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Sessão de 4 de agosto de 1868

PRESIDENCIA DO SR. JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA

Secretarios — os srs.

José Tiberio de Roboredo Sampaio.

José Faria de Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria.

Chamada — 65 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano de Azevedo, Alvaro de Seabra, Annibal, Alves Carneiro, Costa Simões, A. B. de Menezes, Castilho Falcão, Antas Guerreiro, A. J. Teixeira, A. L. de Seabra Junior, Falcão e Povoas, Magalhães Aguiar, Faria Barbosa, Costa e Almeida, Araujo Queiroz, Lopes Branco, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, B. F. da Costa, Custodio J. Freire, Pereira Brandão, Faustino da Gama, Albuquerque Couto, Gavicho, F. M. da Rocha Peixoto, Pinto Bessa, Silveira Vianna, Van-Zeller, Xavier de Moraes, G. A. Rolla, Homem e Vasconcellos, Almeida Araujo, Judice, Matos e Camara, Assis Pereira de Mello, Ayres de Campos, Gaivão, Cortez, J. M da Cunha, Fradesso da Silveira, Faria Guimarães, Gusmão, Bandeira de Mello, Mardel, Correia de Oliveira, Faria Pinho, Sousa Monteiro, Teixeira Marques, Vieira de Sá, J M. da Costa e Silva, Frazão, Ferraz de Albergaria, José M. do Magalhães, J. M. Rodrigues de Carvalho, Menezes Toste, Mesquita da Rosa, José de Moraes, Batalhoz, J. R. Coelho do Amaral, José Tiberio, Motta Veiga, Pereira Dias, Lavado de Brito, P. M. Gonçalves de Freitas, Sabino Galrão, Sebastião do Canto.

Entraram durante a sessão — os srs.: A. Braamcamp, Rocha París, Ferreira de Mello, Villaça, Sá Nogueira, Sousa e Cunha, Barros e Sá, Azevedo Lima, A. J. da Rocha, A. J. de Seixas, Arrobas, Montenegro, Barão da Trovisqueira, B. Garcez, Cunha Vianna, B. F. Abranches, E. Tavares Fernando de Mello, Fortunato Frederico de Mello, Silva Mendes, Coelho do Amaral, Bicudo Correia, Gaspar Pereira, Guilhermino de Barros, Faria Blanc, Silveira da Motta, I. J. de Sousa, Freitas e Oliveira, Baima de Bastos, Santos e Silva, J. A. Vianna, João de Deus, João M. de Magalhães, Joaquim Pinto do Magalhães, J. T. Lobo d'Avila. Xavier Pinto, J. A. Ferreira Galvão, J. B. Cardoso Klerk, Costa Lemos, Sette, Dias Ferreira, Carvalho Falcão, Pereira de Carvalho, Achioli de Barros, J. Maria Lobo d'Avila, Mendes Leal, Lourenço de Carvalho, M. B. da Rocha Peixoto, Penha Fortuna, Aralla e Costa, Limpo de Lacerda, Mathias do Carvalho, Paulino Teixeira, P. A. Franco, R. Venancio Rodrigues, R. de Mello Gouveia, Theotonio de Ornellas, Deslandes, Vicente Carlos Teixeira Pinto, Visconde dos Olivaes.

Não compareceram — os srs.: Fevereiro, A. de Ornellas, A. de Azevedo, Correia Caldeira, Gomes Brandão, Ferreira Pontes, A. Pinto de Magalhães, Pequito, Torres e Silva, Augusto de Faria, Carvalhal Esmeraldo, Testa, Vieira da Motta, Conde de Thomar (Antonio), E. Cabral, Dias Lima, F. L. Gomes, Henrique Cabral, Meirelles Guerra, Aragão Mascarenhas, Pinto de Vasconcellos, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Ribeiro da Silva, J. A. Maia, Lemos e Napoles, José Paulino, Silveira e Sousa, J. F. Pinto Basto, Levy, Camara Leme, Ferreira Junior, Leite de Vasconcellos, Julio Guerra, Thomás Lobo.

Abertura — Ao meio dia e meia hora.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Participação

O sr. deputado Vieira da Motta encarregou-me de participar á camara que, por motivo justificado, não tem comparecido ás sessões. = José Tiberio.

Inteirada.

Requeiro que pelo ministerio da guerra sejam remettidos a esta camara os seguintes documentos:

Copia da correspondencia, que houve entre aquelle ministerio e o commandante geral de engenheria, e o general da 4.ª divisão militar, sobre a representação da camara municipal de Caminha, pedindo a demolição das portas denominadas de Vianna, e a do arco das do Caes, na villa de Caminha.

Copia da correspondencia entre o mesmo ministerio e aquellas auctoridades sobre a representação da camara municipal de Caminha, pedindo a demolição da porta, do Caes. = O deputado, A. H. Torres e Silva.

Foi remettido ao governo.

Notas de interpellação

1.ª Desejo interpellar o sr ministro dos negocios da marinha e ultramar sobre o seguinte:

I Urgencia de providencias sobre o pagamento pontual á dos empregados publicos em Cabo Verde que se acham em atrazo, com offensa de direitos adquiridos e prejuizo notavel para o serviço publico;

II Necessidade da reforma do systema tributario para o fim da melhor distribuição do imposto e augmento da receita provincial.

III Conveniencia de uma prompta revisão da pauta das alfandegas n'um sentido mais favoravel ao commercio e ás necessidades do consumo das classes pobres. =P. M. Gonçalves de Freitas.

2.ª Requeiro que sejam prevenidos os ex.mos ministros dos negocios estrangeiros, e do commercio, de que desejo interpellar o governo ácerca da politica commercial, que intenta seguir, e especialmente em relação ás negociações pendentes sobre tratados de commercio com a Prussia e com a Austria. = Fradesso da Silveira.

Mandaram-se fazer as devidas participações.

O sr. Secretario (José Tiberio): — O sr. Augusto de Faria encarregou-me de participar á camara de que por incommodo de saude não póde comparecer ás ultimas sessões.

Inteirada.

O sr. José de Moraes: — Mando para a mesa uma proposta, de que peço a urgencia. Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja nomeada pela mesa uma commissão de cinco senhores deputados, para darem o seu parecer sobre o projecto de lei para a reducção dos quadros. = José de Moraes Pinto de Almeida.

Vencida a urgencia foi approvada sem discussão.

O sr. Faria Guimarães: — O sr. Thomás Antonio de Oliveira Lobo encarregou-me de participar a v. ex.ª e; camara que não tem comparecido ás sessões por incommodo de saude, e que provavelmente não poderá comparecer durante o tempo d'esta sessão extraordinaria.

O sr. Costa e Almeida: — Participo a v. ex.ª e á camara que os srs. deputados Joaquim Alberto Pinto de Vasconcellos e Manuel Balthasar Leite de Vasconcellos, não têem podido comparecer á sessão por motivo justificado.

O sr. José de Moraes: — Peço á illustre commissão de verificação de poderes que dê quanto antes o seu parecer sobre uma proposta que ha dias apresentei á camara, e igualmente sobre um officio do ministerio do reino, que participava a elevação ao cargo de ministro d'estado de dois collegas nossos.

Esta questão é simples, e a camara, por dignidade propria, deve resolve-la antes de se encerrar o parlamento.

O sr. Alves Carneiro: — Peço a palavra.

O Orador: — Eu creio que o cavalheiro que pediu a palavra talvez diga que a commissão esta incompleta, porque um dos seus membros, o sr. Pequito, foi nomeado ministro; mas a commissão tem numero bastante para decidir a questão a que me refiro, e quando não seja assim, póde-se pedir á camara para nomear um membro para complemento da commissão.

O que é necessario é que esta questão se resolva antes de findarem os nossos trabalhos, porque eu entendo que os circulos representados pelos deputados a que se referem os documentos, têem direito a ter representantes no parlamento.

O sr. Alves Carneiro: — V. ex.ª sabe e a camara não ignora que falta um membro na commissão, porque o sr Pequito foi chamado aos conselhos da corôa.

A commissão por isso não tem por ora tomado conhecimento da proposta do sr. José de Moraes, porque deseja que se lhe aggregue um outro membro; peço pois a v. ex. a bondade de nomear um cavalheiro para fazer parte da commissão.

