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SESSÃO DE 2 DE MAIO DE 1888
Presidencia do exmo. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarios os exmos. srs.
Francisco José de Medeiros
José alaria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral
SUMMARIO
Dá-se conta de um offixio da sra. D. Claudina de Freitas Chamiço, agradecendo o voto do sentimento que, pelo fallecimento do marido d'aquella senhora, a camara mandou lançar a acta. - O sr. primeiro secretario declarou que estavam sobre a mesa as contas da junta administrativa da camara, relativas á gerencia de 14 de agosto de 1887 a 28 de janeiro de 1888. - Teve segunda leitura uma nota do sr. Brito Fernandes, renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 145, de 30 de abril de 1880, auctorisando o Governo a melhorar do posto de major a reforma do cipitão Miguel Augusto de Oliveira. - O sr. Franco Castello Branco apresentou uma representação do club commercial vimaranense, pedindo a conservação da collegiada de Guimarães e a sua tranformação n'um estabelecimento de ensino livre. Instou com a commissão dos negocios acclesiasticos para que lhe dissesse a andamento que tinha tido o projecto de lei que, a este respeito, apresentára, e referiu-se á construcção do caminho de ferro da Beira Baixa, pedindo que as estações de construissem o mais possivel proximo das povoações, e a um deposito de dynamite que o empreteiro Catrim tinha collocado na povoação do Alcaide, entre Castello Branco e Fundão, que punha em risco as vidas dos habitantes da mesma povoação. Responde-lhe o sr. ministro das obras pulicas. - Tambem o sr. Luiz José Dias deu informações ao sr. Franco Castello Branco com relação ao projecto que apresetára. - O sr. Serpa Pinto notou que na terceira divisão militar, e crê que tambem em Lisboa, se désse ordem para que dos differentes corpos vão piquetes acudir aos incendios, o que achava inconveniente por differentes rasões; referiu se tambem á questão dos officiaes reformados e ao tratado ultimamente celebrado com a China. Respondeu-lhe o sr. presidente do conselho de ministros. - O sr. Fernandes Vaz refere-se aos trabalhoasde dois lentes da universidade Philomeno da Camara de Mello Cabral e Augusto Antonio da Recha, na analyse bacterioscopica das aguas potaveis de Coimbra, e apresenta uma proposta para que se lhes continue na acta um voto de louvor. Esta proposta, que foi considerada urgente, depois de alguma discussão, foi aprovada. - O sr. Moares Carvalho apresentou um requerimento, pedindo informações no governo e o sr. Francisco do Medeiros uma nota justificando a sua falta á sessão de hontem.
Na ordem do dia continúa a interpellação sobre a execução da lei que auctorisou as obras do porto de Lisboa. - Concluiu o seu discurso de opposição o sr. Pedro Victor, que apresentou uma proposta, e começou a fallar tambem sobre a ordem o sr. Espregueira, que ficou com a palavra reservada para a sessão seguinte. - Antes de se encerrar a sessão o Sr. Fuschini chamou a attenção do sr. ministro da fazenda, para o facto da companhia das aguas da cidade do Porto estar mandando affixar informações ás portas de differentes proprietarios, sem serem selladas, e havendo-se-lhe perguntado o motivo por que assim procedia, respondêra estar para isso auctorisada pelo sr. ministro da fazenda. - O sr. ministro da fazenda declarou que não dera ordem alguma no sentido de isentar a companhia das aguas do Porto de pagar o sêllo dos annuncios, e hoje mesmo ía mandar telegramma ao inspector da fazenda d'aquella cidade para que fizesse cumprir a lei.
Abertura da sessão - Ás duas horas e tres quartos da tarde.
Presentes á chamada 60 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Oliveira Pacheco, Moraes Sarmento, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Augusto Ribeiro, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Sá Nogueira, Candido da Silva, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, João Arroyo, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Correia Leal, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Avellar Machado, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel Espregueiro, Manuel José Correia, Marianno de Carvalho, Martinho Tenreiro, Miguel imantas, Pedro Victor, Vicente Monteiro, Estrella Braga e Wenceslau de Lima.
Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sonsa, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Pereira Bordes, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro,
Barão de Combarjua, Lobo d'Avila, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Firminio Lopes, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Rodrigues dos Santos, Alfredo Ribeiro, Alves Matheus, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Alves de Moura, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Alpoim, José Maria de Andrade, Pinto de Mascarenhas, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Manuel Pacheco, Marianno Presado, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro e Consiglieri Pedroso.
Não compareceram á sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Albano de Mello, Anselmo de Andrade, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Ennes, Gomes Neto, Antonio Maria de Carvalho, Augusto Pimentel, Victor dos Santos, Conde de Fonte Bella, Eduardo de Abreu, Estevão de Oliveira, Matoso Santos, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco Ravasco, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Souto Rodrigues, Joaquim Maria Leite Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Pereira de Matos, Guilherme Pacheco, Barbosa de Magalhães, José Maria dos Santos, Santos Reis, Abreu e Sousa, Matheus de Azevedo, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Visconde de Silves.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officio
De D. Claudina de Freitas Chamiço, agradecendo á camara o voto de sentimento mandado exarar na acta das suas sessões, pelo fallecimento do seu marido, o conselheiro Francisco de Oliveira Chamiço.
Á secretaria.
Segunda leitura
Renovação de iniciativa
Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 145, de 30 de abril de 1885, o qual teve parecer das commissões do ultramar e fazenda, na sessão legislativa d'aquelle anno.
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Camara dos deputados, l de maio de 1888.= Brito Fernandes, deputado da nação.
Lida na mesa, foi admittida e enviada á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.
A renovação refere-se ao seguinte:
Projecto de lei
Senhores.- Á vossa commissão do ultramar foi enviado, por solicitação do esclarecido representante de Macau, o requerimento do capitão reformado da provincia de Moçambique, Miguel Augusto de Oliveira, que, tendo obtido parecer favoravel á sua pretensão, elaborado pela illustre commissão do ultramar da anterior legislatura, não foi comtudo discutido esse parecer por falta de tempo.
A commissão, tendo examinado com a mais escrupulosa attenção as allegações do requerente, vem hoje apresentar o seu parecer, baseado no estudo do processo e documentos que o acompanham.
Da legislação que regula as reformas e documentos apresentados se deduz claramente que a reforma a que foi violentado o capitão Miguel Augusto de Oliveira foi lhe arbitrariamente imposta, com manifesta offensa dos principios de justiça, resultando d'ahi a paralysação da sua carreira militar, alem de outros prejuizos, como já foi ponderado no minucioso relatorio do parecer da illustre commissão da legislatura anterior, e que acompanha este como esclarecimento.
Parece, pois, á commissão, que é de toda a justiça que o requerente seja indemnisado dos prejuizos soffridos, e por isso, compenetrada d'este sentimento, tem a honra de propor á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É o governo auctorisado a melhorar no posto de major a reforma do capitão Miguel Augusto de Oliveira, com o soldo correspondente.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 30 de abril de 1885.= João Eduardo Scarnichia = Luiz de Lencastre = Luciano Cordeiro = Antonio Joaquim da Fonseca = S. R. Barbosa Centeno = Pedro G. dos Santos Diniz = Tito Augusto de Carvalho = João de Sousa Machado, relator.
REPRESENTAÇÃO
Da direcção do club commercial de Guimarães, pedindo a approvação do projecto de lei do sr. deputado Franco Castello Branco, para a conservação da real collegiada de Nossa Senhora da Oliveira, d'aquella cidade, e a sua transformação n'um instituto de ensino livre.
Apresentada pelo sr. deputado Franco Castello Branco enviaria á commissão de negocios eclesiasticos e mandada publicar no Diario do governo.
REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO
Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, se envie a esta camara copia do contrato feito pela direcção do banco de Portugal para a negociação das acções da ultima emissão que não foram requeridas pelos accionistas. = O deputado, Moraes Carvalho.
Mandou-se expedir.
JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS
Declaro que faltei á sessão de hontem por motivo justificado. = Francisco de Medeiros.
Para a secretaria.
O sr. Franco Castello Branco: - Sr. presidente, mando para a mesa uma representação do club commercial de Guimarães, pedindo a approvação do projecto de lei da minha iniciativa e que tem por fim transformar a collegiada da cidade de Guimarães em instituto de ensino livre.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que esta representação seja publicada na folha official, como peço a qualquer membro da commissão dos negocios ecclesiasticos o obsequio de me dizer se efectivamente a commissão já apreciou e discutiu esse projecto, e qual é o sou modo de ver e sentir sobre a idéa fundamental da medida e sobre as idéas regulamentares e complementares da reorganisação da collegiada.
Eu torno a repetir o que disse, quando apresentei o projecto; não faço absolutamente questão alguma que elle seja modificado, no sentido de ser aproveitado o melhor possivel, mas o que espero é que não alterem a idéa fundamental que n'elle se consigna. Por agora não direi mais nada; agradecendo quaesquer declarações que me dêem, por parte da commissão dos negocios ecclesiasticos.
Sr. presidente, eu aguardo tambem que os serviços publicos permitiam que o sr. ministro da justiça venha a esta camara, para conversar com elle a este respeito.
Agora passo a referir me a dois assumptos importantes; o primeiro refere-se á construcção do caminho de ferro da Beira Baixa, e eu peco toda a attenção do illustre ministro das obras publicas, porque esta questão não é de interesse particular, mas sim de interesse para duas localidades que pertencem á região que atravessa aquelle caminho de ferro, interesses que têem de ser escutados e attendidos pelo illustre ministro.
Uma das estações da linha da Beira entre o Tejo e Castello Branco era a das Sernadas, e que pelo projecto definitivo apresentado pela companhia, vinha inscripta n'um sitio afastado da aldeia, que é uma das povoações mais importantes n´aquelles 8 ou 10 kilometros; mas tempo depois reconheceu se que a estacão ficava afastada da povoação, e que a sua construcção tinha que ser feita em terrenos de pessimas, condições technicas. Mudaram a estação para outro sitio tambem muito afastado da povoação e do lado opposto, e tambem em condições inconvenientes e prejudiciaes para os habitantes das Sernadas.
V. exa. sabe que na linha da Beira Alta parece que systematicamente todas as estações ficam distantes de todos os centros mais povoados, o que fez que logo no principio não rendesse o que se esperava.
Estes inconvenientes devem evitar-se na linha da Beira Baixa, actualmente em construcção.
Parece me que o illustre ministro das obras publicas devia empregar todos os esforços para que na linha da Beira Baixa só taça m as estações, quanto possivel, proximo das povoações, de modo que, em vez de se construirem depois estradas carissimas para ligar as estações com os povoados; faça approximar a linha das povoações mais importantes d´aquella região.
Não basta só attender ás cidades, ellas são muito poucas, e por isso não constituem a riqueza do paiz, que está espalhada por muitas aldeias.
Este é um dos pontos para que queria chamar a attenção de s. exa. o ministro das obras publicas, e espero que s. exa., tomando-o na devida consideração, empregará tidos os seus esforços para resolver este assumpto, conforme os interesses da linha e os dos habitantes das Sernadas.
O segundo ponto para que desejo chamar a attenção de s. exa. é um ponto que me toca muito de perto, que diz respeito especialmente a mim.
Na secção que fica entre Castello Branco e Fundão, a linha chega, passada aquella variante, tão desgraçadamente concedida á companhia real dos caminhos de ferro, muito proximo da aldeia onde estão os meus bens, onde nasci; essa aldeia chama-se Alcaide.
Consta-me que o empreiteiro Filippe Cotrim, e peço a exa. que tome nota do nome, que tomou de sub empreitada a construcção d'aquella parte du linha, estabeleceu
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um deposito importante de dynamite n'aquella aldeia. Primeiro pediu licença para estabelecer esse deposito, mas depois, como a não conseguiu, estabeleceu-o subrepticiamente, e bastante grande para pôr em risco, não só a vida dos habitantes, mas todas as propriedades urbanas d'aquella aldeia.
Desejo, pois, que o sr. ministro das obras publicas, quer por meio do fiscal do governo, quer por meio da auctoridade administrativa, mande proceder a uma investigação minuciosa, para se averiguar se realmente tal deposito existe, para que, se não existe, acabe o sobresalto em que vive toda a população, e se existe, para que se obrigue o empreiteiro a removel-o, em conformidade das leis.
Espero que o sr. ministro das obras tomará este assumpto na devida consideração.
Foi approvada a publicação da representação no Diario do governo.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Com relação ao primeiro ponto, vou tomar informações, e peço a s. exa., para tratar d'esse assumpto com urgencia, que para não esquecer algum ponto nem esperar pelas notas tachygraphicas, me dê um apontamento por escripto.
Com relação ao segundo assumpto de que s. exa. se occupou, communical-o-hei ao meu collega do reino, porque é por essa pasta que elle corre, a fim de que mande dar a busca que o illustre deputado deseja.
Pelo meu ministerio não se concedeu auctorisação para se estabelecer esse deposito.
O sr. Luiz José Dias: - Pedi a palavra para dizer ao sr. Franco Castello Branco, e não o disse ha mais tempo porque não me tem sido permittido usar da palavra...
Esta explicação é devida a muita consideração que todos temos pelo talento e caracter de s. exa., e informando-o do que ha feito a respeito d'este projecto, direi que, por ser de muita importancia e vasto alcance, depende de tres commissões, da de negocios ecclesiasticos, da commissão de fazenda e da de instrucção publica, e estas simples considerações só por si bastam para provar, não só a importancia do assumpto, mas tambem a resolução d'elle.
Da parte da commissão de instrucção secundaria é necessario harmonisar as disposições do projecto com a organisação dos estudos nos lyceus, seminarios e outros institutos; a commissão de fazenda precisa fazer face á despeza d'aquelle projecto, e a commissão de negocios ecclesiasticos tem a necessidade de lhe fazer modificações de fórma que não venham implicar as disposições de direito canonico com as leis do paiz.
S. exa. que antes de organisar o projecto, comprehendeu bem o alcance do assumpto e o estudou, sabe bem que estas commissões não podiam dar rapidamente o seu parecer, sem se habilitarem com informações das secretarias de estado respectivas.
Creio que as commissões estão de accordo com a idéa fundamental do projecto; mas terão de fazer-lhe, repito, algumas modificações exigidas pelas convenincias dos eserviços organisados, com os quaes o projecto implica. Logo que a commissão possa obter esses esclarecimentos, dar-se-ha pressa em apresentar o parecer.
O que nós desejâmos é dar o mais depressa possivel o parecer sobre as negociações que nos são affectas.
Parece-me que estas explicações deverão satisfazer a s. exa.
O sr. Serpa Pinto: - Sr. presidente, tenho de fallar sobre tres pontos; sinto que a respeito de nenhum d'elles eu possa ser ouvido pelo ministro a quem me devia dirigir. Um, talvez até certo ponto, s. exa. o nobre presidente do conselho me possa ouvir, os outros, de certo não estão aqui os ministros que me podiam dizer alguma cousa sobre elles.
Principiarei por fallar a respeito de um assumpto que me parece bastante importante pelo estado actual do nosso exercito e sobretudo da guarnição de Lisboa e, Porto. Eu sei que na terceira divisão militar foi dada ordem para que os piquetes dos officiaes de serviço nos corpos e toda, a forca disponivel da guarnição prestem serviço nos incendios.
É sobre este ponto que eu vou fazer algumas considerações.
V. exa. e a camara sabem que mesmo a guarda de honra das côrtes está reduzida e é commandada por um subalterno, porque não ha força nos corpos sufficiente para o serviço da guarnição de Lisboa, assim como não ha para o serviço da guarnição do Porto.
D'aqui tem provindo grandes inconvenientes para o serviço militar.
Este assumpto será ainda largamente tratado este anno n'esta camara, e eu conto tomar parte n'essa discussão, e isto vem a proposito para me referir ao caso dos incendios.
anno passado o inspector dos incendios de Lisboa, cuja opinião tem para mim um grande peso, n'uma memoria que escreveu ácerca do celebre incendio da rua da Bitesga, disse que o maior de todos os inconvenientes nos incendios era a agglomeração de gente não habilitada para os combater.
Dizia elle com muita rasão que o corpo de bombeiros, tanto os municipaes como os voluntarios tem exercicios, sabendo o que devem fazer no momento do perigo para combater o incendio e salvar as vidas; e que o maior serviço da policia era não consentir que as pessoas estranhas impedissem o trabalho dos bombeiros.
Ora a ordem que foi dada nas divisões de Lisboa e Porto manda que os fachinas dos corpos vestidos com o simples casaco de linho, acompanhados com os officiaes de serviço acudam aos incendios. Para quê? Para nada. (Apoiados.)
Sómente para embaraçarem os que trabalham, porque elles nem sabem nem vão armados convenientemente, nem defensivamente, nem offensivamente, por isso que elles não levam nem capacete nem dragonas para resistirem ás pedras ou traves que se desloquem, nem levam machados nem cordas, como têem os bombeiros. (Apoiados.)
Os soldados tambem não vão para policiar, porque lá está a guarda municipal e a policia civil, e mesmo porque a ordem manda que elles vão vestidos com casacos de linho sem irem armados. (Apoiados.)
Agora que se falla em incendios parece-me zêlo de mais mandar o exercito para acudir a elles, quanto isso é contraproducente. (Apoiados.)
Effectivamente quando não ha soldados nos corpos para o serviço, dar-lhes este serviço extraordinario, que não é serviço effectivo, porque para nada serve, parece-me um disparate.
Não sei bem a quem a este respeito me hei de referir, se ao sr. ministro do reino, sob cujas ordens estão as camaras municipaes, e é a ellas que pertence o serviço de incendios, se ao sr. ministro da guerra.
