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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sessão de 17 de agosto, pag. 239, col. 2.ª

O sr. Dias Ferreira (na tribuna): — Sr. presidente, peço a v. ex.ª o obsequio de mandar vir para cima da mesa os processos eleitoraes de Arganil, relativos á eleição d'este anno e á do anno passado.

O sr. Presidente: —Vão ser pedidos á secretaria; no entretanto o sr. deputado póde fazer uso da palavra.

O Orador: — Uma vez que v. ex.ª me dá licença, vou desde já fazer uso da palavra.

Sr. presidente,.continuo o meu discurso sob a triste impressão de não poder concluir ainda hoje as considerações que tenho de apresentar sobre o assumpto, pelo adiantado da hora; e é por essa mesma rasão que eu, prescindindo da resposta que devia ao final do discurso do sr. presidente do conselho, proferido na sessão de hontem, entro immediatamente na questão que mais particularmente me occupa n'este momento.

Quando, pela primeira vez, levantei n'esta casa a minha voz, sobre as graves occorrencias que houve em Arganil por occasião das eleições, só tive em vista a responsabilidade do governo; e não reconheço outro responsavel perante a representação nacional senão o governo, e mais ninguem (apoiados). Não vejo aqui nenhum dos delegados do governo, que figuraram de instrumento n'aquelles deploraveis acontecimentos. O governo responde pelo que consta dos documentos; pelas auctoridades, que nomeou; pelos actos que, podendo evitar, não evitou; e pelos actos que, praticados, não foram condemnados em continente, como o systema representativo e a dignidade do poder urgentemente reclamavam (apoiados).

Disse eu tambem já n'esta casa, que as accusações que tinha a fazer ao sr. presidente do conselho eram tão graves, e de tal magnitude, que eu não queria servir-me senão dos documentos emanados dos delegados do governo, e de documentos authenticos, nos termos da legislação vigente, dos quaes ninguem podeste duvidar. Venho cumprir a minha promessa, e não saio d'este campo.

Eu não recorro nem a informações particulares, nem a cartas que me foram dirigidas, nem ás publicações da imprensa. Renuncio a todas estas provas e informações. Não quero aproveitar-me senão dos documentos que estão presentes, que foram fabricados por delegados do governo; ou de documentos que, nos termos da nossa legislação, Icem fé publica, e de cuja authenticidade não póde duvidar-se. De nenhuns outros elementos quero servir me. Com as armas que o governo me fornece é que eu hei de combater. Entro, pois, pela minha parte, quasi desarmado na luta. Hei de tirar das mãos dos meus adversarios as armas para os atacar. Servem-me perfeitamente as armas que o governo me forneceu nos documentos, que foram publicados, e que o sr. presidente do conselho, a final, depois de muitas reclamações, foi coagido a trazer á camara.

Mas primeiro que tudo releve-me v. ex.ª que eu dê uma explicação á assembléa por me ter dirigido ha dias ao governo, e especialmente ao sr. presidente do conselho com mais calor do que costumo, a proposito da remessa dos documentos para esta casa. O governo revelou o pensamento de sonegar ou, pelo menos, de demorar a remessa dos documentos.

Os factos mais graves que se deram na localidade, a que nos estamos referindo, passaram-se nos dias 6 e 7 do mez de julho. O governo argumentava com o especioso pretexto d'uma syndicancia, como meio de esclarecer os factos, e de liquidar a sua responsabilidade e as dos seus delegados. Pois tendo esses factos sido praticados em 6 e 7 de julho, só em 19 é que se assignava o alvará para mandar proceder á tal syndicancia! (Apoiados.)

Note v. ex.ª que quando era preciso fazer marchar uma parte da divisão da cidade do Porto, para se pôr ás ordens de uma auctoridade que em tempo opportuno tinha prevenido o governo de que havia de recorrer a meios violentos, movia-se em tres dias essa força desde a cidade do Porto até á Pampilhosa! Mas, quando se tratava de dar contas ao poder legislativo dos factos graves que se tinham praticado, quando era preciso responder face a face pelos actos que, ou se tinham auctorisado, ou se tinham consentido, ou não se tinham prohibido, ou não se tinham reprovado, todas as demoras pareciam justificadas! (Apoiados.)

Todas as circumstancias, que se observavam, significavam a idéa de adiar, de prorogar a apresentação dos documentos á assembléa nacional, para os representantes do paiz formarem o seu juizo sobre crimes tão graves, como são os factos arguidos e imputados ao governo ou ás suas auctoridades em Arganil (apoiados).

Alem de ter a data de 19 de julho o alvará que mandou proceder á syndicancia, apenas no dia 25 se apresentou o syndicante em Arganil! Pois eu não dou novidade á assembléa, dizendo-lhe, que é muito mais perto de Coimbra a Arganil, mesmo fazendo caminho por Pena Cova, d'onde era o syndicante, do que é do Porto á Pampilhosa (apoiados).

No dia 27 ou 28 estavam concluidos os depoimentos das testemunhas, e o parecer do syndicante fazia-se em menos de uma hora. Entretanto passava o tempo, os documentos não vinham, e nós viamo-nos em graves difficuldades com estas delongas e tergiversações. Por esta simples exposição conhecerá v. ex.ª, que, sendo manifesto o pensamento do governo de demorar a discussão do assumpto, reconhecendo eu que se fazia depender tudo da syndicancia, e tendo pressa de que os documentos viessem á camara, para usar do meu direito de apreciar a responsabilidade do governo nos attentados contra o direito eleitoral, era natural que me queixasse com mais calor, pedindo ao gabinete que apresentasse immediatamente os documentos pedidos (apoiados).

Appareceram finalmente, ainda que tarde e a más horas, tendo podido vir muito mais cedo. Os mais modernos

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têem a data de 21 de julho, foram pedidos em 24 de julho, e só no dia 11 de agosto chegaram á camara!! Por consequencia eu, que desejava que elles fossem presentes quanto antes á assembléa, para que a assembléa os conhecesse, e formasse a sua opinião; eu que via que uma questão tão grave, como são todas as questões de direitos individuaes, se demorava e se demorava indefinidamente, tinha o dever imperioso de empregar todos os meios ao meu alcance, de fazer todas as reclamações, para que quanto antes vissem a luz publica documentos de tanta gravidade. Fui ainda assim muito feliz, porque já vieram os documentos relativos a Arganil, ao passo que outros documentos pedidos com relação a negocios igualmente gravissimos, e alguns tambem com relação a negocios eleitoraes, ainda não vieram (apoiados).

Os de Arganil felizmente já cá estão, e são esses os meus meios de guerra contra o gabinete n'esta questão.

Como disse a v. ex.ª, eu não quero dar a esta questão o caracter de uma questão irritante. Pela minha parte não ha de ser uma discussão tempestuosa, como alguns jornaes começaram de espalhar, parecendo prevenir o publico contra os debates, e suppondo que os cavalheiros, que entravam na luta, vinham animados de maus sentimentos e de ruins paixões.

Eu quero discutir apenas, em face das provas, em face dos documentos que me fornece, para assim dizer, o ventre dos autos, a responsabilidade do governo nas occorrencias criminosas de Arganil.

Se eu me convencesse de que da parte do governo não tinha havido responsabilidade nenhuma n'aquelles acontecimentos, limitar-me ía provavelmente a algumas observações breves e ligeiras sobre o assumpto, e teria chamado apenas a attenção da camara e do governo para os factos que ali se praticaram. Mas como me convenci, pelas rasões que vou dar á camara, de que havia responsabilidade da parte do governo em tão graves acontecimentos, vou tratar a questão com a largueza que a importancia do assumpto reclama, a fim de pedir severas contas aos srs. ministros e de liquidar com toda a clareza a sua responsabilidade. Assim, não só exerço um direito, mas cumpro um rigoroso dever de representante do povo (apoiados).

Felizmente, tinha o governo nas secretarias d'estado documentos que esclarecem de tal maneira a questão de Arganil, independentemente da syndicancia, que eu vi com prazer que mesmo antes de se publicar a syndicancia, já a imprensa da capital só pelos documentos tinha formado o seu juizo, e declarava que os actos praticados pela auctoridade administrativa de Arganil não tinham justificação possivel. Declarava-o até um jornal dos chamados incolores, redigido por um nosso distincto collega, e que é insuspeito n'uma questão levantada entre mim e o governo.

