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SESSÃO DE 18 DE AGOSTO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios — os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo de Mello Gouveia

Summario

Apresentação de requerimentos, projectos de lei e representações. — Ordem do dia: 1.ª parte, continuação da discussão do projecto de lei n.º 7 (real d'agua) — 2.ª parte, continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Chamada — 38 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Ayres do Gouveia, Barros e Sá, A. J. Teixeira, Antonio Julio, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Correia de Mendonça, Gomes da Palma, Sant'Anna e Vasconcellos, Franco Frazão, Assis Pereira de Mello, Melicio, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Pinto de Magalhães, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Cardoso Klerk, Dias Ferreira, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Costa e Silva, Menezes Toste, Nogueira, Mexia Salema, José Tiberio, Luiz de Campos, Affonseca, Alves Passos, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Ricardo de Mello, Visconde de Montariol.

Entraram durante a sessão — os srs.: Adriano Machado, Agostinho da Rocha, Osorio de Vasconcellos, Alfredo da Rocha Peixoto, Braamcamp, Cerqueira Velloso, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Soares e Lencastre, Boavida, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, Carlos Ribeiro, Claudio Nunes, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Eduardo Tavares, Francisco Costa, Camello Lampreia, Caldas Aulete, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Silveira Vianna, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, Perdigão, Jayme Moniz, Santos e Silva, Mártens Ferrão, Lobo d'Avila, J. A. Maia, José Luciano, Sá Vargas, Mello Gouveia, Teixeira de Queiroz, Pires de Lima, Manuel Rocha Peixoto, Pinheiro Chagas, Paes Villas Boas, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Thomás de Carvalho, Thomás Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs. Albino Geraldes, Correia Caldeira, Cau da Costa, Francisco de Albuquerque, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Lourenço de Carvalho, Camara Leme.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. Francisco de Albuquerque, ácerca dos estudos feitos na estrada districtal de Penalva do Castello a Mangualde.

Para a secretaria.

2.° Do ministerio da guerra, remettendo alguns esclarecimentos pedidos pelo sr. Luiz de Campos, ácerca do numero de soldados promptos para o serviço que existiam em Vizeu nos dias 7 e 8 de julho ultimo.

Para a secretaria.

3.° Do mesmo ministerio, remettendo alguns dos esclarecimentos pedidos ultimamente pelo sr. Alcantara.

Para a secretaria.

Representações

1.ª Do porteiro, continuos e official de diligencias do governo civil do Porto, pedindo augmento de ordenado.

2.ª Da camara municipal do concelho de Arruda, pedindo permissão de poder empregar, do fundo de viação existente no seu cofre, a somma necessaria para differentes obras municipaes.

3.ª Da camara municipal do concelho de Carregal, pedindo a concessão de alguns bens nacionaes existentes n'aquelle municipio.

4.ª Da camara municipal de Proença a Nova, pedindo auctorisação para que os rendimentos destinados á viação municipal sejam applicados a outros melhoramentos publicos.

Foram enviadas ás commissões respectivas.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio da justiça, se peça ao governo com a maior brevidade:

I. Um mappa de todos os summarios, distribuidos por cada um dos cartorios da comarca de Villa Verde, desde o principio da gerencia do actual juiz, o bacharel Luiz Barroso Pereira, até ao presente, designando-se a causa do summario, por quem foi inquerido, data da distribuição, quantas testemunhas inqueridas, e a data do encerramento ou o motivo de não estar encerrado;

II. Um mappa de todos os réus pronunciados em cada um dos cartorios da mesma comarca, desde o primeiro dia em que principiou a funccionar o actual juiz, o bacharel Luiz Barroso Pereira, até hoje, contendo a designação dos crimes, a dos querelantes, data d'aquella, data da pronuncia, se os réus aggravaram, se obtiveram provimento, se estão presos ou afiançados, e o estado do processo;

III. Um mappa de todos os processos civeis, conclusos a final por cada um dos cartorios da mesma comarca, desde o primeiro dia em que principiou a funccionar o actual juiz, o bacharel Luiz Barroso Pereira, até ao presente, contendo designadamente o nome dos litigantes, a natureza da acção, data da conclusão final, data da publicação da sentença ou se ainda existe o processo na conclusão.

Sala das sessões, 17 de agosto de 1871. = O deputado, Alves Passos.

2.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, se peça ao governo, com a possivel brevidade:

I. Uma relação de todas as pessoas que no concelho de Villa Verde, do districto de Braga, deram boletos a militares desde 1 de janeiro de 1870 até 10 de julho de 1871, contendo o nome e freguezia das pessoas que deram boletos, numero e graduação dos aboletados, dias que durou o boleto, e se aos patrões eram impostas condições de almoço, jantar e ceia a horas designadas, ou estipuladas e designadas as quantias que cada um devia pagar, e quanto;

II. Um mappa de todos os aforamentos feitos pela actual camara municipal de Villa Verde, desde o primeiro dia da sua gerencia até hoje, contendo designadamente o nome dos foreiros, data da arrematação, quantos d'estes processos ainda pendem, quantos se acham ultimados e a data, quantias que paga cada foreiro;

III. Um mappa de todos os impostos, fóros ou rendas que a actual camara municipal de Villa Verde tem dado á cobrança por arrematação, desde o primeiro dia de sua gerencia até ao presente, contendo designadamente a data da arrematação, quantia por que foram arrematadas, nome dos arrematantes, dito dos fiadores, quantias pagas pelos arrematantes, e quanto estão devendo de cada anno. = O deputado, Alves Passos.

3.° Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio do reino, com a possivel brevidade, um mappa de todos os impostos, rendas, ou fóros que a camara municipal de Ama-

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res, districto de Braga, tem dado por arrematação desde janeiro de 1866 até ao presente, contendo designadamente a data da arrematação, quantias por que foram arrematadas, nome dos arrematantes, dito dos fiadores, quantias pagas pelos arrematantes, quantias em divida. = O deputado, Alves Passos.

4.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja remettida a esta camara relação de todos os ministros da guerra, a quem nos ultimos annos tenham sido abonadas forragens, indicando-se a legislação que no parecer da secretaria tenha determinado esse abono. = Mariano de Carvalho.

5.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada com urgencia a esta camara nota comprovativa do rendimento do real d'agua, por districtos, nos seis primeiros mezes de 1869, 1870 e 1871. = Mariano de Carvalho.

Foram remettidos ao governo.

Nota de interpellação

Peço que seja prevenido o sr. ministro da guerra de que desejo interpella-lo ácerca do facto de ser abonada uma forragem a s. ex.ª, embora exerça o cargo politico de ministro da corôa. = Mariano de Carvalho.

Mandou-se fazer a devida communicação.

Declaração

Declarâmos que assignariamos o projecto de lei, que mandou para a mesa o sr. deputado Francisco Mendes, se o regimento o não impedisse. = Augusto Saraiva de Carvalho, deputado por Lisboa = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado por Angola = Manuel Thomás Lisboa, deputado por Cabo Verde = Alberto Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso.

Inteirada.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — A camara municipal de Proença a Nova carece de um edificio para paços do concelho e cadeias, mas deseja-o com o menor sacrificio dos seus moradores.

A necessidade da obra é comprovada pelo seu fim. Todo o municipio precisa uma casa decente, accommodada e proporcionada, aonde a sua camara se possa reunir, fazer as suas sessões, guardar o seu archivo e desempenhar os mais misteres que tanto lhe incumbe.

Ninguem ali desconhece esta necessidade, nem se negará por isso a concorrer gostosamente, pelo modo menos penoso, para este tão reclamado melhoramento.

E este modo menos penoso e mais suave será sem duvida a applicação para isto da contribuição de viação municipal, e do seu serviço braçal, até á conclusão d'esta necessaria e desejada obra.

O melhoramento da viação póde, sem inconveniente, differir-se para depois, e d'este modo, não o descurando, se consegue o que é mais urgente, sem o peso de novos impostos e sem diminuir as condições pagaveis para as contribuições geraes, que as necessidades publicas tanto demandam.

