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SESSÃO DE 18 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sonsa Cavalheiro
Julio Antonio Luna de Moura

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de um officio do ministerio da justiça, satisfazendo a um requerimento do sr. Teixeira de Vasconcellos.- Segunda leitura e admissão de um projecto de lei apresentado pelo sr. Elvino de Brito, approvando o contrato provisório para a illuminação a gaz na Covilhã.- Duas representações apresentadas pelo sr. Alves Passos.- Requerimentos de interesse publico mandados para a mesa pelos srs. Ferreira de Almeida, Espregueira, Costa Lereno e Luciano Cordeiro.- É aggregado á commissão do ultramar o sr. Carlos Roma du Bocage.- O sr. Abilio Lobo faz diversas considerações ácerca de uma referencia feita pelo sr. Emygdio Navarro a um artigo do jornal O portuguez, attribuindo-lh'o.- O sr. Ferreira de Almeida allude ao abuso praticado por diversas emprezas de minas, lançando para o Guadiana as aguas das lavagens dos minerios, rectificando nesta parte o que anteriormente dissera relativamente a mina de S. Domingos.- Insta o sr. Espregueira pela remessa de documentos.- Trocam-se explicações entre os srs. Elvino de Brito e ministro da justiça ácerca de uma proposta que attribuia ao juiz substituto da Covilhã para a nomeação de juizes substitutos.- O sr. Antonio Maria Jalles apresenta um projecto de lei ácerca dos empregados do ministerio dos negócios estrangeiros. - Manda para II mesa uma proposta de lei o sr. ministro da fazenda.

Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.° 141 (fabrico exclusivo dos tabacos).- Combate largamente o projecto o sr. Carlos Lobo d'Avila.- Responde-lhe, defendendo o projecto, o sr. barão de Paço Vieira (Alfredo).

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 57 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Agostinho Lúcio e Silva, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Maria Jalles, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto José Pereira Leite, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Elvino José de Sousa e Brito, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Pereira Falha Osorio Cabral, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco José de Medeiros, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, João Alves Bebiano, João de Paiva, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Simões Pedroso do Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Simões Ferreira, Joaquim Teixeira Sampaio, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Bento Ferreira de Almeida, José Christovão Patrocínio de S. Francisco Xavier Pinto, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Júlio Rodrigues, José Maria Charters Henriques do Azevedo, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Luciano Cordeiro, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Luiz Virgílio Teixeira, Manuel Affonso Espregueira, Manuel Francisco Vargas, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro Ignacio de Gouveia, Pedro Victor da Costa Sequeira, Thomás Victor da Costa Sequeira e Visconde do Tondella.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emílio de Sousa Cavalheiro, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alfredo Mendes da Silva, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio José Arroyo, Antonio José Ennes, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Mendes Pedroso, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Augusto Maria Fuschini, Carlos Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Villa Real, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduardo de Jesus Teixeira, Eduardo José Coelho, Emygdio Júlio Navarro, Estevão Antonio de Oliveira Júnior, Eugênio Augusto Ribeiro de Castro, Fernando Mattozo Santos, Fidelio de Freitas Branco, Fortunato Vieira das Neves, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo da Silva Corte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco Severino de Avellar, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jacinto Cândido da Silva, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José do Alpoim de Sousa Menezes, José de Azevedo Castello Branco, José Elias Garcia, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Freire Lobo do Amaral, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Maria de Alpoim do Cerqueira Borges Cabral, José Maria Greenfield de Mello, José Maria do Oliveira Peixoto, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Monteiro Soares de Albergaria, Julio Cesar Cau da Costa, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Attbnso da Silva Monteiro, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpção, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Pinheiro Chagas, Miguel Dantas Gonçalves Pereira e Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Adolpho da Cunha Pimentel, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alfredo César Brandão, Antonio Costa, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto da Cunha Pimentel, Bernardino Pereira Pinheiro, Caetano Pereira Sanches de Castro, Conde do Côvo, Eduardo Abreu, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João de Barros Mimoso, João José dAutas Souto Rodrigues, João Marcellino Arroyo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Moreira, Joaquim Alves Matheuw, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio de Almeida, José Dias Ferreira, José Domingos Ruivo Godinho, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, José Maria dos Santos, José Paulo Monteiro Cancella, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Pedro de Len-

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castre (D.), Sebastião do Sousa Dantas Baracho e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da justiça, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado João Pereira Teixeira de Vasconcellos, a representação e mais documentos dos habitantes do concelho de Ilhavo, pedindo a creação de un officio de tabellião publico de notas com residencia obrigatoria n'aquella villa.
Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Artigo 1.° E approvado o contrato provisório para a illuminação a gaz da cidade da Covilhã, feito aos 19 de agosto de 1889, entre a camara municipal da dita cidade e Diogo Souto, com as condições constantes do referido contrato, que faz parte d'esta lei.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 17 de julho de 1890. - Elvino de Brito, deputado pela Covilhã.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

REPRESENTAÇÕES

De commerciantes e mestres de officinas de pregagem, pedindo que se crie o imposto de 200 réis por kilogramma de pregagem importada, que se permitia a entrada li vido material destinado áquella industria, e que seja ferrado com cravo nacional o gado cavallar e muar dos corpos de cavallaria.

Apresentada pelo sr. deputado Alves Passos, envia-la á commissão de commercio e artes, ouvida a da fazenda mandada publicar no Diario do governo.

De empregados do commercio do Braga, pedindo que se determine por lei o encerramento dos estabelecimentos commerciaes aos domingos e dias santificados.

Apresentada pelo sr. deputado Alvas Passos, enviada á commissão de petições e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro, pelo ministerio da marinha, copia do relatorio do engenheiro José Sampaio, na sua viagem de Benguella ao interior. = F. de Almeida.
Mandou-se expedir.

Requeiro que o ministerio da marinha e ultramar remetta a esta camara uma nota do custo dos terrenos occupados pelo caminho de ferro de Mormugão. - M. A. Espregueira.
Mandou-se expedir.

Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar mo seja enviada nota das vagas de empregados de saude, actualmente existentes nos quadros de saúdo cio ultramar. = O deputado, Antonio Manuel da Costa Lereno.
Mandou-se expedir.

Requeiro, por parte da commissão dos negócios do ultramar, que seja enviado ao governo para informar, pelo ministerio da marinha, o adjunto requerimento de D. Josephina Luiza dos Santos Galvão. - Luciano Cordeiro, secretario da commissão. Mandou-se expedir.

O sr. Alves Passos: - Mando para a mesa duas representações, uma dos empregados do commercio de Braga, adherindo a outras representações que já têem vindo a esta camara, pedindo o encerramento dos estabelecimentos aos domingos; e outra dos proprietários e mestres de officinas de pregagem, pedindo que se crie um imposto de 200 réis por kilogramma de pregagem importada, que se permitia a entrada livre do material destinado áquella industria, o seja ferrado com cravo nacional o gado cavallar e muar dos corpos de cavallaria.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que estas representações sejam publicadas no Diario do governo.

Por ultimo peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas, porque desejo chamar a sua attenção para um negocio importante.

Foi auctorisada a publicação no Diario do governo.

O sr. Antonio Maria Cardoso: - Por parte da commissão do ultramar, mando para a mesa a seguinte proposta, de que roqueiro a urgência:

«Proponho que á commissão do ultramar seja aggregado o sr. deputado Carlos Roma du Bocage. = Antonio Maria Cardoso.

Foi admittida a urgencia e, aggregado á commissão do ultramar o sr. Carlos Roma du Bocage.

O sr. Abilio Lobo: - Hontem na sessão nocturna o sr. Emygdio Navarro, que entrara na discussão por parte do partido progressista, lembrou-se de vir a esta casa ler um artigo do jornal O Portuguez, insinuando que o artigo, era meu. Verdade é não ter s. exa. proferido o meu nome, mas referiu-se às iniciaes, com que assigno na imprensa que correspondem exactamente ao nome por mim adoptado em actos não officiaes.

Confesso que o artigo é meu, e essa responsabilidade não declino eu.
Eu podia, se quizesse, acceitar a doutrina, e deixal-a passar em julgado, de que por aquillo que se escreve na imprensa se respondo na imprensa, e podia mesmo auctorisar-me em precedentes notáveis de distinctos jornalistas, que na sessão passada tinham assento nesta camara, e pertenciam então a maioria que apoiava o governo progressista ir lá para fora, para os jornaes, combater projectos e anavalhar a reputação dos ministros que os apresentavam e vir depois para esta casa dar apoio a esses ministros e votar esses mesmos projectos que lá fora combatiam; mas eu tomo inteira e completa a responsabilidade do artigo, e tomarei sempre inteira e completa a responsabilidade dos meus actos no campo em que ma pedirem. Pedem-me aqui a responsabilidade do artigo inserto no Portuguez, dal-a-hei aqui.

Não me refiro mais ao sr. Emygdio Navarro, porque não o vejo presente, e entendo ser boa praxe parlamentar não fazer referencias a indivíduos que não podem immediatamente responder às asserções que se fazem.

Pondo de parte esta explicação, que era necessária, vou ao fim que me propuz, pedindo a palavra.

O artigo que vem no Portuguez é meu; tem, e certo, um ponto de vista differente do pensar do governo e da commissão com respeito á base 7.ª do projecto relativo ao exclusivo do tabaco. Como v. exa. vê, é um ponto de vista muito meu, numa questão muito secundaria do projecto, pois que em nada alterará a economia do projecto serem os 7:200 contos recebidos pelo estado em duas ou mais prestações. Entendo eu que, a seguir-se o meu alvitre, apresentado no Portuguez, a praça seria mais concorrida e como este é manifestamente tambem o desejo do go-

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verno, claro é que, se o meu alvitre não for acceito, rasões imperiosas de administração publica a isso se oppõem.

Fica portanto assente divirgir eu da opinião do governo numa parte do projecto perfeitamente secundaria, que nada affecta a essencia do projecto; que é uma opinião minha, opinião que não me Decorreu, quando o projecto se discutiu na commissão de fazenda a que pertenço, mas que eu espero ainda poder apresentar na mesma commissão, quando ella se reunir para examinar as emendas que têem sido apresentadas.

Como disse, esta opinião não representa absolutamente divergencia alguma na essencia do projecto; (Apoiados.) e, ou ella seja acceita, ou não seja acceita, a minha situação n'esta camara e no partido regenerador é exactamente a mesma que até aqui tenho tido, (Apoiados.) como se prova pelo facto de eu ter assignado o projecto sem acompanhar o meu nome com a nota de vencido ou com declarações.

E não foi só esta a divergência que eu tive na commissão, E isto póde dizer-se francamente, porque não é cousa que me deslustre, nem que deslustre o governo ou a commissão. Tive outras divergências. Por exemplo, eu combati na commissão, e digo isto bem alto, sentindo não ver presente o meu illustre amigo o sr. Fuschini, que é o Senhor dos Afflictos das degraças alheias; eu combati na commissão tudo aquillo quanto no projecto em discussão era transplantar do systema da régie com relação aos operarios. Eu tenho opiniões assentes e definidas sobre esse assumpto. Eu entendo que se deve fazer em favor do operariado tudo quanto for justo; mas entendo tambem que se não devia implantar nesta lei um exemplo, que ha de ser funestissimo para as demais industrias portuguezas, que não podem tolerar taes encargos; exemplo que, se for seguido, será por completo a ruina da industria nacional.

Mas esta questão não é para agora. O facto é que essa divergência, bem mais grave do que a manifestada no Portuguez, não me levou, nem a afastar-me do governo, nem mesmo a assignar o projecto com declarações; assim como essa outra divergência, que depois expuz na imprensa, de maneira nenhuma me desvia do caminho que estou resolvido a seguir, com relação ao governo. (Apoiados.)

Alem d'isso, sr. presidente, eu, embora divida n'estes pontos do projecto, entendo que o projecto é necessario, é fatal. (Apoiados.) Comprehendo, que nem o sr. ministro da fazenda nem a camara tenham grande vontade de lançar mão deste expediente; mas, depois da declaração feita hontem n'esta camara pelo sr. Emygdio Navarro, textuaes palavras: «que o estado portuguez, no consulado progressista, se havia prestado a expoliações mais ou menos ardilosas»; v. exa. comprehende que, em taes circumstancias, esta camara tem o dolorissimo dever de tapar todos esses rombos, que a inconsciência dos homens que então estavam á frente dos negócios públicos deixou abrir, «permittindo que o estado se prestasse a essas expoliações mais ou menos ardilosas». (Apoiados.)

Do artigo publicado no Portuguez, assignado por um membro da maioria parlamentar e da commissão de fazenda, quiz o sr. Navarro concluir que o projecto em discussão era tão mau, que até esse membro da commissão de fazenda o combatia na imprensa.

A mim parece-me que a conclusão a tirar do artigo e da posição do escriptor é que o projecto a que me tenho referido, é de uma tal urgência para minorar as difficuldades em que se encontra o thesouro depois das taes expoliações ardilosas, que esse membro da commissão de fazenda, embora divergindo do projecto em pontos secundarios, o applaude e vota. Vozes: - Muito bem.

O sr. Espregueira: - Peço a v. exa. que me diga se já foram remettidos, pelo
ministerio da marinha, alguns dói esclarecimentos que pedi era 31 de maio e em 20 de junho.

O sr. Presidente: - Vou mandar informar á secretaria.

O sr. Ferreira de Almeida: - Numa das ultimas sessões chamei a attenção do governo para o facto de serem lançadas no rio Guadiana as aguas das lavagens dos minérios da mina de S. Domingos, o que destruía a creação dos peixes, os pastos, etc.

Fui depois informado pelo sr. conselheiro Pedro Victor, chefe da repartição de minas, que effectivamente estes factos se deram em tempo, mas que, em virtude do prejuízo que isso causava, e que era necessario remediar até certo ponto, a empreza da mina fora obrigada a fazer uma grande repreza, onde só conservam as aguas dessas lavagens e que só em occasiões do grandes cheias são descarregadas no rio.

De modo que, se d'aqui póde provir algum perjuizo, elle é attenuado em grande parte pelo movimento commercial que a exploração da mina dá a esta região.

É certo, porém, que em Hespanha varias emprezas exploradoras de minas, menos escrupulosas, lançam as aguas das lavagens dos minérios na ribeira de Chança, as quaes vem descarregar no Guadiana, o que traz comsigo um mal importante.

Faço esta rectificação em virtude das informações que me foram dadas, e reconhecendo que, se effectivamente ha algum prejuízo por causa da descarga das aguas, feita pela mina de S. Domingos, na occasião do rio levar maior volume de aguas, é por demais compensado pelo movimento commercial que a mina dá áquella região, quer com a entrada e saída de navios, quer na exploração da mina.

O que é preciso é que o governo reclame do governo hespanhol contra a forma por que se faz a exploração dos pequenos jazigos, que lançam na ribeira de Chança as suas aguas de lavagem, para que a sua acção nociva, não se podendo evitar era absoluto, seja ao menos tão limitada e reduzida quanto possível.

Era isto o que eu tinha a dizer como completamente e rectificação das observações que ha dias fiz sobre este assumpto.

O sr. Presidente: - Os documentos pedidos pelo sr. deputado Espregueira, relativos aos caminhos de ferro da Lourenço Marques, Mormugão e Ambaca, foram requisitados pela mesa em 31 de maio, instando-se depois pela sua remessa em 8 de junho.
Ainda não vieram.

O sr. Espregueira: - Peço a v. exa. que inste novamente pela remessa desses documentos, de que tenho absoluta necessidade, para entrar na discussão do projecto relativo ao caminho de ferro de Mossamedes.

Para esta discussão não e indifferente nenhum dos documentos que pedi, pois é preciso que se saiba o modo como estilo sendo exploradas as linhas de Lourenço Marques, Mormugão e Ambaca, e quaes as despezas de exploração o as receitas. Se o governo, porém, não tiver ou não julgar conveniente remetter taes documentos á camara, desejo pelo menos que dê uma resposta ao meu pedido.

Tenho hoje de apresentar um novo podido, relativo ao caminho de ferro de Mormugão. Como a camara sabe, este caminho de ferro tem a garantia do governo portuguez, e ha terrenos que foram adquiridos pelo estado o entregues á companhia para a exploração da linha, sem que até agora tenham sido apresentados á camara quaesquer documentos comprovativos do custo real desses terrenos e mais despezas.

Como naturalmente essas despezas já foram realisadas e d'ahi resultou para o orçamento do estado um encargo annual, é conveniente que a camara saiba a quanto montam as despezas pagas com a garantia de juro e os encargos provenientes da compra d'essa terrenos para a exploração da linha. Julgo necessario, desde, que vamos discutir uma nova

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linha no ultramar, que estes documentos sejam remettidos a camara.

Visto estar presente o sr. ministro da justiça, peço a s. exa. que transmitia ao seu collega da marinha o meu pedido frizando bem que, se por qualquer motivo esses documentos me não podem ser remettidos, desejo uma rés posta nesse sentido.
(S. exa. não reviu.}

O sr. Presidente:-Vou instar novamente pela remessa dos documentos que v. exa. pediu ha tempo. O requerimento que v. exa. acaba de fazer vae ser expedido.

O sr. Elvino de Brito: - Antes de se referir ao assumpto para que pedira a palavra, desejava associar-se ao pedido do sr. Espregueira, e pedir tambem pela sua parte que fossem mandados á camara o parecer da junta consultiva de obras publicas e minas, a memória descriptiva e projectos e orçamentos do caminho de ferro de Mossamedes, porque queria entrar na discussão do projecto que estabelecia esse caminho de ferro.

Agradecia ao sr. ministro da justiça o ter comparecido á sessão, a seu pedido, para tratar de um assumpto que reputava grave.

Recebera uma carta da Covilhã, em que se dizia que o juiz interino d'aquella comarca, tendo de apresentar uma proposta de quatro nomes para juizes substitutos, apresentara essa proposta, sendo tres de bachareis formados em direito e o quarto de um indivíduo que não o era.

Segundo a lei, só podiam ser propostos bachareis formados em direito, e que não exercessem a advocacia na comarca.

Ora, na comarca da Covilhã havia seis bachareis n'estas condições, de cujos nomes tinha uma relação, que entregava ao sr. ministro.

Essa proposta fora enviada ao presidente da relação, e esse magistrado devia por sua vez envial-a ao sr. ministro da justiça, para que o sr. ministro despachasse.

Desejava perguntar a s. exa. se estava resolvido a fazer cumprir a disposição do decreto n.° 3 de 29 de março, que estabelecia claramente que não podiam ser propostos senão bachareis em direito.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando S. exa. o restituir.}

O sr. Ministro da Justiça (Lopo Vaz): - Transmittirei ao meu collega da marinha os desejos manifestados pelos srs. deputados Espregueira e Elvino de Brito, e estou certo que elle não terá duvida em mandar os documentos que lhe foram pedidos, desde o momento que existam na sua secretaria.

Não me parece que elle queira fazer reserva dos documentos, e, se tem havido demora na remessa, essa demora deve talvez explicar-se pelo tempo que às vezes é preciso gastar em tirar as copias.

Em todo o caso, os illustres deputados podem ter a certeza de que o meu collega não recusa qualquer esclarecimento que exista na sua secretaria e que seja reputado indispensável para a discussão do projecto relativo ao caminho de ferro de Mossamedes, ou outro qualquer que se julgue necessario para a apreciação dos actos do governo.

Passo agora a responder ao assumpto especial para que chamou a minha attenção o sr. Elvino de Brito.

Tem s. exa. um conhecimento do assumpto que eu ainda não tenho, o que aliás podia ter, porque é um assumpto do administração que corre pela minha pasta.

Pelo decreto n.° 3 de 29 de março ultimo, pertence aos presidentes das relações fazer as propostas para a nomeação dos juizes substitutos, e sob essa proposta incumbe ao governo fazer as nomeações.