Em todo o caso parece-me que o sr. ministro do reino, comprehendendo perfeitamente a justiça do que eu digo, deve, conversando com o seu collega, e pedir-lhe que seja tirada esta ordem, que para nada serve senão para sobrecarregar a tropa com um serviço com que não póde e que, como disse, para nada serve.
Podia ainda haver uma excepção para o regimento de sapadores, que tem outro serviço e sabe melhor trabalhar no serviço dos incendios do que um regimento de infanteria ou cavallaria.
Imagine v. exa. um soldado de cavallaria ír a cavallo acudir a um serviço de incendios. (Riso.)
Peço, pois, a attenção de s. exa. para este ponto, porque não só envolve uma injustiça, mas vae sobrecarregar os soldados com um trabalho completamente impossivel.
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Outro ponto a que me queria referir, não o póde resolver o sr. presidente do conselho, ou talvez possa.
Desejava saber do governo se já tinha chegado a um accordo com o sr. ministro da fazenda e o banco emissor para resolver a questão muito e muito debatida aqui e na outra camara, ácerca dos officiaes reformados.
O sr. Marianno de Carvalho já declarou n'esta camara que estava em via de realisar a este respeito uma transacção.
Desejava saber se essas negociações tinham caminhado ou se estavam em via de se resolver.
Tenho a dizer a v. exa. que ha pouco, quando entrave para esta casa, encontrei o sr. ministro da fazenda, e disse-me que não podia vir hoje aqui, o que eu senti, e por isso não me alargo a este respeito em considerações. Lembrarei era todo o caso que essas negociações devem ser o mais depressa possivel activadas e não deve haver o maior descuido sobre ellas.
Para terminar, não posso deixar de citar um facto, ao qual já me queria referir hontem, e que não fiz por não me ter cabido a palavra. Diz respeito á declaração feita n'esta casa pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros Barros Gomes relativamente ao tratado da China. N'essa declaração ha dois pontos que ou distingo.
Felicito o paiz e o governo por terem encontrado um homem tão capaz e intelligente como o sr. Thomás Rosa, meu particular amigo, que conseguiu a final n´esta situação fazer uma transacção com o estrangeiro que não foi vergonhosa para nós. Em todo o caso eu faço uma restricção, e não a faço mental, como talvez a fizesse o sr. Barros Gomes, e não posso deixar de acreditar na declaração de s. exa. quando disse que o tratado em magnifico; mas tambem nós ouvimos dizer que o tratado com a Allemanha era magnifico.
Em todo o caso quero crer que seja magnifico desde o momento em que o sr. Thomas Rosa o negociou.
Se o sr. ministro não interferiu, de certo que o tratado deve ser bom.
Como isto é uma questão colonial, e nas colonias eu me tenho tornado um pouco mais salienta, faço tambem uma restricção mental até ver o que se fez. Em todo o caso felicito o governo e o paiz, porque, se a negociação foi feita pelo sr. Thomás Rosa e só por pile, a negociação deve ser boa, reservando-me para fallar mais largamente sobre o tratado logo que eu o conheça.
O sr. Presidente do Conselho de Mimistros (Luciano do Castro): - Direi duas palavras ao illustre deputado sobre os pontos que s. exa. só referia.
Com relação á ordem pagada pelo commandante da terceira divisão militar, para que os soldados assistam aos incendios, devo dizer que desconheço completamente essa ordem, mas se o commandante da divisão do Porto, que é, como s. exa. sabe, um distincto general, deu essa ordem, é porque elle julgou attender a urgentes considerações de serviço publico.
No entanto eu communicarei ao sr. ministro da guerra as considerações do illustre deputado, e elle se apressará de certo a vir dar explicações a este respeito.
Quanto á pergunta que o illustre deputado fez a respeito do accordo do sr. ministro da fazenda com o banco emissor paru o pagamento aos officiaes reformados, devo dizer que não estou habilitado para responder, porque não tenho conhecimento do assumpto.
Com relação ao que s. exa. disse sobre o tratado com a China, sei perfeitamente apreciar a posição que s. exa. adoptou a seu respeito, e não me surprehendeu.
S. exa. milita na opposição, vê diante de si um acto do governo, que eu supponho de grandissima importancia internacional, (Apoiados.) e portanto é natural que s. exa., antes de pronunciar a sua opinião, queira examinar com os seus olhos, não só os resultados das negociações, mas as diligencias que se fizeram para obter esses resultados. Devo porém levantar uma phrase de s. exa.
Pareceu-me ouvir dizer a s. exa. que, se nas negociações tivesse interferido só o sr. Thomas Rosa, s. exa. estava certo de que ellas teriam sido bem dirigidas: mas se o sr. Thomas Rosa tivesse sido apenas o executar das ordens do governo, talvez que não tivesse de louvar esse tratado.
Devo dizer a s. exa. que tomei parte como chefe do gabinete em todas as negociações, dei o meu voto em todos os assumptos que foram presentes ao governo, e que foram muitos antes de só chegar ao resultado final, tendo occasião de conhecer e admirar o zêlo e a intelligencia de que deu provas o sr. Thomás Rosa; mas devo dizer que o sr. Thomás Rosa não foi mais de que um executor e interprete leal, intelligente e consciencioso das instrucções que do governo recebeu, porque s. exa. não tomava, em uma negociação tão grave e melindrosa como aquella, a responsabilidade de praticar qualquer acto ou do tomar qualquer resolução sem receber instrucções particulares do governo.
Sem querer contestar ao sr. Thomás Rosa os louvores que elle merece, não posso deixar de reivindicar para o meu collega dos negocios estrangeiros a parte relevantissima que lhe pertenço n'este assumpto, e que lhe deu tantas fadigas, que lhe occasionou tantos cuidados, e que hoje deve merecer os applausos e louvores do paiz.
O illustre deputado disse que não conhecia o tratado, e eu não posso nem devo dar-lhe explicações a seu respeito; todavia dir lhe-hei que elle é a approvação do protocollo que já foi apreciado e approvado pelo parlamento.
Dizendo isto, parece me que tenho dito o bastante, porque conseguir do governo chinez a approvação d'esse protocollo já foi um grande serviço prestado ao paiz.
O sr. Serpa Pinto: - Requereu que se consultasse a camara sobre se consentia que elle usasse da palavra em seguida ao sr. presidente do conselho.
A camara resolveu afirmativamente.
O sr. Serpa Pinto: - Agradeço a s. exa. o sr. presidente do conselho a honra que fez de me responder sobre os tres pontos de que tratei, e agradeço igualmente á maioria a fineza de me conceder a palavra.
Tenho agora de dizer a v. exa., em resposta ás ultimas palavras do sr. presidente do conselho, que acredito piamente em que a negociação seja boa desde que s. exa. teve interferencia n'ella, porque acredito enormemente em s. exa. como diplomata, apesar de não acreditar em v. exa. como governador das cousas internas, assim como acredito muito pouco no sr. Barros Gomes.
O que me pesou muito foi que s. exa. não fizesse um duo com o sr. Barros Gomes em todos os louvores que s. exa. fez hontemm ao sr. Thomás Rosa, meu particular amigo.
Disse s. exa. que o sr. Thomas Rosa tinha sido unicamente o instrumento do governo; eu registo as palavras de s. exa., um pouco pesaroso, porque hontem tinha ficado jubilosissimo com o que tinha dito o sr. ministro dos negocios estrangeiros.
Agradeço outra vez a s. exa. a honra que me fez de me responder e digo que tenho muita esperança de que o tratado seja bom, desde que s. exa. dirigiu a negociação.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Eu não disse que dirigi, disse que tomei parte, como membro do governo, n'essa negociação, nas quem fez essa negociação foi o meu collega.
O Orador:- Isso é o bastante. É preciso que s. exa. acredite que eu, como muitos membros d'este lado da camara, acredito na enorme capacidade de s. exa. e no seu grande amor pela patria; e por isso acredito que o tratado bom.
Eu entendo que, desde que s. exa. colaborou com os
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seus collegas n'este assumpto, os direitos e a dignidade de Portugal hão de ser mantidos.
Se este tratado fosse feito só pelo sr. Barros Gomes, eu não acreditava n'elle.
Por isso felicito o paiz por ter s. exa. colaborado com o seu collega, o sr. Barros Gomes, para não termos a repetição de mais um tratado com a Allemanha ou mais uma concordata. (Apoiados.)
O sr. Fernandes Vaz: - A maior parte d'esta camara conhece que ainda ha pouco tivera logar uma epidemia de febres typhoides em Coimbra, e que ella causou grande susto na maior parte das familias de todos os pontos do paiz, que estavam anciosas por noticias e pediam informações todos os dias sobre a marcha e progressos do seu desenvolvimento, acontecendo que, ainda assim, foi manor do que se estava esporando, o que de certo foi devido aos importantes e asssiduos trabalhos de dois homens a que me vou referir.
Por essa occasião começou-se a attribuir a molestia que ali grasnava ás aguas potáveis, de que se fazia uso nos pontos afectados.
E, estando á testa da administração d'aquelle districto um funccionario distincto, o meu respeitavel amigo o sr. barão do Fornellos, foram incumbidos os illustres professores da faculdade de medicina, os srs. Philomeno
Cabral e Augusto Antonio da Rocha, de conhecer e examinar se as aguas potaveis continham o microbio, que se suppunha causador d'esta molestia.
Foi tal a dedicação que estos cavalheiros empregaram, foi tal o interesse que aquelles funcionarios tomaram na sua missão, aliás espinhosa, que, passado pouco tempo, apesar d'esses trabalhos serem morosissimos o entre nós pouco conhecidos, talvez originaes, elles descobriram que o mal estava nas aguas das fontes de onde se abastecia o bairro alto e que d'ahi vinha a causa que fazia estremecer de susto e bem fundados receios a população de todos os pontos do paiz, que linha ali na sua maior parte, representantes na mocidade estudiosa, que não era a menos victimada.
Estes estudos, alem do terem uma grande significação pelos seus resultados scientificos, tiveram desde logo uma applicação pratica. Foi descoberta a origem da molestia, e por conseguinte facil foi pôr-lhe um dique.
Descobriu-se que um cano de esgoto que passava junto da canalisação da agua, inquinava esta, derivando do seu uso aquellas febres, e por isso determinou-se que as pessoas residentes n'aquelle bairro não continuassem a fazer uso das mesmas aguas.
Os trabalhos d'esta natureza, pelas difficuldades com que foram levados ao fim, são de grande importancia e honram e nobilitam os estabelecimentos onde se executam e os individuos que os prestaram.
Sr. presidente, nós, que temos assento n'esta camara e que na maior parte somos filhos d'aquelle antigo e bem conceituado estabelecimento da universidade, não podemos deixar de ter certos assomos do bem desculpavel vaidade, em ver que são dois distinctos ornamentos d'ella que fizeram aquelles estudos:
É geral e desculpavel uma tal ou qual ufania, que todos sentimos, quando dos estabelecimentos scientificos, onde aprendemos, sáem homens que os honram o engrandecem.
Por isso tomei a liberdade de apresentar á camara uma proposta de louvor, que, estou certo, ella lhes não regateará.
A generosidade d'aquelles finccionarios foi ao ponto de escreverem uma memoria, mandando a cada um dos membros d'esta camara um exemplar, que de certo terá sido devidamente apreciado por todos nós.
Parece-me, portanto, que merece uma manifestação da camara, não só o valor scientifico dos trabalhos d'aquelles distinctos lentes, como tambem a sua generosa offerta; eis as rasões por que mando para a mesa a seguinte proposta,
(Leu.)
Peço a urgencia.
Leu se na mesa seguinte:
Proposta
Proponho que na acta se consigne um voto do louvor d'esta camara, aos distinctos professores da faculdade de medicina de Coimbra, drs. Philomeno da Camara Mello Cabral e Augusto Antonio da Rocha, poios relevantes serviços prestado á ciencia e ao paiz, por occasião da epidemia de febres typhoides, que nos mezes de janeiro a abril do anno passado grassou em Coimbra, procedendo á analyse bacteriosopica das aguas potaveis d'aquella cidade, e chegando, apesar de todos os defeitos e penuria do gabinete de microbiologia, a conclusões de grande alcance, expostas na sua memora Investigação do bacillus typhicas nas aguas potaveis de Coimbra, trabalho a que esta camara dá o alto apreço que lhe é devido, bem como um voto de sincero reconhecimento pela extrema delicadeza da offerta da sua memoria a cada um dos membros d'esta camara, mandando-se a cada um d´aquelles illustres professores copia da acta na parte respectiva. O deputado, Francisco José Fernandes Vaz.
Foi approvado o requerimento para a proposta entrar já em discussão.
O sr. Presidente: - Está em discussão a proposta.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Quero dizer a v. exa. e a camara que me associo á proposta apresentada pelo sr. deputado Fernandes Vaz, para que se consigne na acta um voto de louvor aos dois distinctos professores da universidade de Coimbra, a que se refere a proposta do sr. deputado.
Não sou competente para apreciar esses trabalhos, mas tenho ouvido a homens competente tecer-lhes os maiores louvores e por isso associo-me á proposta e peço á camara que a approve.
O sr. Ferreira de Almeida: - Eu sou o menos competente para avaliar do merecimento das pessoas e dos serviço, a que se refere a proposta em discussão; estou convencido de que tem todo o cabimento o voto de louvor que se quer dar; mas mesmo para a seriedade d'este voto de louvor, pareceu-me que o assumpto não deve ser tratado de leve, para que não pareça que foi conquistado de assalto.
Se hoje este voto de louvor é bom cabido, ámanhã póde-se apresentar um outro que o não seja, e para lhe evitar os inconvenientes, parece me que devemos ser cautelosos, estabelecendo o precedente, enviando a proposta a qualquer commissão que sobre ella de parecer.
Isto não prejudica, por fórma alguma, nem o alcance, nem os merecimentos da proposta; dá-lhe pelo contrario solemnidade e seriedade, e acautela sobre casos similhantes que possam dar-se com menos justiça.
Entendo, pois, que o pedido de urgencia foi precipitado, e não preponho para que a proposta vá a uma commissão, para não melindrar o proposta, deixando lhe a plena liberdade de proceder por mota proprio segundo a minha ordem, de idéas, pelas rasões que acabo de expor.
O sr. Fernandes Vaz: - Em resposta ás reflexões apresentadas pelo meu illustre collega o sr. Ferreira de Almeida, direi que não tive a minima intenção de levar esta questão de assalto.
Eu posso assegurar a s. exa. que, nem com o governo, nem com pessoa alguma fallei a tal respeito; é uma lembrança puramente minha e só minha.
Para s. exa. se convencer d´isso, posso tambem assegurar-lhe que nem conheço um dos distinctos professores a que essa proposta se refere sei que é um professor muito illustrado da universidade e um membro distincto do partido republicano, e o
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outro foi meu contemporaneo em Coimbra, e com elle tenho algumas relações. Mas posso affirmar igualmente a s. exa. que nem de um nem de outro tive a mais leve indicação no sentido de apresentar similhante proposta.
O sr. Ferreira de Almeida: - Eu não disse que houvesse intenção do levar de assalto esta questão, mas que o facto podia dar-se; era uma simples presumpção. Para se dar ao facto todo o caracter de respeitabilidade, entendia eu que a proposto devia ser estudada por uma commissão.
O Orador: - Agradeço a s. exa. a explicação que vem confirmar mais a idéa em que eu já estava de que s. exa., por maneira alguma, era capaz de julgar que da minha parte houvesse qualquer intenção reservada. Realmente não houve, nem mesmo podia haver. Sabe s. exa. porque? Eu propuz um voto de louvor assentando as bases d'elle n'um trabalho que foi distribuido n'esta camara, ha talvez dois mezes; trabalho que eu tive mesmo o cuidado de dizer que provavelmente já estava devidamente apreciado por esta camara. Alem de que o voto de louvor era uma maneira de agradecer uma offerta tão generosa e de corresponder á extrema delicadeza de quem a fez.
Eis-aqui explicada a rasão por que eu entendi não se poder considerar isto uma questão de assalto. A idéa do sr. Ferreira de Almeida poderá ser aproveitada de futuro, mas, no caso presente, não póde ser, por isso que a questão do assalto está prejudicada, visto que os trabalhos d'aquelles dois distinctos professores foram já apreciados devidamente pela camara. (Apoiados.)
O sr. Arthur Hintze Ribeiro: - Pedi a palavra para declarar que me associo do melhor grado á proposta em discussão, pelo conhecimento particular que tenho dos illustres professores de que se trata, e pelos dotes scientificos que os ornam.
Certamente, estando em discussão um voto de louvor dado áquelles dois meus collegas, faltaria aos bons deveres de camaradagem se não fizesse esta declaração nos termos mais amigaveis.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Associo-me igualmente, com muito prazer a esta manifestação da camara pelo trabalho d'aquelles dois distinctissimos professores da escola de Coimbra, trabalho que, ao mesmo tempo que honra a sua auctoridade, é um primor, pela consciencia e pela exactidão scientifica e rigor com que está feito. (Apoiados.)
Entendo que deve haver sempre algum escrupulo em votar estes louvores, mas quando haja para os abonar trabalhos d'esta natureza, entendo que a camara se honra, honrando-os. (Apoiados.)
O sr. Ferreira de Almeida: - Nunca são de mais todas as explicações que tenham por fim definir e accentuar bem a intenção com que tratâmos qualquer assumpto.
Pareceu-me que o meu illustre collega o sr. Fernandes Vaz, se preoccupou com a idéa de que eu quizesse attribuir á sua proposta, uma intenção de assalto. Não, senhor. Repito o que disse para firmar bem as minhas idéas.
Eu entendo que para a respeitabilidade, consideração e gravidade de votos d'esta ordem, elles não perdem nada, pela demora de um ou dois dias na sua apreciação ou resolução; e que o facto de uma commissão qualquer a apreciar e resolver, em nada deprimia nem a iniciativa do indivíduo que faz a proposta, nem a importância do voto que depois a camara sobre ella emitte, por isso que todos os assumptos mais ou menos importantes de que a camara se occupa costumam ser apreciados primeiro por commissões especiaes.