Eu folguei de ver que os homens mais desprevenidos, e despreoccupados de paixões n'este assumpto, podessem avaliar, independentemente da syndicancia, e simplesmente pelos documentos, que vieram das secretarias d'estado, qual era a responsabilidade que impendia sobre os auctores e instrumentos de similhantes attentados.

Alem dos documentos, que foram já presentes á camara, tenho eu documentos authenticos para apreciar e desmentir muitas asseverações dos delegados do governo em officios dirigidos a este. Com elles hei de mostrar a paixão, e senão a paixão, o esquecimento com que ás vezes se procedia nas informações dadas aos ministros e nos esclarecimentos que lhes eram remettidos.

Vi com admiração que tendo dito n'esta casa o sr. presidente do conselho que, se em vista dos documentos alguem havia de ficar mal n'esta questão, não era s. ex.ª; vi com admiração, repito, que o governo pela sua parte não apresentou nem um só documento, que compromettesse terceiro. Os unicos documentos, que vieram á camara, são os officios das auctoridades administrativas, officios que poderão ser denuncias formuladas ao governo, que podem ser meios de informação contra elle, mas que não provam contra mais ninguem, porque não vem acompanhados da mais ligeira prova. É uma serie immensa de asserções gratuitas e inexactas. Fazem se nos officios dos agentes do governo insinuações as mais graves a gente corajosa e independente, que lutou briosamente contra a imposição da auctoridade, e contra a força das bayonetas, e que luta, ha muito tempo, contra o despotismo do poder.

Fazem se insinuações as mais graves contra um povo independente e amante de liberdade, e por parte de quem com tanta consideração foi sempre tratado pelos habitantes d'aquelle concelho, que por isso lhe mereciam reconhecimento e benevolencia.

Mas não appareceu o mais pequeno documento por parte do governo, que possa ser desfavoravel á opposição d'aquelle circulo eleitoral. E digo mais = não póde apparecer = porque se da parte da opposição d'aquelle circulo eleitoral houve o mais pequeno excesso ou abuso, era obrigação dos agentes do governo, nos termos do decreto de 30 de setembro de 1852 sob pena de gravissima responsabilidade, levantar immediatamente os competentes autos de investigação, e envia-los ao ministerio publico (apoiados). As opposições, quando tratam de condemnar os excessos do governo, vêem-se embaraçadas com enormes despezas e com graves difficuldades (apoiados). O governo tem agentes seus. Tem o governo á agente administrativo, e o agente do ministerio publico perante o poder judicial.

Por consequencia, se houve algum attentado por parte da opposição, que justificasse a necessidade de um apparato bellico como aquella terra nunca presenciou; se houve algum acto da parte dos cavalheiros da opposição, que entraram na luta eleitoral, que significasse violencia ou excesso, era natural, era obrigação das auctoridades, sob pena de não terem cumprido o seu dever, levantar os competentes autos de investigação, e remette-los ao agente do ministerio publico para este proceder sem demora nos termos do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852 (apoiados). Não é licito á auctoridade administrativa, que de mais a mais é auctoridade por sua natureza paternal, sem o mais pequeno facto que faça receiar da boa indole dos seus administrados, levantar contra elles quaesquer insinuações e accusações, e dirigidas de um modo official aos seus superiores, sem as acompanhar do mais pequeno auto, da mais pequena demonstração de que taes insinuações ou accusações têem fundamento (apoiados).

Se nós estabelecermos a doutrina de que os agentes do governo sem estarem munidos de documentos authenticos, e de autos regulares nos termos da legislação vigente, para provarem a existencia de factos criminosos, ou ao menos, o receio d'elles, podem fazer insinuações graves aos seus administrados e, sobretudo, declararem que os seus adversarios não são homens honestos e de boa reputação, sem exhibirem documento algum, em que fundamentem taes insinuações e accusações, se nós podemos por politica levar a nossa paixão até á violencia de julgar honestos só os nossos amigos e deshonestos os nossos adversarios, então acaba a paixão nobre da politica e a honra da bandeira partidaria, levanta-se a paixão das insinuações, e das injurias pessoaes, que póde ser a morte do systema representativo (apoiados).

Mesmo no meio das mais vigorosas lutas politicas e das paixões mais violentas se honram os nossos adversarios. A honra politica está no combate leal. Póde ficar mais honrado o vencido do que o vencedor. Eu julgo mais honrosa uma derrota, em que se luta ao abrigo dos principios, e dentro dos limites da lei, do que uma victoria coroada dos mais negros attentados contra as leis e contra as liberdades individuaes (apoiados).

Entre os documentos, que vou ler á assembléa, para sobre elles fazer as devidas considerações, porque eu não venho fazer poesia nem improvisar, mas unicamente apresentar documentos, aprecia-los, e tirar d'elles as devidas illações; entre esses documentos, repito, figura um jornal que

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é valioso melo de prova n'este assumpto, visto que é o orgão official da administração do concelho de Arganil. É, como os outros, documento do governo ou dos seus agentes; e eu, como tantas vezes tenho dito, não saio fóra d'estes documentos, e de outros que tenham o caracter de rigorosa authenticidade.

Previno desde já a v. ex.ª e a camara de que eu, alludindo a este jornal, não levanto proxima ou remotamente uma questão pessoal. As minhas questões pessoaes com este jornal ou com outro qualquer trato-as nos tribunaes ou onde julgo mais conveniente; os conselhos da nação não foram instituidos para se discutirem questões pessoaes, nem essas questões podem ter valor diante das graves questões do interesse publico.

Preciso, porém, d'esta folha como documento, porque tenho de me referir muitas vezes a este jornal; e, como elle contém a explicação dos actos da auctoridade administrativa do concelho de Arganil, de quem é orgão official, eu, indo buscar argumentos a tão auctorisada fonte, creio que sou imparcial, creio que sou insuspeito no genero de provas em que me apoio.

Refiro-me ao Trovão da Beira, e creio que os meus collegas, a quem os seus redactores fazem o mimo de enviar um exemplar quando o julgam opportuno, todos á uma hão de ver que é completamente insuspeito tudo quanto disserem os individuos que collaboram n'aquella folha, e de que eu possa tirar proveito para a defeza da minha causa.

Referindo-me ao jornal, não quero censurar nem offender os seus redactores, quero unicamente tirar partido, e tirar argumento de um jornal que é orgão official da administração do concelho de Arganil, para apreciar os acontecimentos que ali se deram na ultima eleição. E digo que é orgão official do concelho de Arganil, porque no n.º 3, de 10 de maio de 1871, diz esse jornal o seguinte:

«Os principaes fundadores do nosso jornal foram os srs. drs. Manuel da Cruz Aguiar, José Albano de Oliveira, Agostinho Albano da Costa Carvalho, Manuel da Costa Carvalho, e aquelle que estas palavras escreve — collaborador responsavel. Foi muito pensada e reflectida a empreza. Fique, pois, s. ex.ª sabendo que o primeiro dá o seu ordenado de administrador do concelho de Arganil e o que ganha como advogado; o segundo, toda aquella porção de rendimento da sua grande casa de que poder dispor, e vaé até á venda de propriedades, se necessario for; o terceiro, que ganha 500$000 réis pela advocacia, pouco mais ou menos, dá tudo; o quarto, o seu ordenado de professor de latinidade, e nós sacrificámos tudo que lemos: isto alem do auxilio que nos dão outras pessoas, que é escusado mencionar.»

Para sustentar o jornal, o administrador do concelho dá, alem de outros meios, o seu ordenado, que é pago pela camara municipal, e que sáe por consequencia do bolso dos contribuintes, que n'elle são injuriados. Creio portanto que um jornal n'estas condições é o mais insuspeito ácerca dos factos que proxima ou remotamente respeitem á minha pessoa.

