreiteiro que quizesse ir seriamente a esse concuso encontrava logo no § 1.º do artigo 1.° do programma, que teria preferencia absoluta quem se prestasse a fazer as obras do Alcantara ao Porto Franco, e portanto, quem quizesse habilitar-se á adjudicação sabia bem que tinha fatalmente de offerecer-se para fazer essas obras, e se assim e não declarasse na sua proposto, qualquer outro concorrente que fizesse essa declaração, era necessariamente preferido.

Portanto, a primeira cousa, em que pensavam todos os empreiteiros era prestarem-se a executar as obras alem de Alcantara, ou não irem ao concurso.

E tanto isto é assim, que no caderno de encargos, nos termos dos artigos 1.° e 21.° se transformou a tal preferencia absoluta em sr. condição obrigatoria a execução das mesmas obras desde Alcantara ao Porto Franco.

Posto isto, o sr. Hersent, ou o seu procurador, sempre com a mania que têem todos os empreiteiros, mettida no corpo, de defenderem os seus interesses, fez a sua proposta copiando exactamente o que estava no projecto e declarando portanto que fazia as obras segundo as clausulas do programma de 22 de dezembro de 1886.

E como pelo disposto no artigo 3.° d'este programma o empreiteiro tinha de fazer as obras segundo as condições do caderno de encargos, quando o sr. Hersent escrevia aquellas palavras compromettia-se, ipso facto, a executar essas obras nos termos do caderno de encargos.

Mas no caderno de encargos pelos artigos 1.° e 21.° são obrigatorias as obras de Alcantara até Porto Franco; logo, quando o empreiteiro se compromettia a fazer as obras nos termos do programma, implicitamente dizia que fazia ao obras de Alcantara a Porto Franco. (Apoiados.)

Mas o sr. Hersent ou o seu procurador que é a mesma cousa, o sr. Maury, fez a sua proposta no dia 25. Tome a camara bem nota. Aqui é que começa a artimanha.

Diz a lei: "Em seguida-o empreiteiro fará a nota das propostas com as obras complementares que tem tenção de offerecer ao governo".

O sr. Hersent em vez de repetir n'este papel, isto é, em logar de dizer de uma maneira mais explicita, que se compromettia a fazer as obras de Alcantara a Porto Franco, descrevem só as obras complementares referentes ao § 2.° do artigo 1.° e fez offerecimento do caminho de ferro de Alcantara até Cascaes.

No dia seguinte, para corresponder ás palavras em seguida, no dia 26 n'outro papel, que juntou no mesmo sobescripto, onde estavam descriptas as modificações que elle apresentava, aos muros de caes do projecto do sr. Matos, no fim d'este documento escreveu o seguinte que leio em francez:

[....paragrafo em francês ]

Remblaiu en aval d'Alcântara et pont sur lê ruisseau d'Alcântara.- Po u r repondre au desir exprime dans Ia publi-carion du conc"urf" nous nous engageons à exécuter lês tra-vanx de remblai, d'enrochement e de perrayage dês talus et u n pont d u '80 metres de longueur à faire sur lê ruisseau d'Alcântara.
Nous construirons lê pont de 80 metres de longueur sur 8 metres du larguem1 au rnoyen de poutreMes en fer et en maçontírie. (Lê merae ruisseau est couvert à cctte dimen-sion sons Ia gare du chouin de fer.)
Nous executerons d'abord lês ouvrages provisoires à fin d" faire emerger de sol de Ia route à' construirei et lês ter-raius en arrière. La hauteur será completéo en draguant Ia darse indiquée sur lê plan.
L'état construirá Ia route.
Nous nous enijageous quer dizer: eu comprometto-me a fazer as obras de Alcantara, os aterros, os enrocamentos, os muros, a ponte, a doca, tudo, só deixo a cargo do governo a construcção da estrada.

Por consequencia, da proposta do empreiteiro como estava redigida, concluia-se sem precisar mais nada, que elle se comprometia a fazer as obras segundo o caderno de encargos e por isso as obras a oeste de Alcantara. (Apoiados.)

No documento que temos presente, feito no dia seguinte, comprometteu-se o sr. Hersent de novo e de uma maneira perfeitamente explicita clara e positiva a construir as ditas obras. Descreve-as e diz que ha de cobrir o caneiro de Alcantara etc., faz todas estas declarações terminantes e evidentes.

Agora vamos a explicar a manha do empreiteiro.

Ia para o concurso; estavam lá mais concorrentes, dizia elle: "eu comprometti-me a fazer as obras de Alcantara até Porto Franco, e tanto assim é que na minha proposta está incluida a idéa de fazer essas obras; mas se alguem tem duvida, lá está o outro papel, feito em separado, mas no dia 26, no dia seguinte, a memoria que se refere aos muros, onde eu tomo a este respeito o mais solemne compromisso."

E ninguem podia contestar esta verdadeira e logica conclusão.

Achava-se porém só no concurso; dizia: o não me comprometti a executar taes obras, era preciso que a proposta fosse feita explicitamente no primeiro papel, porque vindo no segundo, não quer dizer nada. Não quero fazer a obra, não me comprometti a tal."

Ora isto não é serio. (Apoiados.)

Mas o que é extraordinario, o que nunca se viu foi procedimento como o do governo; e eu já vou dizer qual a resolução que tomou. (Apoiados.)

Nas Novidades, no dia em que teve logar o concurso, appa-

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receu uma noticia dizendo o seguinte, pouco mais ou menos: "Fez-se o concurso para as obras do porto de Lisboa, appareceu o sr. Hersent, comprometteu-se a tomar a empreitada da primeira secção, e ainda as obras de Alcantara até Porto Franco; estamos no melhor dos mundos, nunca se viu tanta ventura, um verdadeiro successo: é não só o que o sr. Navarro queria, mas muito mais; é a idade de oiro que este partido e este ministro vem trazer ao paiz"!

No dia seguinte, ou n'esse mesmo dia, o sr. Maury manda ao ministerio das obras publicas uma carta, dizendo: "eu não me comprometa a fazer as obras de Alcantara ao Porto Franco; na minha proposta, só designei a obra complementar que é o caminho de Ferro para Belem, e o que disse no outro papel não tem valor algum; não vale de nada; a minha idéa não era fazer aquella obra; a idéa do sr. Hersent não era essa".

E sabe a camara o que aconteceu?

O governo acceitou esta declaração !! (Apoiados.)

A artimanha do empreiteiro surtiu o desejado effeito; apanhou-se só no concurso e eliminou a preferencia absoluta, de que elle para nada já precisava.
O governo concordou com isto, e metteu no bolso do empreiteiro 468:000$000 réis! (Apoiados.)

O empreiteiro podia deixar de fazer as obras, mas então descontassem lhe os 468:000$000 réis, no valor da empreitada. (Apoiados.)

468:000$000 réis! Era esse o valor orçado das obras; era que ellas custavam!

E o governo acceitou tudo !

Onde estava v. exa., sr. presidente do conselho, onde estava a sentinella vigilante?!

Porque não viu este acto, que não se explica, que não se póde justificar?! (Apoiados.)

Note bem a camara, estas obras foram feitas depois pela companhia dos caminhos de ferro do norte e leste; mas os 468:000$000 réis incluidos no orçamento o que o empreiteiro metteu no bolso deviam necessariamente ter-lhe sido descontados. (Apoiados.)

Repito, 468:000$000 réis dados de mão beijada, que o governo metteu no bolso do sr. Hersent. A fóra os réis 520:000$000, valor dos terrenos a conquistar, desde Alcantara até Porto Franco, que eram para o governo, e que agora são para a companhia dos caminhos de ferro !

Isto é inaudito! (Muitos apoiados.)

Confiar o paiz as chaves do thesouro, esse deposito sagrado, confiar o rei, a maioria e nós mesmos essas chaves a um governo, para este as entregar a um empreiteiro favorito, a fim de elle poder abrir esse thesouro publico e tirar d'ali á sua vontade 468:000$000 réis, é inaudito, é revoltantes. (Apoiados.)

E o attentado torna-se ainda mais revoltante por se ter a coragem de chamar a este acto desistencio!

Então o empreiteiro desista das suas obrigações? O empreiteiro póde desistir de uma obrigação que contrahiu?

Fazer uma obra é um direito, ou uma obrigação?

Isto admitte se? Chega-se a não se conceber como é que um governo possa ter tanta audacia.

Aqui está como começa a introducção no bolso do empreiteiro Hersent dos taes 2.700:000$000 réis, a que eu me referi.

Começa assim.

Primeiramente estes 468:000$000 réis; não são precisas considerações technicas, não são precisos esforços de imaginação, para se vêr como esses contos entraram sem difficuldade e sem trabalho para o bolso do sr. Hersent.

