1876
Esta companhia construiu o caminho do Barreiro a Vendas Novas, e tratou de o vender. O governo de então, preoccupado com as manifestações mais ou menos legitimas, mais ou menos apaixonadas da opinião publica, que via com um certo desfavor que um emprezario hespanhol fosse senhor de todos os caminhos de ferro, comprou o caminho á companhia (apoiados). Ora, sommando o que o governo deu então pelo caminho de ferro com o que despendera em subvenções, veiu o caminho a custar ao governo 1.850:000$000 réis.
Mais tarde (em 1860) uma companhia ingleza propoz-se a continuar o caminho de ferro desde Vendas Novas até Beja e Evora; effectivamente esta companhia contratou com o governo a construcção d'este caminho com as condições technicas ordinarias, mediante uma subvenção de 16:000$000 réis por cada kilometro e o usufructo do caminho por ella construido pelo espaço de 99 annos.
Em 23 de maio de 1864, esta mesma companhia (representada, se bem me lembro, por outros concessionarios), propoz e contratou a continuação da linha de Beja até Faro, e por outro lado atravessando o Guadiana até á fronteira de Hespanha, e finalmente prolongar a linha de Evora até ao Crato por Extremoz. As condições da construcção foram um pouco alteradas, porque as expropriações e as obras de arte desde Beja até Faro eram só para uma via, as curvas poderiam ser muito mais pronunciadas, e os declives poderiam attingir 25 millimetros por metro em todos os 330 kilometros. A companhia obrigou-se á construcção dos 330 kilometros comprehendidos n'este contrato, com aquellas condições technicas mediante uma subvenção de réis 18:000$000 por kilometro e o usufructo do caminho por 99 annos.
Em outubro de 1865, os srs. ministros das obras publicas e da fazenda d'essa epocha entenderam que podiam fazer com a companhia um bom negocio para auxiliar o thesouro que então já se ía achando em apuros, e, por uma j menos justa apreciação das circumstancias, vendo em um curto defferimento e na subdivisão do desembolso dos auxilios á companhia e na realisação de uns 3.000:000$000 réis, um bello expediente financeiro, que fazia face ao deficit d'aquelle anno, fizeram com a companhia o muito conhecido contrato de 14 de outubro de 1865. Por este contrato a companhia obrigava-se a pagar ao governo em dinheiro a quantia de 1.008:000$000 réis, preço pelo qual a companhia comprara ao governo o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas, e approximadamente 2.000:000$000 réis que o governo tinha dado á companhia pela importancia da subvenção do caminho de ferro das Vendas Novas a Beja e Evora, cessava alem d'isto a obrigação do governo subvencionar a construção da linha e prolongamentos de Evora ao Crato, de Beja a Faro, e de Beja á fronteira de Hespanha. Em compensação o governo garantia á companhia o producto liquido de 3:600$000 réis por cada kilometro, e pelo tempo de cincoenta annos!
D'este modo o governo rehavia o que já tinha desembolsado, e repartia o encargo por um espaço de tempo muito mais largo, é verdade, que o encargo tornava-se cinco vezes maior, como os factos têem demonstrado!! mas o que se tinha em mira era obter os 3.000:000$000 réis para o deficit d'aquelle anno, a isso se sacrificava tudo, e para isso se praticava o maior dos erros, ligava-se ao negocio de sueste a sorte das nossas finanças (apoiados).
A companhia obrigava-se a pagar os 3.000:000$000 réis em tres parcellas iguaes, por meio de letras a tres, seis e nove mezes; vencia-se a primeira letra em maio de 1866.
Agora vejamos as penalidades estatuidas no contrato.
Se a companhia não pagasse alguma ou algumas das letras, as que ainda não estivessem vencidas, reputar-se-iam vencidas, se a companhia não cumprisse qualquer das condições, o contrato seria rescindido. D'esta decisão poderia a companhia recorrer para um juizo arbitral, cuja sentença não tinha appellação. Confirmada que fosse a rescisão por este, o caminho de ferro seria avaliado e posto em praça por seis mezes; se houvesse licitante, o producto da venda entraria no deposito para o governo se pagar d'elle pelo que se lhe devesse, e o saldo seria para outros credores, caso os houvesse, e para a companhia se os não houvesse. Os novos possuidores do caminho entrariam na posse com as vantagens do contrato de 14 de outubro de 1865. Se ninguem concorresse a comprar o caminho, o governo tomaria posse d'elle sem que a companhia tivesse direito á minima indemnisação.