O sr. Seixas: — Como se acha presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, julgar-me-ia com direito de lhe fazer uma pergunta; mas entendo que não a devo fazer, por que considero a materia como propria para uma interpellação, como já annunciei por duas vezes ao sr. ministro dos negocios estrangeiros do gabinete passado.

A questão versa sobre a nossa occupação e negociações diplomaticas relativas ao norte do Ambriz na costa da provincia de Angola, sobre o bombardeamento de umas feitorias n'aquella costa, de que já houve uma interpellação ao sr. Casal Ribeiro, que prometteu dar solução a este negocio, e não a deu, porque naturalmente não póde; e ainda sobre a violação do tratado de 1842 com respeito ao trafico da escravatura, motivada pelo julgamento de um navio na commissão mixta do Loanda, na qual o juiz commissario britannico não quiz funccionar, porque a maioria do tribunal era a nosso favor. Deu-se outra circumstancia, de que, não tratarei agora, mas devo referir que o tribunal não podia funccionar na ausencia daquelle juiz.

Já a camara vê, pelo simples enunciado da questão, que é ella tanto ou mais grave do que a da Guiné, porque esta sendo uma questão de honra para nós, é muito pequena em relação aos interesses do paiz inteiro.

Não interrogo agora o sr. ministro, o limito-me a perguntar a v. ex.ª se devo mandar uma nora interpellação ou se se preenche o mesmo fim communicando-se a que já annunciei por duas vezes, ao sr. presidente do conselho de ministros do gabinete passado.

Com a resposta de v. ex.ª me darei por satisfeito.

O sr. Presidente: — A mesa vae mandar officiar no sr. ministro dos negocios estrangeiros.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Carlos Bento): — Não posso responder já ao illustre deputado, porque não estou habilitado para o fazer.

O sr. Presidente: — Em virtude da auctorisação concedida pela camara a mesa nomeia para a commissão especial os srs. Antonio Cabral de Sá Nogueira, Braamcamp, Joaquim Thomás Lobo d'Avila, Rodrigues de Carvalho, e Belchior José Garcez.

E para a commissão do poderes o sr. Sá Nogueira.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Pedi a palavra para dizer a v. ex.ª que o governo reputa de maior urgencia a discussão de uma proposta que já tem parecer de commissão e que foi distribuido pelos srs. deputados, proposta que diz respeito a desamortisação. A decisão d'essa materia é de muita necessidade para o andamento dos negocios financeiros.

Além d'isso como a camara sabe suspendeu-se a desamortisação que se devia effectuar segundo as leis anteriores, na esperança da adopção de modificações na lei anterior, e d'essa paralysação resulta graves inconvenientes para o estado e para os particulares.

Por consequencia se v. ex.ª não acha inconveniente e se a camara esta de accordo, eu proporei que em seguida á discussão do contrato do caminho de ferro, se dê para a ordem do dia o projecto sobre a desamortisação (apoiados).

É da maior importancia, como disse, decidir esta questão, que não só é uma modificação na legislação, mas um meio de sairmos do estado da suspensão da execução da legislação actual, porque na espectativa de se adoptarem certas modificações, não se tem desamortisado os bens que o deviam ser.

O sr. Sá Nogueira: — Devo declarar que na sessão de antehontem, publicada no Diario de hoje, a respeito do que eu disse com relação ao projecto sobre a moeda, ha algumas inexactidões.

ORDEM DO DIA

CONTINUA A DISCUSSÃO SOBRE O PROJECTO DE CONTRATO COAI A COMPANHIA DOS CAMINHOS DE FERRO DE SUESTE

O sr. Rolla: — Quando pedi a palavra sobre o assumpto em discussão estava na idéa de que o accordo podia ainda ser sustentado n'esta casa, e que o governo o adoptaria, mas depois das declarações officiaes entendo que é importuno o tratar d'esta questão, desistindo por isso da, palavra.

O sr. Teixeira Marques: — Tomo a palavra obrigado, pois que, tendo acompanhado a situação passada em todos os seus actos, vi-me obrigado a deixar de a seguir n'esta questão.

Os meus amigos politicos sabiam quaes eram as minhas opiniões sobre o negocio de sueste, porque eu tinha declarado nos comícios publicos o modo por que eu apreciava o projecto de accordo de outubro de 1867; portanto desde o momento em que o governo transacto apresentou um projecto de accordo, que pouco ou nada differia do anterior, declarei que divergia da opinião do governo, e que n'esta questão me afastava d'elle.

E por isto que tomo a palavra; tomo-a para demonstrar os fundamentos que tinha e tenho para pensar que o projecto que hoje discutimos ultrapassa os limites da equidade que o paiz póde e deve conceder á companhia do caminho de ferro de sueste.

Discutirei portanto, mesmo contra vontade, este negocio, que tão fatal tem sido ao paiz; entrarei n'este simples torneio de palavras, n'este simulacro de discussão, como lhe chamou hontem o meu antigo condiscipulo e talentoso amigo, o sr. Lourenço de Carvalho. A questão esta morta desde que o governo a abandona; mas a este morto não faltam as honras funebres, e eu tambem lho quero resar o meu responsorio. Além de tudo o paiz ganha com esta discussão, conhece cada vez melhor este negocio, e por consequencia intima os governos para que o resolva em conformidade com as circumstancias e com meios de que o paiz dispõe.

Eu não faço nem tenciono fazer politica com os contratos, e parece-me que de não se ter seguido este systema não tem vindo senão males para o paiz. Uma das provas mais irrecusaveis d'esta verdade é o negocio de sueste (apoiados).

Este negocio tem sido resolvido em quasi todas as suas phases pela politica, e por isso elle tem cavado a ruina de tres situações, e agouro que trará ainda embaraços a outras (apoiados).

Eu portanto afasto-me d'esse caminho. Não supponho nem supporei nunca que um contrato é bom por ter sido feito por ministros da minha feição politica, ou que é mau por ser feito por adversarios; avalio pelo que estatue, pela essencia das suas condições, desconheço a influencia de pessoas n'estas questões (apoiados).

Além d'isto para que um contrato mereça a minha approvação não me basta que elle seja melhor do que aquelle que eu rejeitei, acho bom o que for justo, acho bom o que satisfizer as exigencias e se accommodar ás circumstancias do paiz. A minha missão não é approvar o que apenas for melhor do que o pessimo, é mais alguma cousa, é exigir que se contrate bem, o approvar só o que for bom.

Seguirei pois este systema, e pouco me occuparei de saber se o contrato em discussão é o melhor ou o peior dos que se têem feito e projectado; tratarei apenas de saber se elle é conforme com a equidade, e se chega a ser manifestação de prodigalidade.

Com respeito ao negocio de sueste não posso forrar-me a dizer quatro palavras sobre a sua historia para melhor comprehensão dos fundamentos das minhas opiniões.

E do dominio publico que em 1855 se formára uma companhia de capitalistas portuguezes para construir o explorar um caminho de forro desde o Barreiro até ás Vendas Novas. O governo subvencionou esta companhia e concedeu-lhe certas vantagens. Se bem me lembro era engenheiro da companhia o illustre relator do contrato, hoje em discussão, o sr. Belchior José Garcez. S. ex.ª alem da competencia que tanto o distingue em assumptos d'esta ordem, conhece este muito de perto, e desde os trabalhos de construcção.

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Esta companhia construiu o caminho do Barreiro a Vendas Novas, e tratou de o vender. O governo de então, preoccupado com as manifestações mais ou menos legitimas, mais ou menos apaixonadas da opinião publica, que via com um certo desfavor que um emprezario hespanhol fosse senhor de todos os caminhos de ferro, comprou o caminho á companhia (apoiados). Ora, sommando o que o governo deu então pelo caminho de ferro com o que despendera em subvenções, veiu o caminho a custar ao governo 1.850:000$000 réis.

Mais tarde (em 1860) uma companhia ingleza propoz-se a continuar o caminho de ferro desde Vendas Novas até Beja e Evora; effectivamente esta companhia contratou com o governo a construcção d'este caminho com as condições technicas ordinarias, mediante uma subvenção de 16:000$000 réis por cada kilometro e o usufructo do caminho por ella construido pelo espaço de 99 annos.