O homem fazia as obras por 10.790:000$000 réis, antes de se achar só no concurso; comprometteu-se a executal-as, incluindo os trabalhos projectados de Alcantara até ao Porto Franco; mas depois que se viu só no concurso, metteu no bolso os 468:000$000 réis, e continuou a ficar assente que receberia os mesmos 10.790:000$000 réis!

Simples e claro como agua.

Se o sr. Hersent se lembra de desistir de toda a obra do porto, davam-lhe os 10.790:000$000 réis e elle ia muito contente para Bruxellas celebrar este nosso abençoado torrão.

E agora me lembro que o sr. ministro das obras publicas esteve a faltar aqui com notavel insistencia cobre a impreterivel necessidade de, Contra lei, metter as obras do caneiro de Alcantara até ao Porto Franco dentro do concurso, quando a adjudicação só podia referir se á primeira secção, e de maneira nenhuma ás outras secções.

O sr. ministro das obras publicas esforçou-se mesmo por demonstrar que era uma necessidade urgente e inadiavel para a salubridade publica e para o regimen do rio a inclusão, no concurso, das obras do caneiro de Alcantara até Porto Franco; mas s. exa. não se lembrou de que as obras desde o caes dos Soldados até ao caneiro de Alcantara, têem de ser feitas em dez annos, o que, durante este tempo, havia toda a facilidade de vir ao parlamento buscar uma lei que auctorisasse a construcção d'essas obras do caneiro de Alcantara em deante, não sendo necessario qualquer procedimento illegal.

É esta a resposta á parte do discurso do sr. ministro das obras publicas n´este ponto.

Mas vamos ainda ao despacho de adjudicação.

A camara vae deveras ficar surprehendida quando eu lhe disser que o sr. Hersent, antes de ir ao concurso, já sabia que haviam de lhe fazer aquella concessão, e o que me pareceu quasi inverosimil, foi que nos papeis de concurso apparecesse um documento para demonstrar o que acabo de dizer.

O sr. Harsent, ao fazer a sua memoria sobre os systemas de construcção, que não sei se foi escripta por elle ou por alguma pessoa ingenua e de bons sentimentos, chegou a uma certa altura e escreveu umas poucas de linhas; ruas depois, quando passou em revista o que tinha escripto, achou por bem apagar com traços umas doze linhas.

Ora eu, quando examinei os papeis, tive curiosidade de ver o que estava escripto nas linhas riscadas, e li o seguinte:

[...francês ]
oRayées clouze lignes"
MauryLês estirnations, qui ont servi de base au projet du gouvernement,ont paruinsu-fisantes sur bien dês points, en raison dês conditions d'execution reclamées- Nous avons eté obligé de reclamei- de l'ad-ministrat:on quelgues compcnsations, dans lê "cãs ou cette offre serait acceptée. Enfin nous nous sommcH inspire dts idée.s d u gouvernement pour faire Ia propnsition qui suit moyennant lê prix de dix mille huii. cent contos do réis, stipulé à Ia soumission. Eu vou traduzir livremente:

Os calculos que serviram de base ao projecto do governo, pareceram-nos muito baixos em vista das condições perceituadas para a execução do trabalho.

Vimo-nos pois forçados a pedir á administração algumas compensações, para o caso em que ficassemos com a obra.

Em fim inspirámo-n'os nas idéas do governo, para apresentarmos a seguinte proposta, dentro do preço dos réis 10.800:000$000, fixados como limite maximo de licitação.

É o empreiteiro que innocentemente escreveu na sua memoria, que se tinha visto obrigado a pedir compensações.

Logo estava antecipadamente combinado quaes eram as compensações que ellq havia de ter, caso ficasse com a empreitada !

E como lhe deram os 468:000$000 réis, por isso affirmei que o negocio já estava contratado antes do concurso...!

Não preciso dizer mais nada.

Não tenho remedio senão ir de vagar e pausadamente,

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porque são tantas as circumstancias extraordinarias que se envolvem n'esta discussão, que nem mesmo é possivel coordenar idéas para se discutirem de uma maneira rapida tão variados assumptos.

Vamos agora examinar outro ponto.

O sr. ministro das obras publicas, na ultima sessão, estava muito afflicto, por não saber qual era o motivo por que a companhia dos caminhos de ferro tinha vindo offerecer-se para construir a linha urbana, a estação do Rocio, a linha de Alcantara a Cascasse, e a rectificação da margem do Tejo até Belem; e perguntava s. exa.: onde está o gato ?

Ora vamos a ver se eu digo onde está o gato. (Riso.)

Para este systema de discussões, é necessario um processo que não destôe da fórma em que é posta a questão.

Vejâmos pois onde está o gato.

O sr. visconde de S. Januario...

Um sr. Deputado: - Esse é o gato? (Riso.)

O Orador: - Não é o gato, é um rato. (Riso.) O sr. visconde do S. Januario tomou posse do seu logar de fiscal da companhia dos caminhos de ferro, e começou a conhecer os negocios da companha. O sr. Marianno de Carvalho, antigo director da companhia, ficou sempre com amor áquelle estabelecimento, que elle creou e gerou, e com a esperteza, que naturalmente Deus lhe deu, começou a perceber que o empreiteiro Hersent vinha a Portugal fazer umas obras de graça; e eu digo de graça, porque alguns engenheiros do ministerio das obras publicas até dizem que elle vem perder dinheiro! (Riso.)

Chegam a affirmar que é tão bom homem, que até nos vem entregar todas as suas economias!

Então os srs. Marianno de Carvalho e visconde de S. Januario começaram a impressionar-se com aquella idéa.

De remota data, o sr. Marianno anda, como se sabe, de rixa velha com os belgas; em vendo um belga, fica logo incommodado! (Riso.)

Se não, veja-se o que succede com o sr. Burnay. Quando o sr. Marianno de Carvalho vê o sr. Burnay, é como se visse o diabo. (Riso.)

Começou, pois, s. exa. a andar de ponta com o sr. Hersent e disse ao sr. visconde: "Então ha de vir um belga ganhar fama no nosso paiz, e fazer as obras do porto de Lisboa, de graça, perdendo mesmo dinheiro, e a companhia dos caminhos de ferro ha de ficar atraz?

Não póde ser!

É já fazer o ramal de Cascaes, a linha urbana, a estação ao Rocio, e a rectificação da margem do Tejo, e tudo de graça! (Riso.)

Vamos metter o belga n'um chinelo!"

E ahi tem o sr. ministro das obras publicas o gato. (Riso.)

Dizem que Hersent vae fazer as obras de graça; pois tambem a companhia quer fazer obras de graça para lhe não ficar atraz!

A companhia não precisava fazer uma estação no Rocio, nem a linha urbana, nem as obras ao Tejo, tudo de graça; mas faz tudo por ciume; tudo para fazer ferro ao Hersent. É verdade que a companhia tem tarifas especiaes para seu uso e governo, recebe de mão beijada o caminho de ferro manginal desde o cães dos Soldados a Alcantara para explorar e receber os proventos d'essa exploração, e tambem se fortifica com os, terrenos conquistados ao Tejo entre Alcantara e Belem; mas tudo isto são bagatellas que não explicam a evolução dos sentimentos patrioticos d'aquella empreza, postos só em evidencia pela negra emulação que lhe despertou o procedimento do empreiteiro Hersent.

Mas apesar de tudo e sejam quaes fossem as rasões que imperassem no animo da companhia real, o que a concessão tem é ser evidentemente illegal. (Apoiados.)

Póde ser a manifestação dos mais respeitaveis sentimentos, o que quizerem, mas o que é tambem é illegal. (Apoiados.)

E eu vou mostrar o fundamento que tenho para assim pensar.

Repito, póde a concessão considerar-se uma belleza, póde ser um encanto, mas é illegal.

E se é illegal, não presta para nada, não serve, não se devia fazer. (Apoiados.)

Como foi feita esta concessão? Qual é o seu fundamento legal ?

Esta concessão do caminho de ferro de Alcantara, até Cascaes é feita á companhia real como sendo a concessão de um ramal do caminho de ferro de Santa Apolonia.

Não me cansarei expondo grande numero de argumentos. Basta-me um.

A linha que vae desde o caes dos Soldados até Alcantara foi considerada pelo governo como sendo uma linha divergente, e por isso incluida no projecto Hersent como fazendo parte dos melhoramentos do porto de Lisboa.

Ninguem se lembrou de pedir a concessão d'esta linha, ou de se oppor á sua inclusão no projecto das obras do porto de Lisboa. (Apoiados.)

Logo, o ramal a que a concessão se refere só póde ser a linha partindo de Alcantara para oeste, e assim foi concedido um ramal que não entronca na linha principal! (Apoiados.)