Tive a satisfação de ouvir os meus collegas d'este lado da camara, que são medicos, darem pela parte technica, em que são versados e habilitados, a sua opinião, mas não se pronunciaram, nem contra nem a favor do voto que eu emitti, e foi na generalidade que fallei, de que todas estas questões tinham a ganhar sempre, em ser apreciadas por commissões primitivamente, e não serem apresentadas de momento, para serem votadas. (Apoiados.)
Bem sei que a intenção não é levar as questões de assalto; assim o devo suppor, porque é esta a doutrina, emquanto se não demonstrar o contrario, que a intenção de todos nós é não levar nada de assalto nem de surpreza; mas desde que ha possibilidade de que o facto se póde dar, e sobre tudo om cousas d'esta ordem, que são sempre melindrosas, porque só este está completamente claro, outros poderão não esstar, é conveniente para a responsabilidade do voto, cercal-o de todas as manifestações de estudo de consideração e de apreciação, muito embora esse estudo, não seja senão na apparencia, mas essa apparencia, sabemos nós que é necessario guardal-a.
A qui está a explicação do facto, não significando da minha parte opposição ao voto, porque não tenho competencia para o apreciar.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ruivo Godinho: - Sr. presidente, pedi a palavra principalmente para conquistar uma occasião de fallar, porque, apesar da grande diligencia que fiz, para que v. exa. me desse a palavra n'esta sessão, não o pude conseguir; e como o sr. presidente do conselho...
(Interrupção do sr. Oliveira Maios.)
O sr. Presidente: - O que está em discussão é a proposta.
O Orador: - Eu vou entrar na matéria. Mas admiro-me muito que o meu collega o sr. Oliveira Matos me chame á ordem, quando já é costume, cada um fallar do que quer, e não d'aquillo que está discussão. (Apoiados.)
O sr. Arouca: - De mais a mais, estão sempre fóra da ordem.
O Orador: - Eu preciso dar esta explicação ao sr. presidente do conselho. Pedi hontem a s. exa. a fineza de comparecer n'esta casa, porque tinha que fazer algumas considerações sobre negocios de administração.
Póde ser que s. exa. só vivesse por deferencia ao meu pedido, e por isso não queria que suppuzesse que eu, depois de ter feito esse pedido, não empregara todas as diligencias para tratar do assumpto, para o qual pedira a presença do sr. presidente do conselho.
Ora parece-me que esta explicação podia dar-se, a proposito de qualquer assumpto.
Quanto á proposta que está em discussão, associo me tambem a ella, porque reconheço igualmente os relevantes serviços prestados pelas pessoas a quem essa proposta se refere.
Ninguem mais pedindo a palavra, foi lida e approvada a proposta.
O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.
O sr. Fuschini: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Franco Castello Branco: - Peço tambem a palavra para antes de se encerrar a sessão, rogando ao sr. presidente do conselho a fineza de não se ausentar.
ORDEM DO DIA
Continuação da interpellação doa srs. Dias Ferreira e Pedro Victor, ácerca da execução da lei que auctorisou as obras do porto de Lisboa
O sr. Pedro Victor: - Sr. presidente, como não está presente o sr. ministro das obras publicas, podia talvez v. exa. ir dando a palavra aos srs. deputados que a pediram antes da ordem do dia, até que s. exa. chegue.
O sr. Presidente: - O governo está representado pelo sr. presidente do concelho. (Apoiados da direita.)
Vozes da esquerda: - Isto não póde ser.(Pausa.)
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O sr. Pedro Victor: - Mando para a mesa a seguinte proposta:
" Proponho que só suspenda a sessão até se achar presente o sr. ministro das obras publicas."
Isto não é mais do que uma delicadeza da minha parte, para com o sr. ministro das obras publicas, e peço a v. exa. que submetia á discussão esta proposta. Foi lida e entrou em discussão.
O sr. Pedro Victor: - Eu fiz, sr. presidente, esta proposta, porque, sendo este um assumpto importante, e que respeita á pasta do sr. ministro das obras publicas, acho menos delicado da minha parte entrar n'esta discussão sem s. exa. estar presente s. exa. não póde demorar se, e portanto não perdemos muito tempo. (Apoiados.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Eu devo declarar ao illustre deputado que o governo está representado. (Apoiados)
Ainda na sessão de hontem s. exa. exigiu a minha presença n'esta casa para assistir a esta discussão; por consequencia, é porque s exa. julga que, alem da obrigação, eu tenho competencia para assistir a ella. Sendo assim, tomarei nota de tudo quanto o illustre deputado disser, e o communicarei ao sr. ministro das obras publicas, que de certo não poderá demorar-se. S. exa. foi chamada á camara dos dignos pares para uma discussão que lá se levantou, mas de certo não se demora.
O sr. Pedro Victor : - Pois de accordo, ou espero.
O Orador: - Eu porém, entendo que, estando representado o governo, não ha necessidade de perdermos tempo.
Eu estou habilitado para representar o governo, e, como já disse, tomarei nota das considerações que o illustre deputado fizer, e mandarei pedir ao sr. ministro das obras publicas que, logo que possa, venha a esta camara.
O sr. Arroyo: - Penso que a proposta do sr. deputado Pedro Victor não póde ter um ataque serio. (Apoiados.)
Entendo que uma interpellação dirigida directamente a um ministro, e sobre um assumpto de tanta importancia e gravidade, não póde por fórma alguma ser realisada na ausencia d'esse ministro. (Apoiados.)
A opposição pediu, pela voz do sr. Pedro Victor, a presença do sr. ministro do reino, não para dispensar o sr. ministro das obras publicas, mas pelo facto do seu mune estar ligado ás obras do porto de Lisboa.
A sua presença é indispensavel, porque s. exa. é o chefe politico do governo, e, portanto, é necessario que assista á accusação parlamentar para se informar minuciosamente d'essa accusação; mas não só póde dispensar a presença do sr. ministro das obras publicas para realisar uma interpellação que tanto tem emocionado a opinião publica, e que é uma questão de brio e de honra para o governo.
Comprehende-se que a oppopição prescindisse da presença do sr. ministro do reino; mas o que não se comprehende é que s. exa., sendo collega do sr. Emygdio Navarro, defenda similhante doutrina. (Apoiados.)
Pois não disse o sr. ministro das obras publicas que desligava dos seus collegas qualquer responsabilidade n'esta questão, e que a tomava toda para si?
Depois d'esta declaração frisante de s. exa., parece-me menos correcto discutir se a, interpellação na ausencia do sr. ministro das obras publicas. (Apoiados.)
Penso que a proposta em discussão foi feita em termos muito delicados, e inclusivamente o sr. Pedro Victor acompanhou a de um argumento delicado para com o sr. ministro das obras publicas, e, penso, portanto, que a proposta não póde ser coito fundamento atacada.
Parece-me que bem iria ao prestigio d'esta casa e ás declarações do sr. ministro das obras publicas se, durante o tempo preciso, se suspendesse a sessão e se reabrisse logo que s. exa. comparecesse. (Apoiados.)
Esta era a maneira de proceder em um assumpto de importancia, e que é preciso liquidar-se, assumindo
cada um as suas responsabilidades, e assistindo á discussão, tanto o sr. presidente do conselho, como o ministro da pasta respectiva. (Apoiados.)
O sr. Franco Castello Branco: - Está inscripto depois de mim o sr. Elvino de Brito, e como s. exa. não falla no sentido em que nós fallâmos, concordo em que sejam intercallados os oradores a favor e os oradores contra, e se s. exa. me permittisse, sem se melindrar com isso, porque não tenho o desejo de o fazer...
(N'esta occasião entra na sala o sr. ministro das obras publicas.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Eu estava aqui muito tranquillo a ouvir os illustres deputados, quando tres emissarios vieram dizer-me que na outra casa do parlamento um digno par exprobava, a minha ausencia, porque se tratava ali de um assumpto de tal importancia, que ao lado do qual o que aqui se discute, relativo ás obras do porto de Lisboa, era insignificante.
Parti a correr para a camara dos dignos pares, para dar satisfação da minha ausencia. Estava eu n'essa explicação, quando outros tres ou quatro mensageiros me avisaram, de que a minha ausencia estava pendo notada n'esta camara.
Ora eu peço aos illustres deputados, que descubram um meio de me dividir em dois, paia poder estar ao mesmo tempo aqui e na camara dos dignos pares.
O sr. Arroyo: - Mas aqui ninguem censurou a ausencia de v. exa.
O Orador: - Pois eu julgava isso.
O sr. Arroyo: - Julgou-se justificada essa ausencia, e apenas se entendeu que se suspendesse a sessão, até v. exa. chegar.
O Orador: - Pcis eu julgava que a minha ausência tivesse sido censurada ; e sendo assim, propunha que s. ex.as mandassem essas censuras para a camara dos dignos pares, mandando tambem aquella camara as suas censuras para esta. (Riso.)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Pedro Victor para continuar o seu discurso.
O sr. Pedro Victor: - Sr. presidente, agora que já chegou o sr. ministro das obras publicas, e que vou continuar com o meu discurso, peço a v. exa. para retirar a minha proposta a fim de se interromper a sessão.
Isto que acaba de passar-se prova bem que todo o mundo está pedindo a cabeça do sr. Emygdio Navarro. (Riso.) São culpas que s. exa. de certo tem nos cartorios.
Mas vamos continuar novamente a nossa discussão, no pé em que a deixámos.
Dizia eu hontem, que tinha sido feita a adjudicação das obras do porto de Lisboa faltando um documento no processo, faltando ao sr. ministro das obras publicas um elemento para poder despachar conscienciosamente, e para poder cumprir e satisfazer ao disposto no artigo 17.° do programma.
Satisfeitas todas as exigencias technicas, o que se, tornava necessario era satisfazer e zelar os interesses do estado; para satisfazer e zelar esses interesses era indispensavel saber qual a economia do projecto definitivo que ia ser posto em execução.
Visto que este projecto não foi aquelle que foi ao concurso, visto que foi alterado o projecto primitivo, era indispensavel que aquelle documento estivesse junto ao processo, para o sr. ministro das obras publicas poder despachar.
Não aconteceu assim, logo s. exa. resolveu levianamente.
Tanto assim é, que, depois de adjudicar a obra, quando
a imprensa o accusou, s. exa. viu-se obrigado a ir pedir
aos seus engenheiros uma certidão de bom comportamento.
Esta certidão devia encontrar-se no processo com data
anterior á da adjudicação.
Depois, é claro que só tem um valor muito secundario, muito menos importante do que teria se estivesse entre
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os documentos do processo no momento em que se fez essa adjudicação.
Toda a gente comprehende a rasão d'esta minha observação.
Este documento é assignado por uma commissão de engenheiros respeitaveis, e mais tarde a junta consultiva de obras publicas e minas deu sobre elle o seu parecer.
Se este documento não viesse formulado como está, se elle não absolvesse plenamente o ministro dos seus erros, o que representaria?
Representaria um mandado de despejo ao mesmo ministro.
Ou representava a condemnação do ministro, ou então
tinha de dizer o que diz.
Mas, como a junta consultiva de obras publicas e minas e como os engenheiros do ministerio não são corporações politicas que decidam da conservação dos ministros, e a quem incumba indicar, por meio do consultas, que os conlheiros da corôa se conservem no poder ou saíam d'elle, por isso este documento tinha fatalmente de declarar que o ministro bem procedera e que não errára.
Era fatal; este documento não podia dizer outra cousa. (Apoiados.)
Por esta rasão é que elle tem pouco valor.
Este documento é de pequena valia porque foi exigido áquellas corporações n!uma ocasião em que não podia nem devia ser pedido.
Sr. presidente, eu hontem já expuz as considerações feitas pelos engenheiros, que trataram esta questão, a respeito da parte legal do processo, e já mostrei como as rasões por elles produzidas não eram sufficientes, nem se podiam considerar aquelles funccionarios muito tortas em casuistica.
Não digo que o seja eu. Elles é que o não são com certeza.
Seguiram-se depois as apreciações dos diversos calculos dos trabalhos propriamente techinicos com relação ao apuro dos lucros orçamentaes do empreiteiro Hersent, que, no dizer da commissão, são nullos, e que, na opinião da junta, são pouco avultados.
Expuz qual era a differença que se encontrava, e depois d'isso declarei que não concordava nem com uns nem com outros.
Comecei a mostrar qual era o resultado a que tinha chegado pelo exame dos documentos, e hoje vou continuar n'essa exposição.
Antes porém, preciso fazer uma pequena observação.
Os papeis, cá da terra, (Riso.)dizem, e eu não me zango
com isso, que eu não era positivamente a pessoa mais competente para produzir estes calculos e para dar opinião sobre assumptos de engenheria hydraulica.
Engenheiro de minas, e de mais a mais sedentario, por que sou chefe de repartição, não era eu, no dizer dos papeis, propriamente, a pessoa mais capaz para dar opinião segura sobre este assumpto.
Ora, ha n'isto um grande engano, e eu revolto me contra esta asserção dos jornaes.
Embora não se discutam aqui os periodicos eu, naturalmente, defendo-me e desejo prevenir a camara contra esta injustiça que me querem fazer.
Não senhores, não é assim.
Eu sou tão competente para tratar esto assumpto como qualquer engenheiro que se encontre n'esta camara.
E digo mais. Eu e o sr. Dias Ferreira somos até as pessoas mais competentes para discutir estes negocios.
Repito, somos as duas pessoas que dentro d'esta camara existem com mais competencia para tratar d'este negocio, e vou já demonstral-o; depois v. ex.as mo dirão se é ou não verdade aquillo que vou dizer.
Nós temos visto, que, ha muito tempo a esta parte, a preoccupação do sr. Dias Ferreira é fazer a historia, expor o fiel commentario, produzir a apreciação do todos os jubileus que ha no nosso paiz; é o que s. exa. tem feito com mais cuidado n'estes ultimos tempos da sua vida politica.
Ora, jubileu como este parece-me que não appareceu ainda por cá. (Apoiados.)
Logo o sr. Dias Ferreira era a primeira competencia para fazer uma Interpellação n'esta questão.
Agora vamos a ver ou que sou engenheiro de minas.
Qual é a missão do engenheiro de minas?
E unica e exclusivamente tratar de explorar minas; e como visse o sr. Hersent a explorar uma mina de oiro fui logo tratar de saber como elle a tinha explorado.
Não é esta a minha especialidade? Não era o que devia fazer? (Riso.)
Por consequencia, ninguem mais competente do que eu para tratar d'este assumpto, e parece me que o jornal não tinha rasão em dizer o que disse. (Apoiados.)
E agora, á boa paz, confessemos que a respeito de obras hydraulicas tanto sabem os engenheiros de obras publicas como os de minas, porque no nosso paiz ainda nenhum engenheiro, que me conste, construiu obras importantes hydraulicas: começou-se ha muito pouco tempo o porto de Leixões e está lá o empreiteiro; para o porto de Lisboa vem agora o sr. Hersent, e por isso não o ha grandes competencias na execução de obras hydralicas no nosso paiz, visto como nenhumas se toem ainda levado a effeito.
Nem elle nem eu temos uma verdadeira e reconhecida competencia para tratar d'estes assumptos; mas para apreciar a questão debaixo do ponto de vista por que a encaro, sou mais que competente porque sou de ha muito engenheiro de minas.
E, dito isto, vamos á demonstração que eu hontem deitei em principio.
Nós já temos 458:543$000 réis das obras do caneiro de Alcantara até ao Porto Franco, que o empreiteiro deixou de fazer, porque se lhe fez esta concessão de mão beijada; foi a tal Jesistencia.
Desistiu de fazer a obra e entraram 468:000$000 reis para o seu bolso, - primeira verba.
Depois 120:356$805 réis, valor das sobras do orçamento que foi presente ao concurso, ou differença entre o orçamento das obras e 10.800:000$000 réis; sobras do orçamento que tambem o empreiteiro recebo, porque estavam incluidas como imprevistos e despezas de administração n'esse orçamento Matos-Loureiro, que foi presente ao concurso, - segunda verba.
Temos, pois, estas duas verbas tomadas em consideração, que descontado o abatimento de praça sommam réis 578:904$805 réis. Agora vamos ao resto.
É preciso que a camara não perca de vista o nosso fim, que é comparar os orçamentos das obras projectadas pelos srs Matos e Loureiro, e d'aquellas que constituem o projecto Hersent, e fazer esta comparação apurando em um e outro orçamento os, lucros do empreiteiro.
Para isto, como já disse, é necessario fazer a medição das obras dos, dois projectos, isto é, avaliar as diversas unidades de trabalho nas obras a executar.
Assim procedeu a commissão dos srs. Matos, Espregueira e Loureiro para conhecerem o custo dos muros do projecto Hersent e poderem comparal-o com o dos muros Matos-Loureiro.
Ora é justamente n'esta medição ou avaliação das unidades do trabalho dos muros Hersent que eu encontro grandes differenças entre os meus calculos e os da commissão acima indicada, como vou demonstrar.
Essa diferença na avaliação do custo dos muros, que se eleva a 1.337:357;525 réis e que se acha calculada em detalhe nos quadros (G) o (H), representa pois a terceira verba a considerar no computo dos lucros do empreiteiro. Examinemos em detalhe o quadro que designo pela letra (G),
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Quadro G
Medição dos muros Hersent feita pela commissão nomeada em 28 de março de 1887 e rectificada n'esta occusião
Designação aos elementos constitutivos dos muros Medição da commmissão Medição rectificada Differenças Em dinheiro Medição da commissão Medição rectificada Diferenças
[ver tabela na imagem]
(a)porque se contam calçadas fóra dos muros, incluidas já n'outra verba do orçamento.