Para desempenho das disposições desse decreto, official aos presidentes das relações para que mandassem ao ministerio da justiça as suas propostas, sobre as quaes não dei ainda despacho, nem sequer as vi, pela rasão de que fiz o proposito de não fazer despacho algum, senão depois do approvado pelas duas casas do parlamento o projecto do bill.

Não sei, portanto, até que ponto será verdadeira a informação do illustre deputado, e creio mesmo que s. exa. não póde responder pela informação que lhe deram, porque essas propostas não foram publicadas, nem as presidencias das relações estavam auctoridades a dar-lhes publicidade, e por consequencia as informações de s. exa. podem ser ou não exactas.

Suppondo, porém, que a hypothese que s. exa. formulou é verdadeira, suppondo, mas não admittindo, porque ainda não vi a proposta que deve estar na secretaria, devo dizer a s. exa. em primeiro logar, que nós não temos que discutir ate ao presente o procedimento do juiz effectivo ou substituto da Covilhã.
Segundo o decreto de 29 de março, não existe officialmente, para o facto de se formular a proposta, senão o presidente da relação. O presidente da relação manda essas propostas para a secretaria respectiva, isto é, as das comarcas do districto de Lisboa e não das do Porto, porque s. exa. disse, certamente por equivoco, que a Covilhã pertencia ao districto do Porto, quando pertence ao de Lisboa.

Na occasião em que eu examinar este assumpto, se alguma proposta não estiver conforme com a lei, rejeital-a-hei. Mas devo dizer que o magistrado que se achava exercendo essas funcções nesse tempo me inspira a maior confiança; é um magistrado integerrimo e zeloso, e que muito respeito, o sr. conselheiro José Pereira. (Apoiados.)

No caso, porém, de alguma duvida se levantar a esse respeito, póde o illustre deputado estar certo que hei de fazer cumprir a lei, fazendo com que o magistrado que actualmente exerce as funcções da presidencia da relação, que é igualmente um magistrado integerrimo e que me inspira igual confiança, tome as providencias que julgar convenientes, rectificando a proposta do seu antecessor, se não estiver nas condições de ser approvada.

De passagem, devo dizer ao illustre deputado, que não basta que se seja bacharel formado e residir em qualquer comarca para ter a idoneidade e as condições especiaes para o desempenho do serviço de que se trata.

Não conhecendo nenhum dos cavalheiros a que s. exa. alludiu, parece-me que posso declarar, e isto não significa a mais pequena insinuação, que ha muitos individuos que não são bachareis e que têem as condições necessárias e indispensáveis para esto serviço.

Repito, não conheço esses cavalheiros, mas acredito muitíssimo na sua idoneidade, como devo acreditar a idoneidade de toda a gente, emquanto não tenho provas em contrario; mas não me parece tão absoluta a these de que tenha sempre de nomear-se bachareis formados.

E necessario notar que o presidente da relação, que tem a responsabilidade da proposta, quando vir que um homem que não é bacharel formado satisfaz todavia a todas as condições de idoneidade e a todas as condições moraes para bem desempenhar aquelle cargo, deve preferil-o ao que, sendo aliás bacharel formado, não reúne todas aquellas condições de idoneidade.

Anteriormente á legislação de 1886 havia a legislação da reforma judiciaria, que não estabelecia a doutrina de que essa nomeação devia recahir em bachareis formados, mas em homens que satisfizessem a todas as condições de idoneidade para bem desempenharem aquelle serviço.

Muitas vezes, nas comarcas onde havia bachareis formados, não só aquelles individuos eram propostos, mas até acontecia que, entrando em propostas dos juizes de direito e dos presidentes das relações, os ministros da justiça nomeavam para primeiros substitutos individuos leigos, collocando os bachareis formados em segundo e terceiro logar, por entenderem que elles não satisfaziam às indispensaveis condições de idoneidade.

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Posso assegurar ao illustre deputado que, emquanto eu exercer as funcções de ministro da justiça, não influirei nunca, o que aliás não posso nem devo fazer, rio mais insignificante ponto, na liberdade do critica dos presidentes das relações, em quem deposito confiança, restando-me apenas retirar-lhes essa confiança no momento era que no meu espirito entrar a convicção de que elles a não merecem. Mas, deixando sempre aos presidentes das relações toda a liberdade de apreciação, admittindo qualquer proposta que elles me apresentem com quaesquer affirmações sobre a idoneidade ou não idoneidade dos propostos, eu estou no propósito de que qualquer bacharel formado que entre numa proposta em caso algum venha preterir individuos leigos, mas idóneos, só pelo facto de entrar na proposta.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - O sr. Elvino de Brito pediu que fosse consultada a camara sobre se permitte que lhe seja concedida novamente a palavra.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente:-Em vista da manifestação da camara, tem a palavra o sr. Elvino de Brito.

O sr. Elvino de Brito: - O sr. ministro da justiça declarara que fana cumprir a lei e elle confiava na declaração de s. exa.

Queria notar que s. exa. commettera um erro de facto, que será o primeiro a lamentar.

O illustre ministro, vendo a relação que lhe dera, dissera que não conhecia nenhum dos nomes que n'ella figuravam. Ora a verdade era que o quarto nome d'ella relação era o do sr. conselheiro António Pessoa de Amorim Navarro, que fora deputado em 1881, quando s. exa. o era também, e que era um rico capitalista muito conhecido no paiz.

Declarava tambem que a informação que tivera não a recebera, nem da relação, nem do ministerio da justiça, mas em uma carta assignada por dois cavalheiros da Covilhã, por quem tinha a maior consideração.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro da Justiça (Lopo Vaz): - Parece me que eram completamente desnecessarias as considerações que acaba de fazer o illustre deputado, relativas á idoneidade dos cavalheiros bachareis formados, da Covilhã; por isso que, quando estabeleci o principio de que tinha de adoptar as propostas dos presidentes das relações, emquanto n'elles confiasse, visto que ficava a sua liberdade de apreciação a idoneidade dos bachareis formados das differentes comarcas, tive a precaução de dizer que não conhecia nenhum d'aquelles cavalheiros, como effectivamente não conheço, e que por consequência nada sabia em seu favor nem contra elles.

S. exa. tem agora a amabilidade do me lembrar, que um d'elles, o sr. Amorim Navarro, foi nosso collega nesta camara.

É possível, effectivamente, que esse cavalheiro fosse nosso collega, e basta o illustre deputado dizel-o, para não ter disso a mais pequena duvida; eu, porém, é que não tenho d'elle a mais leve idéa.

Isso, porém, não augmenta nem diminuo a minha consideração por elle, a não ser por já ter sido una eleito do povo e por consequência ter merecido a confiança do paiz.

Effectivamente s. exa. e a camara não me podem levar a mal, que, sem prejuízo da muita consideração por todos os meus collegas, eu não possa ter conhecido a todos. A camara é bastante numerosa e alem disso sou diabético e todos os diabéticos são falhos do memoria. De quem não me esqueci nunca foi de um deputado meu amigo, digno ornamento desta casa, o sr. Elvino de Brito, que pelo seu talento e pelas suas distinctas qualidades se torna bem conhecido de todos nós. (Apoiados.}

Ora, sr. presidente, dito isto, resta-me só acrescentar ao illustre deputado mais uma vez, que não tenho ainda conhecimento, porque não examinei a proposta de que se trata. Com esta proposta nada tem o juiz effectivo, nem o juiz substituto da Covilhã, a não ser como elemento de informação, que póde ser fornecido ao presidente da relação; mas, officialmente, para mim, não existe senão a proposta do presidente da relação e sobre ella ha de incidir o meu despacho.

Não tratarei de averiguar se por acaso a noticia d'este facto, se a informação for exacta, foi fornecida pela presidência da relação ou pela secretaria a meu cargo. E certo, e tambem lembro ao illustre deputado, que, se a proposta foi feita pelo presidente da relação de Lisboa e d'ahi dirigida á secretaria a meu cargo, não tinha que passar pela Covilhã. Por consequencia vir da Covilhã essa noticia...

O sr. Elvino de Brito: - V. exa. duvida que d'ahi visse a noticia?

O Orador : -Isso não tem mais importancia do que se viesse de Paris ou da China!
Para que tivesse chegado á Covilhã era necessario que saísse da relação ou da secretaria da justiça.

O facto não se produziu na Covilhã. A lei não estabelece para o presidente da relação a obrigação de se conformar com os elementos que fornece o jury; e, por consequência, se o presidente da relação fez uma proposta em conformidade com a indicação do juiz substituto da Covilhã, ou em divergência com ella, sendo essa proposta conhecida na Covilhã, evidentemente foi communicada pela secretaria da relação, ou por alguém da secretaria da justiça, a não ser que fosse prophecia; mas o illustre deputado disse, que lhe foi communicado como facto e não como uma presumpção.

E devo declarar ao illustre deputado, que o seu sentimento generoso foi, infelizmente, mal cabido e desnecessário, querendo garantir a todo o pessoal da secretaria da relação e a todo o pessoal da secretaria da justiça a isenção do seu procedimento n'aquella revelação.

Nem sequer procederei a investigações a esse respeito, nem procedo, comquanto tenha notado, com frequencia, que nas secretarias se guarda menos reserva! Devo declarar que, pela secretaria a meu cargo, nunca procederei a investigações, ainda mesmo que uma revelação podesse crear-me a mim uma situação embaraçosa; apenas procederia no caso especial de que qualquer revelação indiscreta, podesse prejudicar os interesses publicos.

No caso de que se trata não ha prejuizo de interesse publico, e, se por acaso tivesse sido lesada a lei, tinha-se revelado o facto a tempo de se remediar, o que era caso para se dizer - santa indiscrição!

Vozes:-Muito bem.

(S. exa. não reviu.}

O sr. Costa Lereno:-Mando para a mesa um requerimento.
(Leu.)
Rogo a v. exa. se digne dar-lhe o destino conveniente.
Vae publicado na secção competente, a pag. 1324.

O sr. Antonio Maria Jalles: - Mando para a mesa um projecto de lei, equiparando, para todos os effeitos, os empregados que tenham feito bom e effectivo serviço na secretaria do ministerio dos negocios estrangeiros durante dez ânuos, e que tenham graduação de segundos officiaes, aos funccionarios do quadro da mesma categoria.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Luciano Cordeiro: - Mando para a mesa um requerimento.

(Leu.)

Peço a v. exa. se digne mandal-o expedir.

Vae publicado na secção competente, a pag. 1324.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Mando para a mesa uma proposta de lei legalisando

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os pagamentos feitos e a fazer pelo thesouro, com fundamento na lei de 22 de maio de 1888.

Vae publicado no fim da sessão, a pag. 1345.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 141, auotorisando o governo a adjudicar, em concurso publico, o exclusivo da fabricação dos tabacos, no continente do reino, actualmente na administração do estado, em harmonia com as bases que fazem parte desta lei e a ella vão annexas.

O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Começo por ler a minha moção de ordem.

«A camara, ouvidas as explicações do sr. ministro da fazenda, resolve adiar o projecto em discussão, até serem conhecidos os resultados de um inquerito parlamentar sobre a situação da régie.»

A moção do meu illustre amigo e collega o sr. Emygdio Navarro era de todo o ponto rasoavel, apresentada, como foi, hontem, e fundada nos argumentos, nas objecções e nas criticas que constituiram o discurso verdadeiramente mo aumentai, (Apoiados.) que a camara ouviu ao illustre chefe da opposição progressista nesta casa. A minha moção, que renova o pensamento da do sr. Emygdio Navarro, affigura-se-me duplamente justificada e duplamente opportuna hoje depois, do discurso pronunciado pelo sr. ministro da fazenda. (Apoiados.)

Não venho a este debate nem pelo prurido faccioso de combater um projecto cuja iniciativa pertence ao sr. ministro da fazenda, porque até me contraria pessoalmente ter de o fazer, nem pela pretensão vaidosa do esclarecer a camara sobre um problema tão grave, tão difficil e tão complexo como aquelle a que diz respeito este projecto. Mas julgo do meu direito e entendo do meu dever, como deputado da nação, apresentar á camara, as duvidas, as objecções, os receios, que suscitam vivas apprehensões no meu espirito e que fazem com que eu repute este projecto altamente nocivo para os interesses do paiz. (Apoiados.)

Não tenho a vaidade, que seria pueril, de pretender pleitear primazias nem no brilho da palavra, nem na competencia financeira, com o sr. ministro da fazenda. No entretanto, já que o acaso da inscripção me obriga a responder a s. exa., diligenciarei demonstrar á camara, serenamente, singelamente, sem intuitos de animadversão pessoal ou politica, que não costumam inspirar-me quando fallo nesta casa e que mais inopportunos e descabidos seriam numa discussão d'esta ordem, que os argumentos adduzidos pelo Br. ministro da fazenda, em defeza do projecto, representam a sua mais formal e mais completa condemnação. (Apoiados.)

Vou já prevenindo a camara, de que não farei largos cálculos, e apenas citarei os algarismos absolutamente necessários para poder justificar e fundamentar as considerações que terei de fazer.

Mas também, e nisto me dirijo especialmente ao illustre relator da commissão, não direi mal dos cálculos e dos calculistas, porque não quero incorrer nos rigores de que já foi victima o nosso brilhante collega, e meu illustre e prezado amigo, o sr. Pinheiro Chagas.

Não sei se v. exa. sabe que, no meio desta grave discussão financeira, economica e política, surgiu a ameaça de um conflicto muito mais temeroso do que aquelle que ha muito impende sobre a Europa por causa da famosa questão do Oriente: a mathematica anuunciou nas gazetas que, logo que tivesse tempo, logo que se lhe apropositasse ensejo adequado, havia de provar que a rhetorica, que iieste caso era, ao que parece, o pseudonymo do sr. Pinheiro Chagas, tem sido a causa de todos os males que têem caido sobre este paiz. (Riso.)

Como v. exa. e a camara vêem, a situação é melindrosa, e são assustadoras as consequências que derivaram do brilhante, ameno, e, por tantos titulos, significativo discurso do sr. Pinheiro Chagas. (Riso.)

Mas se eu não receiasse aggravar as penosas circumstancias em que a pobre rhetorica se encontra, sob o peso de uma ameaça cruel, diria que não ha nada mais phantasista, mais engenhoso e mais chimerico do que esses castellos de cifras que os calculistas architectam sobre mil conjecturas probabilidades. (Apoiados.)

Não ha figura de rhetorica que se permitta as audacias da mathematica parlamentar, não ha trabalho de imaginação que exceda em phantasia certos cálculos nossos conhecidos. (Apoiados.)

E senão, eu pergunto á camara, sem o menor sentimento de animadversão contra os illustres deputados n. que mo vou referir, e cujos meritos reconheço, o que é Alexandre Dumas ao pé do sr. Carrilho?! O que é Ponson du Terrail ao pé do sr. Pedro Victor?! (Hilaridade.)

A mathematica annunciou nas gazetas que havia de provar, logo que tivesse tempo, que a rhetorica era a causa de todos os males que têem caido sobre este paiz. Ah! que se a musa folhetinistica do sr. Pinheiro Chagas não estivesse enleiada pela disciplina partidaria, creia a mathematica que não levava a melhor com a rhetorica, e assim como Jules Ferry escreveu um dia Les Comptes phantastiques de Hamsmann, talvez o sr. Pinheiro Chagas escrevesse um interessante estudo intitulado - Os falsos dogmas dos mathematicos cá da terra. (Riso. - Apoiados.)

Antes de proseguir e de entrar propriamente no debate, devo ainda á camara uma explicação pessoal. Tanto o sr. Pinheiro Chagas como o sr. ministro da fazenda mostraram uma certa estranheza por eu não ter fallado nem em 1887 nem em 1888, quando se tratou aqui dos projectos relativos ao regimen dos tabacos, ao passo que me inscrevi agora contra o projecto que se discute.

E certo, sr. presidente, que, tanto em 1887 como em 1888, nem como membro da commissão de fazenda, que então era, assignei nenhum dos pareceres relativos aos tabacos, nem como deputado discuti ou votei qualquer d'esses pareceres. Não procedi assim unicamente em obediencia a um sentimento intimo, que toda a camara de certo comprehende e respeita, e que me inspirava uma repugnancia invencível a associar-me á abolição da lei de 1854, que estabeleceu no nosso paiz a liberdade de fabrico dos tabacos. (Apoiados.)

Houve outra rasão ainda que determinou o meu proceder, e vou dizel-a á camara com a maxima franqueza e lealdade, certo de que cumpri honradamente um dever, e convencido de que merecerei a approvação de todos os meus collegas. Pessoa da minha família mais proxima, mais intima, era accionista de uma das companhias de tabaco creadas á sombra do regimen da liberdade; os interesses dessa companhia estavam então em jogo, e eu não quiz, por forma alguma, que o meu voto, contra ou a favor, podesse parecer suspeito. Devo acrescentar ainda que as conveniencias da minha familia seriam, n'aquelle momento, de que se mantivesse o regimen da liberdade e fossem rejeitados os systemas que pretendiam substituil- o. Mas, por isso mesmo, não quiz eu intervir na discussão ou na votação dessas medidas, para que ninguém podesse suspeitar que eu sacrificava os melindres da disciplina partidária, não á forca das minhas convicções, mas á suggestão dos meus interesses. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Aqui tem a camara, sinceramente, honradamente expostos os motivos da minha abstenção em 1887 e 1888. Referi-os, não pela pretensão impertinente de occupar a attenção da camara com um assumpto que só á minha pessoa diz respeito, mas porque entendo que é dever de todo o homem político, por mais obscuro e modesto que elle seja, explicar sempre todos os actos da sua vida publica. Não careciam da explicação aquelles dos meus collegas que faziam parte da camara era 1887 e 1888; a mi-

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nha altitude na questão dos tabacos foi então calorosamente elogiada pelos meus próprios adversarios politicos.

Tenho aqui um discurso proferido pelo sr. João Arroyo, em que se lêem immerecidos elogios ao meu procedimento, e o sr. Franco Castello Branco, «actual ministro da fazenda, tambem n'aquella epocha conhecia e louvava os motivos determinativos da minha abstenção.

Aqui tem a camara, lealmente, abertamente, sinceramente explicado o meu procedimento; não peço por elle coroas civicas nem louvores de apotheose, mas tenho a consciencia de que, fazendo o que fiz, cumpri o meu de ver, todo o meu dever. (Apoiados.)

Sr. presidente, onde está a contradicção entre o meu procedimento em 1887 e 1888 e a minha altitude de hoje? Porventura sustentei eu alguma vez aquillo que hoje combato? Nunca, sr. presidente! A verdade é que, desapparecendo hoje as rasões de melindre pessoal e politico, que me obrigaram então a guardar silencio, eu venho agora sustentar e defender as mesmas convicções que sempre tive. Se alguem mudou, foram aquelles que combateram o monopolio com tanta violência e agora o defendem com tamanha obcecação. (Muitos apoiados.}

Eu não quero fazer retaliações, nem pretendo dar ao debate um caracter político irritante; mas, seja-me licito lastimar que os actuaes srs. ministros venham apresentar-nos uma medida, que ainda ha pouco guerreavam energicamente, o que não é imposta nem pelas conveniencias financeiras, nem pelos interesses politicos do paiz. (Apoiados). E o que me magoa mais, sr. presidente, não é que mudassem os homens novos, que entraram pela primeira vez no ministerio, e que, a final de contas, têem diante de si uma larga vida, em que poderão talvez resgatar, com serviços futuros, o erro que commettem agora. O que mais me afflige, o que mais me entristece, é ver um homem encanecido nas luctas da politica, um homem cujo caracter eu respeito e cujo talento eu considero, o sr. Antonio de Serpa, que, como publicista e como parlamentar, combateu sempre o monopolio dos tabacos, vir agora, no apogeu, outros diriam no occaso. da sua vida publica, cobrir com a auctoridade do seu nome e dos seus serviços, o systema funesto contra que sempre se revoltou. (Apoiados.}

Como está mudado o sr. Antonio de Serpa, elle que, em 1864, se separou do seu próprio partido, para votar a liberdade do fabrico dos tabacos, quando o sr. Fontes, e outros homens eminentes da regeneração, descrentes ainda do dogma do monopolio, que hoje vemos apregoar do alto do Vaticano da tabacaria ministerial. (Riso.) defenderam e votaram a conveniência de se estabelecer a régie. (Apoiados.)