Vejamos agora como os factos succederam.
Chegou o dia do vencimento da primeira letra e a companhia não a pagou; foi protestada, bem como as outras reputadas vencidas pelo contrato, e a companhia ante o direito commercial e a letra dos contratos julgada fallida.
O governo ordenou a rescisão do contrato; a companhia recorreu para o juizo arbitral; este por accordão de 10 de novembro de 1866, por unanimidade, denegou provimento no recurso, reconhecendo a procedencia do decreto de rescisão.
Constituiram o juizo arbitral os srs. duque de Loulé, José Marcellino de Sá Vargas, Carlos Ferreira Santos Silva, Antonio Maria Branco, e Vicente Ferreira de Novaes.
O governo fez avaliar o caminho, e annunciou a licitação. Ninguem concorreu.
Depois d'estes factos qual era a posição da companhia?
Estava fallida e sem direito a um unico real do que tinha gasto nas obras concluidas e em construcção.
Como ficou o governo depois d'isto? Sem os 3.000:000$000 réis com que contava para fazer face ao deficit de 1866, e com a obrigação de satisfazer compromissos que á sombra d'aquella esperança, e sobre aquellas letras, tinha contrahido; e pagou-os de facto, que a parte d'essas difficuldades assisti eu; pagou-os, mas com dinheiro levantado na praça de Londres, sobre titulos de divida interna a juro que oscillou até ao fim de 1866, entre 12 e 18 por cento. D'aqui, d'esta falta de cumprimento por parte da companhia, nasceu a divida fluctuante em Londres com todos os inconvenientes que d'ella tem derivado, com todos os vexames para o nosso credito, a que ella tem dado causa (apoiados).
Se alguem duvida d'esta verdade, leia o seguinte trecho de um jornal, que sempre se mostrou favoravel á companhia, a Correspondencia de Portugal, que no seu numero de 29 de dezembro de 1867, fallando do emprestimo, diz o seguinte:
«Não ocultamos todavia que outros motivos houve que concorreram para a baixa dos fundos portuguezes, mas para os avaliarmos teremos que recorrer ao principio da nossa divida contrahida no estrangeiro, sob penhor de inscripções.
«A falta do pagamento das letras resultantes do contrato de 14 de outubro de 1865, com a companhia do caminho de ferro de sueste, em uma occasião em que uma crise de que não ha exemplo na Europa affligia a principal praça monetaria do mundo, foi o principio d'aquella divida.
«Foi portanto necessario recorrer ás praças estrangeiras para levantar dinheiro sob penhor de divida interna, visto que a creação da externa não era permittida.
«Aquelles adiantamentos obtidos no estrangeiro foram augmentando com as necessidades do thesouro; a crise de 1866 cada vez se apresentava mais medonha; o dinheiro levantado era-o a juro elevado, e quando este baixou seria este facto o resultado da confiança restabelecida na Europa? De certo que não.
«A existencia de capitaes sem rendimento algum nos principaes bancos da Europa, esta provando exhuberantemente o contrario.
«Os nossos fundos não podiam deixar de acompanhar a sorte dos das outras nações; baixaram, e relativamente menos do que muitos outros de nações que se dizem mais prosperas.
«Só nas côrtes, e na sessão d'este anno, obteve o governo as auctorisações necessarias para contrahir um emprestimo. Concedeu-lh'as a lei de 1 de julho de 1867.
«Já anteriormente o governo procurára por todos os modos effectuar uma operação que o habilitasse a satisfazer todos os encargos contrahidos, para em seguida a poder propor ao parlamento. Depois da auctorisação d'este, contratou o emprestimo em melhores condições do que aquellas a que elle foi realisado, mas estas não se poderam conseguir com segurança de bom exito.