Com estas ligeiras considerações, tenho a honra de submetter á vossa reconhecida sabedoria o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal de Proença a Nova para poder applicar á construcção de um edificio para paços do concelho e cadeias, e até á sua conclusão, as sommas destinadas para a viação municipal, e o seu serviço braçal, da contribuição creada pela lei de 6 de junho de 1864.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 12 de agosto de 1871. = João Ribeiro dos Santos.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto n.º 22 de 1870, apresentado na sessão de 17 de dezembro de 1870, que auctorisa as camaras municipaes a empregar nos caminhos dos

seus respectivos concelhos a parte da prestação de trabalho devido pelo habitante e proprietario, na conformidade da lei de 6 de junho de 1864.

Sala da camara, 11 de agosto de 1871. = Francisco Costa.

Foi admittida e enviada á commissão respectiva.

O sr. Klerk: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Portalegre, pedindo que os fundos destinados para as obras das estradas de 1.ª e 2.ª classe, possam ser transferidos de uma para outra classe, podendo a camara despender os fundos de viação, conforme as conveniencias do municipio, verificada a sua utilidade e urgencia pela commissão de viação.

Acontece muitas vezes que ha dinheiro para umas estradas e não ha dinheiro para outras, e os fundos estão demorados sem se lhes poder dar applicação, portanto parece-me justo que o corpo legislativo auctorise aquella camara a realisar os seus desejos.

Mando a representação para a mesa, e peço a v. ex.ª que lhe dê o destino conveniente.

O sr. Luiz de Campos: — V. ex.ª, sabe, sr. presidente, que venho de saír de uma doença grave, e que estou por consequencia em difficeis circumstancias para poder usar da palavra por muito tempo, nem mesmo me parece propria a opportunidade para tratar largamente do assumpto, sobre que tenho de fallar, visto que está em discussão como ordem do dia a resposta ao discurso da corôa, na qual espero tomar parte, porque estou inscripto.

Todavia tendo o nosso collega Fortunato das Neves dito hontem o que entendia a respeito da legalidade da eleição do circulo do Carregal, cumpre me juntar a minha voz á dos srs. Francisco Mendes, Osorio de Vasconcellos, Francisco de Albuquerque, e muito principalmente á do illustre deputado pelo circulo do Carregal, no que respeita ao sr. Coelho do Amaral, por isso que foi s. ex.ª o menos suspeito na justiça que fez ao honrado caracter d'aquelle illustre e patriotico liberal (apoiados).

Effectivamente é insuspeita e justa a opinião do illustre deputado. S. ex.ª quando fallava do seu emulo, d'aquelle que o havia combatido, não teve duvida alguma em associar-se a todas as expressões de respeito e consideração que todo o parlamento havia manifestado por aquelle velho parlamentar (muitos apoiados).

Felicito-me por ver que o illustre deputado, que teve a fortuna e o ensejo de vencer na luta eleitoral o sr. Coelho do Amaral, é o primeiro a dar mostras de respeito e consideração pelo seu caracter.

Dito isto, não quero por fórma alguma pôr aqui em relevo as grandes virtudes, altas qualidades e distinctos dotes que o honrado tribuno poz sempre ao serviço da sua patria, desde a infancia (apoiados).

Não me cumpre a mim, voz pouco auctorisada, fallar dos serviços importantes que o sr. Coelho do Amaral, desde a idade de quinze annos até hoje, que está na declinação da vida, tem prestado ao seu paiz; não só nas lutas militares, onde se feriram as grandes batalhas da liberdade com as armas na mão, como quando teve de defender os direitos dos povos, nos comicios e no parlamento pelo uso digno e generoso da sua palavra eloquente (apoiados).

O circulo do Carregal foi honrado n'esta casa por largos annos pela voz d'aquelle cavalheiro, pugnando sempre pelos interesses dos povos (apoiados).

Estou convencido que o sr. Fortunato das Neves nada deixará a desejar para, até certo ponto, minorar a grande saudade que temos por aquelle cavalheiro, que s. ex.ª hoje aqui substitue.

No principio d'esta pequena falla, disse eu que me reservava para a resposta ao discurso da corôa, em cuja discussão hei de accusar o governo, e provar que elle é complice e mandante na maior parte dos attentados que se deram no districto de Vizeu, o reservo-me para n'essa occasião fallar detidamente de alguns abusos e irregularidades que se deram no Carregal; mas desde já me insurjo, muito de passagem,

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contra o que o illustre deputado por aquelle circulo citou como prova da muita legalidade com que correu o acto eleitoral n'aquelle circulo.

Disse s. ex.ª, como prova da muita liberdade e completa legalidade, que «não tinha havido protesto alguma».

Permitta me o illustre deputado que considere nullo este argumento.

O protesto nem sempre significa que houve illegalidade, assim como a falta d'elle não significa que a não houvesse (apoiados).

Tem havido eleições unanimes, contra as quaes não se apresenta protesto algum. Para mim as eleições unanimes são nullas em certos casos.

Desde que as descargas no caderno do recenseamento são tantas quanto é o numero dos recenseados, e que não deixara ao menos suppor que tenham morrido ou se tenham inhabilitado tres ou quatro eleitores, para mim a eleição, não sendo a expressão da verdade, é nulla (apoiados).

(Interrupção do sr. Vieira das Neves, que não se entendeu)

Não me servirei d'este argumento; pô-lo-hei de parte, pois que prova de mais para a hypothese. Nós temos, Deus louvado, argumentos para tudo.

Por exemplo: a eleição de Arganil, que está hoje fazendo vergar o governo debaixo de gravissimas accusações, apresentou-se n'esta casa quasi sem protesto, e todos estamos presenciando agora, pela discussão, os arbitrarios, despoticos e illegalissimos actos que ali se commetteram (apoiados).

Na eleição de Vouzella apresentou-se um protesto de tal ordem, que o illustre relator da commissão de poderes resolveu, na sua intelligencia, não fazer cargo d'elle, nem menciona lo á camara, porque esse protesto era uma vergonha para a auctoridade administrativa de S. Pedro do Sul; e todavia se me chegar a palavra, na discussão da resposta ao discurso da corôa, hei de provar que em Vouzella houve graves irregularidades e insultos á lei por parte da auctoridade administrativa e judicial (muitos apoiados).

Aqui tem s. ex.ª provado que a falta de protesto não significa nada (apoiados).

Apresentou s. ex.ª como prova da muita regularidade e liberdade dois factos mais.

Disse s. ex.ª que em Nellas, concelho onde o sr. Coelho do Amaral perdeu por 87 votos, creio eu, havia um administrador, que para trabalhar particularmente se licenciou por algum tempo, e entregou a administração se seu substituto.

Ficaram dois administradores, sr. presidente, o effectivo e o substituto (apoiados). Não ha ninguem que possa separar estas duas entidades, a pessoa particular da pessoa do administrador emquanto este se não demitte (apoiados).

Sabia-se por consequencia que aquelle administrador, usando da sua influencia particular, tendo de continuar á testa da administração acto continuo á eleição, como aconteceu, e trabalhando activamente, como trabalhou, era para os povos administrador de facto, como o era de direito (apoiados).

Em vez de um administrador, teve, portanto, o sr. Fortunato das Neves dois administradores a seu favor (apoiados).

(Interrupção do sr. Fortunato das Neves.)

Faço justiça ao sr. Fortunato das Neves, creio na sua palavra honrada.

Eu sei que s. ex.ª nem solicitou a candidatura, nem fez correrias em companhia da auctoridade, nem concorreu para estas illegalidades, mas ellas deram-se. Todos nós fazemos justiça ao caracter de s. ex.ª, e digo mais — s. ex.ª é ali muito popular, e a sua eleição foi-o de certo tambem.