Não desejo, sr. presidente, afastar-me do meu objectivo, que é a analyse do projecto que só discute, e a resposta á defeza com que o sr. ministro da fazenda o pretendeu sustentar. Mas, consinta-me a camara, que eu affirme, que apesar do parecer que as reformas do regimen dos tabacos passaram entre nós a ser leis annuaes, tantas o tão variadas têem sido as ultimas transformações d'esta industria, ainda se me afigura que a lei de 1864 é a mais perfeita, a mais harmionica, a mais rasoavel, que entre nós se tem promulgado. (Muitos apoiados.)

Se n'esta apreciação, a minha critica é toldada por um preconceito intimo, a camara do certo mo relevará. Se a lei de 1864 não se mantém ainda hoje em vigor, se ella não produziu sempre os mesmos resultados, que tão beneficamente se accentuaram nos primeiros annos que se seguiram á sua promulgação, esses factos provieram, a meu ver, das modificações menos pensadas e reflectidas com que se perturbou a economia do systema organisado por aquella lei. O principal mérito do regimen ali creado, estava no equilibrio estabelecido entre os direitos de importação e as condições do fabrico, de modo que os preços de venda nunca subissem alem do limite em que a concorrencia estrangeira e o contrabando viessem, ao mesmo passo, cercear os rcdditos publicos e lesar a industria licita. (Apoiados.)

A primeira alteração feita na lei de 1864 foi a do augmento de 10 por cento sobre os direitos dos tabacos, proposto em 1871 polo sr. Carlos Bento da Silva, então ministro da fazenda, e votado pelas cortes. Logo este facto produziu a perturbação immediata do crescimento progressivo do rendimento dos tabacos, que se accentuára desde 1865.

Em 1869-1870 o rendimento dos tabacos fôra de réis 2.108:873$749; votado o augmento de direitos em 1870-1871, o rendimento baixou a 1.877:639$211 réis; e, em 1871-1872, a 1.820:777$995 réis.

Depois, a pouco e pouco, foi-se restabelecendo o equilíbrio, até que novamente o veiu perturbar, de uma maneira tão grave como lastimavel, o augmento de 20 por cento nos direitos, votado em 1879, sob proposta do sr. Antonio de Serpa, então ministro da fazenda. (Apoiados.)

O effeito desta medida, energica e proficientemente combatida nesta camara, pelos srs. Anselmo Braamcamp, José Luciano de Castro, Adriano Machado e outros deputados progressistas de então, foi deveras desastroso. (Apoiados.)
Deu-se uma enorme antecipação nos despachos dos tabacos, que subiram, em 1878-1879, a 5.454:521$578 réis, occasionando um desequilíbrio profundo nesta receita, o locupletando com enormes lucros a industria particular, á custa de graves prejuizos para o estado. (Apoiados.)

Basta dizer á camara, para que ella veja bem até aonde foram as consequencias desta funesta medida, que de 1871-1872 até 1877-1878, o rendimento dos tabacos crescera em mais de 1.000:000$000 réis, o que dá uma media annual de 160:000$000 réis a 170:000$000 réis, e que de 1873-1879 a 1884-1885, essa media baixou a réis 81:000$000. Tal foi o resultado da lei do sr. Serpa, lei que representou um grande golpe no regimen da liberdade. (Apoiados.)

O erro commettido pelo sr. Antonio de Serpa é hoje reconhecido por todos, mas os seus perniciosos effeitos determinaram factos, que difficilmente se podem remediar. O sr. Hintze Ribeiro, no seu relatorio de fazenda de 1880, pondo em relevo as perturbações reveladas no rendimento dos tabacos, ainda hesitava em sustentar que essas perturbações provinham do augmento dos direitos. Mas, em 1886, o próprio sr. Hintze Ribeiro, na reforma das pautas que se incluía no seu famoso e mallogrado plano de Canecas, propunha já a reducção nos direitos dos tabacos, procurando assim corrigir a falta commettida, em 1879, pelo sr. Antonio de Serpa.

A rasão allegada pelo sr. Serpa, para propor a lei de 1879, foi a de que uma das companhias de tabacos lhe tinha offerecido 600:000$000 réis pelo exclusivo do fabrico, mantendo os mesmos preços dos tabacos manipulados, o conservando-se a liberdade de importação, de forma que quem não quizesse consumir tabacos da fabrica privilegiada, os podesse mandar vir de fora. E, dizia então o sr. Serpa, que não admirava que lhe fizessem esta proposta, porque os intermediários recebiam 1.400:000$000 réis, e, podendo, pela falta de concorrencia, reduzir-se esta somma não já a 300:000$000 réis, como era antigamente, mas a 500:000$000 réis, ficava margem para se darem ao estado os 600:000$000 réis offerecidos.

O sr. Serpa não quiz acceitar a proposta, e preferiu recorrer ao augmento do 20 por cento nos direitos, calculando obter assim a receita de 550:000$000 réis, dos quaes destinou logo 140:000$000 réis para augmento de fiscalisação. A despeza ficou, e os resultados financeiros da medida já nós vimos quaes foram. (Apoiados.) O engano do sr. Serpa foi completo, porque com o augmento dos direitos cresceu tambem o contrabando, (Apoiados.) e a crise da industria, pela lucta das commissões, foi-se aggravando, e levou os interessados a procurarem outros meios que os

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libertassem d'essas ruinosas condições. Foi assim que se chegou a determinar a fusão das fabricas de tabacos, todas, ou quasi todas, e desta fusão é que nasceu a idéa, que teve o governo progressista, de recorrer ao regimen do exclusivo, para ver se tirava para o estado o lucro de uma situação, que de facto se creára fora da acção dos poderes publicos. (Apoiados.) É inútil fazer agora a historia do que occorreu em 1887, porque a camara toda conhece o luminoso relatorio então apresentado pelo sr. Marianno de Carvalho, e n'elle vêm bem claramente explicados os motivos que levaram este illustre estadista a pretender transformar o regimen dos tabacos, procurando attrahir, para o thesouro, parte dos lucros, que derivariam da fusão das fabricas.

Não quero agora indagar se foi bom este pensamento, ou se seria melhor deixar ao natural desenvolvimento da concorrencia o annullar, como se viu depois que succedia, o monopolio relativo, que de facto se ia estabelecendo. Mão quero discutir este ponto; e unicamente direi que as circumstancias em que o sr. Marianno de Carvalho pensou em estabelecer o monopolio dos tabacos eram diversas, muito diversas, d'aquellas que actualmente se dão. (Muitos apoiados.)

O governo progressista procurava tirar para o estado o maior proveito de um facto economico, que se dera fora da sua alçada, e que só revertia em favor dos particulares. (Apoiados.) Agora o governo regenerador faz exactamente o contrario, porque vão entregar aos particulares uma parte dos lucros, que, pelo systema da régie devidamente aperfeiçoado, deviam reverter integralmente para o estado. (Muitos apoiados.)

Torno a dizer que não quero discutir agora o que se fez em 1887 e 1888; pretendo unicamente reavivar, na memória da camara, as circumstancias que então se deram, e que explicam o procedimento do ministerio progressista, ao passo que as circumstancias actuaes representam a condemnação mais severa da medida que o governo pretende tomar. (Apoiados.)

Mas, pela ordem de idéas que singelamente tenho exposto, a camara comprehende bem que no se póde estranhar de modo algum que a fórma embryenaria do projecto do sr. Marianno de Carvalho, em 1887, fosse a de contratar o monopolio directamente com a companhia nacional, não só para evitar as despezas e os encargos inherentes a um período de transição, mas porque essa companhia, sendo senhora de quasi todas as fabricas, estava collocada n'uma situação excepcional. (Apoiados.) Um tal accordo não era escandaloso, (Apoiados) não assumia as proporções de uma violencia, derivava muito naturalmente da existência de condições económicas, que tinham apparecido, como dissemos, fora da acção do governo. (Apoiados.)

Havia uma companhia, que possuía, por assim dizer, um monopolio do facto, o governo dirigia-se a essa companhia e dizia-lhe: se quer conservar esse monopolio de facto, constituido fora da alçada do governo, embora á sombra da legislação vigente, ha de dar ao thesouro, ha de dar ao patrimonio commum, uma parcella avultada dos seus lucros. (Muitos apoiados.)

Era isto o que se dava em 1887, e o que faz que se comprehenda que fosse então preferivel a idéa do monopolio á da régie. Essa preferencia derivava das condições em que se achava então a industria dos tabacos, e dos beneficios que o estado podia tirar da transformação do regimen dessa industria. Agora, a unica rasão em que se escuda o inexplicavel procedimento do governo, e o famoso dogma do monopolio, que o illustre relator da commissão estabeleceu, sem se saber ainda em nome de que infallibilidade. (Riso. -Apoiados.) E digo isto porque, apesar de eu não ser muito lido em direito canónico, tenho uma vaga idéa de que a própria infallibilidade pontificia só se exerce em matéria do fé; e o monopolio, quando muito, será materia de esperança para o governo, e de caridade para o concessionário, mas de fé não é com certeza para ninguem. (Riso. - Muitos apoiados.)

Em 1887, o monopolio era talvez preferivel á régie, ainda pela mesma rasão porque, em 1864, no periodo transitório que precedeu o estabelecimento da liberdade, o próprio ministro que aboliu o monopolio, preferiu arrematai-o por seis mezes, a fazer a experiencia, embora temporaria, da régie, como lhe propunham então os regeneradores, que não acreditavam nos dogmas que o sr. Pedro Victor hoje proclama às gentes. Evitavam-se, para o estado, os encargos da transformação o transição dos regimens. (Apoiados.) Foi essa a idéa inicial do sr. Marianno de Carvalho, em 1887; mas circumstancias politicas de ordem superior levaram o governo progressista a reconsiderar o a apresentar, em 1888, a proposta de que resultou a creação da régie. O próprio sr. ministro da fazenda, reconhecendo a força dessas rasões, escreve no seu relatorio:
«Muitas vezes é necessario sacrificar um possível acréscimo das receitas publicas, em proveito e beneficio de um mais largo e importante desenvolvimento da riqueza social, ou do bem estar dos cidadãos.

«Em outras a rasão politica póde prevalecer sobre a questão financeira »
Foi este principio, lucidamente estabelecido pelo sr. ministro da fazenda, no seu relatorio, que inspirou a reconsideração, se lhe querem chamar assim, do gabinete progressista, determinando-se a final pela régie, em nome do altas conveniências políticas, que não discuto n'este momento, porque as apreciarei mais adiante, quando tratar da comparação dos dois regimens. Mas foi um pensamento superior, de elevado alcance politico e social, o que dictou ao governo progressista o seu procedimento, e não uma conveniência mesquinha, um interesse transitório, como aquelle que, n'este momento, leva o actual governo a sacrificar durante largos annos, a um triste expediente de occasião, a mais importante das nossas receitas publicas. (Muitos apoiados.)

Referir-me-hei agora, embora fugitivamente, a um dos argumentos em que mais vivamente insistiu o sr. ministro da fazenda. Affirmou. s. exa., repetidas vezes, com visível intenção aggressiva, que a expropriação das fabricas foi cara, caríssima, que n'ella se deram muitos abusos, que onerou gravemente o estado, pesando extraordinariamente sobre o estabelecimento da régie e sobre o seu funccionamento n'estes primeiros annos. Não contesto os factos, mas repito a intenção de aggressão politica com que o (sr. ministro da fazenda aqui os reproduziu. (Apoiados.) É obvio que não era possível passar da liberdade para o exclusivo sem grandes encargos, mas esses sacrifícios derivaram da força das cousas, e não da vontade do governo. (Apoiados.)

Não quero discutir a questão da expropriação das fabricas. Limitar-me-hei a dizer que o gabinete progressista não tem n'esse ponto as responsabilidades que alguns lhe querem imputar, porque pagou apenas, como já tem feito o actual governo, o que foi sentenciado por tribunaes arbitraes, constituídos na conformidade da lei, e compostos de indivíduos auctorisados e insuspeitos. (Muitos apoiados.) Ainda me permittirei observar que a expropriação de uma industria, creada á sombra da lei, não podia reduzir-se ao pagamento do seu material, utensílios, prédios e valores. (Apoiados.) Não é sob essas normas que se fazem quaesquer expropriações por utilidade publica; como poderia expropriar-se assim uma industria legitima, sem outra indemnisação para aquelles que n'ella tinham compromettido os seus capitão?, e que se viam subitamente privados de a explorar?! (Apoiados.)

Creio ler demonstrado que a situação em 1887, quando o governo progressista propoz ao parlamento o monopolio dos tabacos, não era em ponto nenhum identica, nem sequer analoga ou comparável, á situação actual; (Apoia-

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dos.) e que as ras3es que podiam ter levado o ministerio progressista a formular aquella proposta não só não existem hoje, mas as que se deão actualmente são absolutamente contrarias áquellas. (Apoiados.} Então, tratava-se de tirar para o estado parte dos lucros que disfructavam os particulares; agora trata-se de dar a um particular os lucros que, pelo natural desenvolvimento da industria, o estado viria a auferir integralmente. (Muitos apoiados.)

E a situação ainda se aggrava, porque se vae matar a régie, exactamente quando ella começava a entrar num período normal, em que deveria encontrar compensações para os encargos resultantes da transição dos regimens, cujo influxo no rendimento da administração dos tabacos, e, por consequência, nas receitas publicas, tem sido, nes-tes primeiros annos, tão poderoso como incontestavel. (Apoiados.)

Emquanto durou a quadra dos sacrifícios, emquanto a régie se via assoberbada pelos maus tabacos que herdara de algumas das fabricas, e que lhe produziram recambios no valor de 400:000$000 ou 500:000$000 réis; emquanto a administração, inexperiente e indecisa, mal podia ir creando as bases do seu estabelecimento regular, o estado manteve a fabricação dos tabacos por sua conta, e supportou os prejuízos inherentes a um período de transformação e de iniciação.

No momento, porém, em que ia estando liquidada esta situação onerosa, em que se ia normalisando a exploração da industria, o estado vae entregal-a a um particular, juntando ao regimen existente novas e valiosissimas vantagens e concessões! (Muitos apoiados.)

E tudo isto em nome de quê, sr. presidente? Para se obter o reembolso immediato de 7.200:000$000 réis, cujo encargo nem sequer se vae resgatar, porque apenas se adia nas circumstancias mais onerosas para o thesouro. (Apoiados.)

Com este projecto nada se remedeia do mal que se fez; tudo se sacrifica do bem que havia a esperar. (Apoiados.) O que se perdeu, no período da transicção, não se recupera; não se reembolsa aquillo que se deve pela expropriação das fabricas; e sacrifica-se, e agrilhoa-se por dezeseis annos, a um regimen nefasto e obsoleto, a mais importante receita do estado. (Apoiados.)

Vejâmos agora a defeza do sr. ministro da fazenda. Acceitando os numeros do relatorio do sr. Franco Castello Branco, a régie deve render 3.842:695$378 réis. Esta somma carece das correcções que o sr. Navarro fez hontem, e, em virtude das quaes, abatendo a reducção dos valores de carteira e de caixa, e augmentando os acrescimos dos stocks se chega ao total de 4.118:000$000 réis, que foi realmente o rendimento liquido da régie.

Analysando estas correcções, o sr. ministro da fazenda observou ao sr. Navarro que a reducção nas letras em carteira e dinheiro em caixa, que o meu illustre collega computára em 199:000$000 réis, se devia fixar em 234:000$000 réis. Desejando verificar este facto, fui hoje á régie e adquiri a certeza de que o engano fora do sr. minictro da fazenda. Porque, devo dizel-o de passagem, tanto o sr. Navarro como eu, fomos repetidas vezes á régie; tratámos de obter subsídios e informações officiaes, que podassem supprir a falta de esclarecimentos, com que este projecto foi aqui apresentado, (Apoiadas.) e que nos habilitassem a tratar a questão conscienciosamente, como temos procurado fazer, e não, sacrificando a verdade dos factos e os interesses do paiz, a conveniencias facciosas ou a paixões partidarias.

Voltando á questão dos 199:000$000 réis, supponho que o equivoco do sr. ministro da fazenda proveiu d'elle comparar as contas de junho com as de dezembro...
(Interrupção do sr. ministro da fazenda.).

Peço perdão, mas creio que, se o illustre ministro verificar bem o facto, ha de ver que a sua comparação se referia a dezembro, ao passo que a do sr. Navarro fora feita entre o mez de junho do anno passado e o de este anno. Foi o que pude verificar hoje na administração geral dos tabacos. Seja como for, o facto é insignificante em si, porque a differença é relativamente pequena, e eu unicamente insisti na exactidão do numero apresentado pelo sr. Navarro, para provar á camara que argumentamos leal e conscienciosamente. (Apoiados.)
O sr. ministro da fazenda tambem nos disse no seu discurso, que lhe não parecia que o augmento dos stocks dos tabacos podesse ser apreciado como fizera o sr. Navarro, porquanto não haveria assim nada mais facil do que augmentar o rendimento liquido de uma industria, augmentando os seus stocks.

O sr. Ministro da Fazenda: - N'este caso.

O Orador: - Peço licença para observar, e se commetto uma heresia commercial, industrial ou económica, a camara relevará isso, em attenção á minha falta de competência profissional e technica, que, desde que os tabacos representam valores que foram adquiridos com dinheiro da régie, é claro que, se a régie não os tivesse adquirido, deveria ter entregado mais dinheiro ao estudo, (Apoiados) e que ao seu rendimento se teria de acrescentar esta somma. Convém ainda fazer notar que se não trata de formular uma conta de lucros, mas sim apenas de determinar o rendimento liquido.

As allegações do sr. ministro da fazenda caem, pois, pela base. Desde que os stocks cresceram, é evidente que a immobilisação do capital correspondente não póde ser entregue ao governo, como seria se esses stocks não tives sem sido augmentados e pagos do rendimento da régie (Apoiados.) E bom não esquecer ainda que esse augmento é representado por 390:000$000 réis de tabaco em rama pelo preço do custo, e por 153:000$000 réis de tabaco manipulado, não pelo preço de venda, mas pelo preço da producção, isto é, por 32 por cento d'aquelle preço. (Apoiados.) N'estes termos, não querer admittir esta correcção é uma teimosia pessimista, que só se explica pela situação menos favorável em que o sr. ministro da fazenda se encontra, em face deste projecto. (Apoiados.)

O sr. Franco Castello Branco apresentou ainda outro argumento, que causou mais impressão na camara, porque era, apparentemente, muito logico. Allegou o sr. ministro que, sendo as vendas sensivelmente as mesmas no exercício de 1889-1890, que tinham sido no anterior, e tendo-se augmentado as commissões em janeiro, não existia possibilidade de haver este anno maior producto liquido.
Logo provaremos que as vendas augmentarara; mas admittindo, por um momento, que assim não succedeu, e que é exacto, em todos os seus termos, o raciocínio apresentado pelo sr. ministro da fazenda, demonstraremos ainda assim que elle está sujeito a grandes coefficientes de correcção, que lhe tiram toda, ou quasi toda a força.