Mas, um ramal que não entronca na linha principal não tem esse nome. (Apoiados.)

É preciso, mais que um grande esforço de intelligencia para se comprehender um ramal que está a alguns kilometros da linha principal. (Apoiados.)

Logo não podia ser feita similhante concessão. De mais a mais a companhia, pelo artigo 33.° do seu contrato, é que deve construir os ramaes, de que se aproprie.

E quem é que vae construir o troço de linha desde Alcantara até ao caes dos Soldados?

É o governo por intermedio do sr. Hersent. Logo a concessão não se podia fazer porque representava uma revoltante illegalidade. (Apoiados.)

Já respondi ao argumento engraçado que a este respeito nos apresentou o sr. ministro das obras publicas: e se se quizer conhecer o que a companhia vae ganhar, talvez algum dos meus collegas se encarregue de o demonstrar, desfiando o bom numero de contos de réis que elle ou os empreiteiros de obras vão metter nos seus cofres com esta concessão.

Não é difficil. (Apoiados.)

Continuando ainda com a analyse do despacho, tenho a lazer a seguinte observação; o sr. ministro lavrou este despacho em 9 de abril de 1885, e, quando e fez, tinha em cima da sua mesa todos os documentos que instruem o processo.

Examinou tudo naturalmente, viu as informações das estações competentes affirmarem-lhe que as modificações introduzidas pelo sr. Hersent no projecto, que serviu do base ao concurso, eram acceitaveis, debaixo do ponto de vista technico: viu outras varias informações das differentes estações, dizendo que o concurso estava em termos regulares e só lhe faltava um documento que não examinou mas que o sr. ministro dispensou para proferir este despacho.

Vejamos qual era esse documento.

A empreiteirada tinha de ser adjudicada, servindo de base um projecto definitivo e esse projecto tinha um orçamento que representava, necessariamente, as, idéas economicas do governo em relação áquellas obras; mas como, o sr. Hersent, pelas condições do concurso podia introduzir modificações n'esse projecto, que o alteravam, claro é que esse facto podia modificar as condições financeiras já estipuladas, isto é, o orçamento inicial.

O sr. ministro para ter, pois, perfeito conhecimento das condições em que ía lavrar o seu despacho, e para cumprir o disposto no artigo 17.° do programma, que já vou ler, é claro que precisava ter uma idéa, uma noção e uma informação precisa sobre a economia e sobre as condições

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financeiras do novo projecto, que se ia definitivamente pôr em construcção.

O artigo 17.° diz:

"O governo não será obrigado a fazer a adjudicação, quando entender que ella não é conveniente aos interesses publicos, em vista dos termos e outras circumstancias das propostas apresentadas no concurso."

O sr. ministro podia, pois, não fazer esta adjudicação, se ella não fosse conveniente aos interesses publicos.

Mas se debaixo do ponto de vista technico, é evidente que o sr. Navarro tinha todas as informações necessarias para poder resolver e fazer ou não a adjudicação; debaixo do ponto de vista economico, o sr. ministro não tinha informação nenhuma, e não sabia se o orçamento d'essas obras era muitissimo differente do orçamento ou bases financeiras do projecto que foi presente no concurso e que representava o pensamento economico do governo em relação a estas obras!

E como o sr. ministro despachou sem este indispensavel conhecimento e sem esta necessaria informação, a sua resolução foi fatalmente leviana. (Apoiados )

Se despachou levianamente, vamos agora apreciar e examinar em que condições economicas foi feita a adjudicação, em relação áquellas que foram patentes no concurso.

É esta a ultima parte do meu discurso: a comparação da economia do projecto que serviu do base ao concurso e da do projecto definitivo, porque se vae construir.

Melhor se percebe o meu pensamento lendo os quadros (A) e (B) que aqui tenho e representam em numeros a economia dos dois projectos.

Quadro A

Economia do projecto n.º l, Matos-Loureiro, que serviu de base ao concurso, feita na hypothese que o empreiteiro adjudicatario DESISTE de construir as obras a oeste de Alcantara e contrata a 1.ª secção por 10.790:000$000 réis (a)

Custo das obras da 1.ª secção (quadro C).... 10.211:095$195
Valor da adjudicação.... 10.790:000$000

Differença..... 578:904$805

Total incluido na verba de 10.211:095$195 réis para lucros do empreiteiro, sr trabalho perdido, imprevistos e ferramentas (quadro D) 1.190:713$676
Total 1.769:618$481

A descontar:

Deppezas de administração, segundo os calculos da commissão nomeada em 28 de março de 1887.... 352:000$000

Ferramentas, segundo os calculos do quadro D.... 276:077$165

Trabalho perdido e imprevistos, segundo os calculos do quadro D. .... 170:032$546

Lucros do empreiteiro (b).... 971:508$770

Lucros em numeros redondos e considerando o capital circulante (b).... 563:000$000

(a) A designação de projecto n.° 1 corresponde ao projecto Matos-Loueiro, que com prehende 5:851 menos de muros n.° l, 4:552 metros de muros n.ºs 2 a 6e 870 metros de rampas n.º 7.

Vê-se do exame da memoria descriptiva e do mesmo orçamento original que os auctores estavam hesitantes sobre o projecto que haviam de apresentar, e ora se relerem áquelle que chamo n.° l, ora consideram o que designo pelo n.º 2 e que corresponde a 6:526 metros do muros n.º l, 8:877 metros do muros n.ºs 2 a 6 e 870 metros, de rampas n.º 7.

O primeiro comprehendia dentro da base maxima de 10:800$000 réis as obras do caneiro de Alcantara a Porto Franco, o segundo não tinha margem dentro do mesmo Hmite para incluir aquellas obras.

Apesar da confusão que este facto podia trazer no animo dos concorrentes, quero suppor que o projecto approvado para servir de base ao concurso foi o n.° l, o n'caso sentido organisei o quadro A.

(b) Como o commissão nomeada em 28 de março de 1887 entendeu que era regular o necessario calcular com encarvoa do capital circulante empreendo pelo empreiteiro na execução dos trabalhos, eu proteâl a isso mesmo calculo com mais apuro, considerando que no o empreiteiro perda por um lado juros do capital do circulação, ganha por outro lado juros dos lucros que successivamente vae auferido á medida que executa as obras.E na hypothese do quadro A, esses encargos são avaliados em numeros redondos, pela formula:

910:000$000 réis - (1_2 97:150$000 réis X 30,353 971:500$000 réis) = 910:000$000 réis 502:000$000 réis 408:000$000 réis

Este calculo como se vê é feito com juros compostos para mais approximação.

Para completo esclarecimento veja-se a nota (a) do

quadro B.

Economia do projecto definitivo Hersent ou do projecto de execução

[ver tabela na imagem]


(a) Como disse não é uso nem costume calcular os encargos do capital circulante, mas como a commissão nomeada em 28 de março de 1887 assim o entendeu, eu adoptei completei o pensamento por ella introduzido n´esta avaliação.

Assim temos :

Calculo dos encargos do capital circulante, tanto para o projecto do concurso, como para o projecto definitivo Hersent.

[Ver tabela na imagem]

Supponhamos que os terrenos não adquirem o valor de 10$000 réis por 1 m2 e não se podem valorisar n´estas condições senão no fim de liquidada a empreitada, isto é, treze annos ou vinte e seis semestres depois de começada a primeiras obras.

Temos que os 38 contos dispendidos todos os semestres e pagos em terrenos ficam empatados: os primeiros, vinte e seis semestres e outros sucessivamente menos um semestre até aos ultimos que perdem o juro de seis semestres: seja de 2 1/2 por cento por semestre.

Ao todo, primeira perda, 38 X 30,353 - 760 contes = 793 contos.

Os dinheiros detidos pelo governo para formar o deposito de 5 por cento das obras pagas, tambem pelos mesmos motivos perdem os juros compostos:

Segunda perda 26,975 X 30,353 - 539,5 contos = 279 contos.

E os 474:525$000 réis que o empreiteiro gasta todos os semestres e recebe nos pagamentos semestraes perdem de juro:

[Ver tabela na imagem]

Mas suppondo que no primeiro trimestre se collocam na divida fluctuante
1
- 539,5 contos a 4 por cento, temos:

[Ver fórmula na imagem]

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Recapitulando temos:

Contos

Primeira perda. 393

Segunda perda. 279

Terceira perda. 238

Total 910

Posto isto e para a hypothese do quadro B o empreiteiro, em logar de perder, ganha com o apuro d'esta conta, pois que se por um lado perde 910 contos, pelo outro ganha 1:255 contos, visto que realisando em toda a empreitada 2:425 contos de lucros, ou 121,25 contos em media por semestre, esta quantia todos os semestres a juros compostas produz:

121,25x30,353 - 2:425 = 1:255

e portanto d'esta operação o sr. Hersent deve tirar para acrescer aos seus interesses mais 345 contos.