Em 23 de maio de 1864, esta mesma companhia (representada, se bem me lembro, por outros concessionarios), propoz e contratou a continuação da linha de Beja até Faro, e por outro lado atravessando o Guadiana até á fronteira de Hespanha, e finalmente prolongar a linha de Evora até ao Crato por Extremoz. As condições da construcção foram um pouco alteradas, porque as expropriações e as obras de arte desde Beja até Faro eram só para uma via, as curvas poderiam ser muito mais pronunciadas, e os declives poderiam attingir 25 millimetros por metro em todos os 330 kilometros. A companhia obrigou-se á construcção dos 330 kilometros comprehendidos n'este contrato, com aquellas condições technicas mediante uma subvenção de réis 18:000$000 por kilometro e o usufructo do caminho por 99 annos.

Em outubro de 1865, os srs. ministros das obras publicas e da fazenda d'essa epocha entenderam que podiam fazer com a companhia um bom negocio para auxiliar o thesouro que então já se ía achando em apuros, e, por uma j menos justa apreciação das circumstancias, vendo em um curto defferimento e na subdivisão do desembolso dos auxilios á companhia e na realisação de uns 3.000:000$000 réis, um bello expediente financeiro, que fazia face ao deficit d'aquelle anno, fizeram com a companhia o muito conhecido contrato de 14 de outubro de 1865. Por este contrato a companhia obrigava-se a pagar ao governo em dinheiro a quantia de 1.008:000$000 réis, preço pelo qual a companhia comprara ao governo o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas, e approximadamente 2.000:000$000 réis que o governo tinha dado á companhia pela importancia da subvenção do caminho de ferro das Vendas Novas a Beja e Evora, cessava alem d'isto a obrigação do governo subvencionar a construção da linha e prolongamentos de Evora ao Crato, de Beja a Faro, e de Beja á fronteira de Hespanha. Em compensação o governo garantia á companhia o producto liquido de 3:600$000 réis por cada kilometro, e pelo tempo de cincoenta annos!

D'este modo o governo rehavia o que já tinha desembolsado, e repartia o encargo por um espaço de tempo muito mais largo, é verdade, que o encargo tornava-se cinco vezes maior, como os factos têem demonstrado!! mas o que se tinha em mira era obter os 3.000:000$000 réis para o deficit d'aquelle anno, a isso se sacrificava tudo, e para isso se praticava o maior dos erros, ligava-se ao negocio de sueste a sorte das nossas finanças (apoiados).

A companhia obrigava-se a pagar os 3.000:000$000 réis em tres parcellas iguaes, por meio de letras a tres, seis e nove mezes; vencia-se a primeira letra em maio de 1866.

Agora vejamos as penalidades estatuidas no contrato.

Se a companhia não pagasse alguma ou algumas das letras, as que ainda não estivessem vencidas, reputar-se-iam vencidas, se a companhia não cumprisse qualquer das condições, o contrato seria rescindido. D'esta decisão poderia a companhia recorrer para um juizo arbitral, cuja sentença não tinha appellação. Confirmada que fosse a rescisão por este, o caminho de ferro seria avaliado e posto em praça por seis mezes; se houvesse licitante, o producto da venda entraria no deposito para o governo se pagar d'elle pelo que se lhe devesse, e o saldo seria para outros credores, caso os houvesse, e para a companhia se os não houvesse. Os novos possuidores do caminho entrariam na posse com as vantagens do contrato de 14 de outubro de 1865. Se ninguem concorresse a comprar o caminho, o governo tomaria posse d'elle sem que a companhia tivesse direito á minima indemnisação.

Vejamos agora como os factos succederam.

Chegou o dia do vencimento da primeira letra e a companhia não a pagou; foi protestada, bem como as outras reputadas vencidas pelo contrato, e a companhia ante o direito commercial e a letra dos contratos julgada fallida.

O governo ordenou a rescisão do contrato; a companhia recorreu para o juizo arbitral; este por accordão de 10 de novembro de 1866, por unanimidade, denegou provimento no recurso, reconhecendo a procedencia do decreto de rescisão.

Constituiram o juizo arbitral os srs. duque de Loulé, José Marcellino de Sá Vargas, Carlos Ferreira Santos Silva, Antonio Maria Branco, e Vicente Ferreira de Novaes.

O governo fez avaliar o caminho, e annunciou a licitação. Ninguem concorreu.

Depois d'estes factos qual era a posição da companhia?

Estava fallida e sem direito a um unico real do que tinha gasto nas obras concluidas e em construcção.

Como ficou o governo depois d'isto? Sem os 3.000:000$000 réis com que contava para fazer face ao deficit de 1866, e com a obrigação de satisfazer compromissos que á sombra d'aquella esperança, e sobre aquellas letras, tinha contrahido; e pagou-os de facto, que a parte d'essas difficuldades assisti eu; pagou-os, mas com dinheiro levantado na praça de Londres, sobre titulos de divida interna a juro que oscillou até ao fim de 1866, entre 12 e 18 por cento. D'aqui, d'esta falta de cumprimento por parte da companhia, nasceu a divida fluctuante em Londres com todos os inconvenientes que d'ella tem derivado, com todos os vexames para o nosso credito, a que ella tem dado causa (apoiados).

Se alguem duvida d'esta verdade, leia o seguinte trecho de um jornal, que sempre se mostrou favoravel á companhia, a Correspondencia de Portugal, que no seu numero de 29 de dezembro de 1867, fallando do emprestimo, diz o seguinte:

«Não ocultamos todavia que outros motivos houve que concorreram para a baixa dos fundos portuguezes, mas para os avaliarmos teremos que recorrer ao principio da nossa divida contrahida no estrangeiro, sob penhor de inscripções.

«A falta do pagamento das letras resultantes do contrato de 14 de outubro de 1865, com a companhia do caminho de ferro de sueste, em uma occasião em que uma crise de que não ha exemplo na Europa affligia a principal praça monetaria do mundo, foi o principio d'aquella divida.

«Foi portanto necessario recorrer ás praças estrangeiras para levantar dinheiro sob penhor de divida interna, visto que a creação da externa não era permittida.

«Aquelles adiantamentos obtidos no estrangeiro foram augmentando com as necessidades do thesouro; a crise de 1866 cada vez se apresentava mais medonha; o dinheiro levantado era-o a juro elevado, e quando este baixou seria este facto o resultado da confiança restabelecida na Europa? De certo que não.

«A existencia de capitaes sem rendimento algum nos principaes bancos da Europa, esta provando exhuberantemente o contrario.

«Os nossos fundos não podiam deixar de acompanhar a sorte dos das outras nações; baixaram, e relativamente menos do que muitos outros de nações que se dizem mais prosperas.

«Só nas côrtes, e na sessão d'este anno, obteve o governo as auctorisações necessarias para contrahir um emprestimo. Concedeu-lh'as a lei de 1 de julho de 1867.

«Já anteriormente o governo procurára por todos os modos effectuar uma operação que o habilitasse a satisfazer todos os encargos contrahidos, para em seguida a poder propor ao parlamento. Depois da auctorisação d'este, contratou o emprestimo em melhores condições do que aquellas a que elle foi realisado, mas estas não se poderam conseguir com segurança de bom exito.

«A operação é má, e sentida pelo proprio governo, considerado o baixo preço por que foi realisada, mas é boa relativamente ás circumstancias das principaes praças da Europa, á comparação com o preço dos fundos de muitas outras nações, e á differença entre o preço com que estas têem realisado emprestimos, e os das cotações d'elles na occasião das emissões. E ainda boa comparado o preço a que foi emittido com o que ainda ha pouco mais de um mez valiam em Londres os nossos fundos, porque a subida que elles ultimamente experimentaram já foi effeito de esforços dos contratadores para a melhor collocação, do emprestimo, e não a expressão de transacções reaes. É mesmo óptima como necessidade absoluta de satisfazer as dividas contrahidas no estrangeiro, que traziam muito maiores encargos para o estado do que o preço da emissão.»

Estando a companhia n'estas circumstancias, e reconhecendo a carencia de direito para salvar os capitaes que empregava, appellou para e equidade do governo, para os brios nacionaes, e, segundo opiniões muito respeitaveis, appellou tambem para outros meios menos convenientes, taes como exercer pressão sobre os prestamistas da nossa divida fluctuante em Londres, tentando pôr o governo portuguez em embaraços, para ver se d'este modo o levava a concessões vantajosas para a companhia.