Era primeiro logar, esqueceu «10 sr. ministro da fazenda que, se em janeiro se augmentaram certas commissões, por outro lado essa mesma tabella eliminou bonus, que até então se davam aos compradores, resultando daqui uma economia que, não podendo ainda determinar-se com precisão no exercício, não deve, todavia, pelos cálculos da régie, ser inferior a 50 contos de réis.

Era segundo logar, o preço do tabaco em rama que, no exercício de 1888-1889, foi de 398,5 réis, não deve exceder no exercicio, que acaba de terminar, o preço de 320 réis.

A arrematação feita em setembro de 1889, para o consumo do anno de 1890 produziu o preço de 287 réis, quando a anterior tinha sido de 330 réis. Uma economia de 78 réis, sobre cerca de 2.000:000 kilogrammas, representa proximamente 160:000$000 réis.

Finalmente, as contas da régie mostram que, no ultimo exercicio, o preço da mão de obra foi tambem consideravelmente reduzido e o mesmo aconteceu com os gastos geraes. Já se vê, portanto, que embora a venda se manti-

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vesse, como affirma o sr. ministro, sensivelmente a mesma, havia rasões para augmentar o producto liquido du régie, Assim, por outro lado, ao continua a exactidão do calculo feito hontem pelo sr. Navarro. (Apoiados.}

Alem do quê, as vendas não só não diminuiram, mas contas da regie que, pelo contrario, augmentaram

Eis o mappa dessas vendas, tal como consta das informações colhidas na administração geral da tabacos:

[Ver tabela na imagem].

Vê-se, pois, que, em 1888-1889, o total das vendas, deduzidos os recambios, foi do 1:8-1.º toneladas, que produziram 6.390:000$000 réis; e, em 1889-1890, foi de 1:994 toneladas, produzindo 6.630:000$000 réis. Se o augmento em dinheiro não corresponde apparentemente ao augmento da venda, isso provém de que este se deu, em parte, na zona raiana, onde se vende tabaco mais barato. Mas nem por isso o augmento é menos real.

Ao que me parece, para chegar aos resultados que expoz á camara, o sr. relator não contou com o producto da venda official estabelecida no ultimo anno.

Mas vamos agora ao argumento capital com que o sr. ministro da fazenda procura defender e sustentar o projecto. Diz o sr. ministro: - Porque é que a régie não tem progredido sensivelmente, apesar de ter uma excellente administração? Porque não tem produzido os resultados, que tanto o sr. Marianno de Carvalho prognosticava, como eram prophetisados no relatorio da administração geral dos tabacos?

Por muitas causas, algumas das quaes derivaram da força de circumstancias, que estão quasi liquidadas como os ónus das expropriações, o tabaco do má qualidade que as fabricas deixaram, os recambios, que chegaram a perto de 500:000$000 réis, o excesso de pessoal, as incertezas e inexperiencias da iniciação de um regimen novo, e muitas outras que o próprio sr. ministro reconhece, e que até aqui pesaram gravemente sobre a administração geral dos tabacos. Essas causas transitorias estrio quasi de todo removidas, mas quando a régie, que as supportou, ia a entrar num periodo normal, é que o sr. ministro da fazenda acaba com cila, e vae entregar a um particular a exploração do exclusivo, cercado do mil beneficies e concessões novas! (Muitos apoiados.)

Mas, sr. presidente, o relativo estacionamento da regie provinha ainda de outras causas geraes e permanentes, que recamavam serias providencias da, parte do governo, antes de BC acabar com este regimen, que, a bem dizer, não chegou a ser experimentado em toda a sua plenitude, porque a maior parte dos seus defeitos desappareceria, se o remodelassem sobre bases rascáveis e sensatas, e o collocassem nas condições d'elle dar o que póde e deve produzir. (Muitos apoiados.) Essa remodelação não podia partir unicamente da administração propriamente technica da régie; devia provir de medidas geraes do governo, como são as que vão agora beneficar extraordinariamente o monopolista. (Muitos apoiados.) Mas o governo, que nada fez, pela regie, condemna-a do alto dos seus dogmas, e todo seu afan, toda a sua solicitude, toda a sua iniciativa ficou reservada para este projecto, em que se accumulam e multiplicam as vantagens e os beneficios liberalisados ao feliz concessionario. (Apoiados.)

Sr. presidente, basta ler o luminoso relatorio da administração geral dos tabacos, para se ver quanto foi temerária e irreflectida a asserção do sr. ministro da fazenda, affirmando que não havia nada mais a fazer em favor da regie que a regie já tinha dado tudo quanto podia dar.

É um bello trabalho o relatorio da administração geral dos tabacos, e juntando a minha modesta homenagem aos justos louvores com que esse trabalho tem sido apreciado nesta camara, e tenho a convicção de que não deixo cegar pela admiração fervorosa e pela sincera dedicação que consagro ao seu auctor, pois quando um homem se chama Oliveira Martins, quando e um historiador insigne, um economista abalisado, um pensador eminente, não carece de ter feito relatorios tão lucidos e proficientes como este, para representar uma individualidade, que faz a maior honra ao seu paiz (Apoiados.)

Mas, como ia dizendo, basta ler o relatorio da regie para ver o muito que havia a fazer ainda, para que ella produzisse tudo que della se podia rasoavelmente esperar. Entre os inimigos que urgia combater, avultava o contrabando.

Encontra-se, no relatorio da régie, o seguinte mappa, que é edificante:

[Ver tabela na imagem].

Vê-se, pois, que na area d'estes nove districtos confinantes com a raia secca, muito mais da quarta parte das freguesias que os compõem, não tinham locaes de venda de tabaco! E o sr. ministro da fazenda a disser-nos que nada mais se podia fazer a favor da régie, e que a régie já tinha dado tudo quanto podia dar! (Muitos apoiados.)

Não e assim. O regimen da régie carecia de serias e profundas transformações para se tornar tilo profícuo e benéfico como podia e devia ser. Era preciso, em primeiro logar, combater o contrabando. Como? Pela fiscalização; pela venda official; pelo estabelecimento das zonas. (Apoiados.) E o que se fez? Não se deu á régie a fiscalisação propria, que ella pedia, e que se concede agora ao monopolista; não se organisaram as zonas; e extingue-se a régie, quando a venda official, instituída em julho do 1889, apenas tem sido ensaiada, produzindo, ainda assim, logo nos primeiros dez mezes, com um movimento sempre progressivo, 223:000$000 réis.

O que se passou, por exemplo, com as zonas? Fez-se experiência da sétima zona, mas o governo acaba de a abolir, allegando, no respectivo decreto, que o faz de accordo com o parecer da administração geral dos tabacos. O que se lê, porém, sobre o assumpto, no relatorio da régie? É o seguinte:

«Introduzir no regulamento da zona fiscal o principio do limite da quantidade absoluta do tabaco de marcas especiaes que hão de ser vendidas a preços reduzidos, determinando o total por uma capitação de consumo de cerca

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de 800 grammas, parece á administração em todos caso; uma providencia indispensável para o estabelecimento da mesma zona.

o Assim se evitará, em principio, o perigo desta instituição.

«Como quer que seja, este ponto é gravissimo; e a administração, expondo as suas duvidas, cumpro o seu dever esperando que o governo, a esclareça, para saber o rumo a seguir, ou terminando a experiência da 7.º secção, quando no fim do anno do 1889 terminar o contrato celebrado com o delegado, ou proseguindo na organisação das outras secções ate completo estabelecimento da zona ao longo de toda a fronteira. Manter apenas parte d'ella não tem utilidade, porque apenas desloca os pontos de introducção do contrabando estrangeiro sem lhe diminuir a importancia.»

Ora, não se fez nada disto, senão a eliminação pura e simples da sétima zona. O que convinha, porém, o que resulta dos proprios termos do relatório citado, era a organisação da zona geral em toda a fronteira, com o limite da capitação de 800 grammas. Era um meio efficaz de combater o contrabando; era o expediente que sempre se adoptou em França, e eu não tenho duvida em vaticinar que as zonas que o sr. ministro da fazenda não quiz para a régie, ha de estabelecel-as o concessionário para o monopolio. (Apoiados.)

Acresce, - e n'isto me refiro ainda ao mappa que ha pouco citei, o que vem no relatorio da régie, - que a administração geral dos tabacos, tal como está organizada, não tem na sua ruão estabelecer estancos em toda a parte onde elles não existem, porque a régie entre nós tem o monopolio do fabrico, mas não o monopolio da venda, que existe em toda a parte onde ha o exclusivo da fabricação dos tabacos, e que, apesar do sorriso que estou vendo nos lábios do sr. ministro da fazenda, foi aqui lembrado, como base indispensável para o estabelecimento da régie, por um financeiro illustre do partido regenerador, que tenho a honra de ver presente, e ao qual sinto muito prazer em prestar a homenagem devido ao seu talento e ao seu saber. (Apoiados.) Refiro me ao sr. Moraes Carvalho, que disse aqui na camara, em 1888, que não comprehendia a régie sem o monopolio da venda a par do da fabricação.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - V. exa. quer saber a rasão do meu sorriso?

Eu sorri por ver que quem não quer um monopolio prefira dois.

O Orador: - Eu não quero monopolio algum para favorecer particulares, (Muitos apoiados.) mas desde que se entendeu dever sacrificar o principio da liberdade aos interesses do thesouro, e o estado soffreu graves prejuízos com essa transformação, queria que se estabelecesse a régie em condições viáveis e vantajosas para o paiz. (Apoiados.)

Desde que o sr. ministro da fazenda allega que não é fácil, nas actuaes circumstancias, voltar do novo ao regimen da liberdade, eu queria que o estado tirasse do monopolio, em proveito commum, e a bem dos interesses públicos, todos os lucros que (pelo systema da régie devidamente explorada) se podiam auferir, e que, nos termos do projecto que só discute, se vão conceder generosamente ao feliz monopolista. (Muitos apoiados.)

Ora o monopolio da venda não é só um meio efficaz de desenvolver o consumo, e ainda mais efficaz talvez do que a fiscalisação para combater o contrabando: é tambem um expediente de administração com o qual se póde obter uma importante economia.

Com effeito, comparando o que se passa em França e Portugal, vê-se o seguinte:

[Ver tabela na imagem].

A régie dava em media 16 por cento de commissão, e agora o monopolista não é obrigado a dar senão perto do 12. D'alii uma differença de encargos e as queixas dos revendedores. (Apoiados)

Faltava tudo isto á régie: fiscalisação propria, exercida pelos empregados licenceados, como a pedira ao governo; augmento de direitos sobre os tabacos manipulados estrangeiros, tambem pedido ao governo; as zonas e a venda official devidamente organisadas; e até a estampilha com o pelo real marcado, que se vae agora pôr na alfandega nos tabacos estrangeiros, e que até aqui não existia. Accresce que os enormes encargos do peasoal operario e não operario hão de ir diminuindo, como o confessam nos seus relatórios o br. ministro da fazenda e o sr. relator da commissão.

N'estes termos, mudar já da régie para o monopolio, é, francamente, condemnar o systema antes de o experimentar, e sacrificar a uma conveniencia de momento o futuro da mais importante receita publica, durante dezeseis annos. (Muitos apoiados.)

Como póde uma industria explorada nas condições em que a régie tem estado, n'estes dois «irmos, produzir o rendimento que podia e devia dar, depois de removidas ás causas transitorias do seu relativo estacionamento, se a constituíssem e organisassem em bases sensatas e praticas? (Apoiados.) Vimos, por exemplo, o que começou a dar um simples ensaio da venda official ; vimos que já este anno se comprou o tabaco mais barato, que o preço da mão do obra foi consideravelmente reduzido, e que o mesmo aconteceu com os gastos geraes; os encargos com o pessoal operario e não operario, hão de ir diminuindo natural e successivamente, e nestas circumstancias, quando a industria começa a ser explorada e desenvolvida em condições mais productivas, é que o sr. ministro da fazenda nos vem dizer que é indispensável acabar com a régia, por que ella ha do sempre decair, porque ella se não póde sustentar ! Muitos apoiados.) E os lucros e as vantagens que o estado auferiria da régie, pelo seu natural desenvolvimento, e, muito especialmente, se a collocassem na situação em que vão estabelecer o monopolio, tudo isso vae passar para os cofres do venturoso monopolista! (Muitos apoiados}

Examinemos agora o relatório do sr. ministro da fazenda, para ver se ali encontrámos uma rasão attendivel, um motivo serio, um pretexto plausivel ao menos, que justifique tão estranha e inopportuna transformação. Porque eu não posso crer, sr. presidente, que o sr. ministro da fazenda tomasse levianamente a resolução de apresentar aqui este projecto, cujo alcance e cuja significação é inutil aceentuar mais uma vez perante a camara. Deve ter sido aturado e profundo o estudo que o sr. ministro da fazenda fez sobre e»te importante problema, c, se nos é licito não concordar a, priori com a conclusão a que s. exa. chegou, corre-nos o dever de examinar e de apreciar os motivo» determinantes do seu procedimento.

Ora, sr. presidente, o que nos diz sobre o assumpto o relatorio do sr. ministro da fazenda? Em primeiro logar a ma opinião é, em these, favoravel ao regimen da liberdade; ai foi o seu parecer, em 1887, como administrador geral das alfandegas. Mas affirma que não póde hoje harmonisar os seus actos ministeriaes com as suas convicções doutrinarias, porque as circumstancias financeiras do paiz não permittem que o thesouro supporte os encargos que resultariam da immediata restauração da liberdade.

Não quero agora, sr. presidente, examinar se estes encargos seriam maiores do que os sacrifícios que nos vae custar o expediente da occasião, que se acoberta no restabelecimento do monopolio dos tabacos. (Apoiados.) Quer-me parecer que se não nos preoccuparmos apenas com o dia lê hoje, se attentarmos na larga e prejudicialissima influencia que o monopolio ha de ter na economia publica e nas finanças do estado, chegaremos a uma conclusão diametral-

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mente opposta áquella que estabeleceu o sr. ministro da fazenda. (Apoiadas.)

Admittamos, porém, sem a discutir, a afirmação do sr. ministro da fazenda de que a transicção immediata para o regimen da liberdade era muito difficil, se não de todo impossivel. Demos de barato que essa transicção, a fazer-se, importava com effeito um prejuizo de 4.500:000$000 réis. Ainda nesses termos, o que nos maravilha é que o sr. ministro da fazenda, nos assevere, no seu relatório, que abandona o regimen da régie para o substituir pelo exclusivo arrematado pelo praso de dezeseis annos, praso que o próprio sr. relator confessou que é na realidade de dezesete annos (Apoiados.), a fim de facilitar por esta forma a transacção para o regimen da liberdade! Ora, sr. presidente, se o proverbio nos diz que todo o caminho leva a Roma, não póde da mesma forma o bom senso indicar-nos que o melhor processo de chegar á liberdade suja a restauração, nos termos em que a faz este projecto, de um odioso e vexatório monopolio. (Muitos apoiados.)

Mas não param aqui as curiosidades do relatório do sr. ministro da fazenda. N'aquelles periodos curtos, ligeiramente sacudidos, mas não raro conceituosos, que caracterisam o estylo do sr. Franco Castello Branco, diz-nos o illustre ministro que se não deve sacrificar o futuro ao presente. Esta máxima, digna de um La Bruyère (Riso.), encerra, porém, a condemnação mais inexoravel do procedimento do sr. ministro da fazenda.

E pena que o sr. ministro formulasse um conceito tão profundo só para ter o prazer de o desmentir, apresentando este projecto, que não faz mais do que sacrificar aos mesquinhos interesses do dia de hoje as mais importantes conveniências do dia de amanha. (Muitos apoiados.)

E verdade, todavia, que o sr. ministro acrescentou logo á sua máxima uma attenuante tão emmaranhada como significativa, e redigiu assim o seu periodo:

«Não devemos sacrificar o futuro ao presente, mas as condições deste não permittem que o esqueçamos por aquelle.»

Como este periodo define, na sua complicada estructura, a situação do sr. ministro da fazenda perante este projecto! (Apoiados.)

Logo depois lê-se no relatório:

«O regimen da liberdade, e até a régie, fariam crescer gradual e successivamente a receita dos tabacos, mas não podiam dar-nos um resultado immediato, etc.»

Oh! sr. presidente! nós que ouvimos hontem o nobre ministro, com o calor, com o fogoso enthusiasmo que em geral anima a sua palavra, dizer-nos que a régie estava paralysada, que já tinha dado tudo quanto havia de dar, que era insusceptível de qualquer aperfeiçoamento novo, que a sua conservação não podia deixar de ser ruinosa para o thesouro, ficámos espantados ao ver que o sr. Franco Castello Branco nem sequer se lembrou de que tinha escripto, no seu relatório, que a régie faria crescer gradual e successivamente a receita dos tabacos! (Muitos apoiados.) O que ella não podia era dar já os 7.200:000$000 réis, e o sr. ministro da fazenda, a despeito de todas as máximas do seu relatório, sacrifica o futuro ao presente, (Apoiados.) e tudo esquece para encobrir sob esta forma um verdadeiro recurso ao credito. (Apoiados.)

Parece que o illustre ministro contesta esta minha asserção, e já hontem se mostrou contrariado porque o sr. Navarro chamou a este expediente um emprestimo disfarçado. Mas o que é senão isso? (Apoiados.) O próprio sr. ministro da fazenda nos diz no seu relatório que apresentou esta proposta a fim de poder encerrar o futuro exercício, tanto pelo que toca ao orçamento ordinário, como ao extraordinário, sem necessidade de recorrer a emprestimos. E a final o que é isto senão um emprestimo, repito, cujos encargos são onerosissimos, porque, de mais a mais, se complicam com enormes desfalques na mais importante das nossas receitas publicas? (Apoiados.)

Eu bem percebo que é difficil, que é espinhosa a situação em que se encontra o sr. ministro da fazenda, e sinto-o sinceramente, não só por elle, mas pelo paiz, porque as circumstancias que affligem o sr. Franco Castello Branco são tambem profundamente tristes para o nosso credito. Apoiados.) Comprehendo os receios, as hesitações do sr. ministro da fazenda em recorrer de novo francamente ao redito, depois do malogro do ultimo emprestimo. É, se me permittem a citação do proloquio popular, o caso do gato escaldado que de agua fria tem medo. (Riso.-Apoiados.) O sr. ministro da fazenda teme que se repitam os mesmos episodios, e que o nosso credito, que o nosso bom nome, victimas de tão affrontosas calumnias, se vejam ainda arriscados a novos baldões. Não o censuro por estes receios, por estas suas hesitações; comprehendo-as e lastimo-as, e não pretendo sequer indagar agora de quem são as culpas e as responsabilidades do que está ocorrendo. Mas permitta-me s. exa. que lhe observe que este projecto não é, atinai de contas, senão um emprestimo, que se vae fazer nas praças estrangeiras, sob a garantia da adjudicação da mais importante das nossas receitas publicas. (Muitos apoiados.)

Sem querer insistir neste aspecto da questão, por mais de um motivo espinhoso e desagradavel, notarei apenas que, no seu largo discurso, o sr. ministro da fazenda não respondeu nem uma palavra às observações do sr. Navarro pelo que respeita aos motivos por que se não tem realisado até agora a operação Leixões-Salamanca. (Apoiados.) Essa operação está auctorisada por uma lei, é altamente conveniente para occorrer á situação dos bancos do Porto, e traduz-se para o estado no reembolso de uns poucos de milhares de contos. Porque a não realisou o sr. ministro? (Muitos apoiados.) Porque preferiu recorrer ao expediente, que elle proprio condemna, do monopolio dos tabacos? (Apoiados.) E o que s. exa. nos não disse, como tambem não nos explicou porque não foram ainda cotados, na praça de Paris, os titulos do ultimo emprestimo portuguez. (Apoiados.) Não insisto neste ponto; basta unicamente cital-os para que a camara, que é muito esclarecida, reconheça a gravidade d'elles, gravidade que fui solemnemente sublinhada pelo silencio absoluto, que ácerca d'estes factos guardou o sr. ministro da fazenda no seu largo discurso. (Muitos apoiados.)

