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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
termos em que se devia fazer um segundo requerimento? (Apoiados).
Eu quero ter sobre este assumpto algumas portarias a v. ex.as, porque nós chegámos já á perfeição de inclusiva mente termos que discutir se porventura o cidadão portuguez tem ou não a liberdade da palavra (apoiados). E fóra de du vida que todos os individuos têem a liberdade da expressão do pensamento, porque a carta diz que cada um póde exprimir o seu pensamento por palavras ou por escripto, res pondendo pelos abusos que commetter no exercicio d'este direito. Porem, quando algum cidadão quer fazer uso d'este direito, manda-se-lhe fechar a casa para não fallar (apoiados).
Chegámos ao ponto em que as liberdades mais reconhecidas são desacatadas, e em que os direitos mais sagrados dos cidadãos são postos em duvida, quando não são rigorosamente castigados os individuos por quererem exercer com liberdade e inteira isenção os direitos que a natureza lhes conferiu (apoiados).
Vejamos as portarias sobre o assumpto, emanadas de ministerios, compostos de cavalheiros, de cujos sentimentos liberaes nunca ninguem duvidou.
Na portaria da regencia de 18 de junho de 1831, sendo ministro do reino, Bento Pereira do Carmo, e seus collegas Joaquim Antonio d'Aguiar, José da Silva Carvalho e Agostinho Jose Freire, dizia-se o seguinte:
«Que os provedores não têem jurisdicção criminal e por isso quando quaesquer delinquentes forem presos devem ser immediatamente conduzidos, por via de regra, á presença do magistrado do districto, onde forem apprehendidos; mas se alguns forem apresentados aos provedores fóra de horas, ou quando elles fizerem verificar alguma prisão em flagrante delicto, é regular que os presos fiquem em custodia, dando se logo parte do acontecimento ao magistrado do districto, para proceder como for justo. Que esta fique sendo a verdadeira pratica da lei, evitando-se que os presos sejam conduzidos de uma para outra parte, e perdendo-se o tempo que deve aproveitar-se em determinar o seu legitimo destino. »
Na portaria de 23 de abril de 1836, sendo ministro do reino, Agostinho José Freire, e seus collegas, duque da Terceira, Joaquim Antonio d'Aguiar e José da Silva Carvalho, lia-se o seguinte:
«Sendo evidente que a primeira necessidade social é a força da lei, é mister que superior á influencia de paixões e a qualquer espirito de partido, os magistrados administrativos, levados unicamente do bem publico, empreguem todos os meios competentes para obter tão indispensaveis fins, sem todavia se esquecerem de que as suas funcções todas administrativas e beneficas em nada participam do poder judicial... Manda ao governador civil que fique bem certo... de que as auctoridades administrativas não delêem presos á sua ordem, e por isso quando dentro do limite da sua competencia verificarem prisões, devem remetter sem demora os delinquentes ao respectivo delegado do procurador regio, com a declaração do crime e mais circumstancias, etc. a fim de que o dito magistrado cumpra o seu dever. »
Na portaria de 1 de setembro de 1837, sendo ministro do reino, Julio Gomes da Silva Sinches, lia se o seguinte:
«... Confessando o administrador do concelho de... haver feito prisões sem ser em flagrante delicto, manda Sua Magestade a Rainha que o administrador geral advirta o administrador do concelho para que dê mais exacta applicação ao artigo 125.° do codigo administrativo, abstendo-se de fazer prisões, salvo em caso de flagrante delicto, limitando-se em todos os outros, ainda aos de desobediencia aos seus mandados, a fazer os respectivos autos, que remetterá ao poder judicial, como a lei prescreve.»
Na portaria de 26 de junho de 1838, sendo ministro do reino, Fernandes Coelho, e seus collegas, visconde de Sá da Bandeira, Manuel Duarte Leitão, conde de Bomfim e Manuel Antonio de Carvalho, dizia-se o seguinte:
«2.° As auctoridades administrativas, sendo prevenidas ácerca do acto e circumstancias de prisão feita pelos seus agentes, enviarão logo os presos aos juizes competentes para elles os ouvirem e resolverem sobre o destino que lhes deva pertencer.
«3.° Os presos, que o forem por intervenção das auctoridades administrativas, não serão recolhidos na cadeia á disposição dos juizes, sem proceder ordem d'elles, excepto no caso de se tornar impossivel o conduzi-los desde logo á presença d'aquelles magistrados.
«4.° No caso previsto pelo artigo antecedente, as auctoridades administrativas que mandarem recolher á cadeia os presos em flagrante, e os carcereiros que n'ella os recolherem, sem ordem escripta do juiz, devem participa-lo immediatamente ao mesmo juiz, para elle ordenar o que for de direito.
«5.° A responsabilidade de quaesquer funccionarios pelos abusos que a tal respeito commetterera, se fará effectiva, mediante as necessarias reclamações dirigidas pelos ministerios competentes.»
Não são dadas vinte e quatro horas á auctoridade administrativa para reter o preso, como muita gente diz. As vinte e quatro horas são marcadas para mandar os competentes autos de investigação. O preso remette-se immediatamente ao poder judicial para não entrar na cadeia nem ser n'ella conservado, se o crime admittir fiança.
O preso remette-se logo logo á auctoridade judicial conforme dispõe o artigo 252.° do codigo.
Ao menos dêem-no3 a liberdade que nos concediam em 1842.
Uma voz: — Não póde ser.
O Orador: — Eu mostrarei á assembléa que já me contentava que o governo tivesse feito a eleição em Arganil com a legislação de 1842, e com a portaria de 19 de julho de 1845. A assembléa reconhecerá que o governo foi agora muito alem d'aquellas prescripções sanccionadas em tempos nefastos. Os meus clamores seriam muito menores, as minhas aggressões muito menos vehementes se o governo tivesse dado aos povos de Arganil ao menos a liberdade que nos dava a portaria de 19 de julho de 1845.
O sr. Osorio de Vasconcellos: — É verdade.
O Orador: — A portaria de 26 de junho de 1838 ordenava que o preso fosse immediatamente remettido á presença do magistrado judicial. Mas n'esta quadra politica não só se não observam estas doutrinas liberaes, mas se um official de diligencias vae levar um preso á presença do magistrado, tira-se lhe no caminho o criminoso, e mette-se na enxovia o official de justiça (apoiados).
Vou ter tambem a portaria de 11 de setembro de 1839, sendo ministro do reino, Julio Gomes da Silva Sanches, e seus collegas, João Cardoso da Cunha Araujo, Barão da Ribeira de Sabrosa, e Manuel Antonio de Carvalho, que diz assim:
«Manda que o administrador geral do districto de Lisboa faça religiosamente cumprir pelos administradores dos julgados a portaria de 26 de junho de 1838, não consentindo que elles apreciem a natureza, circumstancias e culpabilidade dos factos imputados aos presos, para deliberarem sobre a soltura ou custodia; porque estes actos, são proprios e privativos da auctoridade judicial, que houver de conhecer do crime, na conformidade das leis.»
Não quero ter mais portarias, emanadas de ministerios progressistas. Concluo a citação d'estas providencias, lendo uma assignada pelo distincto estadista, Rodrigo da Fonseca Magalhães, "com a data de 1851, e por consequencia muito posterior á portaria de 19 de julho de 1845.
E da mais alta importancia a portaria assignada pelo sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, não só pela sua data, mas tambem pela auctoridade politica da pessoa; porque nos ministerios a que tenho alludido havia muitos ministros patriotas, e este cavalheiro nunca passou por ultra-patriota. Portanto desejo ir buscar a jurisprudencia que elle seguia,