Parece impossivel que assim succedesse, mas assim se conta! Parece impossivel que aquelles que por não cumprirem o contrato a que se obrigaram, aggravaram as difficuldades financeiras do paiz, sejam os que exerçam pressão nos mercados estrangeiros, para especularem em proprio proveito (apoiados).

O governo só podia fazer saír os interessados da companhia dos embaraços em que se achavam, por um de dois meios: ou rehabilitar a companhia, ou então indemnisando-a directamente pelas obras construidas, acabadas e não acabadas. O governo de que fazia parte o sr. Corvo resolveu a questão segundo esta ultima indicação, e fez com a companhia o projecto de accordo de outubro de 1867.

Para que esta indemnisação não excedesse os limites da equidade, era necessaria uma avaliação exacta e rigorosa; a que havia era a que tinha sido feita pelo sr. Canto para base da licitação; mas como tinha ella sido feita? Pelas indicações da companhia, pelas declarações d'ella, e disse-se: o caminho vale tanto, porque a companhia diz ter gasto n'elle tanto. O proprio sr. Canto reconheceu que este não era o meio de fazer uma avaliação para indemnisar uma companhia fallida; apresentava-a porém s. ex.ª unicamente como base para a licitação, que seria corrigida pelas investigações a que os licitantes procederiam antes de comprar, porque ninguem compra sem saber o que compra.

O governo porém não se preoccupara com a insufficiencia da avaliação, e julgando-se auctorisado a pagar, sem saber rigorosamente o valor do que pagava, e guiando-se simplesmente pela indicação dos interessados, e esquecendo a do proprio engenheiro do governo, que declarava a avaliação muito imperfeita, fez o accordo de outubro de 1867, em vista do qual a companhia recebia cinco mil e tantos contos de réis, ficando o governo com a propriedade de toda a linha e prolongamentos, obras e materiaes dos caminhos de ferro de sul e sueste.

Investigações ulteriores feitas pelo engenheiro do governo Boaventura José Vieira, demonstraram que a avaliação excedia o custo real das obras e materiaes em 2.000:000$000 réis, que por consequencia a companhia recebia a mais.

O contrato levantou clamores, mas eu estou convencidissimo que por politica elle teria sido approvado por grande maioria (apoiados).

Eu declaro francamente que achava aquelle accordo mau, mas sómente por n'elle se dar á empreza mais 2.000:000$000 réis do que devia dar-se; a fóra isso achava-lhe uma grande belleza, a de acabar os negocios com aquella empreza que, alem de não cumprir os seus contratos, tem, segundo a confissão de alguns srs. ministros, aggravado as nossas difficuldades financeiras e especulado com ellas (apoiados).

Por consequencia o meu desejo é que qualquer contrato que fizessemos desse, como primeiro resultado, acabar os negocios com aquelles emprezarios (apoiados).

Houve porém mudança ministerial; o parlamento não chegou a dar a sua opinião sobre o accordo de outubro de 1867, mas as commissões de obras publicas e de fazenda, a que eu tenho a honra de pertencer, rejeitaram-no por unanimidade.

N'essa occasião, essas commissões, á excepção de um de seus membros, declararam que aquella rejeição não importava a idéa de fazer vigorar o rigor das disposições do contrato, não importava a idéa de sequestrar as obras e materiaes em que a companhia despendera capital proprio. Bases porém para um novo accordo, nem se discutiram, nem se votaram, nem se deram ao governo. Tudo o que se tem dito em contrario para fazer resvalar a responsabilidade do accordo de 20 de julho de 1868 para as commissões, é menos exacto. O governo contratou, como póde ou como quiz, mas a responsabilidade do que fez pertence-lhe, e não ás commissões.

O governo transacto, fazendo o accordo que hoje discutimos, resolvia a questão por um modo diverso do que intentava realisa-lo o sr. Corvo; rehabilitava a companhia, segundo as bases do contrato de 23 de maio de 1864. Se examinarmos porém as bases do contrato de 23 de maio de 1864, e as compararmos com o projecto hoje em discussão, veremos que pelo de hoje se dá á companhia muito mais do que por aquelle se daria, e que á companhia fallida, que a nada tinha direito, se paga mais do que ella gasta nas obras, premiando-a assim por não ter cumprido com o seu dever.

Vejamos.

Pelo contrato de 23 de maio de 1864 a companhia obrigava-se a construir 330 kilometros de caminho de ferro de Beja a Faro, de Beja á fronteira da Hespanha e de Evora ao Crato por Extremoz. Decomponhamos porém esta quantidade de caminho a fazer em parcellas, segundo o seu custo conhecido e provavel.

Seguirei as avaliações feitas pelo sr. Boaventura José Vieira, a quem o governo commetteu o encargo da avaliação, e que francamente declara no seu relatorio que, se a sua avaliação pecca, é por ser favoravel á companhia, como se vê pelo seguinte trecho do seu relatorio:

«Não é de certo este o systema a seguir para realisar a compra de um caminho de ferro por um valor approximado no acto do contrato, porque o comprador seria por este systema muito prejudicado, e só forçado poderia realisar similhante compra. Para chegar a uma avaliação a mais approximada possivel, dever-se-ia detidamente, e com bastante pessoal, proceder a medições sobre as obras, para chegar a conhecer o custo primitivo de cada uma das linhas, e calcular depois a depreciação do material fixo e circulante. Feito isto, seria necessario conhecer o rendimento liquido da exploração, conhecer as condições economicas d'essas linhas, para saber se n'um futuro, mais ou menos proximo, esse rendimento se elevaria a ponto de dar um juro rasoavel. Só d'esta maneira poderia apparecer um comprador que não fosse o governo. Faltavam-me porém os dados para o poder fazer como qualquer companhia o faria, e por isso posso afoitamente apresentar a opinião de que, ainda mesmo depois de todas as deducções feitas no inventario, se ha prejuizo para alguma das partes contratantes, é para o governo e não para a companhia.»

Sigo pois as opiniões d'este engenheiro: 1.°, porque verifiquei a media da maior parte dos preços das unidades por elle adoptados, e vejo ser ainda superior a algumas das medias citadas por Perdonnet; 2.°, porque este engenheiro foi ver o caminho para o avaliar; 3.°, porque o governo que lhe dera aquella commissão não o desmentiu e deixou publicar e subsistir os calculos d'elle.

Como dizia, a companhia tinha a construir 330 kilometros de caminho. Construe 119 que o referido engenheiro diz não terem custado mais de 14:000$000 réis por kilometro, e deixa de construir 211 kilometros, que custariam muito mais, segundo estas indicações, teriamos que o caminho, depois de construido, custaria:

Parte que a companhia construe e que custa a 14:000$000 réis:

Beja a Cazevel, 47 kilometros … 658:000$000

Beja ao Guadiana, 20 kilometros … 280:000$000

Evora a Extremoz, 52 kilometros … 728:000$000

Parte que a companhia vende ao governo para este abandonar (!):

Faro a Boliqueme, 25 kilometros … 250:000$000

Parte que a companhia é dispensada de construir:

Cazevel a Boliqueme, 116 kilometros, atravessando a serra do Algarve, e calculados a 40:000$000 réis … 4.640:000$000

Extremoz ao Crato, 60 kilometros, calculados não obstante correrem alguns

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d'elles nas faldas da serra de Ossa, calculados, repito, a 14:000$000 réis … 800:000$000

Margem direita do Guadiana á fronteira de Hespanha, 10 kilometros, dos quaes 9 a 14:000$000 réis … 126:000$000

e 1 representado pela ponte do Guadiana, avaliada pelo sr. João Chrysostomo em … 250:000$000

Custaria o caminho todo … 7.732:000$000

ou 23:460$606 réis por cada kilometro.

Mas o governo dava para cada kilometro 18:000$000 réis, logo a companhia teria de pôr capital proprio na importancia de 1.802:000$000 réis, ou 5:640$000 réis por cada kilometro.

A companhia porém construe só a parte facil, tão facil, que o sr. Boaventura José Vieira diz d'ella o. seguinte:

«Parecerá baixo o preço do kilometro a que chego, de 14:000$000 réis, mettendo em conta os valores que dou aos trabalhos executados nas novas linhas e o orçamento que faço para a sua conclusão.