Voltemos ao relatorio do sr. ministro da fazenda. O sr. Franco Castello Branco, depois de muito estudar, depois de muito meditar, depois de medir bem o vasto alcance da medida que projectava apresentar, resolveu-se, a final, a trazer á camara a proposta de lei que serviu de base ao projecto que se discute, e escreveu no seu relatório as seguintes palavras:

«O consumo legal no continente do reino, de tabacos manipulados, pouco excede a 0,450 for individuo. Estamos, pois, ainda muito longe da capitação hespanhola, que sobe a 0^,770, e não se podendo nem devendo suppor menor o consumo real de tabaco em Portugal, vê-se que, com o praso marcado, póde ser largamente remuneradora a exploração particular desta industria.»

Peço á camara que medite bem estas palavras. Não as escreveu de certo, levianamente o sr. ministro da fazenda; s. exa. reflectiu seriamente,- faço essa justiça á sua intelligencia e ao seu caracter, - pensou maduramente no grave assumpto de que estava tratando antes de se abalançar a trazer ao parlamento a proposta de lei de que saiu o projecto que discutimos. E ao cabo de todo esse estudo, de toda essa meditação, depois de haver colhido todas as informações necessárias para formar um juizo seguro sobre tão complexo problema, o sr. ministro da fazenda não hesitou em redigir a sua proposta de lei nos termos em que o fez, e em escrever no seu relatorio as palavras que ha pouco li á camara.

Ora d'essas palavras tiram-se duas conclusões igualmente importantes: primeira, que o sr. ministro da fazenda julga que ha grande margem entre nós para augmento de con-

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sumo de tabacos, e por isso acaba com a régie; segunda, que o sr. ministro da fazenda entendia que, nos termos da sua proposta, com a base minima de 4.250:000$000 réis, o monopolio arrematado por dezeseis annos podia ser largamente remunerador.

Era largamente remunerador, sr. presidente, na opinião conscienciosa do sr. ministro da fazenda, o monopolio contratado nas bases da sua proposta de lei. Pois o projecto que se discute introduziu nessa proposta as seguintes concessões, todas favoraveis ao monopolista:

1.ª Dispensa da constituição de uma sociedade anonyma (base 6.ª);
2.ª Dispensa da applicação do codigo commercial, no que diz respeito á proporção entre as acções e obrigações (base 6.ª);
3.ª Fixação do capital de laboração em 3.500:000$000 réis (base 9.ª, n.° 1);
4.ª Reducção do deposito para a garantia das multas de 100:000$000 a 50:000$000 réis (base 9.ª, n.° 4);
5.ª Inclusão nas isenções de direitos dos machinismos e accessorios importados pelo concessionario (base 10.ª n.° 2);
6.ª Entrega aos mezes ao concessionario, por encontro nas suas prestações, em vez de ser aos trimestres, da importancia de direitos sobre tabacos manipulados, cobrados nas alfandegas do reino (base 10.ª, n.° 4);

7.ª Permissão ao concessionário para nomear agentes especiaes da sua confiança, para promover a descoberta e fiscalização do contrabando, tendo estes agentes, devidamente ajuramentados, o caracter, garantias e responsabilidades de agentes da auctoridade publica (base 10.ª, n.° 6);

8.ª Dispensa da obrigação de produzir e vender as marcas actuaes pelos mesmos preços e em harmonia com as exigências do consumo, e permissão para elevar os preços 20 por cento, em media, tanto para as marcas antigas como para as que de novo se crearem (base 10.ª, n.° 7);
9.ª Elevação de direitos sobre os tabacos manipulados estrangeiros (base 23.ª);
10.ª Compromisso expresso de que o governo continuará a manter em serviços de fiscalisação pelo menos 4:000 praças (base 25.ª)
11.ª Collocação de uma estampilha e marca de peso real nos volumes de tabaco manipulado importado do estrangeiro (base 25.ª).

Era viavel, era largamente remunerador o monopolio, conforme escreveu o sr. ministro da fazenda, se fosse concedido nos termos da sua proposta de lei.

Se o sr. ministro da fazenda não commetteu um erro inexplicavel em assumpto de tanta gravidade, se furam conscienciosas, como creio, e exactas, e fundamentadas, as affirmações que o illustre ministro expoz ao parlamento, o que será o monopolio, depois de se terem introduzido na proposta do sr. Franco Castello Branco todas estas concessões com que o veiu beneficiar o projecto?! (Muitos apoiados.)

Tudo se modificou, tudo se alterou em sentido favorável ao concessionário, e manteve se para o concurso a mesma base de licitação! (Apoiados.) Eu não comprehendo, francamente o digo, como o sr. ministro da fazenda, depois de haver formulado a sua proposta de lei e de haver escripto as palavras que se lêem no seu relatório, póde perfilhar e defender o projecto que estamos discutindo. (Apoiados.)

Entre todas as emendas introduzidas pela commissão na proposta do governo, só encontrai uma, que valha a pena mencionar, em sentido favorável aos interesses do estado. E aquella que se refere ao augmento na partilha dos lucros, que, pelo projecto é de 50 por cento para o estado, ao passo que pela proposta era apenas de um terço. Mas eu logo demonstrarei a forma pela qual, de uma maneira tão engenhosa como segura, se tornou simplesmente apparente este beneficio, que era uma magra compensação dada ao estado pelos largos benefícios que elle concede. (Apoiados.)

Sr. presidente, voltando a examinar, mais de perto e analyticamente, as emendas introduzidas no projecto pela commissão de fazenda, seja-me licito observar que é da maior importancia e da mais alta gravidade a dispensa feita ao concessionario da constituição de uma sociedade anonyma. (Apoiados.) São serios, serissimos os inconvenientes que podem derivar para o estado de se estabelecer uma companhia poderosa, explorando a mais importante das receias publicas, e constituindo um elemento perturbador na politica e na economia nacional. Mas é ainda muito mais temivel, e será com certeza muito mais funesto, o entregar-se a um individuo só, que de mais a mais póde ser um estrangeiro, uma força d'esta ordem. (Muitos apoiados.} Nós já sabemos o que era a oligarchia affrontosa dos antigos caixas do contrato do tabaco; (Muitos apoiados) calcule a camara o que será a supremacia do um homem que tiver nas suas mãos o monopolio, tal como o estabelece este projecto de lei. Não póde ser; (Apoiados) não o votará de certo a camara; não o tolerará em caso algum o paiz. (Muitos apoiados.}
Examinemos agora o § 1.° da base 9.a, contra o qual o sr. Emygdio Navarro suscitou uma objecção gravissima, que nem por sombras conseguiu contestar o sr. ministro da fazenda. Diz-nos a base 9.ª:

«O concessionario do exclusivo fica mais obrigado:

«1.° A partilhar os seus lucros liquidos com o estado e com o pessoal operario e não operario, pela forma seguinte:

«Os lucros liquidos do concessionario, tendo previamente em consideração, no calculado, a deducção da annuidade para amortisar 7.200:000$000 réis em dezeseis annos á taxa de 5 por cento serão partilhados em partes iguaes entre o estado e o concessionário depois de deduzidos 5 por cento para fundo de reserva, 5 por cento para operarios, 1 por cento para o pessoal não operario e 10 por cento para dividendo de um capital de laboração na importancia de 3.500:000$000 réis.
a Estes lucros a partilhar com o pessoal operario, não operario e com o estado, serão liquidados e pagos no praso maximo de seis mezes a contar do fim do anno a que elles se referirem.»

Allega o sr. ministro da fazenda, que nada se garante aqui ao concessionario. É certo; mas para a liquidação dos lucros, antes da partilha com o estado, o que se manda ali fazer? Deduzir annuidade para amortisar em dezeseis annos, a 5 por cento, 7.200:000$000 réis; 5 por cento para o fundo de reserva; 5 por cento para os operarios; 1 por cento para o pessoal não operario e 10 por cento para dividendo de um capital de laboração não inferior a réis 3.500:000$000. Ora o que são os 7.200:000$000 réis? Dil-o o parecer: são 2.700:000$000 réis que o concessionario dá pelos valores que a régie lhe entrega, e réis 4.500:000$000 que dá de prémio pelo exclusivo. O que são os 3.500:000$000 réis? Dil-o o parecer: são os réis 2.700:000$000 dados pelos valores entregues pela régie e 800:000$000 réis para capital circulante. Contam-se, portanto, duas vezes os mesmos 2.700:000$000 réis, (Muitos apoiados.} que recebem juro, amortisação e dividendo, (Apoiados.) o que, no caso de haver partilha de lucros, retarda e cerceia evidentemente esta partilha, em favor do concessionário e com desvantagem para o estado. (Muitos apoiados.)

Isto não é sustentavel, não póde ficar assim na lei. (Muitos apoiados} O sr. ministro da fazenda molestou-se muito porque o sr. Navarro disse que havia uma disposição fraudulenta. A verdade e que ha uma duplicação inexplicável e que carece indispensavelmente de emenda. (Apoiados.} Se se fixasse a annuidade para os 7.200:000$000 réis e o dividendo para um capital de laboração de 3.500:000$000 réis, sem se explicar de que base se partira para se marcar esta cifra, a critica seria unicamente ao avultado da somma, que ia assim desfalcar os possiveis lucros do es-

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lado. Desde porém, que no parecer se diz como se chegou à fixação dos 3.500:000$000 réis e se explica tambem o que são os 7.200:000$000 réis os 2.700:000$000 réis têem de ser excluidos do uma das sommas, e não podem ser computados nas duas ao mesmo tempo. (Muitos apoiados.)

Não é uma simples questão theorica esta, como pretendeu inculcar o sr. ministro da fazenda; não se trata unicamente de fixar uma formula, que não venha a ter importantes resultados praticos. A hypothese da partilha dos lucros tom de ser seriamente considerada, sob pena de se converter n'uma disposição irrisoria uma das garantias apparentemente mais importantes conferida ao estado no projecto. (Apoiados.) Se já era largamente remunerador o monopolio nos termos da proposta do sr. ministro da fazenda, é licito suppor que, com as alterações introduzidas no projecto, o monopolista ganhará, e não pouco, Ligo no primeiro anno. (Apoiados.) Alem de que, não creio que riem o sr. ministro da fazenda nem o sr. relator sejam capazes de dizer que não haverá nunca partilha de lucros, porque isso corresponderia a declarar que íamos immobilisar durante dezeseis annos esta receita publica, e constituiria a condemnação mais formal do projecto. (Apoiados.)

A fixarão, pois, das deducções a fazer antes de principiar essa partilha de lucros tem uma incontestavel importancia. O capital de laboração de 3.500:000$000 réis é nem duvida alguma exageradissimo, e implicitamente o reconhece a propria commissão, que se não atreveu a fixal-o sem levar em conta os mesmos 2.700:000$000 réis dos edificios, utensilios e outros valores, que já estavam computados nos 7.200:000$000 réis, que recebera uma annuidade para juro e amortização. E aqui começamos nós a comprehender como é que a commissão póde generosamente augmentar, segundo referi ainda agora, até 50 por cento a percentagem para o estado na partilha dos lucros. É porque, alem de todas as outras deducções que já vinham na proposta, estabeleceu a de um dividendo annual do 350:000$000 réis. (Apoiados.) Mas então sejam francos; digam claramente que querem dar de mão beijada mais 350:000$000 réis ao concessionario, antes de este começar a partilhar os seus lucros com o estado; confessem abertamente que tiveram o intuito de tornar illusoria a famosa disposição que garanto ao estado por cento dos lucros do monopolista. (Apoiados.) O que é absurdo, o que é inadmissivel, é que se pretenda disfarçar mais este enorme favor feito no concessionario, contando-se duas vezes a mesma somma, e dando-se aos mesmos 2.700:000$000 réis juro, amortisação e dividendo. (Apoiados.)

E pascemos agora, sr. presidente, às disposições que se encontram no projecto, o que não vinham na proposta, relativas á fiscalisação. O valor d'esta concessão não ha ninguem na camara que o ignore; é uma das mais importantes, o talvez a de mais graves consequencias, de todas as que se incluiram n'este projecto. (Apoiados). Com effeito, qual é o inimigo, qual é o flagello com que lucta a exploração da industria dos tabacos, e que tem até certo ponto perturbado o natural desenvolvimento da régie? É o contrabando. E qual é o meio mais directo, se não o mais efficaz, de o combater? E o augmento da fiscalização, é exactamente o que n'este projecto se concede ao monopolista, e o que se negou á régie, que administrava por conta do estudo. (Apoiados.)

Vae dar-se ao monopolista uma fiscalisação particular, mas cujos empregados terão o caracter de agentes da auctoridade publica, e revestirão o typo odioso da policia secreta e dos beleguins; do antigo contrato, que deixavam no paiz; uma tradição detestada, o cuja resurreição é realmente incompativel com o estado de civilisação em que nos achâmos. (Muitos apoiados) Os meus illustres collegas, que me ouvem, e que são deputados da provincia, me darão, daqui a alguns annos, noticia dos vexames que lá se hão de praticar, (Apoiados.) das perseguições politicas que se hão de exercer em nome dos suppostos interesses legitimou do monopolista do tabaco. (Muitos apoiados.) Sc este projecto for convertido em lei, os abusos, os escândalos, as vexações, que ficaram lendárias, do antigo contrato, hão de reviver todas, para flagello do nosso povo, para vergonha da nossa eivilisação, e para engrandecimento do feliz concessionario. (Muitos apoiados.- Vozes: - Muito bem, muito bem.)

E disse-nos o sr. ministro da fazenda que se não concediam aqui os direitos magestaticos do antigo contrato, quando se dá o caracter de agentes da auctoridade publica a estes empregados de um particular, que podem fazer toda a ordem de varejos e realisar toda a casta de vexames?! (Apoiados.) E o sr. ministro da fazenda estranhou que se censuras e esta especie de fiscalização, porque tambem se concedem faculdades policiaes aos empregados das companhias de caminhos de ferro?! E evidente que a pobreza destes argumentos prova quanto é má a causa que se pretendia defender, pois a fiscalisação que só concede ao monopolista não é, de mudo algum, comparavel às faculdades policiaes que têem os empregados das companhias dos caminhos de ferro. Estes exercem as suas funcções só nas respectivas linhas, quer dizer, quasi em casa sua; os outros serão beleguins espalhados por todo o paiz, opprimindo e vexando o povo a pretexto de zelar os interesses do omnipotente monopolista. (Apoiados)

É sabido que se deu o facto da régie, que, embora constitua uma administração independente do ministerio da fazenda, é, afinal de contas, uma repartição do estado, ter pedido para utilisar os seus empregados licenciados nos serviços de uma fiscalisação geral, e de lhe ter sido negada a auctorisação para proceder por esta fórma. Isto torna duplamente significativo e valioso o favor que se vae agora couce ler ao monopolista, e que ainda hontem se recusava á administração geral dos tabacos. (Apoiados.)

Referindo-se a este ponto, o sr. ministro da fazenda allegou que se não dera a fiscalisação especial pedida pela réqie, porque era conveniente concentrar a fiscalisação do estado. Como vae então agora estabelecer-se uma fiscalisação particular, cujas proezas nas aldeias hão de recordar os tempos odiosos do antigo contrato, e não deixará tambem de suscitar muitos e sérios conflictos com a fiscalisação official?! (Apoiados.)

Consinta agora o sr. ministro da fazenda que me refira ainda, às observações que s. exa. fez, n'um tom que deveras me surprehendeu, relativamente á inspecção dos tabacos, tal como ella existe hoje. Como s. ex a muito bem sabe, a inspecção dos tabacos foi organisada pelo regulamento de 22 de novembro de 18^8, nos termos do qual, embora os inspectores sejam pagos pela régie, os serviços da inspecção não dependem da administração geral dos tabacos, mas estão directamente subordinados ao ministerio da fazenda. Por isso me maravilhou que o sr. ministro da fazenda se referisse, com visivel ironia, ao modo como os inspectores têem cumprido os seus deveres officiaes. Se os inspectores não inspeccionam, o que não creio, se não fazem nada, o monos que s. exa. podia fazer era mandal-os para casa; mas conservai os, e vir á camara attribuir á régie a culpa de não serem castigados pelo ministro da fazenda empregados que não cumprem o seu dever, e que só do ministro da fazenda dependem, parece me que é levar a guerra accintosa á régie a ponto tal que excede a ferocidade dogmatica do proprio sr. Pedro Victor. (Riso.- Apoiados.)

De rosto, sr. presidente, a inspecção tal como hoje existe ao tem nada que ver com a fiscalisação que se vae dar ao monopolista, porque é unicamente destinada a inspeccionar a venda e nada póde contra o contrabando. (Apoiados) Creio, pois, ter demonstrado que não colhe nenhum dos argumentos produzidos pelo sr. ministro da fazenda, e que se não póde defender por forma alguma, que se vá conceder ao monopolista uma fiscalisação especial que se negou

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á régie, tanto mais que a fiscalisação da régie seria exercida por funccionarios publicos, e não representava, portanto, nem um privilegio nem um favor odioso, ao passo que a do monopolista será entregue a empregados de um particular e ha de ser origem de graves pressões e vexames, e do sérios conflictos com a fiscalisação official. (Muitos apoiados.)

Nos termos em que o projecto está redigido, podendo o monopolio ser adjudicado mão só a tuna empreza ou sociedade, mas a um simples indivíduo, imagine-se que potentado se poderá crear num paiz pequeno como o nosso, entregando-se a um argentado qualquer uma força d'esta ordem, pondo-lhe nas fios a mais importante ás receitas publicas, um pessoal operario enorme, c, ainda por cima, uma fiscalisaçao dcsta natureza, com estão attribuições e estas faculdades, e sem sequer se limitar o numero de indivíduos que n'ella póde empregar o monopolista! (Muitos apoiados.)

É espantoso, sr. presidente. Teremos, no anno da graça de 1890, creado um novo estado no estado, diante do qual todos os governos recuarão, teremos juntado mais um elemento, e perigosissimo, aos muitos que profundamente anarchisam a nossa sociedade politica. (Apoiados.)

Vamos agora a outra questão grave, a questão dos preços dos tabacos. N'este ponto tambem foram importantes e detestáveis as modificações introduzidas pela commissão na proposta do sr. ministro da fazenda. (Apoiados.) O que na proposta era uma obrigação do concessionario, converte-se, no projecto, num valioso direito.

Dizia a proposta na sua base 9.ª, n.º 3.°:
O concessionário é obrigado:

«3.° A produzir e vender, sem augmento nos preços correntes actualmente, as marcas adoptadas pela administração geral dos tabacos, e em harmonia com as exigencias do consumo, com excepção das marcas especiais destinadas para a setima secção da zona fiscal, podendo fabricar e entregar ao consumo quaesquer outras marcas nas condições que julgar por mais convenientes.»

Vê-se, pois, que o concessionario ficava com obrigação de produzir e vender, em harmonia com as exigências do consumo, as marcas actuaes pelos preços de agora, c, nestes termos, facilmente só comprehende que elle não poderia crear marcas novas sensivelmente mais caras, e que ninguem de certo preferiria ao que já estavam acre ditadas e cujos preços se mantinham. (Apoiados.) E vem o projecto e elimina esta obrigação da proposta, e na base 10.s, que se refere aos direitos do monopolista, estabelece o seguinte:

«O concessionario não poderá nunca, em votação às marcas actuaes da administração geral dos tabacos, ou a outras marcas novas, introduzidas no consumo, elevar, durante os dezeseis annos da concessão, o preço de venda em mais de 20 por cento, em media, do preço por que actualmente é exposto ao consumo um determinado peso e qualidade do tabaco.»

