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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
são iguaes a 550$000 réis de direitos, 80 pipas de aguardente de 28° Cartier a 1:040$000 réis.
Despachando-se 100 pipas de geropiga pagam 550$000 réis, distillando-as dentro da cidade, e produzindo ellas 80 de aguardente, terá o distillador de mais e a fazenda de menos 490$000 réis, o que é muito possivel, e podem mesmo
Introduzir-lhe aguardente apenas córada, com alguma materia que lhe disfarce as propriedades essenciaes.
Esta é a contraposição do systema adoptado em Lisboa, porque n'esta cidade pela elevação dos direitos sobre o vinho não se póde introduzir aguardente de contrabando, introduz-se porém agua no vinho depois de entrado ás barreiras, e rouba-se depois ao consumidor, á sombra da lei fiscal, a importancia correspondente aos direitos pela agua que se addiciona a estes vinhos.
No Porto reduzir-se-ha a geropiga á aguardente, em Lisboa continuará a addicionar-se agua ao vinho para gloria das barreiras e legislação fiscal.
Ora, este systema de imposto é tão absurdo, e sobretudo o de barreiras, que dá logar a nada mais e nada menos a que no Porto se faça um grande contrabando de aguardente, e em Lisboa se esteja fazendo contrabando d'agua.
Devo porém já prevenir a resposta que se me vae dar, e é que esta lei no seu artigo 5.° tem em vista evitar a distillação illicita, com a disposição de sujeitar ao imposto do real d'agua, nos termos da lei de 27 de dezembro de 1870, as bebidas alcoolicas que se fabricarem no Porto; e aqui desejava eu que o sr. ministro da fazenda me dissesse como é que s. ex.ª póde tornar effectiva esta disposição da lei?
O real d'agua é unicamente applicado ao que se vende a retalho. Foi essa uma das rasões que hontem apresentou o sr. Pinto Bessa para que se adoptasse o direito de barreiras, a fim de que aquelles que se fornecessem por junto não podessem ser isentos do pagamento dos direitos.
Ora, eu pergunto ao sr. ministro da fazenda se esta disposição está clara?
Diz-se — não póde haver fraude. Lá tenho a lei, o artigo 5.° que obriga a sujeitar ao imposto do real d'agua as bebidas alcoolicas que se fabricarem dentro da cidade do Perto. Mas porque systema? Não o diz o artigo, e por isso eu peço que m'o expliquem.
Tanto pelas provisões como pelos alvarás antigos ha obrigação a fazer manifesto para vender vinhos; sem isso não se podem expor á venda; mas para fabricar alcool do vinho que pagou direitos não ha nada que obrigue a isso, a não ser algum systema que o sr. ministro da fazenda queira adoptar, que receio muito que não possa coexistir com a constituição. Eu tenho sempre grande medo, principalmente dos regulamentos.
Ha aqui tambem uma disposição, que não comprehendo e que de certo o sr. ministro da fazenda ha de explicar;
Em Lisboa está adoptado o areometro ou hydrometro de Cartier; e no Porto, pela disposição d'esta lei, está adotado o de Tessa. Desejava que o sr. ministro da fazenda me dissesse qual é a conveniencia de se adoptar em Lisboa o alcoometro de Cartier, e no Porto o de Tessa.
Supponha v. ex.ª que um d'estes homens que, como eu, tem a fraqueza de se occupar do estudo d'estas questões, e de julgar que é do seu dever não dar o seu voto sem estar inteiramente convencido dos fundamentos que ali se consigna; supponha v. ex.ª, por exemplo, que um ministro em Inglaterra, e estou de accordo com o sr. ministro da fazenda em supprimir os relatorios, que é o que elles lá fazem, porque têem todas estas questões nas pontas dos dedos para as explicar na assembléa dos representantes da nação, que um d'estes homens via aqui duas pautas, uma para o Porto, alcoometro de Tessa, outro para Lisboa, alcoometro de Cartier.