«Se attendermos porém que naquelles 119 kilometros não ha um tunel; que são pequenas todas as pontes e faceis todas as suas fundações; que não ha um muro de supporte; que são de nivel todas as serventias do caminho de ferro; que não ha trabalhos de consolidação nem nas trincheiras nem nos aterros; que a construcção das obras é feita com a maxima economia; e que a formação de 89 d'esses kilometros custa menos que as nossas estradas ordinarias, não nos deveremos admirar se, depois de um estudo detalhado, baixarmos áquelle preço, onde não entra o custo do material circulante.»

Gasta portanto a companhia n'esta construcção, a réis 14:000$000 o kilometro, 1.666:000$000 réis; más o governo dá-lhe 18:000$000 réis por kilometro; ou 2.142:000$000 réis. Logo dá mais 476:000$000 réis do que a companhia gasta; dá-lhe por este lado um premio de 476:000$000 réis por ella não ter cumprido o seu contrato (apoiados).

Mas não é isto só o que o governo dá á companhia. Paga-lhe por 5:200$000 réis umas obras na linha de Vendas Novas a Beja, sem que a companhia tenha construido os alpendres e as estações, nem tenha feito outras pequenas obras a que era obrigada.

Compra-lhe por 47:000$000 réis uns vapores que a companhia era obrigada a ter e custear qualquer que fosse a linha que ella explorasse (condição 10.ª do contrato de 1864), e alem de lh'os comprar põe-os gratuitamente ao serviço da companhia durante seis annos.

Dá-lhe mais 63:500$000 réis pelos estudos de 176 kilometros de caminho, que se não construe, estudos que o proprio sr. relator avalia em 200$000 réis por kilometro, e não em 360$000 réis, preço pelo qual o governo os paga. Não obstante o encarecimento que se tem feito do merito e perfeição d'estes estudos, o que me consta é que as peças graphicas estão completas e muito bem feitas, mas que as cubagens estão por fazer, e que por consequencia estes trabalhos não são completos.

Mas ainda aqui se não fica. O governo paga mais réis 252:700$000 por os 25 kilometros de Faro a Boliqueme e tunel de S. Marcos, parte que custou á companhia só 212:700$000 réis, parte que o governo tem de abandonar, parte de que o governo tem a aproveitar só os carris, coxins, peças de ligação o algumas travessas, material que o governo terá de vender por preço diminutissimo, visto não intentar agora construir outros caminhos de ferro; material que muito provavelmente a companhia, que o vende agora com interesse, poderá comprar mais tarde por preço rebaixadissimo (apoiados).

Finalmente o governo perdoa á companhia o producto liquido da exploração do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas, que a companhia recebe ha quatro annos, sem ter dado um real por elle, não obstante o governo estar pagando os juros dos 1.850:000$000 réis que elle lhe custou; alem d'isto ainda lhe dá o usufructo d'este caminho por mais seis annos, beneficios que no fim dos dez annos montam á somma de 459:400$000 réis, como se demonstra pela tabella seguinte.

O caminho do Barreiro ás Vendas Novas rendeu em 1863 perto de 45:000$000 réis liquidos; supponhamos porém que rendeu 40:000$000 réis, e que de então para cá tem tido um augmento de rendimento de 15$000 réis por kilometro, teremos o seguinte:

Extensão do caminho 72 kilometros, dez annos:

1864-1865.. 40:000$000 + 1:080$000 = 41:080$000

1865-1866............................ 42:160$000

1866-1867............................ 43:240$000

1867-1868............................ 44:320$000

1868-1869............................ 45:400$000

1869-1870............................ 46:480$000

1870-1871............................ 47:560$000

1871-1872............................. 48:640$000

1872-1873............................ 49:720$000

1873-1874............................ 50:800$000

459:400$000

Durante estes dez annos a deterioração do material fixo e circulante corre por conta do governo, e não haverá exageração calculando-o em 150:000$000 réis.

Além d'isto o governo paga á companhia por 182:000$000 réis, e sem concurso, obras nas duas margens do Tejo, e mais 276:720$000 réis pelo alargamento do caminho do Barreiro ás Vendas Novas, obras estas a que a companhia era obrigada como compensação de se lhe ter vendido por 1.008:000$000 réis este caminho, que custára ao governo 1.850:000$000 réis, obras porém a respeito das quaes a

companhia se torna simples constructora, e que lhe não pertencia fazer, passando o caminho para o governo, como passa. E por isso que elle lh'as paga separadamente; o que ha aqui de singular é o indefinido das condições da construcção, e sobretudo a inopportunidade d'estas obras.

Sommando todas estas verbas a companhia vem a receber do governo a quantia de 3.578:520$000 réis.

Vejamos agora, segundo as bases do contrato de 23 de maio de 1868, quanto é que o governo deveria dar á companhia.

Se nós vimos que cada kilometro do caminho que a companhia construe e tinha a construir custaria 23:460$600 réis e o governo deu para cada um d'elles 18:000$000 réis, qual deverá ser a subvenção do governo para a parte facillima, para a parte que custa 14:000$000 réis por kilometro?

Póde fazer-se esta proporção, porque se por um lado a companhia tem de explorar os 20 kilometros de Beja ao Guadiana, de pequeno movimento, explorará o de Evora a Extremoz, que atravessa uma das regiões mais ricas do Alemtejo, explorará ainda o de Beja a Cazevel, que tem um bom futuro pelo desenvolvimento da industria mineira de Aljustrel, e deixa de explorar o de Cazevel a Boliqueme, de menos valioso trafico; a oscillação portanto que poderia dar a diversidade de rendimento do caminho é equilibrada, e a proporção é exacta. Feita ella, acha-se que para a renovação do contrato de 23 de maio de 1864 a subvenção do governo deveria ser de 10:745$500 réis por kilometro.

A verba portanto da subvenção deveria ser reduzida a 1.278:714$500 réis.

A verba pela construcção de 25 kilometros de Faro a Boliqueme e tunel de S. Marcos, reduzida a 212:700$000 réis, segundo a avaliação do engenheiro fiscal.

A verba de estudos reduzida segundo a indicação do sr. relator, a 200$000 réis por kilometro, ficaria em réis 35:200$000.

Pelos vapores nada o governo deveria dar, mas querendo por equidade dar a parte que corresponde aos kilometros de que fica sendo proprietario, seria reduzida a 10:800$000 réis.

Além d'isto o governo teria a pagar os 276:726$000 réis pelo alargamento do caminho do Barreiro a Vendas Novas e os 182:000$000 réis pelas obras nas margens do Tejo, o que dá a somma total de 1.996:140$500 réis; anãs como já demonstrei o governo dá 3.578:520$000 réis, logo o governo dá mais 1.571:379$000 réis do que deveria dar, querendo restabelecer o contrato de 23 de maio de 1864.

Supponhamos porém outra hypothese: supponhamos que o governo quer pagar os 119 kilometros pelo que elles custam, dando-os depois á companhia para ella explorar.

N'este caso dando 14:000$000 réis por kilometro, ou 1.666:000$000 réis pelos 119 kilometros, e conservando todas as outras verbas, como na hypothese pura e simples do contrato de 23 de maio de 1864, á excepção da verba dos vapores a que se tem do acrescentar 17:200$000 réis, por isso que os vapores no fim dos seis annos voltam a ser usufruidos pelo estado, daria o governo á companhia mais 1.177:894$000 réis do que o custo das obras. Que o governo dê á companhia o que as obras custam, não obstante a companhia as usufruir, póde ser excesso de equidade, mas não é reprehensivel; que o governo dê á companhia mais do que ella gastou, e premeie assim quem faltou aos seus contratos, é que não póde ser.

A primeira podia ser animar a industria emprezaria; a segunda é animar a falta aos contratos, é animar a especulação menos sincera (apoiados).

Eu porém ainda fiz outro calculo, tratei de indagar qual seria o capital proprio que a companhia teria compromettido na construcção de todas as linhas desde Vendas Novas depois dos seis annos, pelos quaes o governo a deixa usufruir o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas; para isto vou averiguar qual é o capital que ella ali empregou, e abato d'elle os 1.177:800$000 réis que ella lucra pelo contrato em discussão.

