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SESSÃO DE 8 DE MAIO DE 1885 1493

O caracter moderado, nada radical do projecto, atacará ou ferirá tendencias nacionaes em sentido opposto? Responde negativamente o exame actual do povo portuguez, e corroboram este parecer os nossos antecedentes historicos e parlamentares.
Presentemente, o partido da extrema esquerda constitue uma pequena fracção dos nossos partidos politicos; (Apoiados.) e os orgãos da imprensa periodica afastam-se, mi sua grande maioria, das concepções arrojadas e intransigentes do radicalismo.
Digamos a verdade.
O génio portuguez, indolente, moroso, com iniciativa insufficiente, carece hoje do excessivo vigor tão preciso aos grandes commettimentos, quer demagogicos, quer absolutistas. Somos prudentes, por vezes a mingua de espirito inventivo; somos cautelosos, por vezes a falta de actividade individual ou collectiva.
Os nossos antecedentes históricos o parlamentares confirmam o parecer exposto.
A revolução de 1820 teve vida ephemera por ultra-liberal, por exaggerada no seu programma do reformas, exaggero este peiorado ainda pela deficiencia de legislação adjectiva que acompanhasse, completasse e garantisse a realisação e estabilidade da reforma fundamental.
Triumphante o partido avaneado pela revolução de setembro de 1836, foi elle o primeiro a reconhecer a impossibilidade de implantar novamente a constituição do 1822, como lei definitiva da nação. Assim e que o partido setembrista cede perante o conhecimento antecipado que havia adquirido do estado mental do povo portuguez, e a constituição de 1888 representa uma transacção entre o programma do jacobinismo puro de 1820 e o programma ordeiro dos cartistas de 1826.
(Vozes: - Muito bem.)
Mas nem mesmo esta conciliação pode vingar; nem mesmo este termo medio pode alcançar vida duradoura.
A carta constitucional e de novo acclamada em 1842, e dez annos decorrem ainda antes de ser levada a effeito a reforma da nossa lei primaria. O acto addicional de 1852, verdadeira conquista das doutrinas liberaes, está muito longe de se poder comparar, sob este ponto de vista, a constituição de 1838, e muito menos a constituição de 1822.
A educação liberal do povo portuguez, depois da fixação na nossa terra do regimen monarchico-absoluto, tem-se operado com extrema difficuldade.
A revolução de 1820 foi o grito de revolta de uma pequena fracção do paiz, cujo triumpho se deve em verdade á indifferença da grande massa dos cidadãos portuguezes pelas cousas publicas, como consequencia do estado vergonhoso do abandono, incuria e inhabilidade que a governação do estado havia attingido nas epochas immediatamente anteriores a este movimento revolucionario.
A victoria do regimen liberal em 1834 foi devida á decadencia extrema do systema absolutista, a influencia das potências estrangeiras, a vontade energica, pertinaz e indomavel de D. Pedro IV, ao heroismo dos soldados cartistas, á bravura e competencia de generaes sectarios da constituição outorgada em 1826; mas seria tambem devida a força irresistivel da opinião publica? É forçoso confessar que não.
Estude-se attentamente esto periodo da nossa historia moderna, e ver-se-ha que a nação portugueza, mesmo durante a guerra de 1832 a 1834, e na sua quasi totalidade, adorava o throno e o altar; era pelo Rei que conservava, alem das tradições religiosas, as tradições monarchico-absolutas. (Apoiados.)
As condições historicas internas, a situação política de certas nações estrangeiras e alguns acontecimentos fortuitos fornecem a rasão justificativa d'esta victoria, apparentemente inexplicavel. (Apoiados.)
A lentidão com que se tem operado a educação liberal do povo portuguez manifesta-se ainda sobremaneira no adiamento ininterrompido da reforma constitucional desde 1854 ate á actualidade; nas difficuldades que têem acompanhado a organisação do partido constituinte, que tomou como bandeira política a constituição de 1838 e que representa a extrema esquerda monarchica; manifesta-se por ultimo nas dissidencias invenciveis que minam e desconceituam o partido republicano. E manifesta-se em todos estes factos, porque a vida política de um povo nada mais e do que o fiel espelho da sua vida social; porque as necessidades de um povo, quando verdadeiras e inadiaveis, traduzem-se fatalmente em reformas da legislação. (Muitos apoiados.)
Á face das considerações expostas, julgo, sr. presidente, estar com a verdade, affirmando que o caracter moderado do projecto em discussão corresponde ao estado, tendencias e aspiracções da nação portugueza, e que é perfeitamente justificado pelos nossos antecedentes historicos e parlamentares.
A ambição de legislar não nos deve deixar prever horisontes felizes e desanuveados na reformação radical dos artigos da carta constitucional, sobre cujo merecimento e utilidade fomos chamados a exprimir o nosso voto. Recordemo-nos de que os reformadores de 1820, idealistas e utopicos, poderam alcançar que vingasse o movimento revolucionario, mas que só com o programma moderado do 1826 foi possivel implantar de vez no territorio patrio o regimen do constitucionalismo! Lembremo-nos de que as reformas integraes de legislação, levadas a cabo sob o commando de Bonaparte, não conseguiram salvar o primeiro imperio de uma queda rapida; e de que o bom senso, o espirito pratico, as reformas moderadas de Gambetta e Thiers lograram salvar a França depois da catastrophe do Sedan! (Muitos apoiados.)
Occupa na actualidade a mente de publicistas da melhor nota a transformação dos parlamentos organisados como o nosso em parlamentos de classes: isto é, a transformação do parlamento, em que cada membro pode ser eleito sem distincção por todos os eleitores comprehendidos numa determinada circumscripção eleitoral, num parlamento dividido em grupos, sendo cada um dos grupos de representantes o hederdos interesses de um determinado elemento ou classe nacional, da classe a cujos votes deveu o ingresso na assemblea legislativa.
A variante desta doutrina, talvez a unica verdadeiramente digna de discussão e que cada vez vae alcançando mais sectarios entre os cujtores do direito publico constitucional, e a que, partindo da existencia de duas camaras, conserva numa d'ellas o systema actualmente em vigor entre nós, e reserva para a outra a implantação da reforma mencionada.
A face d'esta opinião cada membro da primeira camara representa o paiz, cada membro da segunda camara representa uma classe ou interesse social. A primeira camara representa no seu conjuncto a nação inteira, porque cada um dos seus membros a representa individualmente; a segunda camara representa tambem no seu conjuncto a nação inteira, porque as diversas representações especiaes dos seus membros se conglobam e completam, de maneira a abranger todos os elementos da vida nacional.
Não e meu intento discutir largamente n'este logar a conveniencia e alcance da constituição de um parlamento de classes, embora isso tivesse cabimento nas faculdades constituintes concedidas a estas cortes sobre os artigos 14.°, 39.° e 74.° § 1.° da carta constitucional.
Synthetisarei em breves palavras o meu modo de pensar sobre tão importante ponto de direito publico interno, que se prende estreitamente ao projecto em discussão, e exporei a maneira como, a meu parecer, devera a concepção do parlamento de classes ser applicada e aproveitada na reforma da nossa constituição e legislação eleitoral.
A necessidade de conservar, polo menos em uma das casas do parlamento, a assemblea legislativa organisada