Aquelle velho mestre escola, que quasi nunca se ri, mr. Lowe, perguntando a rasão d'isto ao sr. ministro da fazenda, e não lhe dando resposta satisfactoria, morria a rir.
Eu tambem não comprehendo a rasão por que o vinho em Lisboa ha de pagar por peso, e no Porto por medida; porque em Lisboa ha de haver o alcoometro de Cartier, e no Porto o de Tessa. Se ha alguem que comprehenda isto, far-me-ha favor em me esclarecer, porque a minha comprehensão é de tal maneira limitada que não entra nas bellezas e segredos d'esta grande subtileza que se introduz na nossa legislação.
Disse hontem o nobre ministro da fazenda como que para responder ao reparo que fiz sobre a differença de valores que havia entre o vinho do Porto que ficára sujeito a 110 réis por decalitro, o que corresponde pouco mais ou menos a 10 kilogrammas do vinho de Lisboa que paga 310 réis, disse — que esta desigualdade era compensada, porque tambem o vinho verde, que tinha um preço muito menor, entrava para a cidade com o mesmo direito!
Eu não sei se posso dizer aqui certas cousas...
Vozes: — Falle, falle.
O Orador: — Creio que não posso, mas que o devo fazer.
Desejava que estas questões viessem de tal fórma instruidas e illustradas para a camara dos senhores deputados, que não tivessemos de descer a explicações de tal maneira elementares, que quasi me sinto vexado de ter de as fazer, porque posso fazer parecer aos olhos dos meus collegas que é pretensão da minha parte o descer a essas explicações: todavia asseguro-lhes que não (apoiados).
Ha uma grande confusão nos termos que se empregam officialmente n'estes assumptos fiscaes e tributarios, e parece-me que d'esta confusão de termos, em mais de um ramo e em mais de um objecto, nasce não se poder entender as relações entre o estado e o cidadão.
Diz-se, por exemplo, por um lado — que todo o imposto é de consumo; que todo o imposto é indirecto; e por outro lado — que todo o imposto é directo! que todo o imposto recáe sobre a producção. E quando alguem faz algumas reflexões, pretende se desculpar estas cousas com argumentos que realmente embaraçam a pessoa que tem de lhes responder (apoiados).
O valor e o preço são cousas inteiramente differentes, e é necessario habituarmo-nos a saber isto; o valor comprehende o capital que se emprega por um certo juro, o preço dos salarios, o interesse dos que fabricam, e esse valor é invariavel e fixo; porém o preço é inteiramente differente, porque esse depende das leis da offerta e do pedido, e póde descer muito inferior ao valor ou subir muito superior a elle (apoiados). Por consequencia, não se póde nunca dizer que o vinho verde, porque é menos despendioso na sua producção, compensa o imposto que recáe sobre o vinho generoso, que só se obtém por maior emprego de capital. Não ha nem póde haver tal compensação.
Trata-se sómente de conhecer porque motivo o imposto nas bebidas fermentadas differe da cerveja para o vinho! e do vinho para a aguardente, e não ha de differir do vinho para a geropiga e do vinho ordinario para o vinho generoso, que representam o seu valor intrinseco na força alcoolica e o preço nas condições especiaes das suas differentes localidades (apoiados).
Era muito bom que de uma vez nos entendessemos sobre estes principios, para não estarmos constantemente a despender tempo em rectificar idéas que são elementares; e não ha direito nenhum para que homens em certa posição as confundam, porque não podem nem devem confundi-las (apoiados).
A questão politica que está pendente interrompeu a discussão d'este projecto, ao qual tenho tido a innocencia de ligar alguma importancia, e não sei mesmo se será temeridade da minha parte não o considerar insignificante. Desde que declarei a v. ex.ª que votava contra elle, voto de qualquer maneira que seja, mas não me julgo dispensado de propor ao parlamento que ao menos o emende de modo que não seja origem de graves perdas para a fazenda publica, e n'essa parte não me dispenso eu de dar o meu voto; e