Quanto custaram os 124 kilometros de Vendas Novas a Beja e Evora, diz a companhia que elles lhe custaram a 32:000$000 réis o kilometro. O engenheiro fiscal acha este preço elevado; avaliando-o em 27:000$000 réis por kilometro, preço superior áquelle pelo qual o governo de 1860 orçava o seu custo, quando prevenia a hypothese d'elle ser construido por conta do estado, pois que o avaliava em 24:000$000 réis por kilometro, teremos que o custo d'elle foi de 3.348:000$000 réis, mas o governo concorreu para a construcção d'elle com 16:000$000 réis por kilometro ou 1.984:000$000 réis; logo, o desembolso real da companhia, na construcção daquelles 124 kilometros foi de réis 1.364:000$000, abatendo d'este valor a parte da verba de deterioração que este caminho terá tido em 1874, isto é, uns 100:000$000 réis, que uma companhia bem administrada iria repondo successivamente para d'ella fazer saír a reconstrucção, teremos que o capital da companhia será no fim de 1874 de 1.264:000$000 réis, abatendo d'elles os 1.177:800$000 réis que a companhia lucra por este contrato, fica o capital da companhia em 86:200$000 réis.

Quer dizer que no fim de seis annos ou em 1874 a companhia tem o direito ao usufructo do caminho de ferro por noventa annos, sendo para ella de ganho todo o producto liquido apenas da exploração que elle der, e o governo tem por este mesmo caminho o encargo annual de 356:440$000 réis computado o juro das sommas despendidas em 7 por cento.

Que fará a companhia a esse tempo? Se o caminho render e podér dispensar a tutela do de Barreiro a Vendas Novas explora-lo-ha. Se porém der perda? Explora-lo-ha?

Ponho esta questão, porque um dos argumentos que se apresentaram em favor do accordo em discussão foi que assim o paiz se livrava da exploração por conta do estado.

Onde esta a garantia d'isso? No deposito de 90:000$000 réis e nos 86:000$000 réis que a companhia lá tem compromettidos? Acho insignificante a garantia. Só de um de dois modos o governo podia ter a garantia de que a companhia explorasse o caminho quando elle der perda; ou obrigando-a a um deposito correspondente á totalidade da perda provavel, ou compromettendo o capital da companhia na construcção.

No accordo em discussão não vejo nem uma nem outra, não admitto portanto que elle possa livrar o governo das perdas da exploração. No fim dos seis annos, em 1874, a companhia, se o governo lhe tirar o usufructo do caminho do Barreiro a Vendas Novas, e por isso perder na exploração do caminho de que ella é usufructuaria por noventa e nove annos abandona-o, e o governo terá de custea-lo e de o refazer, porque já então estará bastante deteriorado.

Se o caminho render, a companhia conserva-lo-ha, porque tudo é ganho. Se isto se realisar, cabe grave responsabilidade ao governo por ter dado a uma companhia uma propriedade rendosa sem prevenir a maneira do governo repartir com ella os encargos que hoje quer tomar na totalidade.

Ainda se tem dito que esta operação, estas concessões tendem a robustecer o credito. Não me parece que o credito se robusteça por meio de contratos de prodigalidade (apoiados); não entro porém n'esta questão, porque teria muito a dizer e que fazer considerações sobre um artigo escripto no Jornal do commercio de 28 de maio de 1868, em que se diz que um dos interessados da companhia offerecêra ao governo em 1866, quando a companhia não pagou as letras, os 3.000:000$000 réis que ella deveria pagar. Se este capitalista tinha para emprestar ao governo, porque deixou fallir a sua companhia, porque a não honrou? (Apoiaãos.) Vamos adiante; isto poderia significar que havia dinheiro, mas que se queria empregar com maiores interesses (apoiados).

São estas as considerações que eu tinha a fazer todas attinentes a demonstrar que se votei contra o contrato nas commissões, e se voto contra elle, não é por politica, não foi por fazer opposição ao governo transacto, foi porque o estudei e o estudo me levou a este juizo sobre elle. Quando aqui vier outro qualquer contrato hei de sujeita-lo ás mesmas provas o hei de vota-lo conforme a convicção que o meu estudo me der, sem attenção por pessoas nem partidos. Entendi dever dar estas explicações por decoro meu e satisfação á amisade que me liga a membros do gabinete transacto. N'estas questões não ha amigos, ha consciencia; a minha dictame este procedimento. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)

O sr. Belchior Garcez:... — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Pereira Dias (para um requerimento): — Não é para pedir que a materia se julgue discutida, porque creio que todos que pediram a palavra têem necessidade de fallar; mas é para requerer que se consulte a camara sobre se permitte que, dispensando se o regimento, se Conceda a palavra ao sr. Canto (apoiados), que é, creio eu, de todos os inscriptos, aquelle que tem mais necessidade de fallar (apoiados).

Vozes: — Falle, falle.

Consultada a camara sobre se, alterando-se a ordem da inscripção, fosse concedida a palavra ao sr. Canto, decidiu affirmativamente.

O sr. Canto: —- Antes de entrar no assumpto, aproveito a occasião para agradecer á camara a prova de deferencia que houve por bem dispensar-me adiando a discussão d'este projecto de antehontem, que estava dado para ordem do dia, para hontem. Seria para mim um desgosto se por motivo estranho á minha vontade, deixasse de occupar este posto de honra. Tambem agradeço á camara a nova prova de deferencia que acabou de dar-me.

A camara esta um pouco fatigada com este debate e eu tratarei de ser o mais breve que me seja possivel.

O accordo em questão feito entre o governo passado de que tive a honra de fazer parte, e os emprezarios do caminho de ferro de sueste, tem sido, diga-se a verdade, mal recebido. Isto tem dependido a meu ver de dois motivos; de se não apreciarem bem certas circumstancias que se deram quando o governo contratou e da falta de explicação das bases em que o accordo assenta.

Não é meu intento sustentar que o accordo é optimo, mas sim que é muito aceitavel, comparado com os outros contratos anteriores, e que ainda se torna melhor, porque d'elle proveiu o livrar-se o paiz de grandes encargos que tinha de pagar.

Defendendo o actual accordo, não tenho por fim tambem atacar os illustres signatarios dos contratos anteriores. Estou convencido de que nas circumstancias em que se encontraram, fizeram tudo quando poderam em beneficio do paiz. E esta a minha convicção; por experiencia propria sei avalia-lo.

Tem-se notado uma certa contradicção da minha parte quanto á maneira por que me tenho dirigido n'este caso; todavia o meu fim tem sido sempre o mesmo, não tem variado, porque tenho procurado sempre servir o melhor possivel o meu paiz (apoiados). O que tem variado tem sido o meio de dar execução a esse negocio; mas isso não é para admirar, porque tambem têem variado as circumstancias.

Quando tive conhecimento do accordo de 4 de outubro do anno findo, posto que não me tivesse parecido muito bom, facilmente me convenci de que nas circumstancias em que foi feito não se podia fazer melhor, e o governo se viu obrigado a executa-lo em virtude d'essas circumstancias; se

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por um lado nós pagavamos mais alguns encargos, faziamos mais alguns sacrificios, pelo outro tinhamos compensações, tal era o menor preço por que levantávamos dinheiro na praça de Londres com as transacções que era necessario fazer; e tambem ainda acrescia o inverter-se a perda da exploração em beneficio do paiz, transformando aquella linha em instrumento de colonisação quando explorada por conta do estado. Esta mesma explicação fiz ao sr. Corvo quando lhe participei a minha entrada para o ministerio, e igual declaração tambem fiz ao sr. conde d'Avila.

Quatro dias depois de ser ministro mudaram completamente as minhas opiniões e declarei então que não approvava o accordo, por isso que então sabia que a companhia do caminho de ferro do norte pedia ao governo a mesma cousa que se fazia á companhia do caminho de ferro do sul. Esse pedido vinha revestido de fórma imperativa, por isso que as mais altas influencias o apoiavam e com difficuldade d'elle nos poderiamos escapar (apoiados).

Ha porém uma circumstancia que me tem feito surprehende r.

Quando se tratava do contrato de 24 de outubro, os espiritos mais fortes, as pessoas mais importantes da nossa terra se achavam muito preoccupadas com esse contrato, por isso que trazia comsigo os inconvenientes que acabei de referir. Quando fizemos este contrato esforçámo-nos por todas as formas para que não houvesse um só ponto de analogia, que desse logar á companhia do caminho de ferro do norte a pedir a mesma cousa; todavia tenho notado que nenhum dos membros d'esta casa que têem tratado do contrato ainda de tal se tivesse occupado! Julgava que tinhamos feito um relevante serviço ao paiz, mas a reserva havida faz-nos estar em duvida (apoiados).