Se ha algum documento mais insuspeito no que dissera favor da minha causa, peço aos meus adversarios que m'o indiquem. Creio porém que os meus collegas me farão a justiça de acreditar na sinceridade das minhas palavras, quando declaro que não conheço documento mais insuspeito em tudo o que escrever a meu favor ou dos meus amigos.

Começo, pois, por este documento. Gosto sempre de principiar pelos documentos mais officiaes; e, como este jornal é o orgão official da administração do concelho de Arganil, tenho um grande prazer em começar por elle no exame dos documentos do governo.

Eu sympathiso muito com a imprensa, nunca me refiro a ella senão para lhe dirigir palavras de louvor. Com relação a este jornal, devo dizer que não posso dirigir lhe palavras de louvor, mas que tambem não lh'as dirigirei do censura. Unicamente o considero como importante meio de prova na questão sujeita. Será ponto de partida para a minha argumentação.

Ha ainda outra circumstancia de que ha pouco me não recordei, circumstancia que me occorre agora, e que vou referir antes de passar adiante, que prova a importancia do alludido jornal n'esta questão.

Como no concelho de Arganil o que a auctoridade queria era ordem e muita ordem, como no concelho de Arganil o que o governo queria era evitar violencias e excessos, violencias e excessos que se evitaram no dizer do magistrado superior do districto, simplesmente pelos esforços da unica pessoa que nos documentos apparece como desordeira; como, repito, o que o governo desejava n'aquelle concelho era ordem e muita ordem, e como este jornal a todas as auctoridades judiciaes, fiscaes e ecclesiasticas, e aos particulares senão a todos, pelo menos a quasi todos, dirigia palavras de tal modo injuriosas, que nem as posso repetir n'esta assembléa, mas que alguns dos illustres deputados terão lido, quem presume a camara que foi escolhido para ir manter essa ordem, que tanto se desejava, e para não provocar ninguem, e sobretudo escolhido para a assembléa da minha terra, onde estão os meus parentes e os meus amigos, e onde a opposição obteve 540 votos contra 50? Quem presume a camara que havia de ir para ali acompanhado de cincoenta bayonetas? Quem presume a camara que, para manter a ordem publica e para não provocar ninguem, seria mandado como delegado da auctoridade administrativa, acompanhado por cincoenta bayonetas para a assembléa do Pombeiro?

Foi o redactor principal do jornal O Trovão da Beira!...

Vozes: — Ouçam, ouçam.

Orador: — Estão aqui as actas que provam este facto inaudito, em cuja apreciação não posso deixar de insistir, porque o reputo um horroroso attentado, mais grave que um crime ordinario; e como provocação ao conflicto e á desordem é o ultimo dos attentados (apoiados). Para manter a ordem escolhia se, apoiado em bayonetas, o redactor de um jornal que todos os dias publicava as ultimas injurias contra os seus vizinhos, sem poupar o que ha de mais recôndito no lar domestico, o que ha de mais sagrado no sanctuario da familia!

N'uma occasião em que, segundo os documentos dos delegados do governo, os partidos politicos estavam tão apaixonados, na occasião em que se prendeu um homem porque era irascivel e se apaixonava (apoiados), punham se cincoenta bayonetas á disposição do insultador dos povos!

Por consequencia, não posso invocar documento mais insuspeito para o governo do que o jornal de que era fundador o administrador do concelho de Arganil, e redactor responsavel o delegado da auctoridade administrativa na assembléa de Pombeiro, uma das mais importantes d'aquelle concelho.

V. ex.ª e a camara comprehendem muito bem pelas rainhas breves explicações que é meu intento mostrar que a nenhuns outros elementos hei de recorrer na minha argumentação senão aos documentos do governo, alem dos documentos authenticos.

Quer v. ex.ª e a camara saber o que diz o jornal, o que escreve o proprio redactor responsavel, que era o de'egado da auctoridade administrativa n'uma das assembléas d'aquelle concelho a respeito dos amigos que o governo tinha era Arganil?

Note se que o jornal consigna o periodo que vou ter á camara, n'um artigo em que trata de desculpar o administrador de concelho por não ter dado parte ao governador civil da prisão do cidadão Antonio de Abreu Pinto? Diz o jornal no seu n.º 21, de 15 de julho: «Quem todavia se lembrar de que era a primeira eleição que o sr. Cruz Aguiar fazia, e a mais renhida que ali tem apparejido, quasi só e rodeado de mil affazeres, não tendo sequer tempo para sacudir o pó das botas, de certo desculpará o esquecimento.»

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Achava-se só a auctoridade n'um concelho que tem proximamente 2:000 eleitores! São os delegados do governo que confessam que a auctoridade estava quasi só! Já se vê que o governo não tinha influencias n'aquella localidade, que quizessem acompanha-lo.

Quem anda habituado ás lutas eleitoraes sabe perfeitamente que achando-se a auctoridade só ou quasi só, a votação é quasi unanime para a opposição (apoiados).

Só á força do muitas violencias e de recursos desesperados é que a auctoridade póde conseguir ainda um terço da votação!

Eu calculei que o circulo de Arganil ía ser theatro das mais violentas atrocidades, desde que vi que se apresentava, como candidato ministerial, um cavalheiro da localidade, que conhecia perfeitamente o circulo, e que não podia alimentar a menor duvida de que havia de perder a eleição por mais de mil votos, se não fôra a pressão violenta da auctoridade. Este facto desde logo me deu a convicção de que alguma cousa se esperava, fosse ella qual fosse, contra a liberdade do suffragio n'aquelle circulo, a fim de que, se a eleição não fosse ganha pelo governo, fosse ao menos inutilisada para a opposição. E se essa inutilisação tem vingado, como esteve para acontecer por uma estrategia do administrador do concelho de Pampilhosa, de que logo darei conta á assembléa, ficava sem responsabilidade o governo, tendo aliás conseguido o seu fim, porque não podia provar-se que elle tivesse auctorisado ou consentido n'este attentado. O administrador é que, perseguido talvez pelos remorsos da consciencia, abandonou o concelho, logo em seguida á eleição.

Não discuto as violencias feitas pelos agentes do governo no concelho de Poiares, porque não tenho provas de que o governo as soubesse; e o poder judicial está instaurando os competentes processos contra esses delictos. Não discuto as violencias praticadas pelos agentes do governo nos concelhos da Louzã e de Goes, porque diante dos factos altamente criminosos, praticados em Arganil, a pressão violenta que exerceram, em Goes e na Louzã, as auctoridades administrativas, como em quasi toda a parte, ameançando com recrutamento, com o augmento de contribuições, etc. ficam a perder de vista.

Refiro-me apenas ao concelho de Arganil, onde a auctoridade ainda teve mais de 500 votos. Para conseguir tão importante votação, achando-se quasi só, os meios de que lançou mão, — foram a pressão, o terror e o appêllo á desordem.

Eu vou descrever á camara qual foi o primeiro meio de que os agentes do governo lançaram mão para actuar no animo dos eleitores. O primeiro meio foi a oppressão, e a oppressão mais atroz. O primeiro meio de violencia, que produziu quasi toda esta votação, foi nomear cabos de policia os eleitores da opposição, o obriga-los a diligencias e a serviço ás freguezias mais distantes da sua, âté que cansados de tanto vexame se rendessem á discrição da auctoridade! Eram obrigados a transportar-se a freguezias tão distantos, que gastavam um dia e mais na ida e na volta. Oa mais tímidos, e mesmo os que o não eram, privados do trabalho, com que se sustentavam e á sua familia, rendiam se depois de duas ou tres diligencias! Foi este o primeiro meio violento empregado pela auctoridade.

Alguns cabos de policia, porém, sem embargo de tantos vexames e martyrios começaram a recusar se a fazer serviço fóra da freguezia.

Sabem v. ex.ªs o que aconteceu? Calculam v. ex.ªs que os cabos de policia, que se negavam a fazer serviço fóra da freguezia, foram reméttidos ao poder judicial para os tribunaes apreciarem em primeira e ultima instancia, se porventura os cabos de policia eram ou não obrigados a fazer serviço fóra das freguezias a que pertenciam, e se tinham ou não commettido algum delicto n'esta recusa?