Já no tempo da dictadura a popularidade de s. ex.ª era grande, já n'essa occasião os seus amigos o propozeram candidato; mas depois retrahiu-se um pouco a popularidade do illustre deputado, e não foi já ella bastante na ausencia da protecção auctoritaria para s. ex.ª continuar como candidato quando pelo golpe d'estado de 29 de agosto terminou a dictadura (apoiados).

O sr. Fortunato das Neves: — Eu é que retirei.

O Orador: — Comtudo emquanto eu não tiver um facto, que determine na minha consciencia outra maneira de pensar e avaliar os acontecimentos...

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Tem-n'o agora na eleição;

O Orador: —Peço perdão, agora dá-se o facto, mas são contrarias as circumstancias, visto que as auctoridades...

O sr. Fortunato das Neves: — Eu hei de provar a s. ex.ª que se houve auctoridades que influiram na eleição, não foi a auctoridade administrativa.

O Orador: — É muito possivel que s. ex.ª nos prove que as auctoridades trabalharam pelo candidato da opposição! Póde mesmo provar-nos que não foi do governo que partiu a ordem de guerra de exterminio ao sr. Francisco Coelho do Amaral como se elle fosse um lobo cerval; mas o que é mais natural é que as auctoridades trabalhassem a favor do candidato do governo. Continuo, portanto, na minha opinião (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Todos são populares quando têem atrás de si a auctoridade.

O Orador: — Aceito o dogma como norma da popularidade do governo.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Eu não disse quem a tinha tido...

O Orador: — Bom é que fique assente este principio, que está perfeitamente em harmonia com a doutrina do governo, popularidade á custa da auctoridade (apoiados).

Continuemos. Houve um concelho a que o illustre deputado se referiu, onde nem administrador effectivo houve, porque o administrador saíu e foi substituido pelo presidente da camara. Esta historia, de que hei de tratar mais largamente quando fallar sobre a resposta ao discurso da corôa, é ainda mais singular.

Hei de pedir ao sr. ministro do reino documentos que nos digam a rasão por que aquella auctoridade saíu, ou se licenciou por oito ou dez dias...

(Interrupção do sr. Fortunato das Neves, que não se percebeu.)

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que não interrompa o orador.

O Orador: — Deixe v. ex.ª interromper...

O sr. Presidente: — Não deixo, não senhor, porque o não permitte o regimento.

O Orador: — Espalhou-se em Vizeu, que uma freguezia muito importante do concelho de Santa Combadão não votava de fórma alguma no candidato governamental; e a proposito convem dizer que, comquanto o illustre deputado nos assevere que não tem compromissos de qualquer ordem com o governo, e creio que os não terá, o facto é que as auctoridades tomaram a peito considerar s. ex.ª como candidato governamental, e a sua victoria foi altamente festejada pelo governador civil e seus amigos politicos em Vizeu... (apoiados).

(Interrupção do sr. Fortunato das Neves.)

O sr. Presidente: — Permitta-me o sr. deputado por Vizeu que lhe diga, que fallando para as bancadas superiores não ouvem os srs. tachygraphos, e tem depois de refazer o seu discurso. É melhor dirigir-se para a presidencia, não só porque é isso que determina o regimento, mas para ser ouvido.

O Orador: — Agradeço muito a v. ex.ª, e vou mesmo ultimar.

O facto é, que uma freguezia importante, dizia eu, do concelho de Santa Combadão, por o seu influente principal, declarou que não estava resolvida a votar no candidato governamental, por circumstancias especiaes de melindres que havia com o administrador d'aquelle concelho, e que só votaria quando elle saísse. Foi preciso que o sr. administrador do concelho se sujeitasse, talvez com honra

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para s. ex.ª, como assevera o illustre deputado, á posição de largar o mando por seis ou oito dias, e vir um parente d'esse influente, cavalheiro tambem influente d'essa freguezia, fazer as vezes de administrador, para lhe levar essa importante a votação. Aqui tem v. ex.ª verdade (apoiados).

O sr. Fortunato das Neves: — Não é verdade.

O sr. Presidente: — O sr. Fortunato das Neves permitte-me que, pela quarta ou quinta vez, lhe diga que essas interrupções perturbam a discussão em logar de a esclarecer?!

O Orador: — Vou terminar depois d'esta ultima interrupção, asseverando que o que acabo de dizer é considerado verdadeiro em todo o circulo (apoiados).

O argumento que s. ex.ª adduziu para provar a muita liberdade, por isso que nem o administrador que tinha preparado a eleição já a fez como administrador, prova como eu acabo de dizer, o contrario. Foi preciso fazer-se esse arranjo de familia, essa concordata ministerial, para que aquella freguezia, que seria contraria ao sr. Fortunato Vieira das Neves, fosse por esta fórma votar contra o sr. Coelho do Amaral (apoiados).

Não alongarei mais as minhas observações, fico por aqui; reservo-me, como disse a v. ex.ª, para o direito que me assiste, quando tratar da accusação séria e grave, que pretendo fazer ao governo. Espero ainda os documentos importantes que pedi ao governo pelo ministerio do reino, porque nenhum ainda me foi remettido; recebi hontem um officio do ministerio da justiça, que diz simplesmente, que nada consta n'aquella secretaria. Não tenho pois esclarecimentos officiaes; mas mesmo que esses documentos não venham, como eu tenho a consciencia da verdade de tudo quanto hei de dizer, forçadamente prescindirei d'elles.

Por agora permitta-me v. ex.ª que eu termine, manifestando o meu sentimento, não por ver aqui o sr. Fortunato das Neves, que muito considero, e que tenho a certeza de que ha de estar á altura do elevado cargo para que o circulo do Carregal o escolheu, mas pela muita saudade que sinto, em não ver aqui um dos mais constantes propugnadores dos interesses patrios, das garantias constitucionaes e das liberdades individuaes (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. José Tiberio: — Mando para a mesa uma nota de interpellação, dirigida ao sr. ministro das obras publicas, pelo desejo que tenho de chamar a attenção de s. ex.ª sobre o estado de atrazo em que se acha a viação no districto da Guarda.

Como a hora está muito adiantada, e ha muitos collegas ainda inscriptos para tomarem a palavra, e não querendo eu priva-los de fazerem uso d'ella, não farei por agora as considerações que desejava fazer, e reserva-las-hei para quando verificar esta interpellação, para a qual espero que o sr. ministro se dê por habilitado, o mais breve possivel; não acontecendo, como na sessão anterior, em que tendo apresentado eu igual nota de interpellação, ainda até hoje não tive a satisfação de pode-la realisar.

Hei de por essa occasião fazer conhecer ao meu nobre amigo, o sr. ministro das obras publicas, que aquelle districto tem sido completamente desprezado pelos governos d'esta terra, e que sendo aquelles povos, como são, d'este paiz, têem direito incontestavel a que se lhes faça justiça igual á que se tem feito a muitos outros.

N'uma das sessões anteriores mandei para a mesa um requerimento, em que pedia esclarecimentos ao governo pelo ministerio da justiça; esclarecimentos que peço para me habilitar a annunciar uma interpellação ao sr. ministro da justiça, sobre um despacho que s. ex.ª acaba de fazer, e que, no meu modo de ver, em vista dos documentos, foi uma grave arbitrariedade e uma completa violação da lei.

É possivel que o sr. ministro entenda que não é conveniente mandar aquelles documentos; no entretanto, peço a v. ex.ª que tenha a bondade de renovar o meu pedido, por parte da mesa.

O sr. Correia de Mendonça: — Sr. presidente, vendo presente s. ex.ª, o sr. ministro das obras publicas, vou repetir hoje as considerações que ha dias fiz n'esta camara ácerca do desseccamento de uns pantanos que ficam contiguos á estrada de Lagos a Villa Nova de Portimão.

A minha insistencia em tal assumpto explica-se pelo indeclinavel dever que tenho de promover os interesses dos cidadãos que tenho a honra de representar.