É a esta conclusão que necessariamente se deve chegar quando se considerem os ganhos e perdas da operação.

Quadro C

Orçamentos do projecto que foi presente no concurso

[...ver tabela na imagem]

Designação das verbas Verbas como estão escriptas no original Pequenos erros e corrigir Verbas como devem estar escriptas feitas as correções Projecto n.º1
Differenças provenientes da substituição de675m de muros n.° 4 por n.º 1 (a)
Verbas como devem ficar depois de feitas todas as correcções
Projecto n.º 2

(a) Na memoria e no proprio orçamento contava-se com substituição, que eleyava muito o preço da obra, naturalmente para compensar o não se incluirem asobras ob: com.
(b)Pequenas differenças englobadas nos preços que convem separar, para que este orçamento se possa acertar bem com outro feito por unidade de trabalho.
(c)erros de calculo.
(d)Correcção na impotancia dos aterros para contar á justa os encarocamento de protecção e 1/2 do volume das dragagens, a fim de estabelecer uma exacta comparação com o orçamento do projecto Hersent.
(e) Em vez de 450m typo n.º 4a - 14= 241:650$000
e 200m typo n.º 4 a - 16= 107:4000$000
Total 349:050$000
Temos 450m typo n.1-14= 402:194$250
E 200mtypon.º1-16= 607:507$250

Differença a mais (258:457$250 réis-91$000 réis)
O mesmo para os restante 25m - 13:452$000
Asubirabir 22:344$175

Differença e mais (8:919$125 réis-3 $500 réis)
146x675 de erocamento 98:550
1/2 60x675 de dragagem 20:250
118:800
118:800m a 200réis= 23 760$000 réis

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Quadro D

Calculo dos lucros do empreiteiro, despegas de ferramentas, Imprevistos e trabalho perdido, incluidos na verba de 10.211:095$195 réis do projecto do concurso, correspondente a

5:85lm de Muros n.º 1.
4:552m de Muros n.ºs 1 a 6.
870m de. Rampas n.° 7.

[...ver tabela na imagem]

Designação das obras (a) Lucros Ferramentas Imprevistos e trabalho perdido
(a) Vejam-se os quadros E e F, d´onde se deduzem os numeros d´este quadro.

(b) Nas colunas aonde seencontra os sinal? não calculei a verba correspondente, porque apenas foi mea intento adoptar a opinião da junta consultiva quando considerou que nas verbas orçadas por estimativa estavam, pelo menos, mecluidos 10 por centos para lucros.

Quadro D

Calculo dos lucros do empreiteiro, despezas de ferramentas, imprevistos e trabalho perdido, incluidos na verba de 8.734:833$070 réis do projecto de execução Hersent

[...ver tabela na imagem]

Designação das obras (a) Lucros Ferramentas
Imprevistos o trabalho perdido

(a) Vejam-se os quadros E e F, d'onde se deduzem os numeros d´esta quadro.
(b) Não se calcularam as verbas aonde se encontra o signal?, pela rasão indicada no quadro D.

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Quadro E

Apuro da medição das obras orçadas por serie de preços no projecto do concurso que corresponde a

3:851m de. Muros n.º 1.
4:552m de. Muros n.°s 2 a 6.
870(tm) de Rampas n.º 7.

[... ver tabela réis na imagem]

Designação das obras Preços 5:851m de muros n.° 1 4:552m de muros n.ºs 2, 3, 4, 5 6 870m de rampas n.º 7 Diversas obras Medição total
Despeza total

Quadro E´
Apuro da medição das obras orçadas por serie de preço no projecto de execução Hersent

[...ver tabela na imagem]
Designação das obras e fornecimentos Preços 10:403m de muros n.º1 n.º1 bis, ter, 2,3,4e5 Rampas n.º7 Diversas obras Medição total Despeza total

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Quadro F

Preços elementares e compostos e distribuição das verbas para ferramestas, lucros, trabalho perdido e imprevistos

[...ver tabela na imagem]
Numeros da serie do preços 1.ª Numeros do orçamento o designações dos preços elementares o compostos 2.ª Mão do obra, materiaes o transportes
Ferramentas o apparelhos, lucros, Imprevistos, trabalho perdido e correcções
Valor 5.ª Designação da obra a que só referem os preços 6.ª
Ferramentas Lucros Trabalho perdido, e imprevistos


(a) Preços das obras avaliadas por estimativa.

(b) A distribuição foi feita sobre as seguintes bases: 5 por cento primeiro para ferramentas, o restante, se é inferior ou igual a 10 por cento para lucro?, havendo ainda excedente, depois de tirados os 15 por cento, para trabalho perdido e imprevistos. Não havendo no orçamento Matos-Louveiro declaração expressa a este respeito, julguei ser esta o processo do divisão mais logico e mais em harmonia com os usos.

(c) Preços novos, não considerados no orçamento Matos-Loureiro.

Segundo o projecto que serviu de base ao concurso, o custo das obras propriamente ditas é de 10.211:000$000 réis, mais 468:000$000 réis para os trabalhos a oeste de Alcantara; mas como o sr. Hersent vae fazel-as por 10.790:000$000 réis, ha uma diferença a favor d'elle de 578:900$000 réis.

Emprego estes numeros redondos para não demorar.

Mas, dentro dos 10.211:000$000 réis, encontram-se comprehendidas verbas que se podem classificar do seguinte modo: 352:000$000 réis para administração; 170:000$000 réis para despezas imprevistas e trabalhos perdidos; réis 276:000$000 para ferramentas, e 392:600$000 réis para lucros do empreiteiro.

Sommando estes 392:600$000 réis com 578:900$000 réis, achâmos 971:500$000 réis. Logo, a idéa financeira do governo era que o empreiteiro tirasse da obra 971:500$000 réis, sem contar com os encargos do capital circulante.

Fazendo este calculo do capital circulante que nunca foi costume computar nos orçamentos das obras, mas que a commissão dos srs. Matos, Espregueira e Loureiro entenderam por bem introduzir na sua apreciação, e calculando-o por um processo que eu descreverei, e para o qual chamarei a attenção do sr. Carrilho, como especialista em assumptos d'esta ordem. (Riso.) Fazendo, pois, este calculo com juros compostos, acho 408:000$000 réis, que, subtrahidos de 971:500$000 réis, dão em definitivo réis 563:000$000.

Qual era, pois, a idéa do governo? Era entregar ao empreiteiro 563:000$000 réis em dinheiro, como total dos seus lucros orçamentaes e o mais que fosse buscal-o á sua intelligencia, ao seu trabalho, á sua boa administração, e emfim ás boas condições em que fizesse as obras.

Assim como, por exemplo, se não houver transtorno., ou qualquer caso de força maior, o empreiteiro das obras do porto de Leixões, que tinha uma pequena margem de lucros, se habilita a ganhar muito dinheiro pelo emprego dos magnificos apparelhos que tem, pela sua boa administração, pelos meios emfim de que usa para bem dirigir e regular os seus trabalhos, assim tambem aqui se entendeu que se dessem ao empreiteiro apenas 563:000$000 réis de sobras, ou excedente do orçamento das obras em relação a 10.790:000$000 réis, e que o resto o tirasse elle da sua boa administração, trabalho e intelligencia, e da sua aptidão como empreiteiro.

Eis-aqui o pensamento financeiro que animava o governo quando o sr. Hersent foi ao concurso, e que o sr. ministro approvou para ser exposto aos outros empreiteiros que viessem á licitação.

Vamos agora examinar qual é a economia do projecto definitivo, pelo qual se vão fazer as obras.

As obras que o sr. Hersent vae construir pelo seu systema importam em 8.734:000$000 réis, deve receber réis 10.790:000$000; logo, sobram 2.055:000$000 réis.

Mas, nos 8.734:000$000 réis estão incluidos 369:000$000 réis de lucros, 352:000$000 réis para administração, réis 254:000$000 para trabalho pedido e imprevistos, e réis 300:000$000 réis para ferramentas; logo, sommando os lucros, vê-se que o empreiteiro receberá 2.424:000$000 réis ou 2.055:000$000 + 369:000$000 réis.

Fazendo agora o tal apuro do capital circulante, que eu
computei, temos a acrescentar, mais 345:000$000réis, o que
eleva aquella verba a, numeros redondos, 2.770:000$000 réis.

É esta a economia do projecto do sr. Hersent. (Apoiados.)

Qual foi, pois, o grande erro do sr. ministro? Foi adjudicar a obra sem conhecer estes dados, sem ter mandado

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fazer este estudo e este exame, sem se importar de zelar os interesses do estado. (Apoiados.)

