O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

364

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Achava-se só a auctoridade n'um concelho que tem proximamente 2:000 eleitores! São os delegados do governo que confessam que a auctoridade estava quasi só! Já se vê que o governo não tinha influencias n'aquella localidade, que quizessem acompanha-lo.

Quem anda habituado ás lutas eleitoraes sabe perfeitamente que achando-se a auctoridade só ou quasi só, a votação é quasi unanime para a opposição (apoiados).

Só á força do muitas violencias e de recursos desesperados é que a auctoridade póde conseguir ainda um terço da votação!

Eu calculei que o circulo de Arganil ía ser theatro das mais violentas atrocidades, desde que vi que se apresentava, como candidato ministerial, um cavalheiro da localidade, que conhecia perfeitamente o circulo, e que não podia alimentar a menor duvida de que havia de perder a eleição por mais de mil votos, se não fôra a pressão violenta da auctoridade. Este facto desde logo me deu a convicção de que alguma cousa se esperava, fosse ella qual fosse, contra a liberdade do suffragio n'aquelle circulo, a fim de que, se a eleição não fosse ganha pelo governo, fosse ao menos inutilisada para a opposição. E se essa inutilisação tem vingado, como esteve para acontecer por uma estrategia do administrador do concelho de Pampilhosa, de que logo darei conta á assembléa, ficava sem responsabilidade o governo, tendo aliás conseguido o seu fim, porque não podia provar-se que elle tivesse auctorisado ou consentido n'este attentado. O administrador é que, perseguido talvez pelos remorsos da consciencia, abandonou o concelho, logo em seguida á eleição.

Não discuto as violencias feitas pelos agentes do governo no concelho de Poiares, porque não tenho provas de que o governo as soubesse; e o poder judicial está instaurando os competentes processos contra esses delictos. Não discuto as violencias praticadas pelos agentes do governo nos concelhos da Louzã e de Goes, porque diante dos factos altamente criminosos, praticados em Arganil, a pressão violenta que exerceram, em Goes e na Louzã, as auctoridades administrativas, como em quasi toda a parte, ameançando com recrutamento, com o augmento de contribuições, etc. ficam a perder de vista.

Refiro-me apenas ao concelho de Arganil, onde a auctoridade ainda teve mais de 500 votos. Para conseguir tão importante votação, achando-se quasi só, os meios de que lançou mão, — foram a pressão, o terror e o appêllo á desordem.

Eu vou descrever á camara qual foi o primeiro meio de que os agentes do governo lançaram mão para actuar no animo dos eleitores. O primeiro meio foi a oppressão, e a oppressão mais atroz. O primeiro meio de violencia, que produziu quasi toda esta votação, foi nomear cabos de policia os eleitores da opposição, o obriga-los a diligencias e a serviço ás freguezias mais distantes da sua, âté que cansados de tanto vexame se rendessem á discrição da auctoridade! Eram obrigados a transportar-se a freguezias tão distantos, que gastavam um dia e mais na ida e na volta. Oa mais tímidos, e mesmo os que o não eram, privados do trabalho, com que se sustentavam e á sua familia, rendiam se depois de duas ou tres diligencias! Foi este o primeiro meio violento empregado pela auctoridade.

Alguns cabos de policia, porém, sem embargo de tantos vexames e martyrios começaram a recusar se a fazer serviço fóra da freguezia.

Sabem v. ex.ªs o que aconteceu? Calculam v. ex.ªs que os cabos de policia, que se negavam a fazer serviço fóra da freguezia, foram reméttidos ao poder judicial para os tribunaes apreciarem em primeira e ultima instancia, se porventura os cabos de policia eram ou não obrigados a fazer serviço fóra das freguezias a que pertenciam, e se tinham ou não commettido algum delicto n'esta recusa?

Pois não foram autoados e remettidos ao poder judicial I

Pelo contrario foram logo presos pelo administrador do conselho! Depois de presos fizeram aquelles desgraçados á auctoridade administrativa o seguinte requerimento.