Sr. presidente, já o disse e torno a dizer, e direi mais vezes, se necessario for, que é urgente o desseccamento de taes pantanos, que existem principalmente logo ao saír de Lagos até um sitio denominado Telheiros, porque elles estão occasionando muitas doenças na população da cidade de Lagos e seus suburbios.

Urge, pois, que se tomem promptas providencias a tal respeito; espero por isso que s. ex.ª o sr. ministro fixe a sua attenção sobre este importante objecto, e livre uma cidade tão populosa, como é Lagos, de tal foco de infecção.

Os povos têem direito a que os governos curem de seus interesses, e um dos interesses mais vitaes é a saude publica.

Acresce alem d'isto que a existencia de taes pantanos data principalmente da epocha da construcção da estrada a que me referi.

Devo tambem chamar a attenção do nobre ministro sobre a fórma por que no paiz em geral se está arrecadando a contribuição braçal, ou imposto de prestação do trabalho. Esta fórma de arrecadação de tal imposto não é resultado de abusos praticados, mas sim da execução da lei de 6 de junho de 1864.

Digo que tal imposto, da fórma por que existe, tem o caracter mais ou menos vexatorio que têem todos os impostos, sem que produza sensivel resultado. O producto que de tal contribuição auferem os municipios não tem comparação com o penoso sacrificio a que ella sujeita a população, sobretudo no Algarve, onde as fortunas são pequenas, porque a propriedade está muito dividida; onde a população se compõe principalmente de pequenos proprietarios, que pela variedade da cultura têem de se dar a um assiduo trabalho nos seus campos; de artistas laboriosos, que sujeitos a não pequena contribuição industrial, muitos d'elles mal podem ganhar o sustento quotidiano; de maritimos, cuja industria arriscada e penosa lhes proporciona interesses bem pouco valiosos; e finalmente de jornaleiros, que trabalham toda a sua vida, sem que tenham outro futuro senão a indigencia.

A lei de 6 de junho de 1864 diz no artigo 18.° que a prestação do trabalho póde ser satisfeita pessoalmente ou remida a dinheiro: «§ 1.° As tarifas de conversão de prestação de trabalho a dinheiro serão organisadas annualmente pelas camaras municipaes e submettidas á approvação do conselho do districto».

A lei, sr. presidente, incumbe ás camaras municipaes a organisação das tarifas, que em virtude de tal lei são organisadas tomando-se por base o preço corrente, nas localidades respectivas, dos serviços que os contribuintes têem a prestar. Assim, por exemplo, se o preço ou salario, que na localidade respectiva costuma ganhar um jornaleiro em cada dia, é de 200 réis, a tarifa é organisada com tal preço, e o jornaleiro se quizer remir a dinheiro a prestação de trabalho; tem a satisfazer por cada dia tal importancia.

Parece isto justo e conveniente á primeira vista, mas em poucas palavras procurarei demonstrar que é prejudicial para os municipios e para os contribuintes.

O jornaleiro não póde remir ordinariamente a dinheiro a contribuição ou prestação de trabalho; presta ou paga a contribuição pessoalmente; mas como é desempenhado um trabalho gratuito, quasi forçado por aquelle que n'esse dia se lembra que abandonou os seus interesses e que não póde ganhar com que

sustentar-se e a sua familia? De uma fórma pouco proveitosa para os municipios.

O resultado d'esse trabalho é e ha de ser sempre quasi

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nullo. Se examinâmos a maneira por que os mais contribuintes prestam a contribuição quando não a pagam a dinheiro, veremos que ou a prestam pessoalmente ou mandam outras pessoas por elles; no primeiro caso, se o jornaleiro pouco trabalho produzia, muito menos hão de produzir os contribuintes, que pela diversa indole das suas profissões não estão habituados a tal especie de trabalho braçal; no segundo caso, as pessoas que por outrem prestam o trabalho, imitam o exemplo dos jornaleiros.

Sr. presidente, observei muitas vezes em algumas estradas municipaes, em que os trabalhadores contribuintes andavam separados dos jornaleiros pagos pelas camaras municipaes, que aquelles mal produziriam o terço do trabalho que produziam estes.

Apesar porém do que deixo dito, é certo que o individuo que mandou outrem por elle perdeu inutilmente no dia em que pagou a contribuição de trabalho, ou o serviço que o seu creado lhe costumava prestar, ou a importancia que satisfez a quem por elle foi trabalhar; e aquelle que foi pessoalmente prestar a contribuição abandonou os seus habituaes affazeres sem utilidade real para o serviço publico.

A consequencia pois do que tenho dito é que tal imposto, da fórma por que se arrecada, é muito gravoso para os povos, e dá pouco interesse aos municipios.

Mão seria melhor auctorisar as camaras municipaes a organisar as tarifas de fórma que o preço da remissão não excedesse o terço do preço corrente dos serviços? Não se póde asseverar que se assim se fizer, quasi todos os contribuintes remirão a sua contribuição a dinheiro, com vantagem propria e dos municipios? Não terão então as camaras municipaes uma vantagem notavel em arrecadar a quasi totalidade do imposto a dinheiro, podendo com elle pagar a jornaleiros que produzirão trabalho igual ou maior que aquelle que prestam os contribuintes? Não será assim a população consideravelmente alliviada, pagando um imposto muito mais suave sem prejuizo algum para os municipios? Parece-me que sim.

O jornaleiro, que tinha de remir a contribuição pela quantia de 200 réis, não preferirá entregar a quantia de 60 ou 70 réis a ir trabalhar ou consumir improductivamente um dia? Não terá o contribuinte, remindo tão suavemente o imposto, a vantagem de ganhar em outra parte com que o satisfazer, e ainda lhe sobrar o necessario para prover a uma parca alimentação? Parece-me que isto é de primeira intuição.

Dir-se-ha, mas então melhor é estabelecer logo a contribuição a dinheiro, não consentindo que o imposto se pague em trabalho. Não me parece adoptavel tal opinião, porque póde dar-se o caso de que em certas e determinadas occasiões o contribuinte não tenha facilidade em achar trabalho em que se occupe, e prefira á remissão a prestação do trabalho, e por isso me parece conveniente manter a alternativa, que a lei de 6 de junho de 1864 estabelece, mas da fórma que deixo indicada.

Concluo, pois, chamando a attenção de s. ex.ª o sr. ministro sobre o que deixo exposto, e peço-lhe que adopte as providencias convenientes para suavisar a condição dos contribuintes a que me referi.

O sr. Claudio Nunes: — Fui encarregado pela commissão de fazenda de participar a v. ex.ª e á camara, que aquella commissão tem muito adiantados os seus trabalhos com relação ao orçamento da despeza do estado; mas para que fiquem concluidos é necessario que as commissões que têem de mandar ali os seus representantes o façam com toda a brevidade possivel. A commissão tem de reunir-se ámanhã ás oito horas da noite, e seria conveniente que v. ex.ª convidasse os srs. deputados, delegados das commissões, para que compareçam no local onde a commissão de fazenda se reune para trabalhar, a fim de que a commissão possa immediatamente apresentar na camara aquelle seu trabalho.

O sr. Presidente: — Satisfazendo á indicação que fez o sr. deputado por Villa Franca, convido todas as commissões a mandarem os respectivos delegados á commissão de fazenda, que reune ámanhã ás oito horas da noite no local costumado.

O sr. Claudio Nunes: — Muito bem; mas creio que algumas commissões ainda não elegeram os seus delegados, e seria bom que o fizessem.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma resolução da commissão de fazenda, pedindo á commissão de obras publicas que dê um parecer interlocatorio ácerca de um negocio que está affecto á commissão de fazenda.

O sr. Alcantara: — Pergunto a v. ex.ª se o sr. ministro da guerra já mandou alguns documentos que pedi, assim como se já se deu por habilitado para responder ás interpellações que lhe annunciei. Faço esta pergunta, e nem v. ex.ª nem a camara me poderá taxar de impaciente quando eu declarar que uma d'essas interpellações foi por mim annunciada no começo da sessão passada; isto é, ha sete mezes. Não posso ser taxado senão de benevolente.