A differenca é evidente, e o favor enormissimo. (Apoiados.} E ainda assim, tanto o sr. ministro da fazenda como o sr. relator, procuraram sustentar que a disposição da proposta era mais benéfica para o monopolista do que a alteração introduzida no projecto. O sr. rei tor chegou até a adduzir aqui aquelle estranho e pyramidal argumento de que, nos termos da proposta, o monopolista para desacreditar as marcas actuaes, que teria de produzir e vender pelos mesmos preços, as fabricaria com tabaco podre, com talo de couve, e não sei quantas cousas mais, provando assim, de uma maneira indirecta mas flagrantissima, quanto são admiraveis as exeellencias do monopolio. (Apoiados.)

E o sr. Pinheiro Chagas, que nos contava no outro dia as tribulações que tem passado, desde que existe a rêgie, à, procura d'uns famosos charutos de 20 réis, de que não restam já senão os ultimos mohicanos) uma especie de esquerda dynastica, lendaria nas tabacarias, (Riso) já ficou sabendo, pelo que ouvio ao sr. Pedro Victor, que, quando vier o monopolio, os seus charutos de 25 réis só hão de tornar a apparecer na manha de nevoa era que voltar D. Sebastião. (Riso.)

Mas, sr. presidente, agora quero eu defender por um momento o monopolio contra o auctor do seu dogma. Pois então o monopolista póde vender tabaco podre e talo de couve, quando isso muito bem lhe aprouver?!

Para que servem os commissarios regios, que devera fiscalisar o cumprimento do contrato? (apoiados.)

As marcas do tabacos são, porventura, apenas os rotulos, os envolucros, os letreiros, e o concessionário, sendo obrigado a produzir e vender as mesmas marcas que hoje se vendem o produzem, teria por acaso cumprido esta obrigação, se mettesse, tabaco podre doutro das mesmas caixas ou dos mesmos embrulhos em que hoje se vende tabaco do bua qualidade?! (Apoiados.}

Sr. presidente, não é preciso responder a estas interrogações; basta formulal-as para se ver até onde nos poderia arrastar a peregrina argumentação do sr. relator da commissão. A obrigação, que se estabelecia na proposta, representava uma importante garantia para o consumidor, e correspondia a um serio encargo para o monopolista. Com a emenda do projecto, a garantia quasi de todo desappareceu, e o encargo transformou-se num enorme favor. (Muitos apoiados.)

E aqui occorre perguntar, por que se não deu á régie o augmento do 20 por cento nos preços, que se vae agora conceder ao monopolista. (Apoiados.) Dizem que a régie não fez esto augmento porque não quiz, ou porque o não podia fazer. Não podia, é certo, nas condições em que estava, roas poderia, tanto como o monopolista, se para ella elevassem os direitos sobre os tabacos estrangeiros, e augmentassem a fiscalisação, como fazem agora para o concessionário. (Muitos apoiados.) E nem se diga que o próprio monopolista não poderá fazer a elevação de 20 por Cento, porque esse argumento prova de mais, porque prova a inutilidade da concessão, e, nesse caso, deve eliminar-se do projecto a respectiva clausula. (Apoiados.)

De certo o monopolista não lançará de repente, a esmo, o augmento dos 20 por cento, o por isso precisamente é que o projecto lho concede direito de lançar os 20 por cento em media, e durante o praso de dezeseis annos. (Apoiados.} É isto o que torna, alem de outras rasões, flagrantemente inadmissível o parallelo, que o sr. ministro da, fazenda fez hontem, entre esto favor que se concede agora ao monopolista, e o augmento de 20 por cento noa direitos, lançados pela de 1879. Os dois factos são inteiramente diversos, como as condições dos dois regimens são radicalmente differentes. Os direitos de 1879 actuaram logo directamente nas condições do mercado, fazendo não só subir de repente os preços, o que não suceederá agora pelas rasões já indicadas, nas incitando ao contrabando, tanto no tabaco em rama, como no tabaco manipulado, e produzindo, por uma grande antecipação de despachos, um profundo desequilibrio nas receitas publica. Nada disto succederá agora. Nem crescerá a importação estrangeira, porque se elevaram tambem os respectivos direitos; nem se dará o contrabando do tabaco em folha, que deixa de ter incentivo no regimen do exclusivo; nem os preços augmentarão todos de repente, visto que o concessionario póde lançar os 20 por cento em media, e, durante dezeseis annos. (Apoiados.} Já se vê, portanto, que a argumentação do sr. ministro da fazenda não colhe, que a disposição do projecto, representando um enorme favor ao concessionario, cuja em preza já era, no dizer do proprio sr. ministro, largamente remuneradora, não é defensavel, e, por
isso, mando para a mesa uma emenda, que recommendo á benevolencia da commissão, e sobretudo do sr. relator. O sr. ministro da fazenda disse-nos hontem que não dera á régie o augmento de direitos sobre os tabacos ma-

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tripulados estrangeiros, porque a régie nunca se sentira affrontada com essa concorrencia.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Dil-o o relatorio.

O Orador: - Peço licença para observar que a verdade é haver a régie pedido este augmento de direitos; (Apoiados.) e, de resto, que a régie se sentia affrontada pela concorrência estrangeira, dil-o o proprio parecer que estamos discutindo.

E de duas uma: ou o sr. Pedro Victor é homem para dogmas, ou não é; (Riso.) que os hereticos, como nós, duvidem do pontifice, ainda se comprehende, mas os ortho-doxos, como o sr. ministro da fazenda, têem de acreditar ou de morrer.

Ora, o que o sr. Pedro Victor escreveu no parecer da commissão é exactamente o contrario do que affirmou o sr. ministro da fazenda, li senão, ouçam o que se lê no parecer da commissão de fazenda, na parte em que se justifica esta emenda nos seguintes termos:

«A rasão d'esta elevação está na concorrência que estes tabacos fazem hoje aos productos manufacturados da régie, sendo sobretudo notavel relativamente aos charutos e ainda muito sensível em relação aos outros manipulados.»

Aqui está o que dizem os canones! (Riso.- Apoiados.)

De certo o sr. ministro da fazenda não tinha lido as sagradas escripturas, aliás não se teria permittido a heresia que hontem commetteu, e que o teve em risco de ser excommungado pela igreja neo-tabaqueira do seu partido. (Apoiados.- Riso.)

Portanto, a verdade é que a régie se sentia affrontada pela concorrencia estrangeira, e por isso é que se tratou neste projecto de desaffrontar o monopolio dessa concorrência. (Apoiados.)

O sr. relator dil-o bem claramente:

«Os tabacos estrangeiros fazem hoje uma grande concorrencia aos productos manufacturados da régie, sendo sobretudo notável, relativamente aos charutos, e ainda muito sensível em relação aos outros manipulados.»

E como a régie soffreu tudo isto, a régie que era do estado, é justo que livremos de tantos inimigos o monopolio que ha de ser do feliz concessionario. (Riso. - Apoiados.) Pôde dizer-se que a moralidade deste projecto se define e exemplifica nesta franca declaração do parecer da commissão de fazenda.

A questão da estampilha e da marca do peso real nos volumes de tabaco estrangeiro despachados nas alfandegas não é tão insignificante como pareceu inculcar o sr. ministro da fazenda, e a prova e que a commissão a incluiu como emenda. (Apoiados.) Já no tempo da liberdade as fabricas reclamavam esta providencia, destinada a evitar uma fraude importante. (Apoiados.)

E outra protecção que se vae dar ao monopolista e que a régie nunca teve.

Mas, sr. presidente, uma das cousas mais graves que se encontram neste projecto, o das que mais desagradavelmente impressionam quem desapaixonadamente o examina, é o praso por que se pretende adjudicar o monopolio. (Apoiados.) Não ha exemplo, em nação alguma que explorasse o rendimento dos tabacos pelo exclusivo arrematado, de se haver fixado para esta arrematação um periodo tão largo como o que propõe o sr. ministro da fazenda. (Apoiados.) Não comprehendo que se vá prender por dezeseis annos a mais importante receita do estado a um regimen desta ordem, cujos resultados não podem deixar de ser funestos. (Apoiados.)

A rasão allegada pelo sr. ministro da fazenda no seu relatorio para a fixação de tão largo praso, quando na lei de 1887 se marcava apenas doze annos, é a de que pesarão maios encargos sobre o concessionário obrigado a reembolsar o estado dos 7.200:000$000 réis da expropriação das fabricas. Como, porém, essa expropriação estava estabelecida na lei do 1887, e o ministro de então já a calculava em 7.200:000$000 réis, não só vê bem qual a differença de encargos entre o monopolista de agora e o de então, se tivesse n'aquella epocha tido execução esta parte da lei. (Apoiados.)

Peço ainda muito instantemente ao sr. ministro da fazenda que medite bem, que considere bem, se é absolutamente indispensável esta condição, para ir por diante o seu projecto.

Apesar de eu reputar de todo o ponto nociva e inopportuna esta medida, desde que vejo a obstinação do governo e dos seus amigos em a fazer vingar, ao menos desejo que ella seja depurada do maior vicio de que adoece. E por isso que appello ainda para o sr. ministro da fazenda, pedindo-lhe que ao menos acceite o principio da remissão, tal como existe no contrato hespanhol para o monopolio dos tabacos, tal como o indicou nesta camara o sr. Dias Ferreira. Em todo o caso não se vá agrilhoar a um regimen deploravel por dezeseis annos a mais valiosa receita publica, só para se realisar uma triste antecipação de receita, que nem antecipação vem a ser, (Apoiados.) desde que se conserva a mesma base mínima de licitação da proposta, e que se reduz a final de contas a um simples emprestimo disfarçado, empréstimo contrahido nas mais deploráveis condições. (Apoiados.)
A disposição do projecto com relação ao concurso não satisfaz; a sua redacção é confusa, como confessou hontem o proprio sr. ministro da fazenda; mas é certo que foram claras, precisas e categóricas as declarações do sr. ministro da fazenda sobre este ponto. Entretanto, eu peço ainda a attenção de s. exa. para este assumpto. Não quero apresentar emendas; quero sómente dizer que, não sendo clara a redacção do projecto, mas sendo claras, precisas e categóricas as declarações do sr. ministro da fazenda, não vejo por que não ha de ser approvada a emenda do sr. Emygdio Navarro, que tem a vantagem de fixar precisamente a forma do concurso, de harmonia com os intuitos do sr. ministro da fazenda, segundo as declarações feitas hontem.

No entretanto, pedia ao sr. ministro da fazenda e á commissão que, se não quizesse acceitar a proposta do sr. Navarro, que eu preferia, e já vou dizer as rasões porque a prefiro, ao menos introduzam na redacção deste artigo do projecto a mesma clareza com que o sr. ministro da fazenda expoz hontem a sua opinião sobre o modo como esse artigo se deve interpretar.

Por minha parte, repito, preferia ainda assim a emenda do sr. Navarro, porque a licitação em carta fechada, como muito bem disse o sr. Navarro, impede muito mais facilmente os conluios do que a licitação verbal; e para a hypo-these de apparecerem dois concorrentes, que em carta fechada houvessem offerecido o mesmo preço, e no caso deste preço ser o maior, então o sr. Emygdio Navarro propõe a licitação verbal entre esses concorrentes.

Nestes termos, ficam salvaguardados todos os legitimes interesses do thesouro, e absolutamente garantida a lealdade do concurso. (Apoiados.)

Como os intuitos do sr. ministro da fazenda são esses, conforme as categóricas declarações que hontem fez, eu não vejo inconveniente em que se introduza no projecto a emenda do sr. Navarro; mas o que ao menos peço á commissão e ao sr. ministro da fazenda é que elaborem uma redacção clara e precisa, em conformidade com as declarações do sr. ministro. Como o projecto está, não póde ficar. (Apoiados.)

Vou referir-me agora a outro ponto grave e que mais grave se tornou para mim d'esde que vi que a elle não respondeu hontem o illustre ministro da fazenda, no seu largo e desenvolvido discurso.

Esse ponto grave é aquelle a que se refere o artigo de um conceituado jornal desta cidade, lido hontem na camara pelo illustre deputado e meu amigo o sr. Emygdio Navarro.

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Tendo eu a honra de ser jornalista, por mais de uma vez tenho declarado nesta casa que entendo que a tribuna parlamentar e a tribuna jornalística são absolutamente independentes, com responsabilidades e com espheras de acção diversas; e por isso não se deve pedir aqui a responsabilidade de artigos publicados na imprensa, porque um tal systema perturbaria a ordem natural dos nossos trabalhos e seria menos regular e correcto. (Apoiados.) Mas n'este caso trata-se de uma questão puramente doutrinal, e não de pedir ou de liquidar quaesquer responsabilidades. O nosso fim e apresentar um argumento de auctoridade, que tanto se póde ir buscar a um jornal como a um livro. (Apoiados.) Desde o momento em que um individuo, numa questão de critica douttinaria, entrega ao publico a sua opinião pela imprensa, ou seja nas paginas de um livro ou nas columnas de um jornal, essa opinião pertence a todos que a lêem.

Pôde, como argumento de auctoridade, ter maior ou menor força, conforme a pessoa que escreveu, mas é em todo o caso uma opinião que se póde citar, e o peso, o valor d'essa opinião póde ser livremente apreciado por todos. Parece-me, por consequencia, não haver da minha parte nenhuma incorrecção em me referir ao alludido artigo, apesar das explicações dadas antes da ordem do dia por um illustre deputado e meu amigo, que eu não ouvi, mas de cujas palavras tive noticia.

O argumento era importante pelo valor da objecção que desenvolvia. Por isso o trouxemos para aqui. E era tambem insuspeito por ser firmado pelas conhecidas iniciaes de um illustre membro da maioria parlamentar que faz tambem parte da commissão de fazenda. O illustre deputado e meu amigo o sr. Emygdio Navarro, adduzindo, como eu, estas duas circumstancias, não o fez para pretender dar maior força ao argumento, mas para provar que elle era auctorisado porque provinha de quem não póde querer crear dificuldades ao sr. ministro da fazenda, nem ao andamento do projecto, mas estava simplesmente animado do sincero desejo de melhorar o mesmo projecto no sentido do interesse publico.

A objecção tem valor, e eu renovo-a para que o illustre deputado que me responder a desfaça, se poder, visto que o illustre ministro da fazenda, por lapso, ou por outras quaesquer rasões, nem sequer alludiu a ella.

A objecção é esta. Diz o illustre ministro da fazenda, e acreditâmol-o todos, que é seu intuito dar a maior margem ao concurso e que elle attráia a maior concorrência, para que a licitação possa ser altamente vantajosa para o paiz. O illustrado articulista a que me refiro, objecta que, desde o momento em que se torna obrigatoria a entrega immediata de 3.600:000$000 réis, devendo sor pagos os outros 3.600:000$000 réis dentro do praso de dois mezes, depois de realisada a adjudicação, se circumscreve e limita assim, de um modo indirecto mas decisivo, mormente nas actuaes circumstancias financeiras e monetarias de todos os mercados, o numero de concorrentes, que hão de ser por força argentarios, banqueiros ou instituições tão poderosas que possam rapidamente dispor d'aquellas avultadas quantias. (Apoiados.)

Confesso que me impressionou esta critica, e julgo que ella deve merecer a consideração da commissão de fazenda. (Apoiados.)

E chego a outro ponto muito grave da questão, que e o das 1:500 toneladas.

A régie entrega ao concessionário os tabacos que tem manipulados por 32 por cento do seu preço de venda e o concessionário, diz o projecto de uma maneira engraçada, é obrigado no fim de dezeseis annos a entregar 1:500 toneladas de tabaco manipulado pelo preço corrente da venda, deduzidos apenas 15 por cento para commissão aos revendedores.

Este encargo é tão forte, tão pesado, tão indiscutivel, que o proprio sr. ministro da fazenda não o contestou! (Apoiados.)

S. exa. até disse: «é um encargo, não desconheço, mas é um adiamento das responsabilidades que o governo tem hoje.» Quer dizer, na opinião do sr. ministro, isto é a restituição de uma parte dos 7.200:000$000 réis. (Apoiados.)
Ora estas 1:500 toneladas, multiplicadas pelo preço médio actual, e sommadas com os 20 por cento de augmento, que o concessionario de certo terá realisado no fim de dezeseis annos, produzem 6.300:000$000 réis. Deduzindo desta somma os 15 por cento para as commissões aos revendedores, ainda fica a quantia avultada de 5.355:000$000 réis. E se juntarmos a isto a importancia da expropriação das fabricas, utensilios e valores, que o concessionario ha de ter de receber n'essa occasião, ver-se-ha que o seu reembolso se approxima sensivelmente dos 7.200:000$000 réis, em que tanto se falla agora, (Apoiados) e que já tem aliás recebido juro e amortisacão. (Apoiados.) Isto sem fallar nos 2.700:000$000 réis que estão comprehendidos nos 7.200:000$000 réis para o fim de receberem juro e amortisacão, que alem disso vencem um dividendo de 10 por cento, e que pela terceira vez são pagos, pelo menos em parte, quando se expropriam as fabricas, utensílios e valores. (Apoiados.)

Este projecto é de tal ordem, que costumando nós fazer leis copiadas do estrangeiro, esta vem crear processos novos, como costuma dizer o meu amigo o sr. Dias Costa.

Em Italia, quando em 1868 o monopolio foi arrematado por uma companhia, recebeu esta um stock de tabacos, que pagou por 45.000:000 de liras, e o mesmo devia entregar no fim do contrato e pelo mesmo preço. Em Hespanha o tabaco que o arrematante entrega e o que recebe é sempre pelo valor da matéria prima e custo do fabrico. Pelo projecto que se discute o arrematante recebe o tabaco por 32 por cento do preço de venda e entrega-o pelo preço do venda, com um simples desconto de 15 por cento. Ora, como dissemos, as 1:500 toneladas pelo preço médio desvenda actual, que é de 3$500 réis, e juntando-lhe os 20 por cento de augmento, representam a somma de 6 300:000$000 reis. Ainda com a deducção dos 10 por cento, ficarão réis 5.355:000$000, que o concessionário terá a receber no fim dos dezeseis annos, deixando tabaco para o consumo de mais de seis mezes.

Esta disposição é onerosissima para o estado; corresponde a entregar o monopolio, não por dezeseis ou dezesete annos, mas por um tempo indefinido, nas mãos do feliz concessionario. (Apoiados.) Por isso mando para a mesa uma emenda, para que ao menos se faça entre nós o que sempre se tem feito em todas as nações cultas. (Apoiados.)

A disposição que proponho poderá não ser acceita pelo governo nem pela commissão, mas existe em todos os contratos análogos realisados em outras nações. O governo quer apregoar dogmas novos na sua igreja, (Riso.) estabelecidos em concílios desconhecidos. Eu vou pela igreja e pelos ritos adoptados em todos os paizes que bem se administram e sabem zelar os interesses publicos. (Apoiados.)

O illustre ministro não nega que similhante disposição constitua um encargo pesadíssimo para o estado, mas pretende attenual-o, allegando, como já dissemos, que corresponde a um adiamento das responsabilidades actuaes do governo. Mas, se este encargo é em grande parte destinado a compensar o adiantamento dos 7.200:000$000 réis, só devia ter logar no caso de não ter havido lucros para a amortisação d'aquella somma. (Apoiados.) Não é, porém, isso que succede. Ainda que tenha havido a amortisacão completa, o feliz concessionário tem direito a receber, no fim dos dezeseis annos, tanto ou mais do que entregou no principio. Aqui têem o que nos custa o tal adiamento de responsabilidades; aqui têem em que se traduz o expediente financeiro que as disfarça nesta projecto. (Muitos

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apoiados.) Veja v. exa. e a camara a fidelidade com que o illustre ministro da fazenda cumpre aquella sua eloquente e sensata máxima de que se não deve sacrificar o futuro ao presente!