«A operação é má, e sentida pelo proprio governo, considerado o baixo preço por que foi realisada, mas é boa relativamente ás circumstancias das principaes praças da Europa, á comparação com o preço dos fundos de muitas outras nações, e á differença entre o preço com que estas têem realisado emprestimos, e os das cotações d'elles na occasião das emissões. E ainda boa comparado o preço a que foi emittido com o que ainda ha pouco mais de um mez valiam em Londres os nossos fundos, porque a subida que elles ultimamente experimentaram já foi effeito de esforços dos contratadores para a melhor collocação, do emprestimo, e não a expressão de transacções reaes. É mesmo óptima como necessidade absoluta de satisfazer as dividas contrahidas no estrangeiro, que traziam muito maiores encargos para o estado do que o preço da emissão.»
Estando a companhia n'estas circumstancias, e reconhecendo a carencia de direito para salvar os capitaes que empregava, appellou para e equidade do governo, para os brios nacionaes, e, segundo opiniões muito respeitaveis, appellou tambem para outros meios menos convenientes, taes como exercer pressão sobre os prestamistas da nossa divida fluctuante em Londres, tentando pôr o governo portuguez em embaraços, para ver se d'este modo o levava a concessões vantajosas para a companhia.
Parece impossivel que assim succedesse, mas assim se conta! Parece impossivel que aquelles que por não cumprirem o contrato a que se obrigaram, aggravaram as difficuldades financeiras do paiz, sejam os que exerçam pressão nos mercados estrangeiros, para especularem em proprio proveito (apoiados).
O governo só podia fazer saír os interessados da companhia dos embaraços em que se achavam, por um de dois meios: ou rehabilitar a companhia, ou então indemnisando-a directamente pelas obras construidas, acabadas e não acabadas. O governo de que fazia parte o sr. Corvo resolveu a questão segundo esta ultima indicação, e fez com a companhia o projecto de accordo de outubro de 1867.
Para que esta indemnisação não excedesse os limites da equidade, era necessaria uma avaliação exacta e rigorosa; a que havia era a que tinha sido feita pelo sr. Canto para base da licitação; mas como tinha ella sido feita? Pelas indicações da companhia, pelas declarações d'ella, e disse-se: o caminho vale tanto, porque a companhia diz ter gasto n'elle tanto. O proprio sr. Canto reconheceu que este não era o meio de fazer uma avaliação para indemnisar uma companhia fallida; apresentava-a porém s. ex.ª unicamente como base para a licitação, que seria corrigida pelas investigações a que os licitantes procederiam antes de comprar, porque ninguem compra sem saber o que compra.
O governo porém não se preoccupara com a insufficiencia da avaliação, e julgando-se auctorisado a pagar, sem saber rigorosamente o valor do que pagava, e guiando-se simplesmente pela indicação dos interessados, e esquecendo a do proprio engenheiro do governo, que declarava a avaliação muito imperfeita, fez o accordo de outubro de 1867, em vista do qual a companhia recebia cinco mil e tantos contos de réis, ficando o governo com a propriedade de toda a linha e prolongamentos, obras e materiaes dos caminhos de ferro de sul e sueste.
Investigações ulteriores feitas pelo engenheiro do governo Boaventura José Vieira, demonstraram que a avaliação excedia o custo real das obras e materiaes em 2.000:000$000 réis, que por consequencia a companhia recebia a mais.
O contrato levantou clamores, mas eu estou convencidissimo que por politica elle teria sido approvado por grande maioria (apoiados).
Eu declaro francamente que achava aquelle accordo mau, mas sómente por n'elle se dar á empreza mais 2.000:000$000 réis do que devia dar-se; a fóra isso achava-lhe uma grande belleza, a de acabar os negocios com aquella empreza que, alem de não cumprir os seus contratos, tem, segundo a confissão de alguns srs. ministros, aggravado as nossas difficuldades financeiras e especulado com ellas (apoiados).
Por consequencia o meu desejo é que qualquer contrato que fizessemos desse, como primeiro resultado, acabar os negocios com aquelles emprezarios (apoiados).
Houve porém mudança ministerial; o parlamento não chegou a dar a sua opinião sobre o accordo de outubro de 1867, mas as commissões de obras publicas e de fazenda, a que eu tenho a honra de pertencer, rejeitaram-no por unanimidade.