O sr. Presidente: — Quando se leu hoje o expediente, deu-se conta na mesa, de que o sr. ministro da guerra tinha mandado satisfazer á indicação do sr. deputado Alcantara.

O Orador: — Não ouvi; por consequencia v. ex.ª desculpará. Mas com respeito a dar-se s. ex.ª por habilitado para responder ás interpellações?

O sr. Presidente: — Nada consta na mesa.

O Orador: — Por consequencia faço votos para que s. ex.ª se compenetre da sua posição, e da posição desgraçada em que colloca os deputados interpellantes.

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada, e por isso vae passar-se á primeira parte da ordem do dia.

Os srs. deputados que têem representações ou requerimentos a mandarem para a mesa, podem faze-lo.

O sr. Eduardo Tavares: — Mando para a mesa uma representação.

O sr. Bandeira Coelho: — Mando para a mesa uma declaração de voto.

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço a v. ex.ª a palavra para um negocio urgente antes de se encerrar a sessão.

O sr. Fortunato das Neves: — Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: — O sr. deputado por Pena Cova pede a palavra para um requerimento. Antes da ordem do dia não ha palavra para requerimentos. Quem precisa fallar inscreve-se antes da ordem do dia sem dizer para que é.

O sr. Fortunato das Neves: — É para uma declaração.

O sr. Presidente: — Tambem não tem logar. Sinto muito ter de estar a explicar ao sr. deputado aquillo que podia saber pelo regimento da camara.

A palavra para explicações concede-se a quem tomado parte na discussão. Antes da ordem do dia não ha objecto algum designado para discussão, por consequencia não ha logar para explicações.

Se o sr. deputado quer fallar antes da ordem do dia, póde pedir a palavra e usar d'ella quando lhe competir; hoje não lh'a posso conceder, porque a hora está muito adiantada e não é culpa minha.

Hontem pedi aos srs. deputados que viessem hoje mais cedo para a camara.

Não arguo os que não vieram, não arguo os que estão, nem mesmo arguo nenhum; indico apenas que deviam vir mais cedo e que não vieram.

Agora peço aos srs. deputados que occupem os seus logares.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.º 7 (real d'agua)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Barros e Cunha.

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O sr. Barros e Cunha: — Agradeço a v. ex.ª ter-me mantido a palavra, apesar do pedido que hontem fiz para que eliminasse o meu nome da inscripção; mas não é, creia v. ex. porque eu tenha nem sequer a mais leve suspeita de que as considerações que vou fazer possam esclarecer os meus collegas mais, competentes do que eu a todos os respeitos na materia que se debate.

Julguei hontem que, tendo o sr. ministro da fazenda indicado a urgencia da discussão d'este projecto, ao governo pertencia, na altura em que se achava a discussão, empregar a sua influencia sobre a camara para que não fosse interrompido, porque eram tão variadas as considerações que se faziam de um e de outro lado, que esta interrupção de certo me terá feito perder (a mim pelo menos) parte das considerações a que desejava responder, pela impressão que fizeram no meu espirito.

Entretanto, não entrando em nenhuma das divagações que se têem feito ácerca da subida dos nossos fundqs pela confiança no ministerio ou pela desconfiança n'elle; sem tratar de saber, se os fundos sobem porque o governo se mantem, ou sobem porque o governo está vacillante; sem indagar se sobem porque a nação portugueza manifesta lá fóra mais amplidão e latitude para se lhe lançarem novos impostos (segundo aqui ouvi affirmar); ou sobem porque consta lá que o paiz está determinado a fazer economias profundas nas suas despezas insensatas; sem entrar em nenhuma d'estas considerações, vou occupar me unicamente do assumpto que está sujeito á nossa apreciação.

Posto que respeite muito as pessoas que consideram este projecto insignificante, e tão insignificante que deveria passar desapercebido, na opinião d'ellas, sem se discutir o seu alcance, eu, de certo pelas limitadas faculdades que possuo, não pude dispensar-me de pedir a respeito d'elle ao governo serias e muito serias informações. Como as não pude obter, insisto por ellas.

Na realidade, sejam quaes forem os motivos que levaram o governo a acceder, segundo as informações dadas por um dos illustres deputados pelo Porto, ás representações, que d'ali se fizeram, eu mantenho as mesmas duvidas. Nem me convence a unanimidade da opinião da cidade invicta, ácerca da vantagem de cobrar nas barreiras um imposto que no resto do paiz se cobra sem ellas; porque nos levaria, de certo, se aceitasse isto como principio de administração, a acceder ámanhã a um pedido contrario que de certo seria feito pela camara municipal e habitantes da cidade de Lisboa, onde é exorbitantissimo o imposto das barreiras da cidade, para que essas barreiras fossem destruidas, ou a que o imposto fosse reduzido, em harmonia com o § 14.° do artigo 145.° da carta constitucional ás proporções a que devia ser reduzido, isto é, ao mesmo direito que actualmente se propõe para a cidade do Porto.

Não comprehendo tambem como é que os interesses fiscaes exigem que se mantenha em Lisboa um imposto mais pesado, por causa do systema de cobrança preexistente, e vão introduzir no Porto o mesmo systema de cobrança estabelecendo outra tabella.

Sou contra as barreiras, desejo que ellas desappareçam. Porém, se acaso este systema deve ser adoptado creemos barreiras em todas as povoações; reunamos um exercito de quadrilheiros ás portas de cada uma d'ellas; emfim restauremos o systema completo da idade media, não deixemos transitar de um lado para o outro os artigos necessarios á alimentação publica, sem os ferir com um imposto vexatorio e mortal; mas tornemos uniforme o systema de barreiras e igualemos a importancia do imposto.

No relatorio que acompanha a lei que estabeleceu em 1870 o real d'agua determinon-se a substituição dos pesos e medidas do antigo systema para o systema metrico decimal.

Mas eu vejo que na cidade de Lisboa se executa a lei por um methodo differente, do que o que n'este projecto se propõe para a cidade do Porto. No Porto estabelece-se o decalitro para unidade do imposto. Isto é a medida. Em Lisboa é o peso de 10 kilogrammas.

O sr. Pinto Bessa: — Não, senhor.

O Orador: — Peço perdão, não, senhor. O vinho paga no Porto 110 réis por decalitro, e pela pauta de Lisboa paga 310 réis por 10 kilogrammas. Aqui está a pauta de Lisboa e o projecto que se propõe para o Porto. Podem os illustres deputados ver e comparar.

Entendo que o decalitro corresponde, pouco mais ou menos, a 10 kilogrammas; mas não vejo para que se ha de estabelecer unidade differente a não ser para confusão dos particulares.

O sr. Presidente: — Peço perdão...

O Orador: — Não sei se estou exactamente na ordem; faço o que v. ex.ª quizer; não quero afastar-me do que v. ex.ª julgar que é proprio d'este debate.

O sr. Presidente: — Não, senhor; muito bem.

O Orador: — Parece que a cidade do Porto é uma cidade áparte do reino de Portugal, que nos não pertence. Sou de opinião contraria; a cidade do Porto é uma cidade muito nossa, muito portugueza. Fui hospede da cidade do Porto dos dezesete para dezoito annos, n'uma epocha bem saudosa da minha vida. Tinha e tenho ali numerosos amigos. Respeito em muito as tradições da sua gloria, e admiro os seus serviços á independencia da patria e á liberdade; e tenho quasi o presentimento de que talvez ainda tenha de ir gosar da mesma hospitalidade, e acolher me á mesma protecção que gosei n'essa epocha (apoiados). Presinto isso. Ha o quer que seja na atmosphera que o indica.

Uma das questões mais importantes que aqui se debate, e eu vou tratar de abreviar as minhas considerações, é se a geropiga é ou não vinho (riso).

Disse o illustre relator da commissão que na technologia fiscal...

O sr. Santos e Silva: — Na jurisprudencia fiscal.