A imprensa levantou esta questão depois de feita a adjudicação, e só então é que o sr. ministro se lembrou de mandar saber se o projecto Hersent estava ou não nas mesmas condições financeiras o economicas em que estava o que foi presente no concurso. (Apoiados.)

Ha um dictado que vem muito bem para este caso; todos o conhecem. (Riso. - Apoiados.)

Feita a adjudicação, já não se lhe podia valer. (Apoiados.)

Antes é que o sr. ministro devia empregar todos os esforços para bem cumprir o artigo 17.° do programma. (Apoiados.)

Era antes que elle devia informar-se, porque desde o momento em que se permittiam modificações e alterações importantissimas no projecto que serviu de base ao concurso, devia saber-se em que condições o empreiteiro executaria o seu projecto definitivo, e se os interesses do estado eram ou não zelados e garantidos, dando-se 10.790:000$000 réis ao sr. Hersent pela execução de obras, que podiam não valer aquelle dinheiro. (Apoiados.)

Assim é que o sr. ministro cumpria o seu dever, não era depois de se lhe fazerem as accusações mandar s. exa. mesmo estudar pelos seus dependentes os erros da sua administração. (Apoiados.)

Vamos pois examinar o que se fez depois.

Mandou-se que uma commissão especial de engenheiros e a junta consaltiva apreciasse o despacho do governo, e são esses pareceres que passo a analysar.

Este papel que tenho nas mãos é uma certidão de bom comportamento, uma certidão de vita et moribus passada pelos engenheiros do ministerio das obras publicas ao sr. ministro. (Apoiados.)

Nunca se viu facto similhante. Nunca um ministro precisou de ir pedir uma certidão de bom comportamento aos seus subordinados. (Apoiados.)

Que valor moral póde ter este papel? (Apoiados.)

Eu deixo á camara que julgue do valor de um documento obtido nas circumstancias em que este foi pedido. (Apoiados.)

Não quero fazer largas considerações sobre este assumpto; mas estas poucas palavras que pronunciei são bastantes para significar o meu pensamento. (Apoiados.)

Não quero ser desagradavel para ninguem; mas preciso expor claramente este facto ao parlamento.

Os engenheiros do ministerio das obras publicas não vêem n'este documente resolver sobre um assumpto da sua competencia; os engenheiros do ministerio das obras publicas não dão a sua opinião sobre uma obra que esteja em construcção ou para se construir, não consultam sobre qualquer negocio pendente de administração publica.

Os engenheiros do ministerio das obras publicas vêem-se obrigados a dar o seu parecer sobre os actos que praticou o seu ministro. É uma questão muito differente. (Apoiados.)

Os engenheiros do ministerio das obras publicas viram-se n'este trabalho n'uma pouco invejavel situação, anormal e illegal, e que só um ministro como o sr. Navarro podia crear.

Vejamos o que elles dizem.

Desde já declaro, que apesar de não concordar com uma unica palavra das que estão aqui escriptas, desculpo tudo que elles disseram.

Todos percebem a rasão da desculpa.

Os engenheiros provam logo no principio d'esta memoria e de um modo evidente, que não são fortes em interpretação de leis nem em casustica, o que não admira, por que não têem a sua educação dirigida n'esse sentido. Começam elles por demonstrar que a lei de 16 de julho de 1885 determinava que fosse o empreiteiro quem fizesse o projecto definitivo.

Tem graça e não offende. (Riso.)

A lei diz que se ha de fazer um projecto definitivo, ou de execução, e que esse projecto ha de ser apresentado no concurso.

O engenheiros insistem em querer, demonstrar que é o empreiteiro que hade fazer esse projecto definitivo. E qual é a summula das rasões que dão para isso?

É que antes de existir a lei, toda a gente que tratou d'este assumpto era d'essa opinião. (Riso.)

Se a lei não o diz, devia dizel-o, é o supremo argumento.

Póde ser muito inconveniente e de um pessimo resultado para a obra esta disposição legal, o que restava ainda provar, mas ella é terminante e claramente expressa e sendo assim forçoso é acceitar o facto.

Dura lex sed lex.

É tão indiscutivel aquelle texto de lei, que até me dá vontade de o preconisar em latim. (Riso.)

Esta é a primeira parte da tal certidão de vita et moribus.

Vamos agora estudar a segunda parte, que se deve considerar de certo a mais importante.

Os srs. engenheiros, por uma infelicidade, que eu verdadeiramente lamento, logo nos primeiros numeros que escreveram enganaram-se e não escreveram bem, o que é facil de verificar.

Eu já não fallo dos numeros que estão no alto da pagina 352, segunda columna, mas nos do orçamento do sr. Matos, que não copiaram com exactidão.

Isto revela á camara a precipitação com que foi feito este trabalho.

Este documento tinha de ser elaborado á pressa para ser presente logo nos primeiros dias de sessão da camara d'este anno e foi feito com tal precipitação, que logo nos primeiros numeros, pag. 353, primeira columna, a copia do orçamento do sr. Matos está inexacta. As obras da primeira secção no orçamento do sr. Matos estão avaliadas em reis 10.211:095$195, e na memoria encontra-se 10.137:309$265 réis.

Em vez de 468:548$000 réis para as obras a oeste do caneiro de Alcantara, estão 427:884$000 réis; e nas despezas de administração e imprevistas em vez de 234:806$735 réis deve ser 120:356$805 réis.

Faço estas observações simplesmente para se ver a falta de cuidado e cautela com que um trabalho d'estes se organisou, e o erro não é dos copistas, é do original; porque tudo foi feito logo do principio á pressa e atrapalhadamente para satisfazer aos fogosos impetos do sr. ministro.

Em seguida a estas observações, vou expôr em breves palavras o resumo do parecer da commissão que foi nomeada para estudar a questão economica das obras do porto, e o da junta consultiva que consultou sobre a opinião d'essa commissão.

O sr. ministro instado pelas reclamações da imprensa, como disse, pensou que precisava de uma certidão que abonasse o seu comportamento, visto que não tivera a cautela de estudar, antes de fazer o despacho de adjudicação. Nomeou, pois, uma commissão para o alludido fim, que deu o seu parecer, apreciando-o depois a junta consultiva; são esses estudos economicos que constituem a ultima parte d'esta memoria que aqui tenho.

Vejamos qual é, pois, a opinião d'essa commissão e a da junta consultiva de obras publicas e minas.

A opinião da commissão é mais papista do que o proprio papa; ella declara e confessa que o sr. Hersent vem, feitas bem as contas orçamentaes, perder dinheiro.

Não se póde exigir mais dedicação.

Não comprehendo maior optimismo.

A commissão depois de um calculo approximado chega a dizer que o homem não lucra mais de 232:000$000 réis, ficando ainda sujeito aos transtornos, accidentes, trabalho

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imprevisto, etc., etc., que tem uma obra como a do porto de Lisboa.

Em vista d'isto conclui naturalmente e sem hesitar: o homem vão perder dinheiro.

Francamente, incommodou-me ver este negro quadro. (Riso.)

Não pelos meus collegas, mas pelo sr. Hersent. (Riso.)

Está claro, aquelle excellente sr. Hersent vem a Portugal para se arruinar. E os meus collegas piamente acreditaram que era verdade. E eu francamente antes de estudar a questão o que sentia era dó do empreiteiro.

A junta consultiva de obras publicas e minas não foi tão radical.

O sr. Laranjo: - A commissão não diz que o sr. Hersent lucrará 232:000$000 réis; a commissão simplesmente apresenta este calculo quando faz a differença de uns muros com a differença de outro systema de muros.

O Orador: - Está s. exa. enganado; leia o volume do inquerito a pag. 353, o calculo da differença dos muros feito pela commissão é de 231:000$000 réis; mas ahi é que está justamente a magna questão; é isso mesmo que eu não acredito; esteja s. exa. certo que eu não acredito; não se afflija o meu illustre amigo.

Eu tenho a certeza de que, a julgar pelo orçamento, elle ganhará ao todo mais de 2.700:000$000 réis.

Mas, como ía dizendo a junta consultiva de obras publicas, foi um pouco mais cordata n'esta parte; e dando por bem feitos os calculos da commissão, que tinha achado os 232:000$000 réis disse: 232:000$000 réis, mais réis 262:000$000 provenientes dos decimos incluidos nos preços de obra, mais 267:000$000 réis dos decimos das obras que foram orçadas por estimativa, perfazem para lucros do empreiteiro 761:000$000 réis.

Isto, emfim, já é alguma cousa.

Não é tudo; mas já é evidente que aquella corporação affirma a sua discordancia do pensamento da commissão a respeito dos lucros do empreiteiro Hersent.