Pois não foram autoados e remettidos ao poder judicial I

Pelo contrario foram logo presos pelo administrador do conselho! Depois de presos fizeram aquelles desgraçados á auctoridade administrativa o seguinte requerimento.

«III.mo sr. — Dizem Antonio Joaquim da Silva e Antonio Duarte, casados, aquelle d'esta villa, e este do Rochel, ambos d'esta freguezia de Arganil, que tendo sido presos por ordem de v. s.a por julgarem e affirmarera que não eram obrigados como cabos a fazerem serviço fóra da sua freguezia, á vista do codigo administrativo que nos rege, e por dizerem e julgarem que, á vista da carta constitucional não podiam ser obrigados fóra do que a lei prescreve, unico crime, fundamento da sua prisão, pelo que pretendem dar fiança idonea, e por isso — Pedem a v. s.a, sr. administrador do concelho, seja servido mandar immediatamente entrega-los ao poder judicial, a fim de a prestarem, salvo se v. s.ª a quer admittir, porque n'este caso a prestam já pelo modo que v. s.a quizer, visto o crime admittir fiança. Esperam receber mercê. O advogado, dr. Luiz Caetano Lobo.

Sabem v. ex.ª qual foi o despacho que deu o administrador do concelho a este requerimento? Logo o lerei. Os cabos de policia foram presos e depois mettidos na enxovia. Estiveram ali vinte e quatro ou quarenta e oito horas, pediam por misericordia que os mandassem entregar ao poder judicial pelo supposto crime de desobediencia ao mandato da auctoridade administrativa, a fim de lhes ser dada fiança.

Pediam que ao menos, se não queriam manda-los para o poder judicial, lhes admittisse a auctoridade administrativa ella mesma a fiança!

Querem v. ex.as ouvir o despacho do administrador? E o seguinte: «Requeiram em termos.» (Riso.) Requeiram em termos?!

Aquelle concelho é na sua maior parte composto de gente pobre. Os eleitores já não fazem pequeno sacrificio em perder o seu tempo, coadjuvando o regedor dentro da freguezia. Querer obriga-los a ir fazer serviço ás freguezias mais extremas do concelho e freguezias da serra é grande violencia; metter na enxovia os que se recusára a essa oppressão, tirando-lhe os meios de vida e a liberdade de voto, sem lhe admittir ao menos fiança, é o cumulo da tyrannia! (Apoiados.)

Querem v. ex.ªs saber o que se fazia no tempo em que não governava a portaria de 19 de julho de 1845? A carta diz que ninguem póde ser conduzido á prisão ou n'ella conservado desde que se presta a dar fiança nos casos em que a lei a admitte. Este principio está consignado no artigo 145.° da carta constitucional; é um dos direitos individuaes, que não podem ser alterados pelos modos geraes e ordinarios, estabelecidos na mesma carta (apoiados).

Eu comprehendo a portaria de 19 de julho de 1845, porque essa determina que, qualquer que seja a condição e jerarchia do preso, seja mandado para a capital do districto, e d'ahi para Lisboa ou Porto, sem ser entregue ao poder judicial. E esse systema applicou se a um cavalheiro distincto d'aquella localidade.

Mas é tyrannia nem sequer admittir fiança a uns desgraçados, sobretudo quando elles se sujeitam a todos os rigores, a todos os vexames e a todas as pressões só para exercerem com independencia a liberdade de voto (apoiados).

Pois nós que nos queixámos muitas vezes de que haja desmoralisação eleitoral n'alguns circulos, que não sabem exercer dignamente o direito do suffragio, quando apparece um homem, e um homem do povo, com abnegação e independencia, que pretende votar segundo a sua consciencia, e quer exercer livremente o seu direito, podemos ver a sangue frio que se lhe responda com a cadeia, e que, quando elle pede ao menos para prestar fiança, se lhe recuse absolutamente, dizendo-se-lhe—requeira em termos? (Muitos apoiados). Pergunto aos homens mais distinctos que estão n'esta assembléa, e a todos os que me escutam, se sabem quaes os

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termos em que se devia fazer um segundo requerimento? (Apoiados).

Eu quero ter sobre este assumpto algumas portarias a v. ex.as, porque nós chegámos já á perfeição de inclusiva mente termos que discutir se porventura o cidadão portuguez tem ou não a liberdade da palavra (apoiados). E fóra de du vida que todos os individuos têem a liberdade da expressão do pensamento, porque a carta diz que cada um póde exprimir o seu pensamento por palavras ou por escripto, res pondendo pelos abusos que commetter no exercicio d'este direito. Porem, quando algum cidadão quer fazer uso d'este direito, manda-se-lhe fechar a casa para não fallar (apoiados).

Chegámos ao ponto em que as liberdades mais reconhecidas são desacatadas, e em que os direitos mais sagrados dos cidadãos são postos em duvida, quando não são rigorosamente castigados os individuos por quererem exercer com liberdade e inteira isenção os direitos que a natureza lhes conferiu (apoiados).

Vejamos as portarias sobre o assumpto, emanadas de ministerios, compostos de cavalheiros, de cujos sentimentos liberaes nunca ninguem duvidou.

Na portaria da regencia de 18 de junho de 1831, sendo ministro do reino, Bento Pereira do Carmo, e seus collegas Joaquim Antonio d'Aguiar, José da Silva Carvalho e Agostinho Jose Freire, dizia-se o seguinte:

«Que os provedores não têem jurisdicção criminal e por isso quando quaesquer delinquentes forem presos devem ser immediatamente conduzidos, por via de regra, á presença do magistrado do districto, onde forem apprehendidos; mas se alguns forem apresentados aos provedores fóra de horas, ou quando elles fizerem verificar alguma prisão em flagrante delicto, é regular que os presos fiquem em custodia, dando se logo parte do acontecimento ao magistrado do districto, para proceder como for justo. Que esta fique sendo a verdadeira pratica da lei, evitando-se que os presos sejam conduzidos de uma para outra parte, e perdendo-se o tempo que deve aproveitar-se em determinar o seu legitimo destino. »

Na portaria de 23 de abril de 1836, sendo ministro do reino, Agostinho José Freire, e seus collegas, duque da Terceira, Joaquim Antonio d'Aguiar e José da Silva Carvalho, lia-se o seguinte:

«Sendo evidente que a primeira necessidade social é a força da lei, é mister que superior á influencia de paixões e a qualquer espirito de partido, os magistrados administrativos, levados unicamente do bem publico, empreguem todos os meios competentes para obter tão indispensaveis fins, sem todavia se esquecerem de que as suas funcções todas administrativas e beneficas em nada participam do poder judicial... Manda ao governador civil que fique bem certo... de que as auctoridades administrativas não delêem presos á sua ordem, e por isso quando dentro do limite da sua competencia verificarem prisões, devem remetter sem demora os delinquentes ao respectivo delegado do procurador regio, com a declaração do crime e mais circumstancias, etc. a fim de que o dito magistrado cumpra o seu dever. »

Na portaria de 1 de setembro de 1837, sendo ministro do reino, Julio Gomes da Silva Sinches, lia se o seguinte:

«... Confessando o administrador do concelho de... haver feito prisões sem ser em flagrante delicto, manda Sua Magestade a Rainha que o administrador geral advirta o administrador do concelho para que dê mais exacta applicação ao artigo 125.° do codigo administrativo, abstendo-se de fazer prisões, salvo em caso de flagrante delicto, limitando-se em todos os outros, ainda aos de desobediencia aos seus mandados, a fazer os respectivos autos, que remetterá ao poder judicial, como a lei prescreve.»

Na portaria de 26 de junho de 1838, sendo ministro do reino, Fernandes Coelho, e seus collegas, visconde de Sá da Bandeira, Manuel Duarte Leitão, conde de Bomfim e Manuel Antonio de Carvalho, dizia-se o seguinte:

«2.° As auctoridades administrativas, sendo prevenidas ácerca do acto e circumstancias de prisão feita pelos seus agentes, enviarão logo os presos aos juizes competentes para elles os ouvirem e resolverem sobre o destino que lhes deva pertencer.