O Orador: — Na jurisprudencia fiscal a geropiga era vinho.

Na minha opinião o vinho abafado é licor de uvas, porque eu, peço perdão á camara, não sou outra cousa senão fabricante de vinhos, é o meu officio; e não sei se me ficaria mal ignorar n'esta qualidade, não digo na qualidade de financeiro, nem de homem d'estado, porque n'essas categorias póde ignorar-se tudo quanto é das questões praticas da vida de todos os dias; basta unicamente, conforme diz o sr. presidente do conselho, que se saiba umas finanças artificiaes. Na minha qualidade de fabricante e productor de vinhos não posso de maneira alguma deixar passar esta confusão, sem dizer que ella não será mais, sendo adoptada, senão uma porta aberta para se fazer largo contrabando e falsificação, como eu mostrarei á camara, fundado unicamente nas bases que me são fornecidas pelo projecto que está sujeito á nossa apreciação.

A geropiga é unicamente xarope de uvas abafado com aguardante; por consequencia, licor de uvas nada mais, nada menos; e segundo a quantidade de assucar que se contém n'esse xarope, assim se regula a aguardente para lhe impedir a fermentação.

Como não vejo na lei principio algum, a não vir nos regulamentos que o sr. ministro da fazenda ainda fica auctorisado a fazer, que determine qual ha de ser o processo para verificar se effectivamente a geropiga é vinho, ou aguardente corada, isto é, para não usar dos termos que permittem confusão de chamar vinho ao que não é senão licor; como não vejo limite algum na lei, para impedir que se introduza pelas barreiras do Porto aguardente por geropiga, ou geropiga disfarçando aguardente, para se redistillar, o que na Inglaterra se chama distillação illicita, e como esta falsificação produziria, tomando 100 pipas de geropiga que contivessem 80 de aguardente, grande desfalque de direitos, eu desejo que o governo me diga como é que tenciona evitar que se dê o seguinte facto: 100 pipas de geropiga

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são iguaes a 550$000 réis de direitos, 80 pipas de aguardente de 28° Cartier a 1:040$000 réis.

Despachando-se 100 pipas de geropiga pagam 550$000 réis, distillando-as dentro da cidade, e produzindo ellas 80 de aguardente, terá o distillador de mais e a fazenda de menos 490$000 réis, o que é muito possivel, e podem mesmo

Introduzir-lhe aguardente apenas córada, com alguma materia que lhe disfarce as propriedades essenciaes.

Esta é a contraposição do systema adoptado em Lisboa, porque n'esta cidade pela elevação dos direitos sobre o vinho não se póde introduzir aguardente de contrabando, introduz-se porém agua no vinho depois de entrado ás barreiras, e rouba-se depois ao consumidor, á sombra da lei fiscal, a importancia correspondente aos direitos pela agua que se addiciona a estes vinhos.

No Porto reduzir-se-ha a geropiga á aguardente, em Lisboa continuará a addicionar-se agua ao vinho para gloria das barreiras e legislação fiscal.

Ora, este systema de imposto é tão absurdo, e sobretudo o de barreiras, que dá logar a nada mais e nada menos a que no Porto se faça um grande contrabando de aguardente, e em Lisboa se esteja fazendo contrabando d'agua.

Devo porém já prevenir a resposta que se me vae dar, e é que esta lei no seu artigo 5.° tem em vista evitar a distillação illicita, com a disposição de sujeitar ao imposto do real d'agua, nos termos da lei de 27 de dezembro de 1870, as bebidas alcoolicas que se fabricarem no Porto; e aqui desejava eu que o sr. ministro da fazenda me dissesse como é que s. ex.ª póde tornar effectiva esta disposição da lei?

O real d'agua é unicamente applicado ao que se vende a retalho. Foi essa uma das rasões que hontem apresentou o sr. Pinto Bessa para que se adoptasse o direito de barreiras, a fim de que aquelles que se fornecessem por junto não podessem ser isentos do pagamento dos direitos.

Ora, eu pergunto ao sr. ministro da fazenda se esta disposição está clara?

Diz-se — não póde haver fraude. Lá tenho a lei, o artigo 5.° que obriga a sujeitar ao imposto do real d'agua as bebidas alcoolicas que se fabricarem dentro da cidade do Perto. Mas porque systema? Não o diz o artigo, e por isso eu peço que m'o expliquem.

Tanto pelas provisões como pelos alvarás antigos ha obrigação a fazer manifesto para vender vinhos; sem isso não se podem expor á venda; mas para fabricar alcool do vinho que pagou direitos não ha nada que obrigue a isso, a não ser algum systema que o sr. ministro da fazenda queira adoptar, que receio muito que não possa coexistir com a constituição. Eu tenho sempre grande medo, principalmente dos regulamentos.

Ha aqui tambem uma disposição, que não comprehendo e que de certo o sr. ministro da fazenda ha de explicar;

Em Lisboa está adoptado o areometro ou hydrometro de Cartier; e no Porto, pela disposição d'esta lei, está adotado o de Tessa. Desejava que o sr. ministro da fazenda me dissesse qual é a conveniencia de se adoptar em Lisboa o alcoometro de Cartier, e no Porto o de Tessa.

Supponha v. ex.ª que um d'estes homens que, como eu, tem a fraqueza de se occupar do estudo d'estas questões, e de julgar que é do seu dever não dar o seu voto sem estar inteiramente convencido dos fundamentos que ali se consigna; supponha v. ex.ª, por exemplo, que um ministro em Inglaterra, e estou de accordo com o sr. ministro da fazenda em supprimir os relatorios, que é o que elles lá fazem, porque têem todas estas questões nas pontas dos dedos para as explicar na assembléa dos representantes da nação, que um d'estes homens via aqui duas pautas, uma para o Porto, alcoometro de Tessa, outro para Lisboa, alcoometro de Cartier.

Aquelle velho mestre escola, que quasi nunca se ri, mr. Lowe, perguntando a rasão d'isto ao sr. ministro da fazenda, e não lhe dando resposta satisfactoria, morria a rir.

Eu tambem não comprehendo a rasão por que o vinho em Lisboa ha de pagar por peso, e no Porto por medida; porque em Lisboa ha de haver o alcoometro de Cartier, e no Porto o de Tessa. Se ha alguem que comprehenda isto, far-me-ha favor em me esclarecer, porque a minha comprehensão é de tal maneira limitada que não entra nas bellezas e segredos d'esta grande subtileza que se introduz na nossa legislação.

Disse hontem o nobre ministro da fazenda como que para responder ao reparo que fiz sobre a differença de valores que havia entre o vinho do Porto que ficára sujeito a 110 réis por decalitro, o que corresponde pouco mais ou menos a 10 kilogrammas do vinho de Lisboa que paga 310 réis, disse — que esta desigualdade era compensada, porque tambem o vinho verde, que tinha um preço muito menor, entrava para a cidade com o mesmo direito!

Eu não sei se posso dizer aqui certas cousas...

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Creio que não posso, mas que o devo fazer.

Desejava que estas questões viessem de tal fórma instruidas e illustradas para a camara dos senhores deputados, que não tivessemos de descer a explicações de tal maneira elementares, que quasi me sinto vexado de ter de as fazer, porque posso fazer parecer aos olhos dos meus collegas que é pretensão da minha parte o descer a essas explicações: todavia asseguro-lhes que não (apoiados).

Ha uma grande confusão nos termos que se empregam officialmente n'estes assumptos fiscaes e tributarios, e parece-me que d'esta confusão de termos, em mais de um ramo e em mais de um objecto, nasce não se poder entender as relações entre o estado e o cidadão.

Diz-se, por exemplo, por um lado — que todo o imposto é de consumo; que todo o imposto é indirecto; e por outro lado — que todo o imposto é directo! que todo o imposto recáe sobre a producção. E quando alguem faz algumas reflexões, pretende se desculpar estas cousas com argumentos que realmente embaraçam a pessoa que tem de lhes responder (apoiados).