Ha n'essa discordancia um ponto frisante a que não posso deixar de me referir, e que francamente me custou ver adoptado pela commissão.

Parecia que a commissão queria por força avolumar as despezas do orçamento do projecto Hersent, e n'esse intuito teve a mais peregrina e extraordinaria lembrança.

Lembrou-se de se revoltar contra os srs. Matos e Loureiro que fizeram o orçamento e que eram membros da commissão e sem pensar que estavamos em Portugal, e que as obras eram em Lisboa, imaginou que se estava em Inglaterra, nos Açores, ou nas diversas localidades de onde vêem importados os materiaes necessarios para as obras.

Os srs. Matos e Loureiro quando fizeram o orçamento tinham obrigação de calcular os preços dos materiaes para a construcção, em harmonia com os seus preços correntes em Lisboa, pois que era aqui que as obras tinham de ser feitas. Toda a gente fazia o que fizeram os srs. Matos e Loureiro, calculando no orçamento os materiaes pelo preço do custo acrescidos dos direitos da alfandega, isto é, o preço corrente do mercado. Foi isto o que os srs. Matos e Loureiro muito bem comprehenderam e executaram.

E o que inventou agora a commissão?

Foi fazer ura calculo complicado (pag. 362 e 363 do 1.° volume do inquerito) para demonstrar que o sr. Hersent tinha que pagar 360:000$000 réis de direitos na alfandega pelos materiaes a importar, e descontou esta quantia nos lucros que o empreiteiro havia de auferir.

A junta sobre este assumpto guardou o silencio dos tumulos.

E eu não pude deixar de o referir porque chego a considerar heroica tanta dedicação.

Posto isto entremos no apuro da questão.

Eu disse que as obras da primeira secção que o sr. Hersent ía fazer custavam 8.734:000$000 réis. Para o demonstrar é preciso provar que os muros que o sr. Hersent vae construir custam 5.555:000$000 réis e os aterros réis 528:000$000, pois que são estes os dois unicos numeros de differença entre o orçamento dos srs. Matos e Loureiro, e o do projecto Hersent.

A questão principal, como se vê, é, pois, dos muros. (Apoiados.)

Vamos, portanto, examinar como se demonstra que os muros do sr. Hersent custam 5.555:000$000 réis, porque, provado isso, o homem tem, pelos orçamentos, quasi no bolso os 2.700:000$000 réis, sem ninguém lh'os poder tirar. (Apoiados.)

É muito facil, não é preciso grande esforço, basta tomar os desenhos que o sr. Hersent juntou ao seu projecto definitivo e fazer a medição da obra.

Eu explico o que é fazer a medição.
Nos muros ha diversas unidades de trabalhos: ha calçada posta na obra, ha cantaria posta na obra, ha alvenaria posta na obra a diversas alturas abaixo e acima das mais baixas mares, ha enrocamentos, isto é, a pedra solta que só deita no rio, e ha dragagens.

Avaliar estas diversas unidades de trabalho chama-se fazer a medição da obra, calcular na extensão total dos muros qual é o trabalho que ha de calçada, de cantaria, etc , ou reduzir todo o trabalho a fazer nos muros a estas differentes unidades, chama se, como disse, medir a obra.

Quando, pois, se pretende comparar umas obras com outras quaesquer, o processo que lembra logo é reduzil-as ambas ás unidades de trabalhos, isto é, medil-as, para depois se poder facilmente comparar umas com outras.

Façamos, pois, a medição das obras dos dois projectos.

A commissão que foi encarregada do estudar a economia comparada d'esses dois projectos, procedeu a este trabalho, mas eu entendo que os calculos d'esta commissão não estão exactos, e vou demonstrar a rasão por que assim o penso, e bem assim explicar de uma maneira que me parece muito plausivel, o motivo das differenças que encontrei.

Comprehende-se muito bem que a rasão dos diversos enganos que se encontram, para não dizer outra expressão, se deduz do empenho que a commissão tinha, da sua muito boa vontade em collocar em bom terreno o sr. ministro e o governo; e dizer isto não lhe fica mal, pois que todo o erro provem do sr. Navarro precisar que os seus subordinados abonem a sua administração.

Por consequencia a tendencia toda da commissão era para puxar pelo orçamento do projecto do sr. Hersent para cima, até o chegar ao do sr. Matos. E nós diga-se a verdade não levâmos a mal essa tendencia da commissão, e o que lamentâmos são as condições illegaes e excepcionaes em que ella foi chamada a funccionar.

Dada a natural tendencia vamos ver, como as medições foram sempre uniformente avolumadas.

Como o mesmo meio empregado invariavelmente dava logo nas vistas, empregaram-se diversos processos; e ora se augmentava e puxava pelo preço, ora se puxava pela quantidade de trabalho, e se puxava cumulativamente, pelo preço e pela quantidade de trabalho, e n'este engraçado jogo, foi-se chegando até se achar apenas a singela differença de 231:000$000 réis.

Aqui está como se fez o trabalho, e a camara comprehende-o logo com o primeiro exemplo.

Estudemos a unidade do trabalho - calçadas:

Em cima dos muros, propriamente, ha uma porção do calçada; e fóra dos muros ha tambem diversas extensões calçadas.

No orçamento está a verba de 64:400$000 réis para calçadas fóra dos muros, e quando se procede á medição dos muros só se deve avaliar a calçada que está em cima dos mesmos muros, (Apoiados.) porque é essa verba a que carrega no custo do muro, visto que as outras calçadas lá têem a verba no orçamento do sr. Matos.

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Demais quando se fez a medição para os muros, do projecto Matos-Loureiro, avaliaram-se sómente as calçadas que estavam em cima d'esses muros, portanto para se compararem os dois orçamentos, temos de fazer o mesmo. (Apoiados.)

Procedi á medição directa com todo o cuidado e achei 32:580 metros quadrados emquanto que, pela medição da commissão se acham 101:640 metros quadrados! Como é que se fez isto ?!

De onde provém esta differença!?

De se contar, em cima dos muros, a calçada que estava fóra, avolumando-se assim a medição!

Effectivamente tudo são calçadas, mas, para o nosso caso, só tomos que medir a calçada que está em cima dos muros e a commissão mediu toda a calçada de cinja e de fóra e por isso, avolumou immediatamente o custo dos muros.

Vamos a saber emquanto importa o augmento. Nada mais nada menos do que em 62:000$000 réis!

Foram pois 62:000$000 réis para a algibeira do sr. Hersent disfarçados por este processo.

Este caso é aquelle em que se puxa pela quantidade de trabalho.

Vamos agora a um exemplo em que se dão os dois casos combinados, elevação no preço e augmento no trabalho a executar.

Cantarias. - Com relação a cantarias diz-se no projecto do concurso, que ellas descerão um metro abaixo do zero hydrographico. O zero hydrographico é o nivel das mais baixas marés.

O sr. Hersent na occasião do concurso propoz que essas cantarias seriam revestimentos rusticados e não fossem alem do zero hydrographico; a commissão e ajunta deixaram para se decidir na occasião da approvação do projecto definitivo esse assumpto, que foi então definitivamente regulado á vontade do empreiteiro.

Logo, propoz e foi approvado para eliminar toda a cantaria que vae desde zero até l metro abaixo do zero hydrographico, e propoz e tambem conseguiu, que em vez de cantaria apparelhada, se usasse de uma cantaria ligeiramente desbastada.

A portaria de 6 de agosto terminantemente assim, o concede ao empreiteiro.

O projecto Hersent definitivo foi ajunta, e á commissão que o approvaram; o sr. ministro das obras publicas conformou-se, o sr. Hersent está pois no seu direito de fazer uso da auctorisação. Por consequencia não póde deixar de se contar com ella, quando se for fazer qualquer medição.

Procede-se á medição, e a commissão esquecendo-se d'esta circumstancia, contou as cantarias todas dos muros, como se ellas descessem l metro abaixo do zero hydrographico.

É por isso que acho a differença de 5:799 metros cubicos.

Mas tambem ha uma grande differença entre o preço da cantaria aparelhada que é de 11$600 réis por metro cubico, e o revestimento rusticado que eu calculo em 9$350 réis; fazendo o calculo com o preço novo, e tomando em consideração o abatimento de quantidade de trabalho, acha-se que Hersent, docemente, com boas palavras, metteu no bolso 100:000$000 réis, só em cantaria. Esta conta vae crescendo: já temos 62:000$000 réis das calçadas; temos agora 150:000$000 réis de cantaria.

O sr. Franco Castello Branco: - Temos... não.

Orador: - É em referencia á tendencia de se avolumar o orçamento, que eu empreguei esta expressão figurada, porque quem recebe não somos nós.

Mas, como ía dizendo, temos a mais 62:000$000 réis de calçada, e 150:000$000 réis de cantaria.