(b) Porque se conta que as alvenarias desçam até - l metro, o que não é exacto, e porque substituindo cantarias por revestimentos rusticados altera-se o preço do 11$600 réis para. 9$350 réis.
(c) Tomando em conta as abobadas dos linteis, achei ainda assim mais alvenaria porque considerei os typos medios o não um typo que não era exactamente o medio. O preço ao contrario deve diminuir de 9$000 réis e 8$000 réis, para 7$300 réis em media.
(d) Tambem encontro mais enrocamentos, mas o preço é a 1$000 réis e 770 réis e não todos a 1$000 reis.
(e) Encontrei menos dragagens, porque vêem incluidos muitos metros cubicos fóra dos muros e que estão comprehendidos em outras verbas do orçamento.
(f) Esto numero é differente de 6.662:402$530 réis, que se encontra na memoria impressa, porque julguei indispensavel corrigir varios enganos e entro elles avultam:
Substituir 210 metros de muro a - 14 metros do typo n.º l por typo n.° l ter nos termos nas declarações feitas a pag. 252 do 1.º vol. do inquerito.
Substituir 29m2,36, a 31m3 na avaliação das alvenarias do typo n.º l ler (pag. 860 do l.° vol. do inquerito).
Acrescentar 600 réis ao preço do typo n.º l (pag. 360 do 1.º vol. do inquerito) e pequenas outras alterações.
Quadro H
Orçamentos comparados
Designação das obras Orçamento do projecto do concurso Orçamento do projecto definitivo Hersent Differença
Comecemos pelas calçadas.
Como já hontem disse, n'este documento da commissão a tendencia natural era para avolumar o orçamento do projecto definitivo, que o sr. Hersent vae executar, até que se approximasse o mais possivel do orçamento do projecto que foi premente a concurso.
Feito isto estava demonstrado que se houve illegalidade pelo menos não havia prejuizos para o estado.
Para fazer a medição das calçadas dos muros, como no outro orçamento se tinha feito tambem, era necessario contar só aquellas que estavam em cima d'esses muros, visto que para as outras calçadas que ha a fazer na obra estava a verba especificada no orçamento de 64:400$000 réis.
Fui pois ao desenho dos muros, e aqui tenho a copia d'esses desenhos, medi exactamente as calçadas que estão em cima dos muros, e feito o calculo achei 32:580 metros como indiquei no quadro G. Na medição que se encontra no relatorio da commissão, que tenho aqui, encontram-se 101:640 metros.
Logo ha uma differença de 69:600 metros, correspondente
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á differença em dinheiro de 62:154$000 réis, que o sr.
Hersent lá vão mottendo no bolso. (Apoiados.)
No projecto Matos-Loureiro calculam-se calçadas em torno de todos os muros interiores e fóra do seu coroamento, em larguras entre 10 e 30 metros, comprehendendo assim todas as do projecto Hersent, e creio que ainda maior quantidade, o que levaria mesmo a uma reducção na verba a 64:400$000 réis, destinada para esse fim.
Vamos agora ás cantorias.
Aqui está o projecto definitivo do sr. Hersent approvado do sr. Hersent approvados. Logo é exactamente esta cantaria, desbastada apenas, que o sr. Hersent tem a pôr na obra.
Nos desenhos que o empreiteiro apresenta, não ha cantaria senão até ao zero hydrographico.
Logo temos que contar com cantaria, só, até esse zero hydrographico.
Fui fazer a medição e achei, quadro G, 37:113,m 36. Na medição que apresenta a commissão encontra-se 42912,(tm)36 differença 5:799 metros cubicos.
Mas como a cantaria aqui tinha o apparelho completo e a do projecto Hersent não é senão revestimento rusticado ha a differença no preço que eu calculo igual a 11$600 9$350 ou 2$250 réis por cada metro cubico. Essa differença no preço e na quantidade da obra traduz se a favor do sr. Hensent na totalidade de 150:774$000 réis, como se indica no quadro G.
Note a camara que eu posso estar enganado, mas fiz este trabalho na melhor boa fé. (Apoiados.) e são estes os resultados a que conscienciosamente cheguei.
Alvenarias acima do zero. - Quer dizer alvenaria posta na obra acima da altura das mais baixas marés, visto que zero hydrographico se acha ao nivel d´essas mais baixas marés.
Eu estou com estas explicações para todos perceberem o que estou dizendo, e portanto peço desculpa á camara de entrar n´estas minudencias.
N'estas alvenarias, declaro com toda a sinceridade, achei apenas uma pequenina differença de 2:985$705 réis, embora a favor do sr. Hersent.
A differença é quasi inattendivel, mas é sempre a favor do sr. Hersent.(Apoiados.)
Alvenarias abaixo do zero. - N'este ponto tenho eu que fazer algumas explicações, porque o caso é mais complicado.
Eu começarei por dizer que é tal a minha sinceridade e conscienciosa opinião, que, francamente o declaro, achei mais alvenaria abaixo do zero do que no calculo feito pelos srs. Matos, Espregueira e Loureiro. Achei mais 4:953 metros cubicos. E eu explico a rasão por que encontrei esta differença.
A commissão teve que fazer estes calculos muito á pressa, porque, já o disse hontem, só lhe exigiu este trabalho com toda a rapidez para que estivesse aqui no principio da sessão parlamentar.
as arestas apparelhadas, sendo "o resto pique à 1'arjuille, ' com to^a íl raP'l!(i!í l^(tm) que estivesse aqui no principio
o que ó uma cousa inteiramente diffcrento de cantaria, com- l sessão parlamentar.
A commissão fez o seu calculo tomando um de troco de muro de 12 metros para avaliar os typos n.º1, 1 bis, n.º 1 ter, n.º2 n.º5 e para os typos n.º3e4 calculando sobre um metro linear do muro.
Convem aqui notar que este calculo sobre um troço de 12 metros é favoravel e avoluma o custo dos muros Hersent, pois que na realidade os pilares estão na maioria dos casos afastados de l4 e não de 12 moiros entre os eixos.
Mas, nos diversos typo dos muros do sr. Hersent acontece que o mesmo typo é destinado para ir a diversas profundidades, e por isso para os muros n.° l, n.° l bis, n.° 3 e n.° 5, preciso se tornava formar em relação a cada um o typo medio, e com esse typo medio proceder depois á sua avaliação.
Foi este o processo que segui, adoptando o afastamento minimo de 12 metros e d'aqui resultou encontrar mais alvenarias abaixo de zero do que se encontraria medição da commissão.
A commissão não teve talvez teve tempo para fazer este calculo mais minucioso e tomou uma media, que , não sendo perfeitamente exacta se póde considerar approximada.
Eu fiz um calculo um pouco mais rigoroso, porque tive mais tempo para o elaborar e cheguei por isso a encontrar mais alvenaria do que a commissão.
Como este resultado a que eu cheguei é favoravel á opinião da commissão, parece me escudado dar mais explicações a este respeito.
Tenho aqui as notas da medição feita sobre os desenhos, e do exame d´este trabalho se vê o processo que empreguei e as differenças que encontrei em relação á medição da commissão.
Para não cansar a camara não leio esta extensa serie de mappas, mas farei a sua publicação juntamente com o meu discurso.
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SESSÃO DE 2 DE MAIO DE 1887 1375
[...ver tabela na imagem ]
Obras Numero de portos ou similhares C. L. A. Volumes ou superficies Preços Reis Parciaes Totaes Por lm3
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1376 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
[ver tabella na imagem]
Obras Numero de portos similhares C. L. A. Volumes ou superficies Preços Réis Parciaes Totaes Por m3
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SESSÃO DE 2 DE MAIO DE 1888 1377
[ver tabela na imagem]
Obras Numeros de portos C. L. A. Volumes ou superficies Parciaes Totaes Por 1m3 Preços Réis
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1378 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
[ver tabela na imagem]
Obras Numero de portos C. L. A. Volumes ou Superficies Parciaes Totaes Por 1ms Preços Réis
Typo medio n.º 4 para 400 m2
Calçadas 2,5 x 900 = 2$250
Cantarias 3,20 x 9$350 =29$920
Alvenaria acima de zero 13.64 x 4$300 = 58$652
Alvenaria dos linteis 6.45
Alvenaria dos pilares 13.96 20.41 x 7$300 = 148$993
Enrocamentos de alicerces e vãos 16.26 x 7$000 = 16$260
Enrocamentos de protecção 39.30 x 770 = 76$461 332$536
650m x 332$536 réis = 216:148$400 réis
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SESSÃO DE 2 DE MAIO DE 1888 1879
Quadro I
Resumo geral da medição do projecto definitivo Hersent, feito sobre os desenhos apresentados pelo empreiteiro
[ver tabela na imagem]
Numeros dos typos dos muros Numeros de metros em que serão aplicaveis os diversos typos Calçadas Cantarias Alvenaria acima de zero Alvenarias abaixo do zero Enrocamenro dos alicerces e dos vãos Enrocamentos de Protecção Dragagens em terreno resistente Dragagens em terreno brando Totaes
Encontrei, pois, mais alvenarias abaixo do zero, mas a grande differença para menos que acho é no custo d'essas alvenarias. (Apoiados) e vou dizer porque.
Tenho de demorar-me um pouco n'este ponto, e peço desculpa á camara de a entreter com uma descripção um pouco technica mas necessaria para me fazer entender:
N'este documento acceita-se para preço do metro cubico de alvenaria abaixo do zero a quantia de 8$000 réis, e depois de umas observações judiciosas feitas pela commissão e acceites pela junta, esse preço de 8$000 réis é transformado em 9$000 réis. De maneira que, para alguns typos de muro do sr. Hersent ficou o preço de 9$000 réis e para outros o de 8$000 réis a applicar ás alvenarias que são feitas abaixo do zero.
Ora, eu digo que o preço para as alvenarias abaixo de zero não é de 9$000 réis nem de 8$000 reis, mas que não póde ser, em media, superior a 7$300 réis, visto as alvenarias dos muros de Anvers, do projecto Matos Loureiro, custarem tambem, em media, 8$000 réis.
Para que a camara aprecie desde já a importancia d'esta differença de preço, direi que ella se traduz a favor ao sr. Hersent em 496:450$150 réis.
Uma bonita quantia. Apesar de eu achar mais alvenarias abaixo do zero do que a commissão, ainda assim a differença para menos é de 496:450$150 réis, por causa da diversidade dos preços applicados.
Ora a maneira como encontrei este diverso preço é que é preciso demonstrar, e vou fazei-o.
E aqui vou então collocar o tal discursosinho sobre a questão technica de hydraulica.
Vou começar por expor á camara, e é este o ponto principal da minha demonstração, o que sejam muros construidos pelo systema de Anvers, a ar comprimido. Vou fazel-o em termos correntes, sem me preoccupar na exposição com o emprego ,de expressões technicas.
Desejo mesmo fazer urna descripção em termos vulgares, para que todos entendam e percebam o que quero dizer.
Supponhamos que se collocam no rio Tejo duas grandes barcaças, e que estas barcaças se ligam por meio de uma ponto ou arco de ferro bastante forte e resistente, dispondo-se n'este arco roldanas que possam sustentar um grande peso. Entre as duas barcaças colloca-se um grande caixão de ferro, que póde ter um comprimento de 20 a 30 metros, por exemplo, fechado pelos lados e superiormente mas com diversas aberturas no fundo.
A este caixão addicionam-se nos quatro lados uns taipaes de ferro, como os de um carro, de tirar e pôr, e tão altos que subam para cima do nivel da agua em qualquer posição occupada pelo caixão, depois do mergulhado dentro d'ella.
Estando collocada entre as duas barcaças a armação de ferro, caixão e taipaes, fica suspensa e segura nas roldanas do arco que as liga.
Os operarios, feito isto, entram para dentro dos taipaes e começam a construir em cima da tampa do caixão de ferro um muro de alvenaria. A alvenaria carrega no caixão e vae obrigando o systema todo a ir descendo até encontrar o lodo ou terreno resistente, aonde assente.
O muro, feito dentro dos taipaes, é construido deixando-se no meio uma chaminé ou espaço vasio. Quando o muro chega ao fundo do rio colloca-se em cima d'esta chaminé uma construcção de madeira, em condições de evitar a communicação com o ar exterior, e dentro d'esta chaminé introduz-se ar comprimido; então os operarios entram para dentro d'esta construcção de madeira, descem pela chaminé, que está cheia, de ar comprimido, até á tampa do caixão de ferro, descobrem uma abertura praticada n'essa tampa, e que se tem conservado fechada, e estabelecem a communicação entre a chaminé, o interior do caixão e a agua e lodo existente no fundo do rio.
Como o ar comprimido, que está na chaminé, tem uma grande pressão, obriga esse lodo e a agua a saírem fóra do caixão, e os operarios podem entrar para dentro d'elle. Chegam ao fundo, e pelos buracos que, como já disse, este caixão tem no lado inferior, começam a tirar os todos que impedem a descida do caixão.
Esse lodo sáe em baldes pela chaminé e a construcção toda começa a descer até encontrar ou terreno resistente ou, camadas lodosas sufficientemente compactas, para o muro não poder avançar mais.
Quando o muro não desce mais tiram-se os taipaes, enche-se o caixão de ferro com alvenaria, bem como a chaminé de serviço; e está o muro construido e assente no seu logar.
É esta construcção a que no orçamento do sr. Matos se applica o preço medio de 8$000 réis por metro cubico de alvenaria.
A camara comprehende bem que este trabalho, feito com ar comprimido, é muito despendioso, porque os operarios que têem de ir trabalhar dentro do caixão, onde ha ar comprimido, sujeitam-se a graves transtornos na sua saúde, e quando sáem do trabalho, pela differença da pressão do ar que ha dentro da camara e da do ar exterior, não é raro saltar-lhes o sangue pelos olhos e pelo nariz e soffrerem graves transtornos na regularidade das suas funcções organicas.
Por consequencia, n'este preço de 8$000 réis estão incluidos estes despendiosos serviços, o preço do ferro que entra no caixão que fica no rio, e o preço das alvenarias que são feitas dentro dos taipaes ou ensecadeiras desde o fundo do rio até ao nivel das mais baixas marés.
Era preciso que a camara comprehendesse bem como é construido este muro para poder apreciar o que vou dizer.
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1380 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Vamos agora ao projecto Hersent.
No projecto Hersent faz-se o seguinte: constroe-se um pequeno pilar por este mesmo processo, que sobe até 2 metros abaixo de zero; faz-se um n'este local, depois a 8 metros constroe-se o segundo, em seguida á mesma distancia outro, tres ou quatro pilares separados uns dos outros; e estando feitos alguns pilares volta-se atrás a ligal-os uns com os outros por meio de abobadas de alvenaria, mas por um processo de construcção inteiramente separado e differente do que serviu para os pilares.
Toma-se um lintel de ferro, isto é, uma armação que tem quatro lados e o fundo, formando uma especie de caixão sem tampa, colloca-se ou assenta-se este lintel sobre os topos de dois pilares consecutivos; feito isto, os operarios entram para o interior d'esse caixão, cujos lados afloram acima do nivel das mais altas marés fazem uma abobada junto á base do lintel que lhe serve de apoio e enchem de alvenaria o espaço que fica até ao nivel do zero; depois continua-se o muro para cima do nivel da agua até ao seu coroamento.
Ora, a que parte das obras, abaixo do zero, dos muros Hersent podemos nós applicar o preço de 8$000 réis?
É claro que só aos pilares, porque é a unica parte construida da mesma maneira, e nas mesmas condições que os muros de Anvers, pois que a alvenaria dos linteis não tem caixão que fique no fundo do rio e não tem trabalhos a ar comprimido.
Logo é evidente que só podemos applicar o preço de 8$000 réis áquella primeira parte.
Está, pois, demonstrado que quando nós vamos tomar o preço de 8$000 réis para o applicar ás alvenarias abaixo do zero dos muros Hersent, só podemos, racionalmente, fazer-lo ás que forem construidas da mesma maneira que é construido o muro de Anvers, isto é, aos pilares.
Este preço para a alvenaria dos pilares deve considerar se mesmo exagerado, porque o sr. Hersent desce com os seus pilares, só até 13 metros, e o preço de 8$000 réis foi calculado para uma massa de alvenarias que em grande parte estão abaixo dos 13 metros.
Mas ha ainda uma outra circumstancia a attender.
O sr. Hersent logo que chegou, e na sua primeira proposta de modificações, presente no concurso, propoz para tine na alvenaria, dentro dos caixões, em vez de cimento de Portland, que é mais caro, se empregasse cal de Theil.
Esta proposta foi acceite pela commissão dos srs. Matos, Espregueira e Loureiro, com que a junta concordou, e que mais tarde o sr. ministro sanccionou pelo despacho de 9 de abril de 1887.
O sr. Hersent, no seu projecto difinitivo, de novo se refere a este assumpto, e declarou que, não só o interior dos caixões, mas tambem a chaminé de serviço, serão cheios com alvenaria de cal de Theil, o que foi approvado e admittido pela portaria de 6 de agosto de 1887.
Entrando, pois, com este elemento de calculo, o preço que era de 8$000 réis deve ser de 7$200 réis para a alvenaria dos pilares.
Temos, por consequencia, que a alvenaria dos pilares construidos pelo sr. Hersent devem ser feitos por 7$200 réis por metro cubico, entrando em linha de conta a alteração, no custo da obra, produzida pela acceitação da cal de Theil.
A camara ha de ter sua dificuldade em seguir estes meus raciocinios, porque os meus collegas não são todos engenheiros, mas eu continuarei a tentar explicar-me por fórma tal que todos possam bem comprehender-me.
A commissão disse, pois, que o preço para a alvenaria dos pilares era de 8$000 réis o metro cubico e eu achei 7$200 réis.