O valor e o preço são cousas inteiramente differentes, e é necessario habituarmo-nos a saber isto; o valor comprehende o capital que se emprega por um certo juro, o preço dos salarios, o interesse dos que fabricam, e esse valor é invariavel e fixo; porém o preço é inteiramente differente, porque esse depende das leis da offerta e do pedido, e póde descer muito inferior ao valor ou subir muito superior a elle (apoiados). Por consequencia, não se póde nunca dizer que o vinho verde, porque é menos despendioso na sua producção, compensa o imposto que recáe sobre o vinho generoso, que só se obtém por maior emprego de capital. Não ha nem póde haver tal compensação.

Trata-se sómente de conhecer porque motivo o imposto nas bebidas fermentadas differe da cerveja para o vinho! e do vinho para a aguardente, e não ha de differir do vinho para a geropiga e do vinho ordinario para o vinho generoso, que representam o seu valor intrinseco na força alcoolica e o preço nas condições especiaes das suas differentes localidades (apoiados).

Era muito bom que de uma vez nos entendessemos sobre estes principios, para não estarmos constantemente a despender tempo em rectificar idéas que são elementares; e não ha direito nenhum para que homens em certa posição as confundam, porque não podem nem devem confundi-las (apoiados).

A questão politica que está pendente interrompeu a discussão d'este projecto, ao qual tenho tido a innocencia de ligar alguma importancia, e não sei mesmo se será temeridade da minha parte não o considerar insignificante. Desde que declarei a v. ex.ª que votava contra elle, voto de qualquer maneira que seja, mas não me julgo dispensado de propor ao parlamento que ao menos o emende de modo que não seja origem de graves perdas para a fazenda publica, e n'essa parte não me dispenso eu de dar o meu voto; e

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como esse voto vae expresso no additamento pelo qual hei de votar, mando-o para a mesa, para que v. ex.ª proponha á camara se o admitte á discussão, a fim de ficar em discussão conjunctamente.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a geropiga que for despachada para consumo, entrada pelas barreiras do Porto, fique sujeita a 260 réis por decalitro.

Sala das sessões, 18 de agosto de 1871. = João Gualberto de Barros e Cunha.

Foi admittida e ficou conjunctamente em discussão.

O sr. Rodrigues de Freitas: —...(O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Artigo 4.°:

§ 2.° Os armazens dentro da cidade do Porto em que se depositarem os liquidos a que se refere o artigo 2.° d'esta lei, e que forem destinados á exportação, ficarão sujeitos á fiscalisação da alfandega.

Art. 5.° As bebidas alcoolicas, cerveja e mais bebidas fermentadas, que se fabricarem dentro de barreiras na cidade do Porto, ficam sujeitas ao imposto do real d'agua nos termos da lei de 27 de dezembro de 1870, e em harmonia com o § 1.° do artigo 4.° da presente lei.

Proponho tambem que do artigo 2.° se elimine a palavra geropiga, e que o n.º 2.° do artigo 3.° claramente applique ás bebidas estrangeiras a disposição 30.º dos preliminares da pauta.

Sala das sessões, 18 de agosto de 1871. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior.

Foi admittida e ficou conjunctamente em discussão.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Santos e Silva, como relator da commissão.

O sr. Santos e Silva: — Não me levanto para responder ás perguntas que o sr. Rodrigues de Freitas dirigiu directamente ao sr. ministro da fazenda; levanto-me em nome do meu dever.

Desde o momento em que foram mandadas moções para a mesa, a respeito do projecto, tenho obrigação de exprimir a minha opinião ácerca d'ellas, como relator e representante da commissão de fazenda. Não sei mesmo se o sr. ministro da fazenda poderá responder ao sr. Rodrigues de Freitas, desde que o illustre deputado pretende impor ao sr. Carlos Bento a condição de fallar sem aquella graça e amenidades oratorias, que lhe são naturaes e familiares. É uma tyrannia, a que o sr. ministro talvez não queira sujeitar-se.

Eu não suppunha, confesso-o ingenuamente, que este projecto comportasse tão larga discussão; entretanto, como sou o homem mais respeitador da liberdade da discussão, não posso de maneira alguma censurar que se dê amplo desenvolvimento a qualquer assumpto que se discuta no parlamento.

Sr. presidente, nós não tratâmos agora de discutir a these do real d'agua, ou dos impostos de consumo. Póde cada um de nós ter idéas oppostas a este respeito; póde expo-las e sustenta-las opportunamente; mas presentemente é forçoso aceitar os factos como elles são.

O imposto do real d'agua está estabelecido, ou antes ampliado, e ultimamente regulado pela lei de 27 de dezembro de 1870; é um facto consummado; é uma lei do estado que ha de manter-se até que por outra seja alterada ou revogada (apoiados).

Estes são os factos. Não nos illudamos (apoiados).

Ora, se são estes os factos, permitta-me v. ex.ª que eu supponha extemporaneas e inopportunas todas as observações que se fizeram, ou fizerem, em relação ás theses geraes do imposto do consumo (apoiados).

O que apenas tratámos n'este projecto é de alterar o systema de fiscalisação e de cobrança de um imposto que já existe, que é lei do estado. Podiamos até chamar-lhe uma questão regulamentar (apoiados).

O antigo imposto do real d'agua tem methodos de fiscalisação e de cobrança nos seus regulamentos, ou nas suas leis. Applicado este systema á cidade do Porto, desde a publicação da carta de lei de 27 de dezembro de 1870, encontrou difficuldades da parte dos habitantes da invicta.

Representou aquella municipalidade...

Uma voz: — Não representou.

O Orador: — Consultou, ou antes respondeu a uma consulta do governo sobre o assumpto (apoiados).

Eram justas as allegações da municipalidade; o governo adoptou-as. Devia adopta-las, porque se conformam não só com os interesses do thesouro, mas tambem com o beneficio dos povos. Aquella consulta reune duas circumstancias, que não podiam deixar de ser attendidas: utilidade do thesouro e utilidade do municipio. Muito inepto seria um governo se não aproveitasse immediatamente taes disposições para modificar uma lei ou regulamento.

Fez portanto muito bem o governo. O thesouro vae ganhar com esta nova lei, porque o imposto será melhor fiscalisado. O municipio vae ficar alliviado dos varejos, dos manifestos e de todos os incommodos fiscaes. Esta é que é a questão (apoiados).

Sr. presidente, não foi só a municipalidade que representou ou exprimiu a sua opinião sobre o assumpto representaram tambem milhares de cidadãos, reunidos na Porta do Sol, em meeting, que não foi prohibido. Os representantes ou peticionarios mostravam aos poderes publicos, entre outras cousas a conveniencia de substituir o systema de cobrança do real d'agua no interior da cidade, por outro qualquer; mas indicando positivamente a idéa de que fosse cobrado nas barreiras. Essa representação era mais vaga, menos explicita, ou menos pratica, do que a consulta da camara municipal do Porto, mas tocava precisamente este ponto (apoiados). Por consequencia, houve accordo entre a opinião da municipalidade, que é a legal e genuina representante dos interesses economicos e administrativos do municipio, e a opinião de cinco mil cidadãos, que se reuniram na Porta do Sol, para exercerem pacificamente o direito de petição, que todos os cidadãos d'este paiz tem direito de exercer (apoiados).

Ninguem póde pois contestar a utilidade d'este projecto de lei. É por elle o fisco, que conta ver acrescentado o imposto na cidade do Porto; é por elle a municipalidade; são por elle os contribuintes. Approva-n'o n'esta casa os illustres deputados pelo Porto. O meu illustre amigo, o sr. Pinto Bessa, já se pronunciou a favor d'elle hontem. O proprio sr. Rodrigues de Freitas, apesar de ter feito muitas considerações, ainda não combateu o assumpto; nem mesmo; supponho eu, tratou d'elle (apoiados).

Permitta-me agora v. ex.ª, que eu faça algumas observações ás propostas, que foram mandadas para a mesa.