«III.mo sr. — Dizem Antonio Joaquim da Silva e Antonio Duarte, casados, aquelle d'esta villa, e este do Rochel, ambos d'esta freguezia de Arganil, que tendo sido presos por ordem de v. s.a por julgarem e affirmarera que não eram obrigados como cabos a fazerem serviço fóra da sua freguezia, á vista do codigo administrativo que nos rege, e por dizerem e julgarem que, á vista da carta constitucional não podiam ser obrigados fóra do que a lei prescreve, unico crime, fundamento da sua prisão, pelo que pretendem dar fiança idonea, e por isso — Pedem a v. s.a, sr. administrador do concelho, seja servido mandar immediatamente entrega-los ao poder judicial, a fim de a prestarem, salvo se v. s.ª a quer admittir, porque n'este caso a prestam já pelo modo que v. s.a quizer, visto o crime admittir fiança. Esperam receber mercê. O advogado, dr. Luiz Caetano Lobo.

Sabem v. ex.ª qual foi o despacho que deu o administrador do concelho a este requerimento? Logo o lerei. Os cabos de policia foram presos e depois mettidos na enxovia. Estiveram ali vinte e quatro ou quarenta e oito horas, pediam por misericordia que os mandassem entregar ao poder judicial pelo supposto crime de desobediencia ao mandato da auctoridade administrativa, a fim de lhes ser dada fiança.

Pediam que ao menos, se não queriam manda-los para o poder judicial, lhes admittisse a auctoridade administrativa ella mesma a fiança!

Querem v. ex.as ouvir o despacho do administrador? E o seguinte: «Requeiram em termos.» (Riso.) Requeiram em termos?!

Aquelle concelho é na sua maior parte composto de gente pobre. Os eleitores já não fazem pequeno sacrificio em perder o seu tempo, coadjuvando o regedor dentro da freguezia. Querer obriga-los a ir fazer serviço ás freguezias mais extremas do concelho e freguezias da serra é grande violencia; metter na enxovia os que se recusára a essa oppressão, tirando-lhe os meios de vida e a liberdade de voto, sem lhe admittir ao menos fiança, é o cumulo da tyrannia! (Apoiados.)

Querem v. ex.ªs saber o que se fazia no tempo em que não governava a portaria de 19 de julho de 1845? A carta diz que ninguem póde ser conduzido á prisão ou n'ella conservado desde que se presta a dar fiança nos casos em que a lei a admitte. Este principio está consignado no artigo 145.° da carta constitucional; é um dos direitos individuaes, que não podem ser alterados pelos modos geraes e ordinarios, estabelecidos na mesma carta (apoiados).

Eu comprehendo a portaria de 19 de julho de 1845, porque essa determina que, qualquer que seja a condição e jerarchia do preso, seja mandado para a capital do districto, e d'ahi para Lisboa ou Porto, sem ser entregue ao poder judicial. E esse systema applicou se a um cavalheiro distincto d'aquella localidade.

Mas é tyrannia nem sequer admittir fiança a uns desgraçados, sobretudo quando elles se sujeitam a todos os rigores, a todos os vexames e a todas as pressões só para exercerem com independencia a liberdade de voto (apoiados).

Pois nós que nos queixámos muitas vezes de que haja desmoralisação eleitoral n'alguns circulos, que não sabem exercer dignamente o direito do suffragio, quando apparece um homem, e um homem do povo, com abnegação e independencia, que pretende votar segundo a sua consciencia, e quer exercer livremente o seu direito, podemos ver a sangue frio que se lhe responda com a cadeia, e que, quando elle pede ao menos para prestar fiança, se lhe recuse absolutamente, dizendo-se-lhe—requeira em termos? (Muitos apoiados). Pergunto aos homens mais distinctos que estão n'esta assembléa, e a todos os que me escutam, se sabem quaes os