N'este projecto, em que tantas vantagens se concedem ao concessionário, ainda se conservam encargos permanentes para o estado. Ora, como o sr. ministro da fazenda já reputava a sua proposta largamente remuneradora, e, conforme eu tenho demonstrado, o projecto é incomparavelmente mais favorável ao concessionário do que era a proposta, parece-me que. será justo eliminar ao menos estes encargos relativamente pequenos. Assim, proponho que se elimine o subsidio de 10:000$000 réis annuaes, que o governo deve dar para a caixa das reformas, obrigando-se todavia o concessionário a mantel-a tal como está agora. Tambem desejaria, com respeito às tomadas, que o concessionário fosse obrigado a satisfazer as despezas todas em logar de pagar só metade; mas, era fim a quantia é tão pouco importante, que, lembrado isto á commissão, nem sequer apresento uma emenda.

Ha um ponto mais grave, a que já hontem se referiu o meu illustre amigo sr. Emygdio Navarro e a que eu vou tambem referir-me rapidamente, porque este assumpto será mais especialmente tratado pelo meu collega e amigo o sr. Alpoim.

O sr. Alpoim: - Se antes disso não abafarem a discussão.

O Orador:-Refiro-me ao grave encargo que ha de vir para o estado-mais do que encargo, origem de conflictos o reclamações sérias que provavelmente hão de derivar desta obrigação era que o estado fica de estabelecer dois depositos, um no Porto e outro na Régua, e officinas de seccagem e fermentação, para os tabacos do Douro.

Ainda se podia perceber, sr. presidente, que existindo a régie e querendo o estado attender às justas exigências dos povos do Douro, estabelecesse officinas desta ordem, dependentes da mesma régie. Mas no regimen do monopolio, quando se declara que o estado é incompetente para explorar uma industria, não se percebe francamente que o encarreguem de dirigir officinas desta ordem, ficando com o encargo parcial de uma industria, que o julgam incapaz do administrar. (Apoiados.)

E bom notar que o governo obrigava a régie a comprar o tabaco do Douro por 400 réis, e agora estabeleço que o concessionário o adquirirá pelo preço mercantil, que por força ha de ser muito inferior áquella quantia. E depois dizem que a régia rende menos do que o monopolio! Por estes processos não admira. (Apoiados.) E justo que os poderes públicos acudam á gravo crise que atravessa a provincia do Douro, como acudiram, com importante sacrifício dos redditos públicos, á crise cerealífera, que atravessou a lavoura do sul do reino.

Mas façam-no francamente, abertamente, porque não é rasoavel ir onerar a administração geral dos tabacos com os encargos da protecção que o estado deve a uma provincia do reino, que lucta com serias difficuldades. (Apoiados.)

A disposição do projecto relativa a estos depositos e officiaes de seccagem e fermentação não se me afigura rasoavel.

Peço por isso á commissão que reflicta no encargo proveniente dcstes estabelecimentos e nos inconvenientes industriaes, económicos e até politicos que podem d'ahi resultar.

Como disse o sr. Emygdio Navarro, quando o monopolista não quizer receber o tabaco proveniente desses depósitos, ha de dizer que o estragaram nas officinas do estado, e o dono, para se recusar a acceital-o, ha de attribuir a essas officinas a recusa do monopolista. D'ahi conflictos fáceis de prever, e cujos resultados serão sempre onerosos para o thesouro. Vale mais dar um subsidio ao concessionario para elle estabelecer essas officinas por sua conta, do que adoptar o systema consignado no projecto.

Sr. presidente, não quero continuar a abusar da benevolência da camara, mas antes de concluir não posso deixar de me referir mais uma vez ao famoso dogma do monopolio, proclamado pelo Pedro Eremita desta cruzada. (Riso.) Eu, por mais que queira, não posso acreditar em similhante dogma.

Como pôde, sr. presidente, demonstrar-se racionalmente, convincentemente que o mesmo monopolio, que o mesmo exclusivo, explorado em igualdade de condições, com os mesmos encargos, renda mais do que a régie? (Apoiados.} Os encargos de operários e mais pessoal passam Íntegros da régie para o monopolio; e se poxesseinos os dois regimens em igualdade de condições, só déssemos á régie o mesmo augmento de preços o desenvolvimento necessario á venda official, fiscalisação propria e um augmento de direitos sobre o tabaco manipulado estrangeiro, não posso acreditar que a régie rendesse menos do que o monopolio, porque isso é contra a rasão e contra os factos. (Apoiados.)

Pois o que se passou em Italia?

A Italia teve durante muitos annos a arrematação dos tabacos, a régie, em que o estado tinha uma partilha de lucros. O estado foi recebendo o rendimento fixo e uma parte da partilha dos lucros, mas os homens públicos d'aquelle paiz viram logo que, desde que o estado recebia partilha dos lucros, é porque eram grandes os interesses e grandes os beneficios para o concessionario, e não havia rasão nenhuma que legitimasse o facto de estes lucros não irem inteiros para o estado e ficarem em parte nas mãos de um particular. (Apoiados.)

Desde 1879 ficou decidido que, assim que terminasse o praso por que tinha sido arrematada a concessão do exclusivo, essa concessão não se devia renovar. Procedeu-se a um inquerito minucioso, e todos os membros da commissão que fez esse inquerito, eram conformes na necessidade, na utilidade e na urgência de substituir o regimen do monopolio pelo da régie. E cnganaram-se porventura os homens que assim pensaram?
A demonstração faz-se com números.

Basta attentar no seguinte quadro do rendimento do tabaco em Italia, desde 1880 até 1888-1889:

[Ver tabela na imagem].

Convem notar que a arrematação para o ultimo quinquennio de 1879-1883, se fez pelo preço de 94.600:000 liras. Ora, como se vê do quadro das receitas, que acabo de ler, a régie rendeu, logo no primeiro anno, 149.850:389 liras, e em 1886-1887 chegou a render 190.240:242 liras, baixando um pouco a receita nos dois ultimos annos, por causas geraes, devidas á crise agraria e economica, que aquelle paiz tem atravessado. Assim o explica, do uma maneira tão lúcida como convincente, o sr. Castorina, administrador geral da régie italiana, no seu esplendido relatorio relativo ao ultimo anno economico.

A régie existe tambem na Austria, onde produz os mais satisfactorios resultados, e em França, nem no meio das crises mais angustiosas, houve jamais a idéa de substituir este systema pelo do monopolio arrematado.

Repito, por todas estas rasões, pela lição que nos vem

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de fóra, pelo ensino que nos dá a propria experiencia, que a restauração do odioso contrato do tabaco é um erro gravissimo, que póde ter as mais deploraveis consequências políticas e financeiras.

Em 1879, atacando o projecto relativamente aos tabacos, o sr. João Arroyo disse nesta casa que «combatia o monopólio porque tinha medo, sobre tudo num paiz pequeno como o nosso, das companhias poderosas e prepotentes».

Ah! sr. presidente, e agora o governo não tem medo das companhias poderosas e prepotentes; não tem medo sequer dum monopólio, que póde ser entregue a um estrangeiro, o qual ficará tendo às suas ordens um exercito de empregados públicos, cujo numero nem sequer se fixa. (Apoiados.) Não ha nada como o goso do poder para dissipar estes temores salutares, porque não significam falta de coragem, mas correspondem a uma sensata provisão, que os homens de governo têem obrigarão de não esquecer nunca. (Apoiados.)

Os perigos políticos desta transformação talvez sejam ainda mais graves do que as suas desvantagens financeiras e económicas. (Muitos apoiados.) Ponderou-os elevadamente o sr. Emygdio Navarro; apontou os em 1887 o sr. Arroyo; e o governo progressista cedeu a essa ordem do considerações, conforme confessa o próprio relatorio do sr. Franco Castello Branco.

Ceda tambem o governo actual. Não se trata de uma questão politica, de uma questão ministerial. Trata-se de um grave problema, que se não deve resolver precipitadamente.

Supplico por isso a todos que reflictam bem e não vão, por capricho ou por fraqueza, tornar uma medida de que se hão de arrepender, agrilhoando por dezeseis annos a um regimen funesto a mais importante receita publica.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

A moção foi admittida.

O sr. Barão de Paço Vieira (Alfredo) (sobre a ordem): - Sr. presidente, ao usar da palavra sobre uma questão tão importante como é o que neste momento se está discutindo, devo começar e começo por pedir á camara toda a sua benevolência.

Nunca ninguem d'ella tanto precisou como eu; mas tambem nunca a sua benevolencia me foi tão necessária como agora.

As dificuldades que tenho sempre em fallar nesta casa, por pobreza do intelligencia, escassez de conhecimentos e inexperiencia parlamentar, acrescem hoje ainda as que vem da gravidade do assumpto, de mais a mais completamente differente dos que até agora tem constituído os meus estudos e prendido a minha attenção, e as que me cria a honra de responder a um da mais distinctos e mais brilhantes dos nossos oradores, o sr. Carlos Lobo de Ávila, cujo formosissimo talento ha muito tempo admiro, porque o aprecio da universidade, onde fomos condiscipulos, e que desde então até hoje tenho vindo acompanhando sempre em todas as suas esplendidas manifestações, e sempre saudado com o mais sincero e o mais vivo enthusiasino. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Mas, sr. presidente, o sr. Carlos Lobo d'Avila não e só um talento superior, e tambem um espirito bem equilibrado, o que hoje é muito mais raro. (Apoiados.)

E tão superior é o seu talento, e tão bem equilibrado é o seu espirito, que lhe conquistaram quasi que do repente no partido progressista uma posição elevadíssima, e em tão verdes annos, que mais pareciam marcar o tempo absolutamente preciso para em qualquer carreira se fazer um nome, do que a idade desse sympathico rapaz que uma creança ainda, apenas saido dos bancos da universidade, tinha já um passado político glorioso e a quem se abria um futuro auspiciossimo. (Muitos apoiados.)

Comprehende, pois, a camara quanto n'estas circumstancias me será difficil usar da palavra.

Mas, sr. presidente, ainda assim declaro a v. exa., com toda a franqueza, que se por um lado isto me afflige e me preoccupa, porque augmenta o meu embaraço, acrescendo as dificuldades com que tenho de luctar, por outro lado o estimo deveras, porque só me offerece o ensejo que ha muito desejava, de poder publicamente testemunhar ao illustre deputado que me precedeu, o quanto lhe quero pelos bellas qualidades do seu coração e o quanto o respeito pelas poderosas e excepcionaes faculdades da sua intelligencia. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Vou ser o mais conciso e o menos rhetorico possivel. Esta questão tem sido tão largamente e tão proficientemente discutida, que muito pouco ou quasi nada poderei dizer de novo sobre ella.

E como não quero, para não cansar a attenção da camara, repetir o que já foi dito, serei muitíssimo breve. Em compensação, porém, hei de ser rigorosamente logico.

Também não farei rhetorica. E não farei rhetorica por duas rasões.
A primeira é que vou discutir o projecto arithmeticamente, encarando-o pelo seu lado pratico, e na arithmetica é quasi como no commercio: quanto menos palavras melhor. Querem-se muitas cifras e poucas phrases, como bem disse o sr. Ressano Garcia.

A segunda rasão podia talvez dispensar-me de a dizer, porque é já velha, toda a camara a conhece e ainda hoje vinha repetida num dos jornaes da manhã...
Na auctorisada opinião do sr. Pedro Victor é a rhetorica que tem causado no paiz todos os males e todas as desgraças de que elle soffre!. .. (Riso.)
Ora eu não desejo de forma alguma, pelo menos conscientemente, contribuir para a infelicidade da minha patria... (Riso.) E portanto farei tudo, menos rhetorica, (Riso.) ou jurisprudencia. (Riso.)

Porque, sr. presidente, não estou simplesmente prohibido de fazer rhetorica, é-me tambem defeza fazer jurisprudencia! E eu digo a v. exa. porque.
Quando ha dias me determinei a entrar neste debate, resolvi discutir o projecto juridicamente, isto é, estudar todas as suas disposições, confrontal-as com as da lei de 1887 e com a das leis estrangeiras sobre o mesmo assumpto, ver se as vantagens concedidas aos contratadores eram exageradas, apreciando-as conjunctamente com os encargos que se lhes impõe e os rendimentos que o thesouro aufere, e depois de tudo isto, conforme a opinião que formasse, atacal-o ou defendel-o, apresentar ou não as minhas emendas.

O sr. Pinheiro Chagas, porém, como de certo a camara se lembra ainda, veio aqui hontem dizer-nos que não conhecia nada peior, e que nada lhe mettia tanto medo como os cálculos mathematicos, a não ser a jurisprudencia dos jurisconsultos j porque uns e outros faziam, quer com os numeros, quer com os artigos da lei, tudo quanto queriam.

E concordando n'este ponto com o sr. Dias Ferreira, que tem tambem grande receio dos calculos dos mathematicos pelo que d'elles sae, palavras textuaes de s. exa., por causa das celebres previsões da Salamancada, acrescentou o illustre deputado, que se o sr. Dias Ferreira apresentava contra os cálculos dos engenheiros o caminho de ferro do Salamanca, elle citava contra a jurisprudencia dos doutores, a celebre theoria do flagrante adicto sustentada pelo sr. Eduardo José Coelho na questão Ferreira do Almeida. E d'ahi concluiu que a mathematica dos mathematicos era detestavel e que a jurisprudência dos jurisconsultos era pessima!... (Riso.)

Ora eu que não queria nem quero, por forma alguma contrariar o sr. Pinheiro Chagas, a quem tanto prezo e respeito, pela honradez inconcussa do seu caracter e incontestavel superioridade do seu talento, mas que sou, bom ou mau, um pouco jurisconsulto, por obrigação do cargo

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que exerço, porque sou juiz de direito, resolvi então occupar-me de mathematica, e deixar ao sr. Ressano Garcia a jurisprudencia. (Riso.)

Ao menos assim ninguem poderá duvidar da exactidão dos meus calculos, nem contradictar as afirmações jurídicas do sr. Ressano Garcia.. . Não haverá sequer motivo de suspeição. Não são os interessados que fallam. O engenheiro commentará os artigos dar lei, e o juiz apresentará a questão arithmetica. (Riso.) É um pouco original, é certo, mas fico assim de bem, e faço-lhes a vontade, com os srs. Pedro Victor e Pinheiro Chagas, e e exactamente isso o que eu desejo. E sempre conveniente estar de bem com todos, mas sobre tudo com a imprensa. (Riso.)

Sr. presidente, sinto que não esteja presente o sr. Dias Ferreira, porque desejava que s. exa. visse que nem todos os cálculos mathematicos apresentados ao parlamento são falsos. E a prova é que os que vou expor á camara são rigorosamente exactos.

E talvez mesmo que se me ouvisse, o illustre deputado concordasse commigo e reconhecesse que commetteu hontem um grandíssimo erro na sua cathegorica e formal affirmação. Generalisou como lei o que é apenas uma excepção.

E mal de nós se assim não fosse.

Porque a verdade é que se os calculos feitos a respeito do caminho de ferro de Salamanca saíram desastrados, foi que ou assentaram sobre bases falsas ou erraram-se as operações. (Apoiados.)

Ora os meus calculos não estão n'este caso. Assentam sobre numeros indiscutivelmente exactos e as operações estão certas. E confio tanto n'elles, que hei de entregai-os quando acabar de fallar, ao sr. Ressano Garcia para que possa querendo tirar-lhes a prova real. (Riso.)

Sr. presidente, o meu discurso tem duas partes. Na primeira proponho-me demonstrar que o regimen da régie em Portugal é não só inferior em rendimento para o estado ao do monopolio, mas até ao do regimen da liberdade. Na segunda refutarei os argumentos apresentados contra o projecto pelo illustre deputado a que estou respondendo.

Foi em harmonia com este pensamento que redigi a minha moção de ordem, que peço licença a v. exa. para ler e mandar para a mesa.

Diz, assim: «A camara, reconhecendo que nas circumstancias actuaes do paiz seria ruinoso para o estado, voltar-se ao regimen da liberdade do fabrico de tabacos e que a continuação da régie não é vantajosa, louva o governo pela sua iniciativa do estabelecimento do monopolio, assefura-lhe toda a sua confiança e continua na ordem do dia. = Barão de Paço Vieira (Alfredo).»

Para fazer esta demonstração tenho de referir-me quasi que exclusivamente a documentos officiaes, que são neste caso os que se encontram no excellente e bem elaborado Relatorio do conselho de administração da régie relativo aos primeiros treze mezes do seu exercício, isto é, desde 1 de junho de 1888 até 30 de junho de 1889.

Por isso irei citando sempre as paginas para que toda a camara e em especial o sr. Ressano Garcia possa verificar a fidelidade das minhas affirmações.

Sr. presidente, provar que a régie rendeu menos do que o regimen da liberdade é tudo quanto ha de mais facil. (Apoiados.)

Basta abrir o Relatorio do conselho de administração a pagina 72 o ler o que lá está escripto.

Diz-se ali, depois de inexactamente se affirmar, como vou demonstrar á camara, que o rendimento dos tabacos para o thesouro durante o primeiro anno da régie foi do 3.823:837$908 réis, o seguinte:

«Eis ahi o algarismo que se ha de comparar com o rendimento fiscal do regimen que precedeu o vigente. E segundo o ultimo volume da estatística de Portugal, publicado pelo conselho superior das alfândegas, a pagina 54, o rendimento aduaneiro do tabaco foi de:

[Ver tabela na imagem].

«Vê-se, pois, que os resultados actuaes, superiores em 500:000$000 réis, á media do rendimento dos ultimos cinco annos, só ficam inferiores em 64:000$000 réis, apenas ao rendimento de 1887.»

É, portanto, como a camara vê, a propria administração da régie quem confessa que o sou rendimento só foi inferior em 64:000$000 réis apenas ao rendimento de 1887!

Só e apenas escreveu-se no relatorio, note a camara. Como se 64:000$000 réis de prejuizo fosse pouco no desgraçado estado em que estãã as nossas finanças?! (Muitos apoiados.)

Só e apenas, sr. presidente! (Apoiados.)

Pois sempre será bom que não esqueçamos, já que a administração da régie parece
tel-o esquecido, que só para esta pequena differença de rendimento para menos de 64:000$000 réis se pagou por 7.200:000$000 réis, o que valia apenas 2.700:000$000 réis. (Muitos apoiados.)

Ora para experiencia foi caro de mais. E por isso é aqui que ficam bem os dois adverbios. (Apoiados.)

Mas eu vou demonstrar á camara que o rendimento da régie, no seu primeiro anno de exercício, não foi só inferior ao rendimento do ultimo anno do regimen da liberdade, foi-o tambem e muito ao rendimento do regimen da liberdade nos annos de 1883, em que foi de 3.025:274$885 réis; de 1885, em que foi de 3.309:751$834 réis; de 1886, em que foi de 3.479:799$047 réis, e de 1887, em que foi de 3.887:085$563 réis, e inferior até á propria media de 3.329:679$970 réis, tão habilmente tirada pela administração da régie! (Muitos apoiados.)