Em primeiro logar, tenho a declarar que a commissão de fazenda não póde deixar de considerar, com a attenção devida aos seus auctores e ao assumpto, todas as propostas que, em relação a este projecto, lhe sejam remettidas. Mas permitta-me a camara, que o relator da commissão tenha a coragem, e tome a responsabilidade de emittir desde já a sua opinião a respeito d'ellas. Estou que os meus collegas hão de concordar com a minha opinião, porque é tão obvio o que ha a dizer sobre essas moções, que uma discussão mais ampla não adiantaria nada sobre o assumpto.

A proposta do sr. Barros e Cunha é impossivel que a commissão a possa aceitar, nos termos em que está. Quer s. ex.ª que a geropiga seja igualada á aguardente, por ser antes aguardente do que vinho.

Mas s. ex.ª foi o primeiro a confessar, que a geropiga era uma mistura de môsto com aguardente; logo não póde ou não deve pagar o mesmo imposto, que a aguardente propriamente dita (apoiados).

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Eu não sustento tambem, que ella seja vinho, e que deva pagar o imposto de 5 réis em litro. A commissão de fazenda ha de occupar-se d'esta questão; e se se adoptar alguma alteração n'este projecto sobre a geropiga, a commissão de certo não aceitará a taxa exagerada do sr. Barros e Cunha.

Eu cheguei á camara já no meio do discurso do sr. Barros e Cunha, e não pude ouvir portanto metade das considerações que s. ex.ª provavelmente fez; mas quando entrei aqui pareceu-me que s. ex.ª fallava sobre a cerveja, preoccupando se muito do modo por que se havia de cobrar o imposto do real d'agua no Porto sobre este liquido.

(Áparte.)

Se não foi s. ex.ª, foi o sr. Rodrigues de Freitas; e se não foi o sr. Rodrigues de Freitas foi algum outro sr. deputado. Em todo o caso houve alguem que fallou na cerveja (apoiados).

O imposto do real d'agua sobre a cerveja fabricada dentro do Porto cobra se pelo mesmo processo e pelo mesmo systema fiscal que se cobra o imposto de consumo, que ella paga em Lisboa.

Se a cerveja se fabrica dentro da cidade do Porto não póde, já se vê, pagar o imposto nas barreiras, porque não entra por ellas. Mas o seu fabrico é fiscalisado dentro da cidade, e o imposto é satisfeito segundo as leis e regulamentos existentes.

Mas dir-se-ha: haverá fraude. Talvez. Mas posso afiançar, que a fraude e o prejuizo do thesouro serão maiores, se não houver fiscalisação, ou se não se cumprirem as leis (apoiados).

Ha uma emenda ou additamento do sr. Rodrigues de Freitas ao n.º 2.° do artigo 4.°, que diz o seguinte (leu).

É o que está na lei.

(Interrupção.)

Pois havemos de estar a legislar para outros liquidos, que não são comprehendidos n'esta lei? Havemos de estar agora a legislar para o azeite, para as aguas mineraes, e para liquidos de que esta lei não trata? Não póde ser (apoiados). Portanto a emenda do illustre deputado é uma redundancia (apoiados), não tem outra significação.

O § 2.° do artigo 4.° do projecto não póde referir-se senão aos liquidos de que trata esta lei. Entretanto sujeitarei a moção do illustre deputado ao exame da commissão de fazenda. Mas desde já tomo a responsabilidade de lhe chamar uma superabundancia.

Segue-se agora um additamento ou substituição do illustre deputado ao art. 5.° Tenho lido e relido a sua moção, e não percebo bem o seu final. Se s. ex.ª quizesse dar-me alguma explicação muito me obsequiava.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Peço licença para dar uma explicação. O § 1.° do artigo 4.° refere-se unicamente á aguardente nacional, e o artigo 5.° refere se a todas as bebidas alcoolicas e mais bebidas fermentadas que se fabricarem dentro da cidade do Porto. O que eu desejo, pois, é que se harmonise o artigo 5.° com o § 1.° do artigo 4.°, e que a aguardente que for destinada para beneficiar o vinho tambem não pague direitos.

O Orador: — Pois a aguardente fabricada dentro do Porto não é nacional? De certo que o é (apoiados). Logo, desde que ella esteja nas condições do § 1.° do artigo 4.°, e for destinada á beneficiação dos vinhos de embarque, está claro que não poderá pagar o imposto do real d'agua.

Não ha, pois, necessidade do additamento do illustre deputado, que é confuso, e que precisaria, como commentario, de outro additamento para o explicar (apoiados).

É esta a minha opinião; a commissão de fazenda determinará o que for mais justo.

Entretanto não posso admittir que se diga que não estão prevenidas na lei as hypotheses previstas pelo illustre deputado, embora a commissão possa concordar em que se torne mais claro o que já é claro (apoiados).

Temos ainda a geropiga. Quer o meu illustre amigo, o sr. Rodrigues de Freitas, que se elimine do artigo 2.° a palavra geropiga. Se é para a eliminar do imposto do real d'agua, fallaremos mais de vagar a esse respeito. Se é para a livrar tambem do imposto de 60 réis por decalitro, creado por decreto de 30 de junho de 1870, rejeito já in limine a sua proposta.

Eu já hontem disse n'esta casa, e repito hoje, qual é a respeito da geropiga a jurisprudencia fiscal.

Este assumpto terá porém de ser examinado pela commissão, de accordo com o governo.

A geropiga tem pago no Porto o imposto do real d'agua de 5 réis por litro, igual ao vinho, e ninguem tem reclamado.

Tenho em resumo respondido ás observações dos illustres deputados sobre este projecto de lei; e vou concluir com uma resposta que devo ao sr. Rodrigues de Freitas, que alludiu directamente á commissão de fazenda.

Não sou eu de certo o membro mais competente da commissão de fazenda para defender ou explicar os seus actos; mas como estou com a palavra, não me ficaria bem calar-me, sem responder a s. ex.ª

Estranhou o illustre deputado, e se não estranhou, reparou ou lembrou, que a commissão de fazenda não tinha apresentado até hoje senão projectos de augmento de imposto, não tendo relatado ainda nenhum sobre economias ou reducções de despezas.

Sr. presidente, quaes são as obrigações da commissão de fazenda? A commissão examina e relata as propostas, que lhe são remettidas, quer sejam do governo, quer sejam da camara (apoiados).

É esta a sua missão (apoiados).

Não tem outras responsabilidades, não tem outras iniciativas.

Ha effectivamente uma proposta, onde a commissão de fazenda póde largamente exercer a sua iniciativa de fazer economias e reducções de despezas. É o orçamento. Mas esse está-se examinando na commissão, e será brevemente apresentado á camara (apoiados). Guardem os illustres deputados para então as suas observações ou censura.

Creio que todos hão de ter rasão, tanto os que defenderem o relatorio da commissão, como os que pugnarem por maiores diminuições de despeza. E é natural que haja tambem quem queira, em logar da diminuição, augmento de despeza. Haverá de tudo, e a discussão ha de ser illustrativa (apoiados).

Nada mais tenho a dizer.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Ha ainda quatro srs. deputados inscriptos sobre este projecto; mas, como a hora está muito adiantada, vae entrar-se na segunda parte da ordem do dia,

O sr. Alves Passos (por parte da commissão de instrucção publica): — Dou parte a v. ex.ª de que a commissão de instrucçâo publica se installou, nomeando o sr. Barjona de Freitas para presidente e a mim para secretario; e de que nomeou tambem o sr. Barjona de Freitas para seu delegado junto da commissão de fazenda.

O sr. Pinheiro Chagas (por parte da commissão de guerra): — Declaro a v. ex.ª que a commissão de guerra está constituida, tendo nomeado o sr. barão do Rio Zezere para presidente, a mim para secretario, e ao sr. Placido de Abreu para seu delegado junto da commissão de fazenda.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Dias Ferreira: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje, tanto na primeira como na segunda parte.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e um quarto da tarde.

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