Vamos agora á outra parte que falta avaliar, as alvenarias, que são feitas desde o zero até 2 metros abaixo d'esse zero.
Para esta especie de trabalho, feito em condições inteiramente novas, não havia preço no orçamento Matos e Loureiro e portanto, tive de o deduzir e fiz o calculo derivando-o do preço de 8$000 réis, que n'aquelle orçamento era destinado para as alvenarias de Anvers abaixo do zero.
Este preço de 8$000 réis tem uma parte variavel e outra constante. A parte constante é o custo dos materiaes, a pedra e argamassa; o que é variavel é a outra parte; a quantidade do ferro e a mão de obra.
Tomado, pois, n'esse preço o custo medio da parte constante e o trabalho medio incluido no preço e eliminado o valor medio do ferro dos caixões, teremos assim obtido um preço applicavel á alvenaria dos linteis, embora exagerado, igual a 5$472 réis.
Não sei se se percebeu bem o meu raciocinio, mas eu tenciono, depois de feita em resumo a demonstração, repetil-a com mais detalhe para bem explicar todo o meu pensamento.
Por consequencia, uma parte, a dos pilares de alvenaria, custa 7$200 réis e a outra, a dos linteis, custa 5$472 réis. Mas ha ainda umas outras alvenarias dos muros n.ºs 3 e 4, que são feitos sem ar comprimido.
Estas alvenarias tambem não têem ferro perdido, pois que os muros são feitos a uma pequena profundidade e por um processo differente do de Anvers.
Para estas alvenarias adoptei, pelas mesmas rasões que acabo de expor para as alvenarias dos lintéis, o preço de 5$472 réis.
Para agora fórmar o preço medio como temos uma parte das alvenarias a 7$200 réis e outra parte a 5$472 réis facilmente se calcula que o preço medio applicavel a todas é de 6$357 réis, ou 6$300 réis, numeros redondos, attendendo ao exagero dos preços intermedios adoptados.
Falta-nos considerar o ferro dos linteis que ficam na obra, e que no projecto dos srs. Matos e Loureiro, que foi ao concurso, não entravam, porque lá não havia muros em arco.
Temos, pois, de considerar ainda o ferro dos linteis, que foi avaliado pela commissão em 1$000 réis por cada metro cubico.
Acrescentando a 6$300 réis esses 1$000 réis, achâmos 7$300 réis para preço medio de todas as alvenarias Hersent abaixo do zero.
Aqui está demonstrado como é que estas alvenarias não podem custar mais de 7$300 réis, tomando para base o preço de 8$000 réis do orçamento dos srs. Matos e Loureiro. (Vozes: - Muito bem.)
Sendo esta demonstração de capital importancia, permitta-me a camara que a recapitule em todos os seus detalhes para completo esclarecimento da camara.
Calculo do novo preço medio 7$300 réis para as alvenarias abaixo do zero do projecto Hersent.
1.° As alvenarias dos linteis, isto é, desde o zero até -2 metros, são feitas por um processo differente do considerado no projecto Matos e Loureiro, e construidas completamente aparte das que, englobadas, tinham o preço medio de 8$000 réis.
Não ha trabalho a ar comprimido nem ferro dos caixões a computar na formação do seu preço.
Não havendo preço no orçamento applicavel a esta obra, póde deduzir-se, embora exageradamente, do preço de 8$000 réis.
Este preço tem elementos constantes e variaveis.
Póde considerar-se constante a pedra e argamassa e variavel a mão de obra, ferro e lucros.
Sendo assim, vejâmos como se subdivide a verba 3$300 réis, variavel, que representa o ferro e mão de obra.
A commissão é de opinião que o ferro doa caixões pesa 300 kilogrammas por l metro quadrado e custa 80 réis.
Sendo assim temos:
Sendo t o trabalho e f o ferro, em media;
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SESSÃO DE 2 DE MAIO DE 1888 1381
t + f = 3$300 réis.
mas f - no projecto Matos é = 46.331m2,7 x 300 k 490.004 m3 = 28 k.36 ou em réis = 28k,36 x 80 réis = 2$265 reis
logo t = 1$035 réis Total 3$00 reis
Ficando assim determinado o valor do trabalho medio que se emprega na construcção de todas as alvenarias Matos e Loureiro nos muros de Anvers.
Ora este trabalho medio (1$035 réis) é forçosamente formado, pelo trabalho minimo das alvenarias á flor da agua e pelo trabalho maximo das alvenarias a ar comprimido até ( - 20 metros.)
Logo tomando este numero para representar o trabalho das alvenarias até (- 2 metros), estamos sempre dentro de um exagero para mais.
O preço medio para estas alvenariaa será pois:
Pedra 1$100
Argamassa 2$840
Mão de obra 1$035 4$975
10 por cento $497 5$472
2.° O mesmo raciocinio que acahâmos de fazer, e o mesmo preço é applicavel ás alvenarias dos typos de muros, Hersent, n.os 3 e 4 que vão a - 2 metros, - 7 metros - 10 metros e -14 metros.
São tambem alvenarias sem ar comprimido e aonde se não empregam caixões de ferro, que fiquem no rio, para se incluirem no preço.
Tomar na composição do preço o custo medio do trabalho 1$035 réis é ainda exageral-o, pois que:
No projecto Hersent encontra-se para as alvenarias que são mais caras e estão a maiores profundidades a seguinte
43:240m3
relação para as de - 7 metros, 57:105 - ou 1/1.3 e no projecto do concurso 48:233/441:771 ou 1/9.1 - Logo as alvenarias mais caras, incluindo uma parte a ar comprimido influem no preço medio, no projecto do concurso, na proporção de 9,1:l e no projecto Hersent essas alvenarias, sem haver nenhumas a ar comprimido, estão, em relação aos muros n.os 3 e 4, na proporção de l ,3:l o que deveria determinar um preço medio bem mais baixo e um trabalho medio bem menos avultado.
A mesma ordem de idéas justifica a applicação do preço de 5$472 réis para as alvenarias aos muros n.os 3 e 4 que vão a -10 e - 14 metros e que são applicados em muito pequenas extensões.
3.° O preço de 8$000 réis por l metro cubico com as devidas correcções está perfeitamente no caso de se applicar á alvenaria dos pilares pois que é trabalho perfeitamente similhante e feito como o de Anvers.
Facilmente se vê que este preço de 8$000 réis, comquanto applicavel, deve ser exagerado pois que as condições em relação ás alvenarias são nos dois projectos as seguintes:
Projecta do concurso
(Muroa de Anvers)
Alvenarias a ar comprimido
Projecto Herseat (Pilares)
[ver tabela na image]
Ora suppondo que as alvenarias acima de-2 metros (o que é desfavoravel) custavam o mesmo que as que estão abaixo de -13 metros podemos supprimir acima e abaixo das alvenarias de - 13 metros o mesmo numero d'ellas, o que não influo na avaliação do preço medio.
Com effeito seja (P) um preço medio e (p) o preço applicavel na alvenaria intermedia de (-13) metros; se tivermos:
A p' + Bp + C p" = D P
para C = A
e AP' = CP'' forçosamente
P' = P''
mas sendo p'
ara p'=p" é 'a = o a = o b = o
e
por isso p = p' = p" logo
Ap'+Bp+Cp'' = (A+B+C)x P = D P
P =A+B C/D p e como A+B+C = D é P = P
Logo o preço medio é igual ao preço que multiplica a quantidade da alvenaria intermedia ou é o mesmo que se não existissem as duas quantidades de alvenarias iguaes, superior e inferior.
Feita, pois, aquella hypothese ficam as alvenarias nas seguintes relações nos dois projectos:
Projecto do concurso (Muros do Anvers) Alvenarias a ar comprimido Projecto Hersent (Pilares)
[ver tabela na imagem]
E suppondo ainda que 14:000 metros cubicos de alvenaria a baixo de - 13 metros custavam o mesmo que a - 13 metros, tinhamos ainda approximadamente:
Projecto do concurso (Muros de Anvers) Alvenarias a ar comprimido Projecto Herasent (Pilares)
Logo para que o preço de 8$000 réis, feitas estas duas hypotheses (desfavoraveis), podesse ser applicado ás alvenarias até -13 metros, era preciso que não houvesse ainda 196:000 metros cubicos abaixo de - 13 metros, que fatalmente custam mais caros e portanto claramente se deduz que o preço de 8$000 réis é exagerado, applicado a alvenarias, que vão só até - 13 metros, como no projecto Hersent.
Mas querendo adoptar o preço de 8$000 réis temos de corrigi-o por um outro motivo; a acçeitação de cal de Theil em vez do cimento de Porrland na formação das alvenarias dentro dos caixões e chaminés de serviço.
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1382 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
A totalidade da alvenaria a ar comprimido é
188:785,59 X 8$000 réis = 1.510:384$720
A alvenaria de cal de Theil custa 6$650
Diferença para 8$000 1$350
Alvenaria doa caixões 77:472m370 X 1$350 réis 104:601$645
mais alvenaria das chaminés 34:500m3 X 1$350 réis 46:575$000 151:176$645 1.359:108$075
Preço 7$199 = 1.359:108$075 188:785,59
Seja 7$200 réis.
E n'este preço está incluido todo o ferro dos caixões empregado na construcção dos pilares.
4.° Como faltam ainda os linteis de ferro, que acresceram, o não foram contados em preço algum, ternos que considerar 676 linteis correspondentes, a 8:118 metros do muro em arco, ou 6:084,000 toneladas de ferro que divididas pela totalidade da alvenaria dá:
6.084,000/364069m3,14 = 16k,71
por um 1 metro cubico de alvenaria e acrescentar ao preço medio 1$336 réis.
5.° Formando agora esse preço medio temos pois:
5,5470 réis X 74:935m3,95
53470 réis X 100:345m3,50
5i$470 réis X 175:281m3,45 =95:8789$531
7$200 réis X 188:785m3,59 = 1.359:256$248 2.818:045$779/364:087,04 = 6$367 réis - sejam 6$300 réis
Mais o ferro dos linteis = 1$336 réis - sejam 1$000/7$300 réis
Total 7$703 réis
Em todos estes calculos para a formação do preço medio do 7$300 réis para a alvenaria abaixo do zero, no projecção Hersent desprezaram-se 67 + 336 = 403 réis na formação final d'esse preço.
Á commissão Matos-Loureiro-Espregueira despreza reis 460 nos seus calculos feitos nas mesmas circumstancias, mais 57 réis do que nós.
Este desprezo está mais que justificado pelo exagero de applicar o preço de 8$000 réis, e os seus derivados, ás alvenarias Hersent abaixo do zero, quando se compara esse trabalho com o dos muros de Anvers do projecto Matos-Loureiro.
ara mais esclarecimentos sobre a maneira como formei o preço medio novo de 7$300 réis para as alvenarias abaixo do zero, e para as cantarias o de 9$350 réis, vou ler o detalhe da organisação d'este ultimo preço, e da alvenaria e argamassa feita com cal de Theil.
Preço novo das cantarias tranformadas em "moellons. Somilles" deduzido do preço primitivo
Preço antigo Preço novo
lm3, l de pedra desbastada 6$000 6$000
Apparelho de cantaria 2$8001/4 $700
Transporte $500 $500
Assentamento no local l$000 1$000
Argamassa 0m3,05 a 7$100 réis $305 $305
10$605 8$505
10 por cento l$000 $850 11$600 9$350
Argamassa de cal de Theil
l metro cubico de areia a 600 réis $600
350 kilogrammas de cal de Theil a 81,8 réis 2$865
Agua $040
Fabricação $200 3$755
10 por cento $365
Alvenaria de cal de Theil
Pedra 1$100
0,40 de argamassa 1$650
Mão de obra e ferro 3$300 6$050
10 por cento $600 6$650
Estas demonstrações são muito enfadonhas, mas não tenho remedio senão fazel-as.
Tinha eu dito, com a minha sinceridade, que, fazendo o calculo, achei mais alvenaria do que a commissão.
Escusava de dizer isto. Quero, porém, ser sincero, e é verdade que achei mais trabalho, mas applicando o preço de 7$300 réis, em vez de 8$000 réis e 9$000 réis encontrei uma differença de 496:450$150 réis a favor do sr. Hersent. Sempre para elle!
O sr. Franco Castello Branco: - É para quem é.
O Orador: - Vamos agora a outro ponto, aos enrocamentos. Tambem achei mais trabalho que a commissão.
Quando se considere bem, a camara ha de acreditar que eu sou aquillo que se chama um bon enfant.
Eu escusava, repito, de dizer isto, mas é a verdade o eu sou sincero.
Tambem achei mais enrocamentos do que a commissão. Mas cá está outra vez a questão do preço a transtornar todo este trabalho da commissão, porque a junta apenas deu tudo por bem feito.
Este trabalho da commissão, honra lhe seja feita, está bom, está bem elaborado, e dá que pensar para a gente se desenvolver no meio d'esta historia toda. Está bem imaginado.
Mas, como ia dizendo, com a minha bonhomia, achei mais enrocamentos do que acharam os meus collegas da commissão. A differença agora está tambem no preço e eu explico.
No projecto do sr. Matos e do sr. Loureiro, no projecto do concurso, havia duas especies de enrocamentos, de alicerces e de protecção.
No nosso caso chamam-se enrocamentos de alicerces a uma certa quantidade de pedra que se deita no rio e aonde assentam os muros dos cães, serve essa pedra para alicerce d'esses muros.
Chama-se enrocamentos de protecção a uma porção de pedra que se deita atraz dos muros dos caes para os proteger contra a pressão dos aterros.
No projecto do concurso havia enrocamentos de uma e outra qualidade, os de alicerces a 1$000 réis, os de protecção a 770 réis, e a commissão, para simplificar, agora quando foi tratar de avaliar e medir o projecto Hersent, achou que ali todos os enrocamentos eram de alicerces, até os que estavam por detraz dos muros, e contou tudo a 1$000 réis!!
Esta simplificação faz uma grande differença; e quer a camara saber qual é?
Contando os enrocamentos que são de protecção a 770 réis e a 1$000 réis os que são de alicerces, encontra-se uma differença a favor do sr. Hersent de 143:747$099 réis!
Aqui está a commissão a estender o orçamento.
E o sr. Hersent a engordar! (Riso.)
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SESSÃO DE 2 DE MAIO DE 1888 1383
Agora as dragagens.
As dragagens são feitas, ou em terrenos resistentes, ou em lodo e areia.
N'estes terrenos resistentes foi aonde a commissão carregou mais a mão; nas outras, a differença é pequena, e sobe só a 39:084$050 réis, sempre a favor do sr. Hersent, valha a verdade.
Vou contar o que aconteceu com as outras dragagens.
Para as outras, como já faltava a musa, seguiu-se o mesmo processo empregado nas calçadas.
Em vez de se contarem estrictamente as dragagens feitas debaixo dos muros, incluiram se dragagens festas nas docas, e que no orçamento tinham urna verba especial. Não se podiam contar essas dragagens para as metter na conta dos muros, porque têem uma verba perfeitamente diffinida no orçamento, e d'aqui resulta a differença que encontrei na medição.
Repito, eu posso estar enganado, ruas foi isto o que ou vi nos desenhos que estive examinando, e que foram calcados sobre os desenhos do sr. Hersent.
D'aqui resulta, pois, contarem-se a mais dragagens em terrenos resistentes, achando eu 144:693 metros cubicos a menos do que na medição da commissão.
D'este facto resulta uma differença de 144:693$100 réis que tambem vae reverter em beneficio de Hersent.
Sommando todas estas differenças, eu acho que os muros devem ser orçados em 5.555:916$070 réis, e a differença no calculo é de 1.337:357$525 réis, como se vê no quadro H que aqui tenho presente.
Vamos então recapitular. Temos 468:548$000 réis das obras a oeste do caneiro de Alcantara, primeira Verba; 120:356$805 réis das sobras do orçamento, segunda verba; 1.337:357$525 réis, differença entre os muros de novo systema, e os muros do projecto do concurso, terceira verba.
Alem d'isso, como n'este projecto ha muitos mais enrocamentos de protecção, do que havia no outro, os quaes substituem os aterros, ha tambem uma differença nos aterros de 138:904$600 réis, quarta verba.
Sommadas todas estas quatro verbas, temos a favor de Hersent 2.055:166$930 réis, o que não é nada para admirar, porque a 2 000$000 réis já chegaram conscienciosamente os jornaes progressistas.
O sr. Franco Castello Branco: - Tendo começado por 400:000$000 réis.
O Orador: - Portanto, não é nada para admirar estar em 2.055:l66$930 réis mas pouco nos falta para chegarmos á minha conta de 2.700:000$000 réis.
Estes 5.555:357$535 réis juntamente com as outras verbas do orçamento, que serviu de base ao concurso, transcriptas tal qual, excepto a dos aterros que foi modificada por causa dos enrocamentos a mais que tem o projecto Hersent, sommam 8.734:833$070 réis como se vê no quadro H.
Nos preços iniciaes e compostos, que serviram de base para formar este orçamento foram incluidos uns certos lucros e uma certa quantia para trabalhos perdidos, para imprevistos e para ferramentas.
Fazendo se o apuro Sobre as mesmas bases para os dois orçamentos, encontra-se que dentro d'aquella verba de réis 8.734:833$070 estavam 1.276:034$252 réis destinados a estas diversas despezas.
Acceitando o calculo feito pela commissão, n'esta parte, e tornando 352:000$000 réis para administração, temos mais 254:168$960 réis para trabalhos perdidos e imprevistos; 300:561$084 réis para ferramentas e 369:304$208 réis (quinta verba) para lucros do empreiteiro. 2.055:l66$930 réis que já tinhamos apurado com 369:304$208 réis pre-fazem a quantia de 2.425:000$000 réis, arredondando a cifra, que o sr. Hersent deve liquidar.