Sr. presidente, ás nossas declarações seguiram-se as publicações dos jornaes inglezes, depois vieram as ameaças ao governo portuguez! E quando nos convencemos de que a questão poderia tomar o caracter de questão internacional, tratámos de arranjar por alliado o proprio governo inglez.

Nós sabiamos pelo inventario que assignámos em 25 de janeiro do anno passado, quanto a companhia tinha despendido; mas faltava-nos saber qual o valor approximado tanto do caminho em exploração, como o das obras que foram abandonadas, a fim de estar habilitado para responder ás reclamações que a companhia podesse fazer, quando quizesse sustentar os seus suppostos direitos; n’este sentido dei ordem ao engenheiro da construcção que procedesse ao inventario e relatorio, que foi publicado na folha official, por deliberação d'esta camara.

Tambem tenho sido arguido de não seguir as indicações que me foram feitas pelo distincto engenheiro e meu particular amigo, o sr. Vieira. Não as segui, porque o fim para que ellas foram mandadas fazer tinha cessado com o novo contrato.

Não segui, porque as bases do novo contrato, inteiramente differentes das do que substituiu, tem por fim, desde já e de futuro, o restabelecimento do contrato de 23 de maio de 1864, tendo por garantia a posse, por conta do estado, do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas, ramal de Setubal, o os barcos a vapor, como demonstraremos. Não havia pois rasão de seguir uma serie de preços differente da adoptada para este contrato.

Pelo que diz respeito aos encargos resultantes para o estudo, no caso de ser approvado o accordo em discussão, seria representado pelo encargo annual de 192:200$000 réis. E o encargo annual resultante para o estado, se fosse approvado o contrato de 24 de outubro de 1865, seria de 397:200$000 réis, como depois demonstrarei, sem fallar da perda da exploração do caminho, uma vez que se não considere como um instrumento de colonisação.

Já aqui se disse o que era o contrato de 23 de maio de 1864. Mas é preciso saber que quando a companhia começou as suas obras, começou-as no praso marcado, e com a maior regularidade e actividade, a ponto de que quando em maio do 1866 parou com os trabalhos, tinha direito a receber do governo rima somma superior a 1:200:000$000 réis, por isso que tinha as tres secções de caminho de ferro de Beja a Cazevel, do Guadiana e de Faro a Boliqueme quasi promptas a serem abertas á exploração, todas na extensão de 92 kilometros, e tinha tambem trabalhos em 40 kilometros do Evora a Extremoz. Porém esta somma que devia receber do governo, para cima de 1.200:000$000 réis, a companhia não a recebeu pelos effeitos do contrato de 14 de outubro de 1865, contrato que ella solicitou, o que ella preparou.

Dissemos que o encargo annual, approvado o contrato actual que esta em discussão, é de 192:2005000 réis por kilometro. Temos 119 kilometros.

E com effeito nós temos 119 kilometros a 18:000$000 réis … 2.146:000$000

mais o que respeita ao alargamento do caminho do sul, obras das margens, vapores, emfim todas as obras relativas ao caminho de ferro do sul … 510:751$000

e mais estudos e trabalhos abandonados … 316:000$000

o que tudo somma … 2.972:751$000

Faça-se uma deducção dos carris tanto do caminho do Barreiro como da linha de Faro … 226:000$000

e ahi fica a despeza reduzida a … 2.746:751$000

que dá o encargo annual já referido.

Tendo nós a exploração do caminho de ferro do sul no fim de seis annos e os barcos a vapor, estamos nas circumstancias de tornar a rehaver as importantes sommas que hoje abonámos á companhia.

Não tratámos hoje de fixar o preço da venda do caminho de ferro do sul, quando ella se realisar devemos metter em conta o custo do caminho, 1.008:000$000 réis, mais o preço do seu alargamento e obras feitas na mesma linha, comprehendidas as obras nas margens; pois é claro que tendendo estas obras a beneficiar o caminho, e por consequencia a augmentar-lhe o valor, não podem deixar de ser levadas em conta em tal occasião.

No actual contrato nós não fazemos mais do que rehabilitar a companhia para cumprir o contrato de 23 de maio de 1864. Não é condição expressa, mas é condição tacita; sendo a nossa garantia, como dissemos, a posse da testa da linha, e os barcos a vapor.

Quanto aos estudos e obras do tunel de S. Marcos, a quantia correspondente tem o seu natural encontro quando se tratar dos prolongamentos, porque não foi do pensamento do governo nem da camara nem de ninguem o deixar o Algarve completamente abandonado.

Não ha dinheiro na epocha actual para se fazerem estas obras, mas dentro de pouco tempo se poderão talvez fazer.

Resta-nos fallar de um outro adiantamento que me parece trazer futuras vantagens. Falíamos do abono feito dos 250:000$000 réis pela secção de Faro. Pela subvenção do contrato de 23 de maio de 1864, importaria aquella secção completa em 450:000$000 réis. Abonamos 250:000$000 réis; mas como se julga necessaria a quantia de 56:000$000 réis para a completar, ou seja mesmo mais 18:000$000 réis, por isso que as obras precisam ser vigiadas e reparadas antes da secção se abrir á circulação publica, segue-se que se o governo ultimasse aquella secção por sua conta ganharia o paiz a quantia de 128:000$000 réis.

Tambem se põe em duvida que haja concorrentes á posse do caminho do sul.

Já a experiencia mostrou que houve alguns. Além de um concorrente mais respeitavel e mais serio, que se apresentou para comprar o caminho de ferro de sueste, um dos directores d'esta propria companhia quiz disputar a posse da testa da linha. Foi por isso que no contrato de 23 de 1864 se poz a clausula da companhia do caminho de ferro do sul ter a preferencia á linha do Barreiro a Cacilhas, quando o governo julgasse que era opportuno fazer tal caminho.

Pelo que respeita á redacção das bases do contrato em discussão, se em logar de se terem descripto cada uma das verbas a pagar á companhia, se tivessem englobado por fórma tal que não podesse ser descriminada a parte que a cada uma das obras competia, tal systema tornaria indubitavelmente o contrato mais aceitavel e menos sujeito a analyses e contestações, mas tambem traria de futuro a difficuldade do estado poder rehaver importantes sommas, já quando d'aqui a seis annos se vender o caminho de ferro do sul e ramal de Setubal, já quando se tratar da construcção dos prolongamentos alem de Cazevel e alem de Extremoz. Tinha isto portanto o grave inconveniente de se não fazer, como se faz, desde já a liquidação futura.

Foi para isto que as preferimos á redacção da base 4.ª da nossa carta de 16 de junho dirigida aos srs. Laing e Mackenzie que dizia assim:

«Na mesma epocha o governo pagou mais a importancia de tanto, como indemnisação dos estudos e trabalhos feitos nos kilometros, de cuja construcção a companhia é dispensada, e tambem como indemnisação do alargamento da linha do Barreiro e obras á mesma linha relativas.»

Se se não fizesse o que se fez, então tinha logar talvez o dito do sr. Faria Blanc, que custava a descriminar a verdade tão habilmente encoberta n'estas bases; mas parece-me que depois d'isso fica tudo completamente claro.

Dissemos que o encargo annual que resultava da approvação do contrato de 24 de outubro do anno findo, era de 395:200$000 réis. A compra do caminho de ferro pela somma de 4.254:500$000 réis e a importancia das obras a fazer, calculadas approximadamente na importancia de réis 692:000$000, dá a verba de 5.646:500000 réis. Mas alem d'isto teriamos, talvez, o encargo relativo ao caminho de ferro do norte, e este seria de uma somma bem importante.

Tinhamos ainda a exploração do caminho de ferro do sul, em que muita gente esta enganada, quando suppõem que este caminho por emquanto dá interesses; desgraçadamente não é assim, e é por isso que este accordo me parece o melhor que se podia fazer para o estado e para a companhia.