«3.° Os presos, que o forem por intervenção das auctoridades administrativas, não serão recolhidos na cadeia á disposição dos juizes, sem proceder ordem d'elles, excepto no caso de se tornar impossivel o conduzi-los desde logo á presença d'aquelles magistrados.

«4.° No caso previsto pelo artigo antecedente, as auctoridades administrativas que mandarem recolher á cadeia os presos em flagrante, e os carcereiros que n'ella os recolherem, sem ordem escripta do juiz, devem participa-lo immediatamente ao mesmo juiz, para elle ordenar o que for de direito.

«5.° A responsabilidade de quaesquer funccionarios pelos abusos que a tal respeito commetterera, se fará effectiva, mediante as necessarias reclamações dirigidas pelos ministerios competentes.»

Não são dadas vinte e quatro horas á auctoridade administrativa para reter o preso, como muita gente diz. As vinte e quatro horas são marcadas para mandar os competentes autos de investigação. O preso remette-se immediatamente ao poder judicial para não entrar na cadeia nem ser n'ella conservado, se o crime admittir fiança.

O preso remette-se logo logo á auctoridade judicial conforme dispõe o artigo 252.° do codigo.

Ao menos dêem-no3 a liberdade que nos concediam em 1842.

Uma voz: — Não póde ser.

O Orador: — Eu mostrarei á assembléa que já me contentava que o governo tivesse feito a eleição em Arganil com a legislação de 1842, e com a portaria de 19 de julho de 1845. A assembléa reconhecerá que o governo foi agora muito alem d'aquellas prescripções sanccionadas em tempos nefastos. Os meus clamores seriam muito menores, as minhas aggressões muito menos vehementes se o governo tivesse dado aos povos de Arganil ao menos a liberdade que nos dava a portaria de 19 de julho de 1845.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — É verdade.

O Orador: — A portaria de 26 de junho de 1838 ordenava que o preso fosse immediatamente remettido á presença do magistrado judicial. Mas n'esta quadra politica não só se não observam estas doutrinas liberaes, mas se um official de diligencias vae levar um preso á presença do magistrado, tira-se lhe no caminho o criminoso, e mette-se na enxovia o official de justiça (apoiados).

Vou ter tambem a portaria de 11 de setembro de 1839, sendo ministro do reino, Julio Gomes da Silva Sanches, e seus collegas, João Cardoso da Cunha Araujo, Barão da Ribeira de Sabrosa, e Manuel Antonio de Carvalho, que diz assim:

«Manda que o administrador geral do districto de Lisboa faça religiosamente cumprir pelos administradores dos julgados a portaria de 26 de junho de 1838, não consentindo que elles apreciem a natureza, circumstancias e culpabilidade dos factos imputados aos presos, para deliberarem sobre a soltura ou custodia; porque estes actos, são proprios e privativos da auctoridade judicial, que houver de conhecer do crime, na conformidade das leis.»

Não quero ter mais portarias, emanadas de ministerios progressistas. Concluo a citação d'estas providencias, lendo uma assignada pelo distincto estadista, Rodrigo da Fonseca Magalhães, "com a data de 1851, e por consequencia muito posterior á portaria de 19 de julho de 1845.

E da mais alta importancia a portaria assignada pelo sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, não só pela sua data, mas tambem pela auctoridade politica da pessoa; porque nos ministerios a que tenho alludido havia muitos ministros patriotas, e este cavalheiro nunca passou por ultra-patriota. Portanto desejo ir buscar a jurisprudencia que elle seguia,

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e a camara verá como procedeu aquelle cavalheiro, aquelle distincto homem d'estado; e a maneira como contra os abusos do administrador do concelho de Braga e contra as informações do governador civil, que procurava desculpa-lo, elle soube sustentar a dignidade do poder, e o respeito pelos principios.

Na portaria de 14 de novembro de 1851, diz-se o seguinte:

Sua Magestade a Rainha tendo visto o officio n.º 235 do governador civil do districto de Braga, datado de 22 de outubro ultimo, incluindo a copia da representação que lhe dirigiu o administrador do concelho da dita cidade, dando conta da hesitação em que se acha de continuar as funcções inherentes ao seu cargo, relativas á policia judicial, em virtude da communicação que recebeu do juiz de direito da comarca da mesma cidade, na qual este magistrado insinuou aquelle funccionario para cessar na pratica de prender individuos de ambos os sexos á sua ordem, e solta-los sera a intervenção d'elle juiz; a respeito do que, fazendo o sobredito governador civil algumas ponderações para demonstrar a incompetencia e illegalidade de similhante insinuação, pede instrucções sobre este objecto para se regular por ellas nas que tiver de transmittir ao mencionado administrador: manda a mesma augusta senhora declarar-lhe, conformando-se com o parecer do conselheiro procurador geral da corôa, que em conformidade do disposto no artigo 252.° do codigo administrativo, podem as auctoridades administrativas capturar os reos em flagrante delicto, e os suspeitos de crimes em que as leis não exigem para a captura a previa formação da culpa, sem comtudo conservar os presos á sua ordem, e dando logo parte da prisão ao respectivo juiz com os autos competentes de investigação, que não pertence igualmente ás mesmas auctoridades o ordenarem a soltura por não lhes competir apreciar a natureza, circumstancias e culpabilidades dos factos arguidos aos mesmos presos; porquanto se as suspeitas que motivam a prisão versam sobre crimes, em que segundo a lei, não ha necessidade para a captura da precedente formação da culpa, verifica-se n'esse caso a hypothese do citado artigo 252.° do codigo, na qual os administradores dos concelhos carecem de faculdade para ordenar a soltura, por isso que a collocação dos presos deve ser feita á disposição dos juizes para decidirem como for de direito; se, porém, as suspeitas respeitam a outros cri mes menores, e se não dá algum dos casos de prisão administrativa expressamente auctorisada por lei aos ditos administradores, só incumbe formar os respectivos autos de noticia e remette-los ao juizo para os fins legaes; que fóra d'estes termos de policia judicial não podem aquellas auctoridades ordenar a prisão, senão em algum caso excepcional em que a lei a ordena administrativamente, sem dependencia da auctoridade judicial, como por exemplo a apprehensão dos recrutas refractarios e dos desertores.

«N'esta conformidade pois, quer Sua Magestade que o mencionado governador civil esclareça não só o administrador do concelho de Braga, mas os dos demais concelhos da sua jurisdicção, para assim se regularem no exercicio das suas attribuições concernentes á policia judicial; advertindo todavia que não podendo tão pouco o juiz de direito da comarca de Braga ingerir-se nos actos das auctoridades administrativas, pelas quaes ellas são só as responsaveis quando obrem illegalmente, n'esta data se dá conhecimento tanto do seu mencionado offijio e papeis que o acompanharam, como do referido parecer, ao ministerio dos negocios ecclesiasticos e da justiça, para providenciar devidamente.

«Paço das Necessidades, era 14 de novembro de 1851. = Rodrigo da Fonseca Magalhães.»

Eu digo a v. ex.as o que são as doutrinas consignadas n'esta portaria.

O governador civil de Braga procura fazer sentir ao governo a incompetencia e illegalidade das reclamações do juiz de direito. O governador civil de Braga colloca se ao lado das arbitrariedades do administrador do concelho contra as reclamações justas do juiz de direito. Mas o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, que não tinha que sustentar nem os caprichos do governador civil, nem os abusos do administrador do concelho, decidiu no sentido das reclamações legaes do juiz de direito, em harmonia com a doutrina da nossa legislação, e com os bons principios constitucionaes.

E agora o que se fez? O administrador do concelho de Arganil revestido de toda a auctoridade, tendo á sua disposição uma força mditar imponente, alem do reforço dos cabos de policia, abusa do poder, pratica toda a especie de violencias, e o governo conserva se impassivel em presença d'estes attentados contra os direitos individuaes (apoiados).

A final os dois cabos de policia, em virtude de um officio do governador civil de Coimbra, foram entregues ao juizo de direito; e sendo ouvido o ministerio publico, este requereu a sua soltura independentemente de fiança, por ser caso de se livrarem soltos sem prestarem fiança!