É agora, a parte do calculo que eu tinha dedicado ao sr. Carrilho, sentindo multo não ver s. exa. presente.
É o calculo do capital circulante.
Como o sr. Carrilho é perito n'estes assumptos, s. exa.
dirá se o calculo está, ou não bem feito. Quanto a mim pareço me estar feito com juros compostos e com todos os requisitos.
O processo que se segue é o seguinte:
O empreiteiro tem de gastar 10.790:000$000 réis, logo gastará por anno, approximadamente, era media, réis 1.079:000$000, ou 539:500$000 réis por semestre; os pagamentos devem ser semestraes, e nós, partimos do principio de que em cada semestre o sr. Hersent recebe réis 539:500$000.
O pagamento é feito em terrenos, em obrigações e em dinheiro.
Mas, sendo obrigações e dinheiro a mesma cousa, supponhâmos que o sr. Hersent tem a receber terrenos e dinheiro.
Quero suppor o caso mais desfavoravel e é, que estes terrenos, que o empreiteiro recebe, só no fim da empreitada prompta, é que são valoriados, pelo preço de réis 10$000 réis; perdendo portanto juros compostos, durante este tempo todo, já vê a camara a largueza com que este calculo está feito.
Temos, pois, que o empreiteiro recebe todos os semestres 40:000$000 réis em terrenos, e 499:500$000 réis em dinheiro; mas d'esta parte tem de retirar 5 por cento para o deposito, e portanto, não cobra senão 38:000$000 réis em terrenos, e 474.525:000$000 réis em dinheiro.
Vamos a ver agora como se calculou o encargo do capital circulante.
Como o sr. Hersent recebe em terrenos 38:000$000 réis, temos 38:000$000 réis, entrados durante vinte semestres, a 2 1/2 por cento e no fim de treze annos, uma bella quantia ou uma perda de 793:000$000 réis.
Depois, temos os 5 por cento que são retidos para garantia, e que o empreiteiro deixa de receber todos os semestres; são 26.975:000$000 réis, a juros compostos, no fim de treze annos, perda 279:000$000 réis.
Além d'isso, no fim de cada semestre o empreiteiro precisa ter disponivel o dinheiro para o trabalho d'esse semestre; e como não necessita todo o dinheiro, póde ter ainda metade ao premio da divida fluctuante, a tres mezes.
O sr. Carrilho me dirá se isto está bem feito. Fazendo a conta, e contando, como disse, que a metade do dinheiro esteve durante tres mezes na divida publica, acho que o empreiteiro perde todos os mezes, n'este caso, 9:100$000 réis, o que ao fim de dez annos, a juros compostos, etc., dá 2.38:000$000. Logo, temos estas tres verbas a sommar que reunidas perfazem 910:000$000 réis.
Muito bem.
Agora vamos ao reverso da medalha.
Eu apurei que o empreiteiro deve ganhar pelos orçamentos 2.425.000$000 réis.
Mas, como elle não ganha este dinheiro de uma vez só, como elle vae ganhando em media todos os annos, á medida que faz a obra, 242:500$000 réis, e todos os semestres réis 121:250$000, collocando estas quantias tambem a juros compostos, etc., fizendo-se a conta e descontando-se os 9l0:000$000 réis encargos do capital circulante, o sr. Hersent vem ainda a metter nos bolsos mais 345:000$000 réis, sexta verba, que com o que já tinhamos perfaz réis 2.770.000$000.
O sr. Carrilho que diga se isto é ou não exacto.
Eu fiz este calculo unicamente para responder á commissão, visto ella ter tido a cuidadosa lembrança de calcular para o empreiteiro as despezas do capital cirulante.
Foi por este motivo que eu fiz esta conta; não foi só para me divertir, nem para a mostrar ao sr. Carrilho, apesar da muita consideração que tenho para com s. exa.
Sr. presidente, antes de terminar devo dizer á camara que, tendo assigndo vencido as conclusões da commissão do inquerito parlamentar e tendo declarado que apresentaria perante a camara o meu parecer em separado, eu considero, sr. presidente, como compendiadas, no discurso que
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acabei de pronunciar, todas as ratões que determiram o meu voto divergente e o meu modo de proceder, julgando-me por isso dispensado de repetir em parecer escripto o que acabo de dizer e que será publicado no diario d'esta
camara.
Resultado final
Da desistencia das obras do caneiro até
Porto Franco 468:548$000
Sobras do orçamento Matos Loureiro 120:356$800
588:904$805
Differença entre os muros Hersent e os do projecto do concurso. 1.337:357$527
Differença no custo dos aterros 138:904$600
2.065:l66$932
Lucro, incluidos nos decimos 369:304$208
2.434:471:140
Abatimento de praça 10:000$000
Lucros 2.424:471$140
Afóra:
Para administração 352:0000000
Para trabalho perdido e imprevistos 254:168$960
Para ferramentas 300:561$084
906:730$044
Lucros sejam 2.425:000$000
Do apuro das contas do capital circulante 345:000$000
Total 2.770:000$000
Para contradictar estes calculos só conheço um meio, é demonstrar que o orçamento Matos-Loureiro estava errado e foi avolumado propositadamente para afastar da praça os concorrentes.
Não podendo formular essa hypothese resta-me concluir que as minhas observações são procedentes.
Julgo, sr. presidente, ter cumprido o meu dever o justificado, tanto quanto em mim cabia, que estava convencido do que dizia quando mandei para a mesa a minha moção de ordem.
Posso ter errado. Não ha nada mais facil até, e tenho mesmo muito desejo de que me convençam que estou em erro; mas, se o não estou, tenho tambem o direito de dizer ao governo que não tem as condições necessarias para continuar a governar (Apoiados.), que não podem os srs. ministros continuar sentados n'essas cadeiras. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
Leu-se na mesa a seguinte:
Moção de ordem
A camara, reconhecendo que o empreiteiro P. H. Hersent vae auferir lucros sobremodo elevados (superiores a 2.700:000$000 réis) na illegalissima adjudicação das obras do porto do Lisboa, feita, com pleno assentimento do conselho de ministros, pelo actual ministro das obras publicas, commercio e industria, lamenta profundamente que o governo praticasse um acto tão contrario ás leis quanto no civo aos interesses do estado, e passa á ordem do dia. = O deputado pelo circulo plurinominal de Beja, Pedro Victor Sequeira.
Foi admittida e ficou em discussão juntamente.
O sr. Espregueira: - Começo por ler a moção de ordem que vou ter a honra de mandar para a mesa.
"A camara dos deputados, considerando que nos calculos apresentados nas sessões de l e 2 de maio d'este anno, tendentes a mostrar que os lucros certos da empreitada das obras do melhoramento do porto de Lisboa são elevadissimos, se não attendeu á natureza e circumstancias excepcionaes dos trabalhos que se vão executar, nem às condições do contrato a que está obrigado o adjudicatario, nem as contingencias, riscos e prejuizos que podem occorrer no periodo de treze annos em que deve durar a empreitada, contando-se o tempo de garantia de tres annos, pela boa execução e solidez das obras, e que por isso, nem mesmo como provaveis podem ser admittidas;
"E, reconhecendo por estes motivos que os calculos referidos não invalidam os estudos e apreciações constantes dos pareceres publicados ha muito tempo da commissão especial de engenheiros e da junta consultiva de obras publicas e minas, pareceres que foram presentes á commissão de inquerito, onde não foram contestados, e dos quaes resulta com clareza a prova de que não serão exagerados os lucros provaveis da empreitada, attendendo-se aos riscos e imprevistos em similhantes obras, approva o procedimento do governo e passa á ordem do dia.
"Sala das sessões, 2 de maio de 1888.= O deputado, M. Espregueira."
Pela leitura da minha moção já v. exa. vê, e a camara tambem, que discordo completamente de todos os calculos apresentados aqui pelo nosso illustre collega o sr. Pedro Victor.
Eu, que tenho collaborado ha muito tempo em quasi todos os estudos e projectos que se têem feito para a execução das obras do melhoramento do porto de Lisboa, estava ancioso por ver a maneira como se poderiam invalidar as considerações feitas, depois de um estudo muito aturado, muito demorado e muito minucioso, pelos engenheiros incumbidos de examinar os projectos e planos das mesmas obras, estudo que foi realisado com a consciencia com que costumâmos tratar todos os assumptos que são entregues ao nosso exame. (Apoiados.)
E n'isto não faço excepção alguma com relação aos engenheiros que formam a corporação dos engenheiros de obras publicas.
Estava ancioso por saber como seriam contradictadas e destruidas todas as apreciações feitas por esses engenheiros, e sinto muito que os argumentos e calculos que a camara acaba de ouvir não fossem apresentados sem tempo competente, porque se poderia dar desde logo uma prova cabal do modo como estão exagerados e errados, de como são esquecidas completamente as obrigações a que está sujeito o empreiteiro das obras do porto de Lisboa, e de que era desconhecido igualmente o modo por que se hão de executar os trabalhos, os quaes não tem comparação com os que hoje se realisam nos portos de mar em toda a parte do mundo, porque finalmente é necessario que se saiba que os trabalhos que se vão emprehender no porto de Lisboa são a todos os respeitos excepcionaes.
stes trabalhos são importantissimos e excepcionaes pela sua grande extensão e pelas enormes difficuldades a vencer para os levar a cabo, e excepcionaes ainda porque o paiz obteve, por quantia inferior ao limite da lei, que se encarregasse d'elles o empreiteiro que todos conheciam como o mais apto e o mais competente para as realisar.
E para o provar bastará citar as palavras pronunciadas n'esta camara e na camara dos dignos pares, pelo presidente do conselho de ministros do gabinete que fez votar a lei de junho de 1885, que considerava então o engenheiro Hersent como o unico capaz de executar as obras do porto de Lisboa, com vantagem para o paiz.
Alem d'isto conseguiu-se que elle se compromettesse, por um preço certo, fixo o determinado a realisar todas as obras indicadas no projecto definitivo, e a entregal-as completas de tudo, e livres de todos os riscos imprevistos que as obras d'esta natureza têem, mormente durante o periodo de treze annos! (Muitos apoiados.)
Tinha-se fallado de tudo, mas omittia-se a circumstancia de que no programma e condições do concurso se estipu-
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lára um praso de garantia ne tres annos, depois de concluidas as obras e só se admittira como caso unico de força maior, o caso de guerra! (Muitos apoiados.)
Mas antes de proseguir, devo dizer que pela minha parte, protesto, em meu nome e julgo que dizendo isto tambem interpreto os sentimentos da maioria dos meus collegas, contra as apreciações que podem resultar das palavras aqui pronunciadas na sessão de hontem e na de ante-hontem, em relação a um cavalheiro, que não tem assento n'esta camara, mus que é conhecido de todos pelo seu nome e pelo seu constante trabalho de trinta e cinco annos! (Estrepitosos apoiados na direita:)
O sr. engenheiro Matos é conhecido em todo o paiz pelos seus importantes trabalhos, e raro é o districto em que se não encontre unia obra em que não tenha mais ou menos intervindo, (Muitos apoiados na direita)
Posso affirmar a todos os srs. deputados que aqui estão, que nos seus districtos encontrarão vestigios dos trabalhos d´esse engenheiro, que é respeitado por todos e considerado como um dos mais distinctos da classe a que pertence.
Sinceramente digo, que fiquei maguado, maguadissimo por ver que se pretendia assim amesquinhar, desprestigiar e quasi que ridiculisar os importantissimos serviços prestados por aquelle distinctissimo engenheiro, serviços que o sr. ministro das obras publicas já aqui enumerou com muita justiça e rasão, e que estou certo, no futuro hão de trazer sobre aquelle cavalheiro glorias, que muitos hão do invejar. (Muitos apoiados.)
O sr. Arroyo: - Esta não!... (Apoiados na esquerda.)
(Protestos dá direita )
(Susurro.)
O Orador: - V. exa. não póde dizer isso. (Muitos apoiados.)
(Susurro.)
O paiz ha de ver que o porto de Lisboa será visitado pelos mais notaveis engenheiros do mundo para examinarem e apreciarem os processos especiaes que aqui se empregam; e eu digo, com a certeza e com a convicção que me dá o conhecimento que tenho d'estes trabalhos e com o conhecimento que tenho dos trabalhos de muitos e differentes portos de mar, que uma das cousas que mais ha de maravilhar os engenheiros que visitarem este porto será a enorme barateza com que se conseguiu este conjuncto de obras, que não tem igual hoje em parte nenhuma, e o modo como se obtivera por preços relativamente interiores, dotar a capital com todos os melhoramentos necessarios para o desenvolvimento do seu commercio, porque o custo de todas as obras é muito inferior ao que todos julgavam indispensavel até ao momento de se fazer a adjudicação. (Muitos apoiados.)
Para o estudo das obras a fazer no porto de Lisboa, nomeou-se em 1871 uma commissão, de que eu não fazia parte, mas que era composta dos principaes engenheiros, e não só de engenheiros, mas de individuos estranhos ao serviço de obras publicas, porque o problema comprehendia um conjuncto de obras e de estudos, que não dizia respeito unicamente á arte da engenheria.
Em 1872, quando appareceu esse projecto, e o relatorio muito extenso e muito desenvolvido, que está publicado e que e sempre consultado, quando se trata do estudo d'essas questões, a primeira impressão que causou no publico aquelle plano foi a da enormissima despeza que acarretaria ao paiz a sua execução.
Posteriormente o sr. Hintze Ribeiro nomeou uma commissão composta de differentes elementos em que não só entraram engenheiros mas commerciantes e officiaes de marinha que vinham estudar novamente sob uma outra fórma o conjuncto das obras que era necessario executar para os melhoramentos do porto de Lisboa.
Quando o projecto relatado pelo meu amigo e distincto engenheiro, o sr. Guerreiro, cujo nome terei occasião de citar mais vezes, foi apresentado, na opinião de quasi toda a gente eram exageradissimas as obras que a commissão propunha.
Uns diziam que não era preciso fazer obras d'aquella natureza e magnitude em Lisboa; e outros, reconhecendo a necessidade d´ellas, diziam que era financeiramente impossivel que o paiz executasse uma pequena parte do que
estava n'aquelle plano. (Apoiados.)
Era isto o que se dizia na occasião em que se apresentava a proposta de lei á camara; porque o projecto cuja execução propunha o sr. Aguiar em 1885, foi taxado de demasiadamente soberbo, de obra espectaculosa, acarretando despezas previstas e não previstas, nem confessadas, que haviam de augmentar ainda consideravelmente a despeza das obras. (Apoiados.)
Posteriormente restringiu-se o custo a uma verba certa e determinada que fui julgada corno a maxima a que se poderia despender com as obras do porto de Lisboa:
A execução dos melhoramentos do porto de Lisboa, dentro dos limites fixados pela lei de 10 de julho de 1885 foi o problema de maior difficuldade que resolveu o engenheiro a que já me referi, com a cooperação do sr. Adolpho Loureiro, muito conhecido e apreciado pelos seus estudos sobre pontes de mar, porque na occasião em que os projectos apresentados por muitos engenheiros faziam suppor que havia necessidade do gastar verba muito superiores, elle conseguiu fazer acceitar e approvar um projecto definitivo que foi acceito no concurso, obtendo-se que um empreiteiro respeitavel as responsabilidade pela execução completa das obras por uni preço inferim áquelle em que tinham feito orçadas. (Apoiados.)
Devo desde já declarar, que, alem da differença dos 10:000$000 réis, feita em praça, ha ainda outras vantagens que diminuem ainda aquelle preço.
Todos achavam complicadissimas e custosissimas as obras até ao momento de se receberem as propostas no ministerio das obras publicas. Assisti á abertura d'ellas, como membro da commissão de praça, e até esse momento julgavam todos que era impossivel execução aquellas obras pelo preço fixado e que não appareceria empreiteiro para a execução do projecto tal qual fôra delineado.
Esta é a verdade reconhecida por todos, era isto o que muito preoccupava a todos, e muito especialmente o sr: ministro das obras publicas. (Apoiados.)
Não queriamos ser taxados de levar ao concurso um conjuncto de obras mal calculadas, ou tão mal estudadas que não houvesse um empreiteiro que quizesse acceitar estes trabalhos. (Apoiados.)
Felizmente, houve quem tomasse as obras, e quem se compromettesse a executal-as conforme o plano definitivo approvado.
Não se podia tambem dizer que este assumpto fôra tratado de surpreza sem conhecimento antecipado das pessoas que n'elle podiam intervir, como contratantes de grandes obras hydraulicas; pelo contrario ha muito tempo que muitos engenheiros estrangeiro têem vindo a Lisboa estudar as obras do porto, precisamente com o intuito de fazer propostas ao governo ou do entrar no concurso para a adjudicação d´essas obras.
Portanto não é licito dizer que só o sr. Hersent conhecia as condições especiaes do porto de Lisboa e só elle por conseguinte, se podia aproveitar do conhecimento que possuia d'esses trabalhos, (Apoiados.) e não se póde dizer porque como já disse vieram aqui muitos engenheiros até á, vespera da adjudicação, mas o sr. Hersent tinha sobre os outros concorrentes a superioridade que provinha de um incontestavel merecimento e aptidão reconhecida por todos, aptidão especial em trabalhos d'esta ordem. (Apoiados.)
Quando se tratou de organisar o projecto definitivo, e isto e preciso que a camara saiba, e não faço mais do que repetir o que consta dos documentos officiaes publicados, (Apoiados.) quando se tratou da organisar o projecto defi-
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nitivo, que havia de ser proposto á adjudicação publica, o que tivemos em vista foi não fazer um projecto que podesse ser destinado a um certo e determinado empreiteiro, (Apoiados.) porque se dizia que o empreiteiro que fizesse o projecto definitivo seria o que teria mais vantagem na adjudicação. (Apoiados.)