Vejamos qual tem sido o rendimento kilometrico do caminho de ferro do sul, desde 1863 para cá. Este caminho na extensão de 70 kilometros, rendeu em 1863, quando administrado por conta do estado 1:906$485 réis, e juntando a esta porção da linha mais 120 kilometros, ligando as cidades de Evora e Beja e a importante villa de Cuba, foi o rendimento nos annos seguintes até o anno passado como se segue:

[Ver diário original]

Ora, se juntarmos as receitas brutas ás duas linhas de sueste e sul, temos na primeira linha 183:000$000 réis, e na segunda 144:000$000 réis, d'onde se vê que o augmento na linha de sueste sobre a do sul, é de 39:000$000 réis.

Vemos tambem que no anno de 1867 o rendimento foi inferior ao do anno de 1866 em 4:000$000 réis.

Portanto repito que, se se tomar a media do rendimento do caminho de ferro do sul, comparado com o do caminho de ferro de sueste, vemos que este caminho trouxe um augmento de 39:000$000 réis. Mas como o caminho de ferro

do sul tem uma receita que em parte é ficticia, devida ao material e construcção do caminho de ferro de sueste, seja o augmento não de 39:000$000 réis, mas sim 50:000$000 réis.

O que acontecerá quando juntarmos mais 119 kilometros de linha, 20 para a margem direita do Guadiana que estão separados de Serpa pelo rio d'aquelle nome; 47 kilometros a Cazevel, atravessando um deserto, mas ainda explorando as minas de cobre de Aljustrel, e 52 kilometros para a villa de Extremoz? Qual será a importancia d'estas novas secções, comparada com as anteriores? Seja de metade ou representada por 25:000/5000 réis por anno. Se juntarmos este excesso á media da receita bruta obtida nos quatro ultimos annos, e se dividirmos a totalidade pelo numero de kilometros a explorar, 313, teremos que a receita bruta por kilometro e por anno será de 666$664 réis.

Mas todos nós sabemos que quando o estado explorou o caminho de ferro do sul, com a maior economia, sem gastos de representação, sem gastos de qualidade alguma extraordinarios, ainda assim despendemos 1:272$5000 réis por kilometro e por anno. Tivemos uma despeza extraordinaria, qual foi a de substituir um grande numero de travessas, e que podia corresponder a 100$000 réis por kilometro. A companhia não as tem substituido, porque tem madeira preparada; vae-se chegando porém o tempo d'ella começar na substituição das travessas da sua linha.

Mas suppondo ainda que a companhia póde fazer a exploração por 900-3000 réis por kilometro e por anno, tem n'este caso muito favoravel um prejuizo de 233,5356 réis por kilometro, que corresponde a 73:000$000 réis em toda a linha.

Logo, se quizermos dar a exploração a alguem, em logar do receber os 130:000$000 réis de interesse, em que se tem fallado, haviamos de pagar esta differença, e alem d'isso o interesse ao explorador, porque ninguem lá iria trabalhar de graça.

E de mais tinhamos um mau serviço, porque quando um explorador gasta por sua propria conta, sempre lhe parece que o caminho precisa do menos reparações do que quando explora por conta alheia.

Ha ainda outra vantagem na condição da companhia explorar o caminho, é a necessidade que ella tem de arranjar companhias para colonisar os desertos que a linha atravessa e tem do atravessar; e alem d'isso de empregar todos os esforços para se ligar com o caminho de ferro do norte, com o da Andaluzia, e prolongar a linha até o Algarve. Se porém a linha estivesse nas mãos do governo, nada d'isto se obteria tão cedo.

Caso ainda depois d'estes melhoramentos ainda houvesse perda e que a companhia não podesse explorar, quem devia pagar a differença? É necessariamente o districto respectivo aquelle que mais se aproveita do caminho de ferro.

Nós vemos, por exemplo, que um proprietario de Beja que não fazia 30-5000 réis de laranja vende hoje o seu pomar por 1:000$000 réis. Não deve este pagar para continuar a gosar do beneficio que desfructa? Sem duvida. Pois quem n'outro tempo gastava tres e quatro dias para vir de Evora a Lisboa e hoje vem em cinco horas por 2$250 réis, não deve pagar pela commodidade e interesse que desfructa? Certamente que sim.

Entremos agora n'outra questão. Tem-se fallado muito na compra dos vapores, mas ainda ninguem encarou como devia, a meu ver, este assumpto. Eu entendo que a compra dos vapores é muito mais vantajosa para o estado do que para a companhia.

A compra dos vapores corresponde a um emprestimo de 47:000$000 réis que o estado faz á companhia, recebendo em compensação um juro que corresponde á receita liquida de 7 kilometros de caminho de ferro, a que tem direito pela partilha dos interesses da exploração do caminho de ferro do sul; e para o estado receber tal receita de 7 kilometros de caminho de ferro havia de gastar pelo menos 102:000$000 réis, dando a subvenção mais barata; e alem d'isso quando findem os seis annos o governo tem por seus os vapores e o caminho, e não precisa de mais nada; para o poder explorar logo se lhe convier. Se não tivesse os barcos teria de os mandar comprar; ou muito provavelmente ajustaria a exploração em peiores condições com a companhia por não ter barcos. Portanto a compra dos barcos é, como disse, mais a favor do estado do que da companhia.

Quanto á mudança do local da estação do Barreiro, parece-me justificada. A estação do Barreiro é servida por uma ponte de madeira que mede 374 metros, distando esta ponte da estação uns 60 metros. Esta ponte tem de ser augmentada necessariamente, porque o canal dos moinhos se vae entulhando de dia para dia, e quando isto se não faça teremos de voltar ao antigo serviço das catraias; e só quem ainda não experimentou, é que não póde avaliar os perigos que se dão naquelle serviço. Mas não é só este o inconveniente da estação n'aquelle local, ha ainda outro que é, quando ha nevoeiros e a maré esta baixa, não se póde demandar aquella estação sem perigo. Em taes dias tem esperado o comboio tres, quatro e cinco horas pela chegada do vapor á estação.

A construcção de uma ponte, no Mexilhoeiro, á entrada do rio de Valle de Zebro, onde ha agua em todos os mezes para atracarem os navios, ligada com a estação do Lavradio, servindo a linha uma estação na Villa do Barreiro, resolve a construcção de taes obras todas as difficuldades. Os passageiros, em vez de percorrerem uma grande distancia sem abrigo algum, e com bastante perigo, passam do vapor para as carruagens, e as mercadorias, sáem dos wagons, para os barcos ou navios em que tiverem de ser transportadas.

Uma sineta e um pharol collocados na ponte permittirão o accesso á ponte já de noite, já em dias de nevoeiro.

Página 1879

1879

Em 1863 determinou o sr. duque de Loulé que se construisse uma estação em Lisboa, mas em vista do caracter provisorio que tinha, a administração do caminho de ferro do sul, por conta do estado, mandou se construir uma modesta estação de madeira, junto á ponte dos vapores, de combinação com os directores d'esta companhia. O serviço da grande velocidade melhorou muito, mas o de pequena ficou como estava, isto é, com o despacho na estação do Barreiro.

Acabado o privilegio da navegação do Tejo á companhia dos vapores, ella prohibiu á companhia ingleza, que atracasse os seus vapores á ponte, no que tinha direito de fazer, por isso que a ponte lhe pertencia por seis annos em quanto navegasse com os seus barcos. A companhia do caminho de ferro pela sua parte não consentia que barcos que não fossem os seus atracassem á ponte do Barreiro.

N'estas circumstancias tornou-se necessario resolver de prompto por isso que o publico não podia estar á mercê dos interesses e caprichos de duas companhias rivaes. Foi por isso que o meu antecessor ordenou que o serviço da grande velocidade se fizesse na ponte do Terreiro do Trigo, o que ainda hoje tem logar.

O director geral da alfandega, por vezes me representou, que não podia continuar ali tal serviço, e que se tornava de absoluta necessidade e estabelece-lo em outro local, por contrariar os interesses do commercio.

Terminando tenho a fazer a seguinte declaração. O governo fez tudo quanto lhe foi possivel nas circumstancias em que se achava para fazer o melhor contrato em beneficio do seu paiz. Se a camara entender que este contrato não é bom e o rejeitar, e se o actual governo podér fazer um melhor, será mais uma rasão para me felicitar por ter saído daquellas cadeiras. Aproveito esta occasião para agradecer á camara a attenção com que me ouviu, e concluo visto que já deu a hora.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão de ámanhã é a continuação da que vinha para hoje.

Está fechada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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