Continuemos: a alvenaria feita com pozzolana ou a que está acima do zero hydrograplico, é uma outra unidade de trabalho a considerar.

Valha a verdade, eu prezo-me de ser muito consciencioso no que disser, e a camara verá se assim é ou não e ser que me tenha enganado, e que me engane; mas francamente, estou convencido de que tudo quanto tenho dito é a para verdade.

Nas alvenarias com pozzolana encontro uma pequena diferença, avaliada em cerca de 3:000$000 réis, mas sempre para avolumar o orçamento, valha a verdade.

Sr. presidente, ainda que são limitadas as considerações que tenho ainda a fazer, comtudo não poderei concluir na sessão, e como a hora está quasi a dar e alguns srs. deputados pediram a palavra para antes de se encerrar a sessão, peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.

O sr. Elvino de Brito: - Ao menos podia concluir o calculo que apresentou.

O Orador: - Exactamente porque o calculo é um pouco longo, por isso não posso concluir hoje.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ruivo Godinho: - Tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão, a fim de pedir novamente ao sr. ministro do reino a fineza de me dizer quando é que póde vir á camara antes da ordem do dia, para me ouvir ácerca de algumas perguntas que tenciono dirigir a s. exa. sobre negocios de administração confiados á sua pasta.

Faço este pedido pela segunda vez, abstendo-me de quaesquer considerações, porque não me permitte o pouco tempo que resta de sessão; e declaro que repetirei o pedido todas as vezes que o sr. ministro do reino esteja presente até que s. exa. se digne vir responder ás perguntas que desejo dirigir-lhe.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Declaro ao illustre deputado que eu venho a esta camara antes da ordem do dia todas as vezes que o posso fazer:

O Orador: - Não me satisfaz a declaração do sr. ministro, porque s. exa. não é o juiz da possibilidade de vir á camara.

Insistirei, portanto, no meu pedido.

O sr. Avellar Machado: - Desejava ouvir a resposta do sr. ministro do reino a uma pergunta que hontem fiz, e que o sr. ministro das obras publicas se promptificou a communicar a s. exa.

Refiro-me ás informações que s. exa. deverá ter solicitado ácerca do attentado commettido contra o redactor principal do Diario ao Alentejo, o sr. Gomes Percheiro, pela policia da cidade de Evora, prendendo este cavalheiro na propria casa da redacção, a altas horas da noite, arrastando-o para a esquadra, pelo facto, affirma-se, d'elle ter criticado mais ou menos severamente os actos do commissario de policia d'aquella cidade.

Ha ainda outro facto, que se não relaciona com este, mas que tambem mostra a desorganisação que lavra em todo o paiz.

Em tempo chamei a attenção do sr. ministro do reino para o caso do administrador do concelho de Mação ser simultaneamente provedor da misericordia, que é um estabelecimento de caridade sobre que a auctoridade administrativa exerce funcções tutelares.

O sr. ministro do reino deu as suas ordens para que dentro de curto praso elle optasse por um ou por outro cargo, que julgou, e muito bem, incompativeis. O administrador a que me refiro optou pelo logar de auctoridade e posteriormente foi transferido para outro concelho.

Mas o, que fez então o governador civil do districto? Nomeou para o logar de administrador um cidadão que, alem de boticario, com botica aberta, é empregado remunerado da mesma misericordia!

É caso de se dizer que foi peior a emenda que o soneto. (Apoiados.)

Isto é uma illegalidade de tal ordem, que o sr. ministro do reino não se deverá demorar em tomar as providencias que o caso reclama, e peço a s. exa. me diga-se tenciona

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1362 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

continuar a permittir que um boticario, de mais a mais empregado da misericordia, continue irregularissimamente, e por um alvará do governador civil, nas funcções de administrador do concelho, que ha muitos mezes desempenha.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Devo dizer ao illustre deputado, que eu, apenas vi nos jornaes a noticia do facto a que s. exa. alludiu, e que se deu em Evora, telegraphei immediatamente ao governador civil, para que me informasse ácerca d'essa occorrencia. Essa informação veiu, declarando-me aquella auctoridade que o redactor do jornal tinha sido preso e remettido ao poder judicial, por ter desacatado as funcções da policia, insultando-a e resistindo-lhe.

O sr. Avellar Machado: - Mas foi preso na redacção, de noite.

O Orador: - Não posso dizer cousa alguma sobre esse ponto, porque nada sei.

A informação que tenho é de que o redactor do Diario do Alemtejo foi preso, por ter desacatado as funcções da policia, e por lhe haver resistido.

O sr. Avellar Machado: - Mas o governador civil não diz onde foi preso?

O Orador: - Não diz, nem eu tenho nada com isso; porque o facto está entregue ao poder judicial. O individuo preso e autuado, foi logo remettido ao poder judicial, que é quem sabe, se elle foi bem ou mal preso.

Esteja porém o illustre deputado certo de que, se da parte da auctoridade administrativa tiver havido algum abuso, não ficará impune.

Ha de ser reprehendida e hei de providenciar para que o abuso se não repita.

Quanto ao outro facto, a que s. exa. alludiu, devo tambem informar que o governador civil de Santarém participou-me que tinha nomeado interinamente o individuo a que s. exa. se referiu, e que, segundo creio, é empregado da misericordia, por não ter outra pessoa que só prestasse a servir aquelle logar, em consequencia da exiguidade de vencimentos que ali tem o administrador do conselho.

Devo tambem assegurar a s. exa. que não ha incompatibilidade alguma entre o logar do pharmaceutico da misericordia e o cargo de administrador de concelho; o que não quer dizer que eu ache conveniente e vantajoso para a administração publica que se accumulem estas duas funcções; e foi por isso, que, attendendo ás observações do illustre deputado, eu ordenei ao sr. governador civil que fizesse o administrador do concelho optar por um dos dois logares.

É verdade que, segundo me consta, já durante o ministerio anterior se dava igual accumulação de cargos; mas esta rasão, para mim, não é bastante e por isso dei logo as minhas instrucções ao governador civil, para que se ponha termo, com a possivel brevidade, ao estado interino que actualmente existe em Mação, empregando o governador civil todas as diligencias necessarias para se obter um administrador do concelho que não reuna os inconvenientes a que o illustre deputado se referiu.

O governador civil, em uma carta particular, que recebi, annuncia-me que espera obter, dentro em pouco tempo, para o cargo de administrador do concelho, um cavalheiro que a isso se preste.

Logo que seja feita a proposta, apressar-me-hei a confir-mal-a, e no entretanto repetirei ao governador civil as minhas instrucções, para que a interinidade actual do cargo de administrador de concelho acabe para o individuo, que a está exercendo, logo que appareça um cavalheiro mais habilitado, que o possa substituir.

CS. exa. não reviu as notas tacphygrahicas.)

O sr. Serpa Pinto: - Pedi a palavra para requerer a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se consente que sejam publicados em edição especial, para serem distribuidos por todos os srs. deputados, os documentos que, a meu pedido, foram enviados a esta camara pelo sr. ministro da fazenda, e que são relativos ao emprestimo para estradas.

Faço este pedido porque os srs. deputados da opposição desejam que todos os nossos collegas da maioria conheçam bem estes documentos.

O sr. Franco Castello Branco: - Tinha pedido a palavra para antes da ordem do dia, na esperança de que estivesse presente o sr. José Luciano de Castro, porque desejava chamar a attenção de s. exa., quer como chefe da situação, quer como ministro do reino, para uma questão que está preoccupando os habitantes de Lisboa.

Refiro-me á questão da salubridade publica, que póde ser prejudicada, na opinião de muita gente, pelas obras do porto já ora começo.

Esta questão tem de ser tratada com uma certa latitude, e é claro que o não póde ser quando está quasi a dar a hora.

Por isso eu desejava que o sr. ministro do reino comparecesse ámanhã na camara antes da ordem do dia, se o serviço publico o não impedir; e em todo o caso o mais breve possivel, a fim de trocar com s. exa. algumas palavras sobre o ponto indicado.

Depois d'este convite, que faço de uma fórma tão urbana e parlamentar, aguardarei o procedimento do sr. presidente do conselho para commigo, para ver qual deve ser tambem a fórma por que eu devo tratar a s. exa.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Avellar Machado: - Não me satisfez nada absolutamente a resposta do sr. presidente do conselho.

Nenhuma objecção teria que fazer á prisão do sr. Gomes Percheiro, redactor principal do Diário do Alemtejo, se essa prisão fosse feita nos termos da lei.

Mas não foi isso o que se deu. A prisão foi violenta e arbitrariamente praticada, com offensa das garantias estabelecidas na constituição, até para os maiores criminosos.