Disse o o sr. Fontes na camara dos pares.
E o sr. ministro das obras publicas attendendo a esta observação, que era justissima, incumbiu do formular este projecto aos srs. Matos e Adolpbo Loureiro que tinham collaborado no projecto do grupo nacional, cujas bases eram muito diversas das que tinha apresentado no concurso dos projectos o sr. Hersent. (Apoiados.)
Eu peço licença á camara para entrar n'estes pequenos detalhes, visto que se disse aqui que o projecto submettido ao concurso se fizera no intuito de favorecer uns certos e determinados individuos conforme os desejos do sr. ministro das obras publicas. (Apoiados.)
É tambem preciso accentuar bem este ponto. Dissera o sr. Fontes, com a capacidade que lhe dava a auctoridade do seu cargo e a longa pratica de serviços publicos, que o governo quando tivesse de formular o projecto definitivo que havia póde servir de base ao concurso, não incumbiria d'esse estudo um engenheiro estrangeiro, porque não queria dar preferencia a esse engenheiro ou ao empreiteiro que estivesse por detrás d'elle; nem mandaria fazer o projecto unicamente por engenheiros portuguezes este o receio, note a camara, é preciso que se attenda a isto bem, (Apoiados.) de que os empreiteiros estrangeiros, os unicos que podiam vir concorrer a uma obra d'esta ordem, receiassem dos calculos feitos pelos engenheiros portuguezes que ainda não tinham dado provas bastantes da sua capacidade n'este genero de trabalhos, e que por consequencia o concurso ficasse deserto. (Apoiados.)
Era isto que o sr. Fontes dizia na camara dos pares. (Apoiados.)
Foi n'estas circumstancias que o projecto definitivo foi incumbido não ao sr. Hersent, nem a um engenheiro representante de uma empreza estrangeira qualquer, mas a dois engenheiros distinctissimos do corpo de engenheria civil portugueza, que poderam recolher de todos os esclarecimentos e estudos, em que elles tinham collaborado, os elementos necessarios para formularem o plano definitivo do conjuncto de obras que tinha de ser submettido á adjudicação publica.
E o empreiteiro, que em 1885 era já reconhecido como o mais competente e o unico que poderia realisar as obras do porto de Lisboa, e de então para cá não tem desmerecido a consideração em que era tido, (Apoiados.) acceitou plenamente o projecto que era apresentado ao concurso, como elle declarou na sua proposta, não obstante ser muito differente do seu. (Apoiados.)
E eu desde já devo dizer que me surprehenderam todas as reflexões que aqui foram feitas com relação ao projecto definitivo (Apoiados.) pelo illustre deputado que me procedeu, porque ellas estavam em opposição aos documentos publicados (Apoiados.) que foram apresentados á camara.
Pela minha parte não posso comprehender que o sr. Pedro Victor tendo declarado na commissão de inquerito que as clausulas do concurso não podiam ser ignoradas por nenhum dos concorrentes, e que era projecto definitivo o que servira de base ao concurso, venha depois dizer á camara que se desviaram concorrentes, e que se deixara o projecto definitivo ao empreiteiro para o favorecer. Era talvez unicamente uma necessidade para basear uma apreciação que fosse desfavoravel aos pareceres da commissão especial e da junta consultiva que foram publicados, porque no relatorio da commissão de inquerito que aqui tenho presente se lê que o illustre deputado affirmou que o projecto posto a concurso era precisamente um projecto definitivo que satisfazia aos preceitos da lei. Esta é que é a verdade. (Apoiados.) O que o illustre deputado omittiu quando se referia ao projecto que o empreiteiro devia fazer foi era dizer que em todos os documentos officiaes, ou que têem auctoridade como taes, se denomina sempre esse projecto definitivo de execução.
Sabe v. exa. qual é a designação que lhe dá um homem que só póde reputar como competente para definir aquelle trabalho? É o proprio empreiteiro; no officio era que remetti ao projecto, que nós chamâmos no programma, definitivo de execução, dizia elle: Remetto a v. exa. o plano de execução com os detalhes dos trabalhos. É assim que o definia, e é assim que nós o considerâmos sempre. (Apoiados.) É necessario que distingamos.
Projecto definitivo dizia a lei sómente. Então não se fez? Fez-se, porque nada se alterou na proposta de concurso.
O que está designado no projecto é o avançamento dos caes marginaes que é a obra mais importante a resolver, e subsiste como se projectou.
Não se modificou tão pouco o comprimento dos muros e calado de agua junto dos cães, a superficie, situação e profundidade de agua das docas, tanto de fluctuação como de abrigo, as menores minuciosidades de serviço no porto de Lisboa, como são as vias ferreas, os telheiros, os apparelhos de carga e descarga ficam e permanecem exactamente iguaes como se descreveram no programma do concurso; porque o contrato estipula exactamente o mesmo.
Não é só isso, ha mais.
Todas as escadas, proizes ou postes de amarração, embarcadouros fluctuantes, e todos os mais pequenos detalhes que estavam definidos no programma do concurso, mantem-se plenamente.
Em que differe o projecto de execução do projecto apresentado ao concurso? N´aquillo mesmo em que podia differir; (Apoiados.) porque no programma o nas condições apresentadas no concurso se dizia positivamente que os typos dos muros de caes e os processos de fundação do projecto do concurso eram facultativos e não obrigatorios. (Apoiados.)
O empreiteiro tinha obrigação de apresentar uma memoria em que descrevesse as condições dos trabalhos, e o systema de construcção que pretendia seguir.
Na memoria descriptiva do projecto do concurso dizia-se, "Estes typos de muros são apresentados sómente como uma solução possivel, mas de modo algum exclue outros systemas e processos", e nos proprios desenhos se lia o seguinte: "O systema de construcção indicado n'estes typos de secções transversaes dos muros, é facultativo, podendo os concorrentes propor outros systemas, que serão adoptados, se forem approvados pelo governo".
Não póde, pois, dizer-se que se deixou a cargo do empreiteiro o projecto definitivo no intuito de o favorecer, porque o que elle tinha realmente de fazer era o projecto de execução dos trabalhos, segundo os processos propostos no concurso e approvados antes da adjudicação. Vou dar desde já a explicação por que se estabeleceu esta condição tão ampla: ella respondia a uma condição que estava no caderno de encargos remettido pelo direcção das obras do porto de Lisboa, na qual se dizia que os fundamentos dos muros dos caes podiam ser feitos em pilares e arcadas.
Os engenheiros que formularam o projecto não quizeram especialisar por um modo tão positivo o systema que já tinha sido indicado pelo sr. Hersent no seu primeiro projecto, e, por isso, se disse que seriam admittidos todos e quaesquer processos que dessem a necessaria garantia, para se admittir ao concurso não só o sr. Hersent, mas ainda outros quaesquer empreiteiros. (Apoiados.)
Aqui está a rasão por que se introduziu aquella clausula mais vaga do que estava no programma apresentado à approvação do governo pela direcção das obras do porto de Lisboa.
Foi exactamente para que se não dissesse que ou se haivam de fazer as obras tal como estavam projectadas ou
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sómente pelo processo do sr. Hersent, que se estabeleceu aquella condição.
Era para se excluir exactamente essa especie de preferencia, que se admittiam todos e quaesquer processos que fossem peculiares a outros grandes empreiteiros.
Isto não é innovação, e referir-me-hei logo ao processo seguido, mais extensamente, quando examinar os calculos do illustre deputado.
Passo agora a apreciar completamente alguns pontos das considerações de s. exa., parecendo-me que hei de convencer a camara do valor das minhas palavras, porque as minhas reflexões hão de ser positivas e justificadas.
Ha uma singularidade n'este projecto. Em Anvers, quando se fez a adjudicação das obras do caes, estabeleceu se uma clausula parecida, deixando-se aos concorrentes a faculdade de escolherem o systema de fundação, e havia tão differentes opiniões a este respeito, que o proprio ministro, das obras publicas dizia no parlamento que, emquanto aos systemas de fundações, era esse um negocio do empreiteiro.
É isto o que se póde ler em documentos publicados pelo ministerio das obras publicas da Belgica.
A singularidade que se deu em Anvers foi de ser preferida a proposta para a execução dos muros pelo systema do ar comprimido, estabelecendo-se as fundações continuas, em Jogar da construcção dos alicerces em arcadas, que fôra igualmente proposta, porque o systema adoptado para as fundações continuas era mais barato.
Os outros projectos que foram apresentados por differentes empreiteiros notaveis, como era a companhia de Batignolles, eram superiores, em preço, ao systema proposto pelo sr. Hersent, e, por isso, foi elle o adjudicatario. O que prova que não é, em absoluto, do systema de arcadas que provem a economia do projecto.
Todos nós sabemos tambem que na Belgica ninguem veiu discutir em seguida os lucros que viriam ao empreiteiro do seu processo especial de construcção.
V. exa. sabe que tenho muitos annos de serviço no ministerio das obras publicas, e estou convencido de que não ha ninguem que me possa dizer que, quando tratei de apreciar quaesquer das obras adjudicadas a empreiteiros, me não limitasse a examinar o andamento dos trabalhos a execução das condições do contrato, e que fosse olhar para os lucros d'esse empreiteiro.
implesmente procurava saber se elle cumprira exactamente as condições do contrato a que se tinha obrigado, e se fizera a obra com segurança e solidez.
Temos sido fiscaes do estado para ver se as obras estavam executadas nas condições com que foram adjudicadas, e nunca fomos inquerir se o empreiteiro pelo seu trabalho assiduo e pela sua experiencia e aptidão, ou por qualquer circumstancia especial tinha obtido lucros superiores aquelles que se haviam calculado nos projectos approvados, ou se tinha perdido.
Nunca vi que nas estações officiaes se occupassem dos lucros que os empreiteiros podessem tirar dos trabalhos que executavam, mas sómente se cumpriam os contratos e se as obras eram executadas pela fórma a que se tinham obrigado.
Como era que se podia affirmar previamente em qualquer circumstancia que um empreiteiro teria certos e determinados lucros?
E, sendo isto verdade para o mais insignificante trabalho, como se explicará, que agora, treze annos antes de concluidas as obras haja alguem que tenha, não sei como hei de definir isto, a presença de espirito de vir á camara dizer que os lucros certos de uma empreza que durará treze annos, e em que o empreiteiro está obrigado a todos os riscos e imprevistos, porque têem a garantia completa das obras, serão de 2.700:000$000 réis?
Pela minha parte nunca pude fazer previsões, ou antes prophecias d'esta ordem,
Simplesmente o que sinto é que o illustre deputado não fornecesse ao parlamento que votou a lei de 1885 esclarecimentos, para que em logar de se fixar a verba de réis 10.800:000$000 para as obras do porto de Lisboa, se poupassem esses 2.700:000$000 réis de lucros ao thesouro publico.
S. exa. certamente sabe que com relação a lucros certos, o proprio empreiteiro só poderá saber isso no fim, quando se fizer a liquidação geral dos trabalhos.
O que eu desde já desejo é que se cumpram integralmente as condições do contrato, (Apoiados) porque se assim succeder o paiz lucrará muito.
E a este respeito tomo a responsabilidade, se estiver n'esta casa, de impedir que, por qualquer fórma se pretenda conseguir qualquer alteração que modifique a essencia do contrato, para se compensar as injustiças de agora por favores indevidos, e faço votos para que não tenha de lembrar mais tarde isto mesmo, porque os lucros phantasticos hão de desapparecer.
O que em todo o caso se não póde affirmar, repito, é que o empreiteiro terá de lucros certos 2.700:000$000 réis.
O sr. ministro das obras publicas disse n'esta camara, e disse muito bem, que estava perfeitamente coberto por todas as estações officiaes, e alem d'isso pela responsabilidade technica dos engenheiros que consultou sobre este assumpto.
S. exa. disse a verdade. A preoccupação constante do illustre ministro das obras publicas era obter um projecto que satisfizesse, o mais amplamente possivel, ás necessidades do porto de Lisboa, e que correspondesse ás legitimas exigencias do commercio, não podendo adiar-se por muito tempo a realisação das novas obras, principalmente tendo-se em conta que era preciso um largo praso de tempo: para que ellas se concluíssem. S. exa. procurou obter a maior porção de obras e a maior massa de trabalhos dentro da verba que tinha sido auctorisada para esse serviço, e de modo que as obras satisfizessem completamente e da fórma mais economica ao que se desejava antes da abertura da praça, e antes mesmo do dia fixado para ella. (Apoiados.)
Fôra esta a recommendação que o sr. ministro das obras publicas fizera por mais de uma vez.
Todos sabem, é não é isto uma simples apreciação para o effeito da discussão, que a opinião de todas as pessoas que mais ou menos podiam intervir n'este negocio, era de que o projecto não podia executar-se completamente dentro da verba orçada. (Apoiados.)
Eu tive que dar algumas explicações a este respeito, o todas para responder a considerações que se faziam tendentes a mostrar que nós tinhamos approvado obras superiores ao custo fixado na lei.
O sr. Fontes dizia na camara dos dignos pares que se o sr. Hersent não quizesse acceitar as modificações que introduzira na sua proposta primitiva, sómente se perdia o tempo, o que já por varias vezes lhe tinha succedido por motivo das obras do porto de Lisboa.
O seu pensamento era obter a execução das obras nas condições mais favoraveis, por intermedio do engenheiro que elle reputava mais apto para as fazer e pela fórma que elle julgava daria grande vantagem ao estado.
Como desejo que a camara não fique debaixo da má impressão das cifras que apresentou o illustre deputado o sr. Pedro Victor, ser-me-ha permittido que desde já procure elucidai-a sobre este ponto, não seguindo a ordem de considerações que tencionava fazer, assim como espero que a camara me desculpará se não for tão explicito e tão claro quanto desejava ser, porque hontem não pude perceber bem algumas verbas destacadas que o illustre deputado apresentou, e hoje tive que copiar algumas outras quantias que ouvi citar, sem mesmos perceber dede logo o fim com foram trazida para esta discussão.
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Lastimo que o sr. Pedro Victor não tenha, apresentado ha mais tempo os seus calculos dos lucros do empreiteiro, para d'elles poder fazer um exame minucioso, e igualmente que nem mesmo no seio da commissão do inquerito contestasse os que tinham sido feitos pelos engenheiros que compõem a junta consultiva de obras publicas. Isso parecia denotar no seu auctor desconfiança fundamentada, de que, não poderiam soffrer um exame serio, e que eram sómente bons para os effeitos politicos de uma discussão superficial na camara.
Assim mesmo irei rebater esses calculos, porque as bases em que assentam consistem em inexactidões manifestas.
Principio por dizer que pasmei ao ver as verbas que o illustre deputado descreveu como economias a favor do empreiteiro, e entre ellas a que principalmente mais me surprehendeu, sem querer disputar ao nosso collega o sr.
Carrilho o exame dos calculos apresentados, que lhe eram destinados especialmente, foi a que se referia aos lucros do capital circulante do empreiteiro.
E s. exa. apresentou calculos e tantas cifras de economias que quasi estivemos a ver que o sr. Hersent fazia as obras do graça. (Riso.)
O illustre deputado fallou nos lucros de 350:000$000 réis do capital circulante, e confesso que não pude perceber bem o systema engenhoso, que elle queria applicar a esse capital para que produzisse tambem lucros tão elevados.
Imagina-se que elle disse que o emprezario tem de fazer as obras em dez aunou, mas que durante esses dez annos só é pago pelos seus trabalhos em todo? os semestres. (Apoiados.)
(Sussurro.)
Eu ouvi s. exas. em silencio. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Ordem, ordem.
(Interrupção do sr. Arroyo.)
O Orador: - V. exa. não me offende com os seus apartes.
O sr. Arroyo: - Eu não dirigi apartes a v. exa.; estou ouvindo-o com toda a tranquillidade, mas não façam v. exas. escarceus por uma cousa que não vale a pena. (Apoiados da esquerda.)
O Orador: - Querendo aquelles senhores (dirigindo-se á opposição.) só elles é que fallam. (Apoiados.) Estou acostumado a isso. Eu uso muito parcamente da palavra por esse motivo, porque não desejo por modo algum privar aquelles senhores do fallarem constamente antes da ordena do dia e sobre todos os projectos. Vejo que nem mesmo quando nós fallâmos elles podem resistir a esse enormissimo amor do fallar sempre. (Riso.) Eu ouvi tranquilamente o illustre deputado que me precedeu. (Apoiados.) Desde o momento que estou fallando para a camara, desejo ser ouvido, (Apoiados.) e logo que os meus collegas me não possam ouvir eu sou obrigado a fallar mais alto; o que me causa um corto incomodo, e é isso que eu podia a s. exa. que não me obrigassem a fazer. (Apoiados.)
u estava examinando a famosa conta do capital circulante e tenho de repetir o que dizia, porque se me enganar nos calculos desejo ser instruido. Essa conta provem de uma operação engenhosissima.
O empreiteiro tem de gastar 10.790:000$000 réis durante dez annos, a verba animal é pois de l.079:000$000 réis. O pagamento é feito aos semestres o anda por quatro centos e tantos contos cada semestre porque ha pequenos descontos a fazer.
O empreiteiro como não recebe senão no fim dos semestres e tem de despender dia a dia com o seu pessoal, precisa, ter disponivel uma quantia correspondente áquella verba exacta, mas como se admitte que não tenha o dinheiro todo em caixa e lhe dê algum emprego, achou o illustre deputado que não só podia apurar senão um juro muito diminuto, mas que ainda assim lançou á conta dos
lucros. Creio que foi d'este modo que começou o seu calculo.
Depois, como o empreiteiro não recebe só o que tinha gasto, porque ganha muito e sempre em todos os semestres por um modo methodico, d'ahi resultam já lucros o avultados, e juros e et costera.