Agora pergunto eu quem responde pelo prejuizo que soffreram estes individuos durante o tempo da prisão? (Apoiados). Em 1845 não faziam impressão nenhuma estes factos gravissimos, porque eram a regra geral e ordinaria. Mas depois d'aquella epocha só apparecem n'uma situação reaccionaria, como a que nos governa. Pois um homem, porque é pobre, não tem tanto direito a ser respeitado nas suas faculdades em geral e na sua liberdade, como outro que é rio e opulento? (Apoiados)

As prisões arbitrarias dos cabos de policia foram pois o primeiro meio do influencia illegitima e violenta empregada pelos agentes do poder para se vencer a eleição em Arganil, onde o administrador se achava quasi só, e onde o governo punha á disposição do seu delegado todos os meios de oppressão e da vexame.

O segundo meio criminoso empregado pelo poder foi o terror, para o que se mandou, quasi nas vesperas da eleição, muita força armada da cidade do Porto, para reforçar o destacamento permanente que está em Arganil.

O circulo de Arganil compõe se de cinco concelhos e de sete assembléas; nos dois concelhos de Louzã e Poiares ganhou o governo por 700 votos. Para estes concelhos não mandou o governo um soldado! (Apoiados.)

A força armada foi unicamente para as assembléas onde o governo não venceu, e onde a opposição tinha todo o interesse em que as cousas corressem regularmente (Apoiados.) Pois a opposição podia lembrar-se de praticar attentados contra o suffragio, e de alterar a ordem publica exactamente nos concelhos onde tinha certa a sua victoria? Pois a opposição não via que isso lhe podia inutilisar a eleição? Imputar á opposição o pensamento de inutilisar a eleição nas assembléas onde ella tinha certo o triumpho é accusa-la de demente, e a demencia não se prova sem estar reconhecida pelos tribunaes. Estes factos demonstram bem claramente que os agentes do governo não queriam a tropa senão para aterrar os eleitores.

Realmente declarar que a opposição estava na idéa de alterar a ordem publica, para inutilisar a eleição, exactamente nos circulos onde vencia, equivale a declara-la demente.

A tropa foi só para os tres concelhos que queriam votar com a opposição, e foi manda-la com o unico fim de aterrar os povos. Pois podera-me dizer o que iam fazer ao concelho da Pampilhosa 30 praças, a não ser para com os boatos da chegada de força militar á capital do concelho se aterrarem os povos das freguezias mais distantes? (Apoiados.)

A força mandada de Coimbra para a Pampilhosa foi de carruagem até perto de Arganil (riso). E não condemno o governo por levar os soldados de carruagem. E mais uma economia para o estado (riso — apoiados).

E note mais a camara. As forças militares que concorreram a Arganil foram tão numerosas que, pedindo-se ao administrador substituto a nota dos aboletamentos, diz elle o seguinte:

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«(Copia)— Administração do concelho de Arganil —1.a repartição— n.o 108. — III.mo e ex.mo sr. — Em cumprimento do officio que v. ex.ª se serviu dirigir-me, sob o n.º 104, com a nota de urgente, em 1 do corrente, tenho a honra de remetter a v. ex.ª as copias de toda a correspondencia official relativa á prisão de Antonio Ferreira de Abreu Pinto, effectuada em 7 de julho ultimo.

«Bem assim tenho a honra de informar a v. ex.ª o seguinte: 1.°, que o referido preso foi conduzido por Pombeiro, porque" o commandante da força de infanteria 18 que o conduziu d'esta villa, teve de reunir a outra força do mesmo corpo que se achava n'aquelle logar, com toda a qual seguiu para Santo André de Poiares, onde pernoitou, por distar de Arganil 21 kilometros, pouco mais ou menos, dirigindo se a Coimbra; não se tendo por esta administração dado itinerario algum ao dito commandante; 2.°, que não posso remitter a v. ex.ª a copia da tabella dos aboletamentos de tropa feitos n'esta villa desde 20 de maio até 22 de julho ultimos, porque, em consequencia das numerosas forças, com relação á sua pequena população, que affluiram a esta villa até 8 de julho, tornou se impraticavel o uso da mencionada tabella, sendo todavia certo, como me consta, que houve toda a justiça na distribuição dos aboletamentos, não sendo poupado em tal occasião nem o proprio regedor.

«Deus guarde a v. ex.ª Arganil 4 de agosto de 1871. — III.mo e ex.mo sr. governador civil do districto de Coimbra. = O administrador substituto do concelho, José Luciano da Maia Xavier Annes.»

Numerosas forças! diz o administrador do concelho, que concorreram a Arganil. Effectivamente a força ía toda directamente a Arganil, juntando-se ahi com outra que já lá estava, fazia parada, e depois desfilavam os destacamentos para outros pontos (riso). Nunca aquella terra viu um apparato militar tão ruidoso; e creio mesmo que não ha de repetir-se similhante espectaculo.

A força armada, pois, espalhando o terror pelos povos, foi o segundo meio de que a auctoridade se serviu para alcançar votos.

Devo dizer á camara e ao sr. ministro da guerra, para fazer justiça a todos, que a força do regimento 18 que para ali foi ultimamente, comportou-se exemplarmente. Não atten tou contra os povos.

Da força do 14 de infanteria não fallarei, porque se estão fazendo os'corpos de delicto pelos factos criminosos d'ella ter percorrido os povos nas vesperas das eleições e de ter cercado, no proprio dia da eleição, as casas de alguns eleitores. Porém a força do 18 comportou se muito bem. E comportou-se tanto melhor quanto que o digno commandante resistiu ás exigencias do administrador do concelho, que pedia cavallaria para no proprio dia da eleição ir aterrar os eleitores de Folque. E ainda o magistrado superior do districto tem a coragem de dizer n'um officio que foi ás providencias tomadas pelo administrador que se deveu o socego no acto eleitoral!

O administrador do concelho, no dia 9 pela manhã persuadido de que o povo ainda não estava satisfeito com as correrias da força armada por todo o concelho, escreveu ao commandante da força do 18 o seguinte:

«(Copia n.º 2.) Commando da 3.a divisar militar—Copia n.º 1 —Administração do concelho de Arganil. — III.mo sr. — Acabo de saber que se está fazendo grande pressão nos eleitores da freguezia de Folques, e por isso torna-se necessario que v. s.a se digne dar as convenientes ordens para que os dois cavallarias marchem immediatamente para ali, a fim de que os eleitores possam desaffron-tadamente manifestar o seu voto de virem ou de ficarem.

«Deus guarde a v. s.a Arganil, 9 de julho de 1871. — lll.mo sr. capitão commandante do destacamento estacionado em Arganil. = O administrador do concelho, Manuel da Cruz Aguiar» (riso).

Arganil não escapou nem a uma força de cavallaria! O que eu posso assegurar á camara é que os cavallarias não eram capazes de subir ás serranias de Folques, fendo por isso o pedido da força destinado unicamente a aterrar.

Não constando dos documentos que houvesse em todo o acto eleitoral, senão um desordeiro que era o administrador do concelho, e tendo apesar d'isso o governador civil a coragem de informar que ao desordeiro se deve o ter-se mantido a ordem publica, não posso deixar de chamar a attenção da camara para estes memoraveis documentos.

Quer v. ex.ª saber o que respondeu ao administrador do concelho de Arganil o commandante da força do 18? Respondeu o seguinte:

«(Copia n.º 3.) Commando da 3.a divisão militar — Copia n.º 2. — 111.mo sr. — Em resposta ao officio de v. s.a que acabo de receber, tenho a dizer que nada posso providenciar a tal respeito, pois lá haverá auctoridades civis que bem conhecedoras devem estar dos seus deveres por tal occasião, e mesmo os dois cavallarias só poderei dispor d'elles aqui, no caso que a ordem se transtorne na freguezia de Folques. v. s.a talvez lá terá força para auxiliar o presidente da assembléa no caso que a requisite, e nada mais tem a força militar com o voto dos eleitores.»

Este militar cumpriu o seu dever (apoiados). E um official digno (apoiados). Foi um militar que veiu ensinar á auctoridade administrativa, a um bacharel formado em direito, que a força militar está, nas eleições, ás ordens do presidente da assembléa para manter a ordem, e que nada tem com o voto dos eleitores (muitos apoiados).