O que eu quero, portanto, saber é se effectivamente, por parte da auctoridade policial de Evora, se praticou o gravissimo attentado de entrar violentamente á uma hora da noite na redacção do Diario do Alemtejo, prendendo ali o seu redactor principal, que é ao mesmo tempo proprietario d'aquelle jornal.

Para este facto é que eu chamei a attenção do governo; é esta a questão que eu desejo ventilar e apurar.

S. exa. disse-me que perguntara ao sr. governador civil "se o sr. Gomes Percheiro fóra preso" e que aquella auctoridade lhe dissera que sim. Escusa s. exa. de querer fugir do assumpto.

Não foi o facto material da prisão de um cidadão que me obrigou a interpellar s. exa.

O que eu desejo, o que eu tenho direito a saber é em que considerações se effectuou essa prisão. (Apoiados.)

Poderia o commissario de policia ter prendido o sr. Gomes Percheiro e o procedimento da auctoridade ser illegal, até mesmo quando baseado n'um mandado judicial, se h'essa prisão se não respeitassem as garantias individuaes.

E essas garantias não se respeitaram, qualquer que fosse a causa determinante da prisão, desde que se violou a casa do cidadão a altas horas da noite. (Apoiados.)

Não houve, porém, segundo me consta, nenhum mandado judicial, o que torna o attentado ainda mais grave e brutal, porque tudo leva a crer que a prisão do sr.

Percheiro, alem de illegalmente feita, representa ainda um acto de vingança pessoal.

Solicito, portanto, do sr. ministro do reino que saiba da auctoridade administrativa no districto de Evora se é ou não exacto que na noite de quinta para sexta feira, pela uma hora da noite, pouco mais ou menos, quatro ou cinco policias entraram no edificio em que funcciona a redacção do jornal Diario do Alemtejo, prendendo á falsa se o seu proprietario o redactor principal, o sr. Gomes Percheiro.

Esta é que é a questão.

Peço também a s. exa. que depois de averiguar da exa-

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ctidão d'este facto, venha dar conta á camara do modo como procedeu contra a auctoridade respectiva, que de tal modo usou e abusou das funcções do seu cargo.

A resposta de s. exa. repito, não me satisfez nada absolutamente.

S. exa. limitou-se a dizer-me que havia perguntado ao sr. governador civil se o sr. Gomes Percheiro tinha sido preso, e que o sr. governador civil lhe respondera "que effectivamente havia sido preso para, averiguações". Violar a casa de um cidadão a altas horas da noite, prender o director de um jornal adverso, sómente para proceder a averiguações, não é má! (Apoiados.) É o cumulo do cynismo, e attentados d'estes só os pratica a auctoridade que de antemão conta com a impunidade.

Entrar á uma hora da noite em casa de um cidadão e prendel-o para averiguações, não é só extraordinario, chega a ser phantastico!

Este procedimento equivale ao que o sr. ministro do reino teve no Porto quando arbitraria e abusivamente mandou enterrar vivos nos porões de um navio de guerra cidadãos portuguezes que nenhum delicio haviam commetido. (Apoiados.)

Peço licença para fazer uma rectificação ao que s. exa. disse.

Não é exacto que o individuo que exercia as funcções de administrador do concelho em Mação no tempo da situação regeneradora tivesse estabelecimento pharmaceutico.

Este cavalheiro apenas se dedicava á vida agricola, e era e é um dos quarenta maiores contribuintes do concelho; mas não tinha pharmacia, nem exercia o mister de pharmaceutico.

Posso assegurar isto a s. exa.

Disse o sr. ministro do reino que estava actualmente exercendo as funcções de administrador de Mação o pharmaceutico da misericordia, por não se encontrar, apesar de muito o procurar, quem queira ir para aquelle logar.

É s. exa. portanto o primeiro a reconhecer e a declarar que só á falta de gente; por carencia de individuo no caso de desempenhar condignamente o logar de administrador do concelho de Mação, é que s. exa. conserva o actual. É lisonjeiro para elle, tal verdade!

Assevera s. exa. que não ha ninguem competente que queira desempenhar tal cargo!

É que provavelmente s. exa. exige aos pretendentes taes prendas, que não será facil encontrar quem as possua na boa sociedade em que vivemos.

Mas que desculpa dá s. exa. do modo irregular e abusivo por que, ha proximamente um anno, o conserva no desempenho d´aquellas funcções por um simples alvará do governador civil? Porque não mandou s. exa. publicar no Diario do governo o decreto que o nomeasse definitivamente para o cargo, como determina a lei?

Acato e respeito o sr. governador civil de Santarem, que é um cavalheiro distincto, a cuja honestidade presto a devida homenagem, mas que n'esta parte não tem cumprido com o seu dever, e estou certo de que s. exa., como presidente do conselho e ministro do reino, ha de tomar as devidas providencias a este respeito. (Apoiados.)

Tenho dito.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Respondendo á ultima parte do discurso do illustre deputado que mo precedeu, devo dizer que tomo a responsabilidade dos actos do sr. governador civil de Santarem, e respondo por qualquer irregularidade praticada pelo administrador do concelho, que ali está funccionando actualmente. E, se s. exa. entende que ha illegalidade, formule uma nota de interpellação, que eu estou prompto a responder. No emtanto, sustento que não ha illegalidade nem irregularidade no seu procedimento.

Desejo que a interinidade do administrador do concelho de Mação acabe; desejo que para aquelle logar seja no meado um bacharel formado, estranho á localidade, mas a verdade é que, por mais diligencias que se têem empregado, ainda não foi possivel achar esse administrador.

Parece-me que s. exa. deve ficar satisfeito com estas explicações.

Quanto á prisão feita em Evora, declaro novamente ao illustre deputado que as informações do sr. governador civil dizem que foi effectivamente preso o cidadão a que s. exa. se referiu, mas não confirmam a noticia quanto ao local em que a prisão se effectuou.

Em todo o caso, como este assumpto está entregue ao poder judicial, eu declaro que não posso adoptar qualquer procedimento em relação ao governador civil, ou á auctoridade administrativa sua subordinada, emquanto o poder judicial não investigar se effectivamente houve alguma irregularidade ou abuso da parte da mesma auctoridade.

É possivel que o sr. Avellar Machado diga a verdade, e eu tenho muito respeito pelas affirmações de s. exa., mas tenho ainda mais pelas investigações a que está procedendo o sr. governador civil.

O sr. Avellar Machado: - É o que se diz n'um jornal da localidade.

O Orador: - Eu nada tenho com o que diz a imprensa da provincia, desde que o individuo a quem o illustre deputado se refere, foi preso, autuado e remettido ao poder judicial:

É a este poder que compete decidir; se a prisão foi bem ou mal feita. Se elle disser que houve algum abuso por parte da auctoridade administrativa não terei duvida cm proceder de harmonia com a decisão d'esse poder.

Em referencia ao outro ponto, s. exa. nega o facto a que eu ha pouco alludi, do que o Actual administrador do concelho de Mação, que o era tambem no tempo do ministerio regenerador, já então era pharmaceutico; mas eu direi ao illustre deputado que a minha affirmação baseia-se nas informações que ainda hoje recebi do sr. governador, civil de Santarem.

É possivel que esteja enganado, mas o que eu disse á camara não foi com a idéa de a illudir; foi fundado na informação que me deu o sr. governador civil.

Ao sr. Franco Castello Branco devo dizer que me é indifferente o modo por que s. exa. se dirige a mim. Tenho muito respeito pelo sr. deputado, assim como por todos os membros d´esta camara e pela minha parte tenho feito, como continuarei a fazer, toda a diligencia por não faltar aos deveres de cortezia parlamentar; mas tambem não hei de faltar aos deveres do meu cargo, só para merecer mais ou menos a benevolência dos illustres deputados.

Devo dizer igualmente a s. exa. que hoje, ámanhã, outro dia, sempre que me seja possivel, aqui estarei. Tenho vindo quasi todos os dias a esta casa. Hontem não vim á hora de se abrir a sessão porque tive de ir á reunião do conselho d'estado para tratar da prorogação das cortes; mas vim logo depois para aqui, demorando-me apenas o tempo necessario para ir a casa mudar de fato. Hoje tambem tive do ir ao paço por motivo de serviço, e do mesmo modo para aqui vim depois de mudar de fato.

Por iguaes motivos, nem á secretaria tenho podido ír.

Não me parece, pois, que s. exa. tenha rasão de queixa.

Tenho dado todas as demonstrações de que desejo acudir ao chamamento dos illustres deputados para lhes dar todas as explicações que me pedem, e procedendo d'esta maneira, não sei se tenho direito, mas tenho com certeza rasão para esperar que s. exa. me tratem pelo menos com consideração igual áquella que eu lhes tributo.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram mais de seis horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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