N'essa occasião, essas commissões, á excepção de um de seus membros, declararam que aquella rejeição não importava a idéa de fazer vigorar o rigor das disposições do contrato, não importava a idéa de sequestrar as obras e materiaes em que a companhia despendera capital proprio. Bases porém para um novo accordo, nem se discutiram, nem se votaram, nem se deram ao governo. Tudo o que se tem dito em contrario para fazer resvalar a responsabilidade do accordo de 20 de julho de 1868 para as commissões, é menos exacto. O governo contratou, como póde ou como quiz, mas a responsabilidade do que fez pertence-lhe, e não ás commissões.
O governo transacto, fazendo o accordo que hoje discutimos, resolvia a questão por um modo diverso do que intentava realisa-lo o sr. Corvo; rehabilitava a companhia, segundo as bases do contrato de 23 de maio de 1864. Se examinarmos porém as bases do contrato de 23 de maio de 1864, e as compararmos com o projecto hoje em discussão, veremos que pelo de hoje se dá á companhia muito mais do que por aquelle se daria, e que á companhia fallida, que a nada tinha direito, se paga mais do que ella gasta nas obras, premiando-a assim por não ter cumprido com o seu dever.
Vejamos.
Pelo contrato de 23 de maio de 1864 a companhia obrigava-se a construir 330 kilometros de caminho de ferro de Beja a Faro, de Beja á fronteira da Hespanha e de Evora ao Crato por Extremoz. Decomponhamos porém esta quantidade de caminho a fazer em parcellas, segundo o seu custo conhecido e provavel.
Seguirei as avaliações feitas pelo sr. Boaventura José Vieira, a quem o governo commetteu o encargo da avaliação, e que francamente declara no seu relatorio que, se a sua avaliação pecca, é por ser favoravel á companhia, como se vê pelo seguinte trecho do seu relatorio:
«Não é de certo este o systema a seguir para realisar a compra de um caminho de ferro por um valor approximado no acto do contrato, porque o comprador seria por este systema muito prejudicado, e só forçado poderia realisar similhante compra. Para chegar a uma avaliação a mais approximada possivel, dever-se-ia detidamente, e com bastante pessoal, proceder a medições sobre as obras, para chegar a conhecer o custo primitivo de cada uma das linhas, e calcular depois a depreciação do material fixo e circulante. Feito isto, seria necessario conhecer o rendimento liquido da exploração, conhecer as condições economicas d'essas linhas, para saber se n'um futuro, mais ou menos proximo, esse rendimento se elevaria a ponto de dar um juro rasoavel. Só d'esta maneira poderia apparecer um comprador que não fosse o governo. Faltavam-me porém os dados para o poder fazer como qualquer companhia o faria, e por isso posso afoitamente apresentar a opinião de que, ainda mesmo depois de todas as deducções feitas no inventario, se ha prejuizo para alguma das partes contratantes, é para o governo e não para a companhia.»
Sigo pois as opiniões d'este engenheiro: 1.°, porque verifiquei a media da maior parte dos preços das unidades por elle adoptados, e vejo ser ainda superior a algumas das medias citadas por Perdonnet; 2.°, porque este engenheiro foi ver o caminho para o avaliar; 3.°, porque o governo que lhe dera aquella commissão não o desmentiu e deixou publicar e subsistir os calculos d'elle.
Como dizia, a companhia tinha a construir 330 kilometros de caminho. Construe 119 que o referido engenheiro diz não terem custado mais de 14:000$000 réis por kilometro, e deixa de construir 211 kilometros, que custariam muito mais, segundo estas indicações, teriamos que o caminho, depois de construido, custaria:
Parte que a companhia construe e que custa a 14:000$000 réis:
Beja a Cazevel, 47 kilometros … 658:000$000
Beja ao Guadiana, 20 kilometros … 280:000$000
Evora a Extremoz, 52 kilometros … 728:000$000
Parte que a companhia vende ao governo para este abandonar (!):
Faro a Boliqueme, 25 kilometros … 250:000$000
Parte que a companhia é dispensada de construir:
Cazevel a Boliqueme, 116 kilometros, atravessando a serra do Algarve, e calculados a 40:000$000 réis … 4.640:000$000
Extremoz ao Crato, 60 kilometros, calculados não obstante correrem alguns