Seriara as boas providencias que tomou o administrador do concelho, que evitaram que os cavallarias fossem aterrar os povos, como inculca o magistrado superior do districto (apoiados).

Mas v. ex.ª admiram-se de que o administrador se contentasse com mandar os dois cavallarias para os povos? A vantagem que elle tirava de irem os dois cavallarias era aterrar os povos, que se haviam de persuadir de que atrás dos dois soldados ía uma grande força militar, uma força importante (apoiados).

Quer a camara desenganar-se do effeito que produziu a ida da força armada, para os tres concelhos de Arganil, Goes e Pampilhosa? E dar-se ao trabalho de examinar as actas do processo eleitoral. Nos dois concelhos, para onde se não mandou força armada, Poiares e Louzã, faltaram á uma 5 por cento dos eleitores, proximamente. Nos concelhos de Goes, Arganil e Pampilhosa, que foram occupados militarmente, faltaram á uma entre 20 a 25 por cento!

Á Pampilhosa chegou a força no dia 8, e tudo correu junto da uma sem desordens. Apesar dos esforços empregados pela auctoridade para preparar a alteração da ordem publica, os eleitores tinham a prudencia e a força material precisa para sustentarem o socego publico contra os manejos dos agentes do poder.

As rasões que teve o governo para mandar occupar militarmente os tres concelhos de Arganil, Goes e Pampilhosa, constam dos officios que vou ter á camara. E v. ex.ª, ouvindo ter os officios, hão de ficar surprehendidos de que o governo não mandasse tambem tropa para os concelhos de Poiaes e da Louzã (riso).

Pois se o governo entendeu que devia ir tropa para os tres concelhos de Arganil, Goes e Pampilhosa por andar nas montanhas gente sinistra, sombria e com más tenções, não devia calcular que, occupados militarmente aquelles tres concelhos e desguarnecidos estes dois, podiam os homens sinistros caír sobre estes, e ser ali o dia de juizo? (Riso.)

Desde que a força armada tinha ido para as montanhas, onde andavam os homens suspeitos e de má catadura, se estes malvados caem sobre os concelhos de Poiares e da Louzã, ficai iam desgraçados os seus habitantes (riso).

Podia ser este o seu ultimo dia! (Riso.)

Eu por mim não posso saber qual foi a circumstancia feliz, que evitou as scenas de sangue que naturalmente se dariam, se os homens sinistros têem descido ás campinas

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dos concelhos de Poyares e da Louzã, que estavam desguarnecidos de tropa! (Riso.)

Ter se-iam commettido as maiores atrocidades, e nós teriamos hoje não só que lamentar muitas victimas, mas que implorar o auxilio da Providencia, como na resposta ao discurso da corôa, para que nunca mais se repetissem tão funestos acontecimentos (riso).

Sr. presidente, o governo não viu senão desordeiros em Arganil. Pois saiba a camara que desde 1860 tem ali havido nove eleições de deputados; só n'um anno se fizeram tres, e nunca aquelles povos se viram honrados com a presença de uma força militar tão imponente, nunca aquella terra presenceou similhante ardor marcial.

No anno passado, em que já predominavam as mesmas influencias, tambem houve uma boa amostra de apparato militar. Mas ao menos n'essa occasião procuraram as auctoridades colorir com varios pretextos a ida da força. Não a mandaram com o fim ostensivo e claro de atterrar os povos; não houve a mais pequena queixa dos habitantes d'aquella terra contra essa providencia que o ministro, em virtude de informações menos leaes do seu subordinado, julgou necessaria para manter a liberdade da uma, e para que os eleitores votassem desaffrontadamente.

Vamos porém examinar os documentos que pretextaram a ida da tropa.

Podem verificar-se, não ha duvida, hypotheses excepcionaes, em que seja precisa a presença da força publica para manter a ordem em occasião de eleições. Mas é um crime pôr a força armada á disposição do administrador do concelho, quando este é chefe de bando, quando é o primeiro ou o unico desordeiro, e quando a força nas mãos d'elle não serve senão para pôr em perigo as garantias individuaes e o socego dos povos (apoiados).

Eu já fui ministro do reino em occasião em que se tratava de uma eleição, e ninguem me pediu tropa.

E aproveito esta occasião, para rectificar o facto, e evitar falsas apreciações, porque muitas vezes, em logar de se discutir a questão de interesse immediato, discutem-se os actos passados, entendendo-se que se desculpa um mau acto politico, invocando-se outro de natureza identica ou similhante.

A mim nenhum dos meus delegados me pediu tropa para manter o socego publico durante as eleições. Os srs. ministros hão de ter nas suas secretarias os telegrammas e mais documentos, que podem examinar; ninguem me pediu, nem deu parte de que tivesse empregado força militar. Mas, se eu julgasse que ella era necessaria n'algum ponto, tomava a responsabilidade d'esse acto, sem todavia me servir dos futeis pretextos de que se lançou mão n'esta occasião (apoiados). Não havia de esconder-me detrás dos regedores (apoiados).

Sr. presidente, quer v. ex.ª sabor os pretextos com que se pediu força militar para o circulo de Arganil? Quer v. ex.ª ouvir ter o officio que escreveu, pedindo tropa, o administrador da Pampilhosa, ainda antes de chegar ao seu concelho, estando ainda em Goes?

E o seguinte:

«(Copia.) — Confidencial. — III.mo e ex.mo sr. — Constando-me n'esta terra (Goes) que no circulo de Arganil, e muito especialmente nas vizinhanças do concelho da Pampilhosa, cuja administração v. ex.ª houve por bem confiar-me, andam alguns homens armados e desconhecidos, com fins sinistros, rogo a v. ex.ª se digne enviar-me com direcção aquelle concelho uma força militar de quarenta praças, commandadas por um official competente, a fim de manter a liberdade da uma e o socego publico, devendo esta força entrar na captital do referido concelho até ao proximo sabbado, 8 do corrente mez, sem falta alguma.

«Deus guarde a v. ex.ª Goes, 2 de julho do 1871. — 111.mo e ex.mo sr. conselheiro governador civil d'este districtos. = O administrador do concelho, Francisco de Mariz Coelho.

Ainda este benemerito funccionario estava em Goes, ainda não tinha chegado ao concelho de Pampilhosa, e já sabia que pelas serras divagavam homens armados, que não andavam á caça, que tinham fins sinistros, sendo aliás desconhecidos! (Riso.)

Realmente os homens desconhecidos gostam muito de passeiar por aquelles jardins apraziveis das serras da Pampilhosa! (Riso.)

O mais curioso, senão o mais sublime de tudo, é a finura com que o administrador descobriu os fins d'aquelles homens armados, quando o fim é um acto da alma, isto é, o motivo por que esta se decide era dadas circumstancias! Mas a sua sagacidade ía tão longe, a sua perspicacia era tão admiravel, que já sabia que os fins d'aquelles homens eram sinistros! (Riso.)

Eu quero de proposito ler estes documentos para se apreciar a responsabilidade de quem os recebeu sem os condemnar, e as providencias que se tomaram em vista d'elles (apoiados).

Sr. presidente, aquelle administrador era funccionario modelo, e por isso durou pouco a sua administração! Saiu logo depois da eleição. Descobriu que nas serras andavam homens armados com fins sinistros. Os homens eram desconhecidos, e tão desconhecidos, que até sabiam os fins que elles tinham era vista! (Riso.) Contenta-se o administrador com a ida da força no dia 8!! E até ao dia 8 permitte que os eleitores fiquem entregues aquelles homens desconhecidos, o de alma negra, que elle divisou nas serras!! (Riso.)

E pena, sr. presidente, que esta auctoridade não podesse ter ajuntado á vista de lynce, que a fazia descobrir nas serras homens armados com fins sinistros, a resolução de pedir o resto da divisão do Porto para vir bater aquellas serranias, a fim de deixar os eleitores completamente desassombrados de influencias nefastas! (Apoiados.)