Esta maneira do proceder merece a attenção da camara, porque é uma novidade imaginar-se que um empreiteiro qualquer, em todas as circumstancias de trabalho, vae ganhando sempre na proporção do trabalho que executo: e que executa exactamente uma parte da obra proporcional ao tempo.
Todos nós sabiamos até agora que na execução de uma grande obra o empreiteiro perde muitas vezes n'uma parte para ganhar n'outra, e que o trabalho não marcha com a regularidade do pendulo por depender do circumstancias puramente casuaes, e até do modo por que é dirigido e da experiencia adquirida. Nem isso mesmo se admitte, porque tudo deve ser igualmente feito a compasso.
O meu illustre collega chegou á proporcionalidade exacta e disse: o empreiteiro ganha tanto segundo os calculos que eu fiz, logo embolsa no fim de cada semestre uma certa somma, e essa somma vae render juros compostos ato ao fim da empreitada.
Eu estou realmente maravilhado. Quando no ministerio das obras publica? se fazem os projectos, não se entra realmente em conta com a despeza proveniente de empate do capital, mas a despeza existo realmente.
Eu estou porém habilitado ha muito tempo, a saber o que custa o desembolso do capital, emquanto se executam as obras, e por isso faço sempre de outro modo os calculos d'essa despeza. As vezes é necessario gastar muito no principio, nas expropriações por exemplo, que são caras e não se conseguem de graça, depois é preciso adiantar ás fabricas dinheiro pelos fornecimentos que ellas têem de fazer, adiantamentos que podem attingir a 50 por cento, de sorte que quando tinha de calcular, em logar de suppor que a despeza se faz mez a mez, avalio a media do juro do capital, segundo o tempo que durarão os trabalhos, cuja despeza mensal é sempre, muito variavel.
O illustre deputado, porém, encontrou um processo muito mais simples, é o de estabelecer logo um lucro certo em dinheiro em cada semestre e de suppor que o empreiteiro faz como qualquer pequeno negociante, que rasão podendo ter guarda livros nem a escripturação em dia, vae todos os semestres metter n'uma caixa economica os lucros que apurou n'esse semestre para accummular! E não sei ainda se estes lucros accumulações, assim chegarão a outros 3.000:000$000 réis?! (Riso.)
Ora já vê o illustre deputado que este processo é de uma simplicidade pasmosa! Mas s. exa. esqueceu-se de outra cousa; suppoz que o empreiteiro começava a trabalhar, precisando sómente do dinheiro que ia gastando com a gente que trabalhava, sem ter material absolutamente nenhum ! (Apoiados.) Pois o empreiteiro não tinha gasto nada antes de ter começado a obra?! (Apoiados.)
O empreiteiro vinha de longe a um concurso que se achava aberto durante noventa disse, para a execução de uma obra d'esta ordem, sem ter primeiro feito os seus estudos, os seus calculos, o que tudo traz despezas enormes, como fizeram os srs. Hersent e Batignolles e outras grandes emprezas que mandaram engenheiros, que se demoraram aqui muito tempo?!
V. exas., como são estranhos a estes assumptos, talvez não saibam, que estiveram em Lisboa engenheiros estrangeiros a estudar as obras do porto, fazendo sondagens e outros trabalho, donde que se começou a fallar com mais insistencia n'estas obras, creio que desde 1884.
Por consequencia, vê a camara, que já antes do concurso o Sr. Herseat tinha gasto não pouco capital. E o que é mais singular é que elle mesmo diz na sua memoria que precede o projecto apresentado ao concurso, que já se es-
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tava occupando de fazer o projecto das obras do porto de Lisboa, quando tivera conhecimento do programma de concurso para esse projecto. É elle que diz, que estava estudando os meios de levar á execução, segundo a sua proposta, as obras do porto de Lisboa.
Mas abre-se concurso por espaço de noventa dias, elle continua nas suas investigações, chegou o dia fixado apresenta a sua proposta, e esperou depois os quatorze dias para assignar o contrato definitivo; teve mais dois mezes ainda de demora para fazer o projecto de execução, e durante todo esse tempo nada gastou, absolutamente nada, na opinião do illustre deputado, porque só principiou a gastar desde o momento em que o sr. ministro das obras publicas foi inaugurar as obras! Mas quando s. exa. lá foi já viu edificios construidos e estaleiros cheios de material, e uma grande quantidade de barcos a vapor, dragas, etc.
Os illustres deputados, que forem viajar pelo Tejo, encontrarão por toda a parte, ou uma barcaça, ou um barco a vapor, ou uma draga, com a marca HH, que indica pertencer á empreitada Hersent esse barco ou essa draga.
Ha ali sobretudo dragas magnificas, que só póde possuir um empreiteiro d'aquella ordem. Ha muitos caixões já preparados, e muitos apparelhos montados, e tudo isto na opinião do illustre deputado nada custou.
Por uma avaliação feita muito ao de leve, o custo de todo esse material, reputo o muito superior aos 400 o tantos contos que no fim do primeiro semestre lhe concedia o illustre deputado pelos detalhes executados, comprehendendo uma parcella já forte dos lucros da empreitada, que se poria a render a juros compostos!!
Eu sei, não por experiencia propria, porque nunca dirigi emprezas d'esta ordem, mas por ter informado por pessoas mais competentes, que para a execução das obras do porto de Lisboa, o empreiteiro precisa ser mais de réis 1.000:000$000 disponiveis, afim de fazer fane ás despezas correntes e ao empate de capital em apparelhos e materiaes.
E isto parece-me evidente, attendendo á enorme quantidade de ferro, de cimentos e emfim, a toda a sorte de material necessario para as obras.
E esta mesma quantia, a juros compostos, durante toda a empreitada dá uma somma muito superior á que chegou o illustre deputado, mas contra o empreiteiro! Ora eu fazendo justiça ao seu talento sempre lhe digo que affirmar-se que um empreiteiro, quando vae executar uma obra, tira lucros do proprio dinheiro que tem de empregar n'ella, e realmente chegar a um resultado pasmoso e nunca visto.
Um empreiteiro que contava ganhar 1$000 réis, ou 500 réis, ou 20 réis, em um metro cubico deve dizer que vae ganhar tambem sobre o seu dinheiro. Porque? Porque são lucros do capital circulante!
Ora, sr. presidente, já vê a camara como estes grandes lucros de 350:000$000 reis, que faltavam ao illustre deputado segundo nos disse, para os seus 2.700:000$000 réis, desapparecem, e como realmente, um empreiteiro, de boa fé, não ia metter-se em uma empreza d'esta ordem contando com os lucros de capital circulante.
Mas vamos ás restantes verbas.
Eu vou seguindo a ordem dos calculos, o peço desde já desculpa á camara, pelo modo por que vou fazendo as minhas considerações.
O illustre deputado apresentou para fundamentar os seus argumentos, os projectos que eu tambem aqui tenho; e quando me referir ao ponto relativo á modificação do traçado das vias férreas, eu poderei mostrar á vista da planta se ella era ou não conveniente.
Vou, pois, cingir-me aos documentos que tenho presentes.
Fallou o illustre deputado nas obras do caneiro de Alcantara até ao Porto Franco, obras de que o empreiteiro, disse s. exa. desistiu. Eu tenho a dizer ao illustre deputado, que o empreiteiro não desistiu d'essas obras, porque não era obrigado a fazel-as; na sua memoria descriptiva apenas as descrevia como base de um futuro accordo.
E a proposito, devo fazer notar que foi injusto o modo porque s. exa. se referiu a essa memoria, fazendo suppor que ella fôra apresentada posteriormente á proposta; a apreciação de s. exa. é errada, e apenas se funda em uma differença de datas, que aliás não tem importancia, porque antes da abertura das propostas, foi a memoria descriptiva dos processos de construcção a peça official, que primeiramente foi consultada, como era expresso no programma, porque n'elle se estipulava, que o empreiteiro tinha obrigação de apresentar uma memoria em que designasse o systema de construcção que pertendia adoptar.
A proposta era para o caso do empreiteiro ser admittido a licitar, e unicamente ficaria obrigado a fazer as obras complementares, que n'ella fossem expressamente definidas.
As obras alem do caneiro de Alcantara, que constavam do uma doca e de um muro de caes, no alinhamento dos muros exteriores do porto eram facultativas, e como não vinham indicadas na proposta não tinha organisação o empreiteiro de as executar.
O sr. Hersent só se offerecêra a fazer um caminho de ferro entre Alcantara e Belem, sem nenhuma sujeição aos muros de caes, e como isso não convinha ao governo é evidente que nenhum desconto haveria a, fazer no preço da empreitada.
Disse o sr. Pedro Victor que essas obras custariam 408:000$000 réis, e eu encontro sómente no orçamento 427:884$000 réis para as obras do carneiro de Alcantara.
Ora, eu devo dizer á camara que, sendo estas obras do caneiro de Alcantara introduzidas no projecto, como obras não obrigatorias, estes 427:884$000 réis pertencem á administração e imprevistos, d'onde haviam sido tirados para aquelle fim unicamente, o que é evidente, porque a verba de 234:806$835 era insufficiente para administração e imprevistos.
Em todos os orçamentos se inclue uma verba para imprevistos de maior ou menor importancia, conforme a natureza das obras, e principalmente n'aquelles que não estão sujeitos a uma apreciação tão rigorosa como era para desejar.
Por consequencia, com que pretexto se pretende deduzir essa quantia do custo das obras como sobras do orçamento?
Seguem-se as calçadas; e n'este ponto eu sinto que o sr. Pedro Victor, quando esteve na commissão de inquerito, não visse que as calçadas designadas no orçamento não eram exactamente aquellas a que se referiu.
O illustre deputado sr. Pedro Victor, quando usou da palavra, pretendeu demonstrar á camara o que era medição das obras, o depois veiu explicar-nos o modo como ellas se faziam. Ora, eu tambem terei de recorrer á paciencia da camara para explicar bem este ponto.
No orçamento temos calçadas a 400 réis o metro quadrado; ora, quer v. exa., sr. presidente, vero que está no orçamento do projecto definitivo?
Para evitar confusões, em vez de projecto, chamar-lhe-hei plano definitivo.
"Capitulo Vil, artigo 2.° - Pavimento:
"Calçadas, 161:000m2 a 400 réis, 64:400$000 réis."
Ora, já se vê que não é a mesma cousa, porque o preço de applicação é differente.
O pavimento fica completamente separado e independente do caes, e esta verba é distincta das calçadas junto aos caes, para as quaes ha na serie preço differente que é de 1$000 réis.
As calçadas designadas como pavimento empregam se nas vias ferreas, passagem de nivel, caminhos de accesso aos varadouros, onde costuma haver sempre-calçada para facilitar a passagem das carroças.
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Mesmo nos telheiros se estão adoptando calçadas para melhor resguardo das mercadorias.
Não só em relação a esta parte, mas a todas as demais, é o contrato que tem de regular as relações entre o governo e o empreiteiro; e sobre isso diz a junta consultiva no seu parecer de 9 da janeiro d'este anno o seguinte: d'esta conclusão se deduz a obrigação em que fica o empreiteiro, de executar todas as obras, salvo aquellas para que expressamente tem auctorisação em contrario.
E como o contrato fixa a largura minima de 10 metros para as calçadas junto aos caes, alem das que forem necessarias, a isso está obrigado o empreiteiro.
A junta diz claramente que se não podem fazer modificações, senão as que forem expressa e absolutamente auctorisadas ou impostas; porque as modificações tambem podem ser impostas pelo governo.
Por consequencia, o empreiteiro é obrigado a construir junto aos caes as calçadas designadas nos perfis e alem d'isso a fazer o provimento correspondente á verba especial descripta para esse fim.
A respeito das cantarias, noto eu uma circumstancia curiosa, e é que em todos os documentos que tenho presente, tanto a commissão como a junta se referem ás cantarias, dizendo que ellas devem ser feitas, conforme o programma do concurso.
E depois d'isto não sei se ainda alguem póde vir dizer, que as cantarias devem ser feitas por um modo diverso, quando se entende sempre que o empreiteiro é obrigado expressamente ao cumprimento do contrato, e só é dispensado de o fazer n'aquillo para que tiver auctorisação positiva do governo.
E v. exa. vê já que eu reduzi tambem a zero essa verba de lucros.
Que a cantoria custe por metro cubico 42$000 réis, 17$000 réis, 15$000 réis, ou 13$000 réis, isso pouco importa.
O que importa é que não haja alteração alguma no programma submettido ao concurso publico, e no contrato.
E não ha alteração alguma. O empreiteiro é obrigado a cumprir as condições do contrato, as quaes são copia textual das condições approvadas pelo governo e presentes ao concurso.
Não ha alteração alguma. Este ponto é que eu desejo que fique bem accentuado para servir de base ás futuras administrações quando tiverem de decidir as questões que sobrevierem entre o empreiteiro e o estado, que hão de ser muitas, difficeis e complicadas, como succede sempre em obras d'esta natureza.
A base unica para a execução integral do contrato é esta: só por declaração expressa do governo, só por acto formal d'elle é que o empreiteiro se póde julgar auctorisado a fazer alterações.
As obrigações que o contrato impõe ao empreiteiro são as que se hão de executar, e eu faço votos para que os governos que se succederem a este ponham n'este assumpto o mesmo cuidado que n'elle tem posto o actual sr. ministro das obras publicas. (Apoiados.)
Faço estes votos, e espero occasião opportuna para lembrar isto, se tiver assento na camara; porque, note v. exa., todos estes lucros se hão de desvanecer, pois são baseados em apreciações infundadas.
Basta dizer-se que o empreiteiro começa agora os trabalhos, e já se affirma que elle ha de ganhar 2.770:000$000 réis, para se ver quanto esta asserção e infundada.
Não é admissivel que uma pessoa, por mais recursos propheticos que possua, por mais conhecimentos especiaes sobre o assumpto que tenha, possa vir affirmar á camara n'este momento que o empreiteiro ha de ganhar aquella ou outra qualquer quantia.
Está a dar a hora, ou já deu; mas referir-me-hei ainda ás alvenarias, e depois pedirei a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.
Emquanto ás alvenarias, seguindo o processo adoptado pelo illustre deputado, chegarei a mostrar que ha prejuizo para o empreiteiro.
Para as alvenarias ha na serie de preços, preços elementares, composição de preços e preços da applicação, como se vê dos documentos que foram presentes ao concurso.
O illustre deputado separou a alvenaria dos pilares do resto da construcção, e calculou o preço a applicar a estes deduzindo a differença do custo entre o cimento e a cal de Theis.
Aos linteis fez o mesmo tirando o ferro, e achou um preço medio para as duas partes da obra que acrescentou depois com uma verba para ferro applicando depois ess media a todos o volume.
Este processo é erroneo.
Bastará por hoje dizer que adoptando o mesmo systema eu chegarei de um modo positivo a provar que o preço por metro cubico de alvenaria dos pilares será de 8$600 réis, e não 7$200 réis, que o custo da alvenaria dos linteis será de 12$630 réis em vez de 5$000 e tanto que lhe attribue o illustre deputado, e que o preço medio final será portanto muito superior ao que aqui se apresentou, e se deverá achar por outra fórma.
Não posso entrar hoje em mais considerações a este respeito, porque a hora está muito adiantada. Ficarão para a seguinte sessão.
Emquanto aos enrocamentos, esqueceu-se o sr. Pedro Victor de uma simples consideração, e é que elles d'antes eram postos por traz dos muros, e hoje não digo que sejam postos por fóra dos muros, mas á face d'elles e expostos ás vagas. O empreiteiro na sua nota diz:
[paragrafo em....]
"En arrière du mur et du linteau ou immergera des enrochements à pierres perdues, qui fermeront ses ouvertures, et dont le talus, qu'ils prendront du coté du Tage aura une inclinaison ne dépassant pas 45 degrés."
Esta consideração devia dispor desde logo contra o calculo aqui apresentado.
Quando se fez o estudo dos projectos apresentados ao concurso, no relatorio feito pelo sr. João Chrysostomo, que a junta consultiva de obras publicas perfilhou, calculando-se os preços dos diversos projectos, diz-se constantemente que o preço medio das alvenarias tanto na parte inferior ao zero hydrographico como na parte superior, não podia descer abaixo de 7$000 réis, e que este preço era muito inferior ao custo de obras analogas em outros paizes, e que os enrocamentos custariam mais de 1$500 réis.
Sabe v. exa. qual é hoje o preço medio por metro cubico que custa ao paiz a alvenaria feita segundo o systema do sr. Hersent? E de 5$416 réis. Não se suppunha nunca poder chegar a preço tão diminuto que não tem igual em obra nenhuma construida. (Apoiados.) Os enrocamentos custam 1$000 réis sómente.
Peço a v. exa. o favor, visto que deu a hora, de me reservar a palavra para a sessão seguinte.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado.)
O sr. Presidente: - O sr. Fuschini tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão, mas como já deu a hora, vou consultar a camara.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Fuschini: - Desejo chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para o facto da companhia das aguas do Porto estar mandando affixar nas portas dos proprietrarios intimações sem serem selladas. Tendo-se perguntado o motivo por que ella não cumpria os preceitos da lei, respondeu-se que estava auctorisada a isso pelo sr. ministro da fazenda. Não supponho que exista tal auctorisação e por isso chamo a attenção do sr. ministro da fazenda sobre este ponto, a fim de s. exa. dar immediatamente as suas ordens para cessar este abuso.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Não dei ordem nenhuma isentando a companhia
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das aguas do Porto de pagar qualquer imposto que deva ao estado.
Tomo nota da observação feita pelo illustre deputado e vou telegraphar ao inspector de fazenda para que cohiba qualquer abuso que exista.
O sr. Presidente: - Ámanhã ha trabalhos era commissões. A ordem do dia para sexta feira é a mesma que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram mais de seis horas da tarde.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.