O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

246

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Barros e Cunha: — Agradeço a v. ex.ª ter-me mantido a palavra, apesar do pedido que hontem fiz para que eliminasse o meu nome da inscripção; mas não é, creia v. ex. porque eu tenha nem sequer a mais leve suspeita de que as considerações que vou fazer possam esclarecer os meus collegas mais, competentes do que eu a todos os respeitos na materia que se debate.

Julguei hontem que, tendo o sr. ministro da fazenda indicado a urgencia da discussão d'este projecto, ao governo pertencia, na altura em que se achava a discussão, empregar a sua influencia sobre a camara para que não fosse interrompido, porque eram tão variadas as considerações que se faziam de um e de outro lado, que esta interrupção de certo me terá feito perder (a mim pelo menos) parte das considerações a que desejava responder, pela impressão que fizeram no meu espirito.

Entretanto, não entrando em nenhuma das divagações que se têem feito ácerca da subida dos nossos fundqs pela confiança no ministerio ou pela desconfiança n'elle; sem tratar de saber, se os fundos sobem porque o governo se mantem, ou sobem porque o governo está vacillante; sem indagar se sobem porque a nação portugueza manifesta lá fóra mais amplidão e latitude para se lhe lançarem novos impostos (segundo aqui ouvi affirmar); ou sobem porque consta lá que o paiz está determinado a fazer economias profundas nas suas despezas insensatas; sem entrar em nenhuma d'estas considerações, vou occupar me unicamente do assumpto que está sujeito á nossa apreciação.

Posto que respeite muito as pessoas que consideram este projecto insignificante, e tão insignificante que deveria passar desapercebido, na opinião d'ellas, sem se discutir o seu alcance, eu, de certo pelas limitadas faculdades que possuo, não pude dispensar-me de pedir a respeito d'elle ao governo serias e muito serias informações. Como as não pude obter, insisto por ellas.

Na realidade, sejam quaes forem os motivos que levaram o governo a acceder, segundo as informações dadas por um dos illustres deputados pelo Porto, ás representações, que d'ali se fizeram, eu mantenho as mesmas duvidas. Nem me convence a unanimidade da opinião da cidade invicta, ácerca da vantagem de cobrar nas barreiras um imposto que no resto do paiz se cobra sem ellas; porque nos levaria, de certo, se aceitasse isto como principio de administração, a acceder ámanhã a um pedido contrario que de certo seria feito pela camara municipal e habitantes da cidade de Lisboa, onde é exorbitantissimo o imposto das barreiras da cidade, para que essas barreiras fossem destruidas, ou a que o imposto fosse reduzido, em harmonia com o § 14.° do artigo 145.° da carta constitucional ás proporções a que devia ser reduzido, isto é, ao mesmo direito que actualmente se propõe para a cidade do Porto.

Não comprehendo tambem como é que os interesses fiscaes exigem que se mantenha em Lisboa um imposto mais pesado, por causa do systema de cobrança preexistente, e vão introduzir no Porto o mesmo systema de cobrança estabelecendo outra tabella.

Sou contra as barreiras, desejo que ellas desappareçam. Porém, se acaso este systema deve ser adoptado creemos barreiras em todas as povoações; reunamos um exercito de quadrilheiros ás portas de cada uma d'ellas; emfim restauremos o systema completo da idade media, não deixemos transitar de um lado para o outro os artigos necessarios á alimentação publica, sem os ferir com um imposto vexatorio e mortal; mas tornemos uniforme o systema de barreiras e igualemos a importancia do imposto.

No relatorio que acompanha a lei que estabeleceu em 1870 o real d'agua determinon-se a substituição dos pesos e medidas do antigo systema para o systema metrico decimal.

Mas eu vejo que na cidade de Lisboa se executa a lei por um methodo differente, do que o que n'este projecto se propõe para a cidade do Porto. No Porto estabelece-se o decalitro para unidade do imposto. Isto é a medida. Em Lisboa é o peso de 10 kilogrammas.

O sr. Pinto Bessa: — Não, senhor.

O Orador: — Peço perdão, não, senhor. O vinho paga no Porto 110 réis por decalitro, e pela pauta de Lisboa paga 310 réis por 10 kilogrammas. Aqui está a pauta de Lisboa e o projecto que se propõe para o Porto. Podem os illustres deputados ver e comparar.

Entendo que o decalitro corresponde, pouco mais ou menos, a 10 kilogrammas; mas não vejo para que se ha de estabelecer unidade differente a não ser para confusão dos particulares.

O sr. Presidente: — Peço perdão...

O Orador: — Não sei se estou exactamente na ordem; faço o que v. ex.ª quizer; não quero afastar-me do que v. ex.ª julgar que é proprio d'este debate.

O sr. Presidente: — Não, senhor; muito bem.

O Orador: — Parece que a cidade do Porto é uma cidade áparte do reino de Portugal, que nos não pertence. Sou de opinião contraria; a cidade do Porto é uma cidade muito nossa, muito portugueza. Fui hospede da cidade do Porto dos dezesete para dezoito annos, n'uma epocha bem saudosa da minha vida. Tinha e tenho ali numerosos amigos. Respeito em muito as tradições da sua gloria, e admiro os seus serviços á independencia da patria e á liberdade; e tenho quasi o presentimento de que talvez ainda tenha de ir gosar da mesma hospitalidade, e acolher me á mesma protecção que gosei n'essa epocha (apoiados). Presinto isso. Ha o quer que seja na atmosphera que o indica.

Uma das questões mais importantes que aqui se debate, e eu vou tratar de abreviar as minhas considerações, é se a geropiga é ou não vinho (riso).

Disse o illustre relator da commissão que na technologia fiscal...

O sr. Santos e Silva: — Na jurisprudencia fiscal.

O Orador: — Na jurisprudencia fiscal a geropiga era vinho.

Na minha opinião o vinho abafado é licor de uvas, porque eu, peço perdão á camara, não sou outra cousa senão fabricante de vinhos, é o meu officio; e não sei se me ficaria mal ignorar n'esta qualidade, não digo na qualidade de financeiro, nem de homem d'estado, porque n'essas categorias póde ignorar-se tudo quanto é das questões praticas da vida de todos os dias; basta unicamente, conforme diz o sr. presidente do conselho, que se saiba umas finanças artificiaes. Na minha qualidade de fabricante e productor de vinhos não posso de maneira alguma deixar passar esta confusão, sem dizer que ella não será mais, sendo adoptada, senão uma porta aberta para se fazer largo contrabando e falsificação, como eu mostrarei á camara, fundado unicamente nas bases que me são fornecidas pelo projecto que está sujeito á nossa apreciação.

A geropiga é unicamente xarope de uvas abafado com aguardante; por consequencia, licor de uvas nada mais, nada menos; e segundo a quantidade de assucar que se contém n'esse xarope, assim se regula a aguardente para lhe impedir a fermentação.

Como não vejo na lei principio algum, a não vir nos regulamentos que o sr. ministro da fazenda ainda fica auctorisado a fazer, que determine qual ha de ser o processo para verificar se effectivamente a geropiga é vinho, ou aguardente corada, isto é, para não usar dos termos que permittem confusão de chamar vinho ao que não é senão licor; como não vejo limite algum na lei, para impedir que se introduza pelas barreiras do Porto aguardente por geropiga, ou geropiga disfarçando aguardente, para se redistillar, o que na Inglaterra se chama distillação illicita, e como esta falsificação produziria, tomando 100 pipas de geropiga que contivessem 80 de aguardente, grande desfalque de direitos, eu desejo que o governo me diga como é que tenciona evitar que se dê o seguinte facto: 100 pipas de geropiga