Eu podia, e com toda a rasão, protestar contra esta media perfeitamente arbitraria para a questão dos cálculos e confronto dos rendimentos do regimen da liberdade com os da régie, porque toda a gente sabe que ha um augmento annual progressivo de consumo de tabaco, e, portanto, um acréscimo de receita, acrescimo que durante os ultimos nove annos do regimen de liberdade, de 1877 a 1886, se traduziu por 81:000$000 réis annuaes a mais, ou sejam 2,83 por cento.
E, por isso, a media de 3.329:679$970 réis, relativa aos annos decorridos de 1883 a 1887 não póde servir para termo de comparação, porque se não tomou em conta aquelle augmento. E assim, quando mesmo a régie no primeiro anno do seu exercicio tivesse rendido tanto como o ultimo anno do regimen de liberdade, ou como a media, ainda esse rendimento, apesar da igualdade dos numeros, tinha fatalmente de ser considerado inferior. (Muitos apoiados.)

Mas não quero discutir agora esta questão, que não vale a pena. Temos cousas mais importantes a tratar.

Á administração da régie era altamente desagradável que ella rendesse menos do que o regimen da liberdade, e isso é naturalissimo. Comprehende-se perfeitamente.

Teve, porém, de confessar que assim aconteceu.

Que fez então? Como queria que o rendimento fosse superior a alguma cousa, e não podia deixar de reconhecer que em 1887 o rendimento do tabaco tinha sido de 3.887:085$563 réis, e portanto mais do que no primeiro anno da régie, apesar de a administração o considerar de 3.875:190$153 réis, vae e somma os rendimentos dos ultimos cinco ânuos do regimen da liberdade e tira-lhes a media ! (Apoiados.) Boa idéa, não ha duvida! (Riso.)

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Que como é em beneficio da régie a media tal qual está, acceito a para o confronto dos rendimentos.

Fui curador geral dos orphãos e habituei-me por isso a receber a beneficio de inventario as heranças dos menores

A régie é uma menor; tem apenas dois annos; recebo a seu beneficio, a celebre media dos 3.329:679$970 réis. (Riso.) E vamos lá que não é pequeno favor.

Sei que vou ser prejudicado com elle, mas não importa. Quero ser generoso.

E assim temos que o rendimento annual dos tabacos era para o estado no regimen da liberdade de 3.329:679$970 réis. Muito bem.

Vamos agora ver pelo balanço da régie quanto é que ella realmente rendeu.

Para isso abramos o relatorio a paginas 74, onde estão escripturados os seus lucros liquidos.

Sr. presidente, a muita consideração e respeito que tributo aos dignos directores e administrador da vigie, prohibem-me de discutir ou pôr em duvida a veracidade d'estas verbas.

Conhece-os bastante para ter a certeza de que ellas são absolutamente verdadeiras, isto é, que os números e as quantias impressas correspondem inteiramente às que se encontram nos livros da administração e portanto acceito este balanço.

O que, porém, não posso deixar de fazer silo as correcções que me parecerem justas.

Diz assim o relatorio:

Lucros liquidos:

[Ver tabela na imagem].

Como v. exa. e a camara vêem, acham-se escripturados como lucros liquidos da régie, 450:228$044 réis, quando elles não representam senão o saldo do lucros da companhia nacional, correspondente aos cinco primeiros mezes de 1888.

Tenho, pois, o direito e o dever de eliminar do balanço esta verba de 456:228$044 réis.

Não representa lucros da régie, (Apoiados.) e é isso o que nós tratâmos de apurar.

Considerar os lucros da companhia nacional como lucros da régie, resultantes da sua laboração, é um absurdo.

É exactamente como se, por exemplo, ámanhã apparecesse um thesouro na fabrica de Xabregas do valor de 5.000:000$000 réis, e essa quantia fosse no balanço d'este anno escripturada como lucro liquido da régie. (Apoiados.)

Não quero dizer que esta verba dos 456:228$044 réis esteja mal escripturada. Por forma nenhuma.

Não está; porque é um lucro, e por isso não podia deixar de ser lançado no activo; mas como não é lucro resultante da exploração, é preciso abatei o (Apoiados.) para o calculo do rendimento. E é isso o que eu faço.

E assim encontro de lucros líquidos da régie 5.155:397$800 réis e não 5.611:625$844 réis.

Vamos agora no passivo. Temos:

[Ver tabela na imagem].

Mas como abati no activo os 456:228$044 réis resultantes dos lucros da companhia nacional por entender que não podiam entrar no calculo dos lucros da régie, porque não eram lucros seus, devo tambem agora deduzir no passivo os juros abonados aos accionistas da companhia nacional, a rã são de C por cento ao anno sobre o valor arbitrado às acções pelo período decorrido desde o principio do anno de 1888 até á data do resgate, no valor de 327:5223651 réis, escripturados no balanço da régie como passivo seu, porque o não é.

Para que o não fizesse, era preciso que não estivesse argumentando de boa fé.
E feita esta correcção fica o passivo sendo de 1.408:913$040 réis e não de 1.736:435$691 réis como está escripturado a paginas 75.

Depois disto, nada mais simples do que apurar qual o lucro liquido da régia.
Basta deduzir do activo que é como a camara viu de 5.155:397$800 réis o passivo de 1.408:913$040 réis.
A differença será o lucro da régie.

Ora eu fiz esta operação e encontrei 3.746:913$040 réis. Portanto já a camara vê que os lucros liquidos da exploração dos tabacos pela regie foram de 3.746:484$760 réis e não de 3.875:190$153 réis, como erradamente affirma o relatorio da administração. (Muitos apoiados.)
Mas nem isto são.

Porque estes 3.740:484$760 réis representam os lucros liquidos de treze mezes e meio de um anno, que é o que nós queremos apurar. (Muitos apoiados.) E por isso temos de dividir os 3.746:484$760 réis por treze, para sabermos o rendimento mensal, depois multiplicar o quociente por doze e o producto é que será o lucro da régie. Ora eu fiz tambem todas essas operações. Achei no quociente 288:191$135 réis que representam os lucros liquidos da exploração num mez; multipliquei estes 288:191$135 réis por doze e deu-me 3.458:293$620 réis de lucros líquidos num anno.

Mas a esta quantia sommei ainda a importância dos direitos de alfandega, pagos pela importação de tabacos manipulados no segundo semestre de 1888 no valor de réis

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58:047$298 e no primeiro semestre de 1889 no valor de 103:753$375 réis, ao todo 161:800$673 réis e encontrei 3.620:094$293 réis de lucros liquidos da régie. (Muitos apoiados.}

Abatendo, porém, 400:000$000 réis para juros e amortisação dos 7.200:000$000 réis levantados para compra das fabricas, encargos do estado, não pude apurar senão réis 3.220:094$293 de lucros liquides da régie durante o primeiro anno de exercicio. (Muitos apoiados.)

E portanto posso affirmar, e esta é a verdade, que a régie rendeu menos que o regimen da liberdade em 1883, 1885, 1886 e 1887 porque em 1883 renderam os tabacos para o estado 3.025:274$885 réis, em 1880, 3.309:741$834, réis em 1886, 3.479:799$047 réis e em 1887 3.887:085$563 réis, e até menos que a propria media dos 3.329:679$970 réis. (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem, muito bem.)

E aqui tem a camara ao que ficaram reduzidos os 3.875:190$153 réis, que a administração da régie, no seu louvavel desejo de augmentar os rendimentos dos tabacos, phantasiou! (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, acabo de demonstrar por uma prova directa, a simples analyse das verbas escripturadas no balanço da régie, que ella rendeu muito menos que o regimen da liberdade, e que não era de forma alguma a expressão da, verdade o lucro apresentado pela administração, a paginas 72, 74 e outras do seu relatorio.

Já, porém, tão grande a differença que ha entre os resultados a que cheguei e os números do relatorio, que julgo conveniente fazer a sua comprovação por uma prova indirecta, para assim não restar duvida a ninguém de que a Laver erro, não é de certo da minha parte. (Muitos apoiados.)

Ora abrindo o relatorio, a paginas 18, vê-se que o preço fabril de cada kilogramma de tabaco é de l£079 réis, e a paginas 38 e 123 que a venda foi de 1.981.340,980 kilogrammas. Mas desde que conheço o preço de cada kilogramma de tabaco e a quantidade produzida, para saber qual a despeza total do fabrico não tenho mais que multiplicar o preço de cada kilogramma pela quantidade produzida. E assim temos: 1.981:340,980 kilogrammas, multiplicados por 1$079 réis, o que dá de despeza total do fabrico de 1.981.340,980 kilogrammas 2.137:866$917 réis.

Mas a esta quantia ha, como a camara sabe, a juntar as verbas constantes do balanço de paginas 74.
E assim encontra-se:

[Ver tabela na imagem].

E como a paginas 38, sob o titulos de Vendas, vejo que o rendimento liquido da régie foi de 5.793:168$674 réis, tenho apenas para conhecer o seu lucro de abater a esta aquella quantia.

Ora abatendo a 5.793:038$016 réis 2.516:323$494 réis encontra-se 3.276:714$523 réis que representam os lucros líquidos da régie durante os primeiros treze mezes do seu exercicio.

Mas como estamos apurando o rendimento annual da régie é necessario repetir agora as operações que fiz quando apresentei a prova directa; o assim dividir os 3.276:714$523 réis por treze, multiplicar depois o quociente por doze, abater ao producto os 400:000$000 réis de juro e amortisação. E a quantia que ficar é que representará os lucros líquidos da régie nos primeiros doze mezes do seu exercicio.

Dividindo 3.276:714$523 réis por treze encontra-se no quociente 252:054$963 réis, rendimento de um mez da régie.

Multiplicando esta quantia por doze, obtem-se a importancia de 3.024:659$556 réis, rendimento de um anno.

Mas abatendo a estes 3.024:659$556 réis os 400:000$000 réis dos juros e amortisação do capital levantado a que já me referi de 7.200:000$000 réis, ficam apenas 2.624:659$556 réis de lucros da régie durante o primeiro anno! (Muitos apoiados.)

Vozes : - Ouçam ouçam.

O Orador: - Qual é a verdade? Qual das quantias é exacta? A primeira que encontrei de 3.220:094$293 réis, ou é esta de 2.624:659$556 réis?

Eu podia agora se quizesse tirar effeito, aggravando as pessimas circunstancias da régie, pela diminuição dos seus já insignificantes rendimentos, insistir no resultado da comprovação dos meus calculos. (Apoiados.)

Não irisistirei, porém. E não insisto porque sou sempre leal em tudo, mesmo em politica, onde, diga-se a verdade, não é isso muito vulgar. (Apoiados.) E eu sei donde provém a differença entre estas duas quantias.

E que houve por parte da administração da régie um erro de escripturação no seu relatorio.

A differença vem de se ter indevidamente considerado como encargo de producção o prejuízo hypothetico dos tabacos recambiados. (Muitos apoiados.)

O sr. Pedro Victor: - São os taes 500:000$000 réis...

O Orador: - São, mas com uma differença. È que era vez do 500:000$000 réis, só estão escripturados 445:011$339 réis.

Mas vejâmos isso com todo o vagar.

E eu peço desculpa á camara de a estar cançando com estas minuciosidades, mas realmente entendo que numa questão d'esta ordem é preciso o máximo rigor, e que não ha mesmo outro modo de a discutir. (Muitos apoiados.)

Vozes: - Não cansa, não cansa.

O Orador: - Encontra-se a paginas 15 do relatorio o seguinte:

[Ver tabela na imagem].

Ora, sr. presidente, não sei se a camara sabe o que são os recambios. Eu é que francamente lhe confesso que antes de estudar este projecto não fazia bem idéa de todas estas especialidades. E por isso fui às fabricas e fui á administração da régie para me pôr ao facto d'ellas estudando-as, e vendo-as praticamente. Pareceu me que era essa a melhor maneira de comprehender o projecto e a unica de poder apreciar o relatorio.

E não me enganei, como a camara vae ver.

Diz-se no relatorio que os 91.000,862 kilogrammas de

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SESSÃO DE 18 DE JULHO DE 1890 1345

tabacos devolvidos ás fabricas para serem refabricados custaram á régie 445:011$439 réis.

Mas isto, e no que vou dizer não ha offensa para pessoa alguma, não é verdade.

O preço médio de 4$890 réis tomado para cada kilogramma de tabaco recambiado e refabricado está longe de corresponder ao que elle realmente custa. (Muitos apoiados.)

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Apoiado, apoiado.

O Orador: - E se não, veja a camara.

O preço médio de cada kilogramma de tabaco, ao entrar na fabrica é pouco mais ou menos de 300 réis.

Lá com o papêllo e mais operações a que é submettido vem a ficar, quando prompto para sair, por 1$000 réis.

Isto sabe-o toda a gente que trata de tabacos, e foi o que me disseram nas fabricas. Ora muito bera. Supponha agora a camara que este logar onde eu estou representa uma fabrica de tabacos, e que esta carteira da direita é a porta por onde entram os tabacos para serem manipulados e a da esquerda a porta por onde saem para os depósitos, donde hão de ir para o consumo.

Em cada uma destas portas ha um livro, onde se escriptura não só a quantidade do tabaco que entra e que sáe, mas tambem o preço por que fica á fabrica o aquelle por que vae para o deposito.

Esses preços são muito desiguaes, e é a differença entre elles que representa o lucro da venda.

Assim cada kilogramma de tabaco que entra na fabrica para ser manipulado valendo 300 réis, é escripturado depois de prompto por 1$000 réis, o que quer dizer que é isso o que custou á fabrica. Esta escripturação é a feita no livro da porta do lado direito, a da entrada.

Mas depois de manipulado e preparado o tabaco, a unica coisa a fazer é mandal-o para os depósitos a fim de ser vendido. É claro.

E é então que esse kilogramma de tabaco que vale apenas 13000 réis passa a ser escripturado no livro da porta do lado esquerdo, a da saida.

Quer a camara saber por quanto é que elle é lançado no livro?

É por 43000 réis. O simples facto de sair da fabrica augmenta-lhe assim o valor; nada menos que 3$000 réis, de differença para mais, o que de resto é naturalissimo. E a differença entre o preço de fabrico e o preço de venda. (Muitos apoiados.)

Temos, pois, que o tabaco que vale por kilogramma 1$000 réis é escripturado quando sáe da fabrica por 4$000 réis.

Perfeitamente. Ora imagine agora a camara que eu fui a uma fabrica do tabacos e comprei uma porção de tabaco, com a obrigação da fabrica mo mandar pôr do outro lado do Tejo, que aconteceu voltar-se o barco em que elle ia, e este molhar-se, e portanto ficar infumavel, e que o recambiei por isso á fabrica para ser beneficiado.

Por que porta entra este tabaco? E pela porta do lado direito ou por a do lado esquerdo?

Está claro que entra pela porta do lado esquerdo, isto é, por aquella por onde saiu, e que portanto o facto de ter saído por 4$000 réis cada kilogramma não significa que o recambio represente um prejuizo de 4$000 réis. (Muitos apoiados.)

O que se faz, quando esse tabaco entra é annullar a escripturação feita á saída, e por isso o que póde não haver e não ha é ganho, é lucro. Mas d'ahi até á perda total dos 46000 réis vae uma differença enorme, ha um verdadeiro abysmo. (Muitos apoiados.)

O unico prejuizo que ha no recambies é o que custa a beneficiação do tabaco que é recambiado, e essa beneficiação fica, termo médio, a 100 réis por cada kilogramma. (Apoiados.)

Veja, pois, a camara com que exactidão e com que verdade se escripturaram a paginas 15 do relatorio aquelles, 445:011$439 réis representativos do recambio de 91:000,862 kilogrammas!

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Caatello Branco): - Apoiado, apoiado.

O Orador: - E é exactamente por se terem indevidamente escripturado, que o custo da producção de cada kilogramma de tabaco chegou a 1$079 réis.

Mas tirem-se elles, e a camara verá que a minha comprovação não foi senão a corroboração da incontestável verdade que affirmei, quando disse que a régie rendeu no primeiro anno do seu exercício unica e simplesmente réis 3.220:094$293, e não os decantados 3.875:190$153 réis, que a sua administração imaginou. (Muitos apoiados.)

O sr. Presidente: - Está a dar a hora, e por isso observo ao illustre deputado que póde v. exa. ficar com a palavra reservada.

O Orador: - N'esse caso, peço a v. exa. se digne reservar-ma para a primeira sessão.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito comprimentado pelos ministros presentes, dignos pares que estavam na sala, e muitos srs. deputados de ambos os lados da camara.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e meia da tarde.

Proposta de lei apresentada nesta sessão pelo sr. ministro da fazenda

Proposta de lei n. 157-D

Senhores. - A carta de lei, de 22 de maio de 1888, determinou que a fabricação dos tabacos fosse feita exclusivamente por conta do estado, sendo para isso expropriadas, por utilidade publica, as fabricas existentes no continente do reino, nos termos e condições das bases annexas á mesma lei.

Segundo o § 1.° do artigo 1.° da dita lei o governo levantou a quantia de 7.200:000$000 réis, para indemnisações, capital fixo e circulante, liquidação de contas de transição e mais pagamentos a que se julgou obrigado, nos termos da dita lei, mas a quantia levantada não chegou para todo o desembolso do thesouro, effectuado e a effectuar, em virtude dessa auctorisação.

Os pagamentos realisados pelo thesouro segundo as disposições citadas tem sido, até 30 de junho de 1890:

[Ver tabela na imagem].

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Alem disso haverá ainda a satisfazer:

[Ver tabela na imagem].

Para compensar o excesso de despeza acima mencionado, temos:

[Ver tabela na imagem].

A importancia das compensações acima que tiver sido descripta como receita da fabricação e venda dos tabacos, será devidamente estornada.

Para complemento da compensação haverá ainda qualquer quantia, que o estado tenha por ventura de receber, pela diferença além de 2.700:000$000 réis do activo liquido da régie, quando o exclusivo da fabricação dos tabacos seja arrematado, ou pela liquidação do mesmo activo, excepto em tabacos, em qualquer outra hypothese.

Por estas rasões tem o governo a honra de subrnetter á vossa consideração a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° São legalisados os pagamentos feitos e a fazer pelo thesouro com fundamento na lei de 22 de maio de 1888, alem da quantia de 7.200:000$000 réis estabelecida no § 1.° do artigo 1.° da mesma lei, nos termos seguintes:

[Ver tabela na imagem].

A importancia acima referida de 1.244:292$117 réis, é despeza do estado no exercicio de 1889-1890.

§ 1.° Para compensar a importancia da despeza, legalisada nos termos acima, serão lançadas como receita do thesouro do mesmo exercício, em separado, alem da propria do despacho, fabrico e venda dos tabacos:

1.° O producto da venda de inscripções pertencentes às companhias expropriadas, producto que subiu á quantia de 27:023$945 réis;

2.° O producto da venda do casal do Roque e do edifício da fabrica Lusitana, pela quantia de 26:171$950 réis;

3.° Qualquer quantia que, alem de 2.700:000$000 réis do activo liquido da administração dos tabacos, o estado tenha porventura que receber, quando o exclusivo da fabricação dos mesmos tabacos seja arrematado, ou pela liquidação do referido activo, em qualquer outra hypothese;

4.° As importancias de que trata o n.° 1.° d'este paragrapho, serão devidamente exportadas da conta dos productos proprios da régie, se nessa conta já estiverem lançadas.

§ 2.° O governo é auctorisado a pagar mais as quantias em divida por obrigações e acções da companhia nacional dos tabacos e respectivos dividendos atrazados até á quantia de 3:099$990 réis.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 16 de julho de 1890. = João Ferreira Franco Pinto Cantello Branco.

Rectificações

No discurso do sr. deputado Francisco Beirão, proferido na sessão de 11 de julho, cujas provas s. exa. não reviu, deve ler-se a pag. 1302, col. 1.ª, lin. 24, em vez de «a essa classe», «a elles»; na col. 2.ª, lin. 12, em vez de «individualismo», «liberdade»; e na mesma columna, lin. 18, em vez de «mais», «tanto», e em vez de «que», «como».

O redactor = Lopes Vieira.

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