Se pelas serras andasse gente capaz, isto é, gente do governo (riso), comprehendia-se que não viesse o resto da tropa estacionada no Porto; mas desde que pelas serranias vagueava gente com fins sinistros, cabe de certo ao administrador uma grande responsabilidade de não ter desaffrontado de sustos aquelles povos (apoiados). Era obrigação de tão zeloso funccionario ter caridade com aquelles pobres eleitores, mandando vir mais força do Porto ou mesmo de Lisboa, até acabar com tudo quanto nas serras houvesse de sinistro (riso). Era preciso que aquellas serranias fossem batidas emquanto ali houvesse sombra ou indicio de cousas sinistras e negras. Era necessario que aquellas montanhas fossem desinfestadas pela tropa, até se verificar que tinha acabado inteiramente o motivo dos sustos da auctoridade (riso).

Por fortuna chegaram trinta soldados á Pampilhosa em 8 de julho; e, apenas chegaram, o terror, que se tinha espalhado com a existencia dos homens desconhecidos e armados com fins sinistros, desappareceu, deixando apenas de ir á uma uns cento e tantos eleitores, provavelmente ainda com receio d'aquelles phantasmas (apoiados).

Parece que o deputado da opposição teve a fortuna de livrar de todos os perigos e de todos os males aquellas serranias, porque no dia immediato á eleição tudo estava tranquillo e socegado; já não se fallava em sinistros, já não se fallava em homens desconhecidos, já não se fallava em cousa alguma triste e ameaçadora. Pelo contrario, havia ali uma paz octaviana! (Apoiados.)

Passo a ler outro documento, que tambem é muito bom.

Não ha aqui documento nenhum que não seja muito aproveitável. Os documentos dos regedores são bons, os documentos dos administradores dos concelhos são muito bons, os documentos do governador civil são excellentes, e os documentos do governo são preciosos (riso):

Dizia eu, que no dia immediato á eleição já não havia nada de sinistro nas serras de Arganil, e que todos os terrores tinham desapparecido. Mas esquecia-me apontar ainda n'este assumpto uma circumstancia importante, e é que o administrador do concelho de Pampilhosa, que fez a participação dos sinistros sete dias antes da eleição, partiu

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logo em seguida sósinho sem tropa para a Pampilhosa! Já é valentia! (Riso.)

E se lhe apparecessem no caminho os homens armados e desconhecidos, com fins sinistros, que lhe aconteceria?! Estava perdido! (Riso.)

Mas o administrador de Pampilhosa, com uma coragem que faria inveja a um general com a fronte crestada pelo fogo de cem batalhas, sabendo que a serra estava infestada de homens desconhecidos, armados e com fins sinistros, atravessou intrépido as montanhas, affrontou todos os perigos, e recolheu-se a Pampilhosa! (Riso.) Já é heroicidade! (Riso.) Nem todos seriam capazes de praticar d'estas acções; nem todos teriam a coragem de proceder como elle! Eu conheço muitos valentes, que, sabendo que em certo logar estavam homens desconhecidos, armados e com fins sinistros, não eram capazes de por lá passar (riso).

Como v. ex.ª ouviu, eu declarei bons os officios dos regedores e muito bons os dos administradores de concelho.

Passo a ter um d'estes officios tambem muito bom. É o seguinte:

«(Copia) — Confidencial. —III.mo e ex.mo sr. —Não me tendo sido possivel effectuar com os cabos de policia a captura de alguns criminosos n'este concelho, e constando-me que n'este circulo andam alguns homens armados, rogo a v. ex.ª se digne enviar-me uma força de vinte e cinco a trinta praças para o dito fim, e para no proximo domingo manter a liberdade da uma, cuja força, com a que n'esta data requisita o meu collega de Pampilhosa, deverá achar-se, pela meia noite de 6 para 7 do corrente, no sitio do Arroçan da Várzea, d'este concelho, onde receberá as minhas convenientes instrucções.

«Deus guarde a v. ex.ª Goes, 3 de julho de 1871. — III.mo e ex.mo sr. conselheiro governador civil de Coimbra. = O administrador do concelho, Francisco Antonio de Veiga.»

Sr. presidente, a dmire a assembléa o empenho com que este cavalheiro tratava de capturar os criminosos nas vesperas da eleição (riso).

Provavelmente este louvavel procedimento era dictado pelo seu zêlo no serviço publico, e pelo seu amor ás liberdades individuaes. Considerou que o dia 9 de julho era um dia de regosijo nacional, não só por se proceder a uma eleição de deputados, mas tambem por outros motivos de gloriosa recordação para as nossas liberdades; quiz solemnisar este dia, e preparava-se n'esse intuito para capturar os criminosos que lá apparecessem (riso). Mas como é que o administrador do concelho de Goes, que tinha tantos criminosos a capturar, pretendia que a tropa parasse no Arroçan da Várzea á meia noite de 6 para 7?

Ao administrador do concelho de Goes tambem constava que andavam por lá homens armados, mas ao menos evitou o emprego da palavra sinistro. A tropa era sempre para manter a liberdade da uma! A tropa podia ser necessaria para capturar os criminosos e para qualquer outro fim de serviço publico; mas para o que ella era competentissima em todos os casos, era para manter a liberdade da uma (riso).

E como é que, tendo o administrador do concelho da Pampilhosa necessidade da tropa no seu concelho, e carecendo o administrador do concelho de Goes tambem da tropa para manter a liberdade da uma, quer este funccionario que as forças reunidas parem á meia noite de 6 para 7 n'um dado sitio para receberem as suas convenientes instrucções! Que instrucções seriam estas? Isto é mais sinistro do que os homens sinistros que andavam na serra!! (Riso.)

Mas quaes seriam estas convenientes instrucções! Talvez logo lhe achemos uma explicação clara, porque a habilidade do poeta consiste em descobrir a explicação de factos envolvidos na obscuridade e nas trevas. Talvez eu, sem ser poeta, consiga logo decifrar estes mysterios.

Pois se o collega de Pampilhosa precisava da força no seu concelho, como queria o administrador do concelho de Goes dete-la para lhe dar as suas convenientes instrucções?

O mais notavel é que o administrador do concelho da Pampilhosa esteve a ponto de conseguir inutilisar a eleição por uma estrategia, cuja realisação não carecia de força armada. Consta das actas do processo eleitoral que este funccionario, logo que chegou á Pampilhosa, pediu ao secretario da commissão do recenseamento, que era tambem o secretario da administração, o livro original do recenseamento. O secretario entregou-lh'o, suppondo que o administrador o queria apenas para tirar uma copia dos eleitores.

O administrador, contando que ainda não se achavam extrahidos os cadernos para a eleição, ficou com o livro até depois de effectuado o acto eleitoral! Debalde lh'o pediu o presidente da commissão do recenseamento para satisfazer a deveres do serviço publico. Não póde obte-lo senão passada a eleição!

A tropa que o administrador do concelho queria, já v. ex.ª e a camara sabem para que era (Vozes: — Muito bem). Mas a subtracção do recenseamento podia ser fatal, se as copias não estivessem já tiradas (apoiados).

E querem v. ex.ªs ouvir o que dizia o administrador de Goes ao collega de Pampilhosa na sua carta do dia 5, que eu apresente como documento?

«III.mo e ex.mo sr. — A nossa importantissima victoria depende necessariamente da fiel execução do nosso plano concertado.

«Portanto, confiado na honradez, lealdade, intelligencia e energia de v. s.ª, espero que tudo ha de correr admiravelmente em harmonia com os nossos desejos.

«Pôde v. s.ª contar com a tropa e com o mais que for necessario, segundo as ultimas instrucções.

«Depois de escrever ao nosso amigo, ainda póde fazer esta á pressa pela demora da portadora.

«De v. s.ª — collega, etc. etc. — S. C. 5 de julho de 1871. = Francisco Antonio da Veiga.»

Para que era tanta cousa, tanta honradez, lealdade, intelligencia e energia, para tudo correr admiravelmente em harmonia com o que se desejava? A que vinha o dizer-se que podia contar com a tropa e comtudo o mais que fosse necessario segundo as ultimas instrucções? (Apoiados.)

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Se v. ex.ª me dá licença, sr. presidente, fico com a palavra reservada para ámanhã.

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