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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso pronunciado pelo sr. deputado Rodrigues de Freitas, na sessão de 24 de abril, e que devia ler-se a pag. 1:357, col. 2.ª

O sr. Rodrigues de Freitas: — Não sei se está para dar a hora,

O sr. Presidente: — Faltam dez minutos.

O Orador: — Tenho a mandar para a mesa o seguinte projecto de lei:

«O reinar é uma especie de trabalho. Todo o trabalho deve ter condigna remuneração. A França, uma das maiores nações da Europa, gasta cerca de 240:000$000 réis com as diversas dotações para o presidente da republica. A Suissa, uma das mais pequenas e das melhor governadas, gasta menos da decima parte d'aquella quantia.

«Nós gastámos mais do 640:000$000 réis; e, comtudo, o officio reinar, como lhe chamaram grandes monarchas, não é mais penoso em Portugal do que na França ou na Suissa. Nos paizes republicano democraticos, os presidentes são, em geral, homens notaveis pela sciencia que possuem, o pelas glorias que têem conquistado. Thiers, Grevy, Lincoln, Washington, Johnson, Grant e Castelar fizeram-se primeiros magistrados. Lincoln foi rachador e marinheiro, Washington lavrador, Johnson alfaiate, Grant fabricante, Castelar homem de letras. Na monarchia hereditaria os réis nascem principes... sem o saberem; podem ser, perante Deus e perante a rasão humana, os primeiros ou os derradeiros homens do seu paiz; do todo o modo... vão para réis.

«É certo que a favor de avultada lista civil se diz que a monarchia precisa de esplendor; certamente devo tel-o todo o poder social; mas acaso os monarchistas receiarão que o esplendor não possa proceder dos actos sublimes dos monarchas? Pretendem que a monarchia receba dos contribuintes mais do que é merecido como remuneração de seus serviços?

«Mal se acreditaria, se o não dissessem os documentos parlamentares, que os portuguezes despendem pelo thesouro publico com a instrucção primaria quantia menor do que a dotação de El-Rei, toda a familia real obriga a despezas maiores do que a instrucção primaria, a secundaria, a industrial e a de bellas artes conjunctamente considerada.»

O sr. Presidente: — Peço licença para interromper o sr. deputado. O que está lendo é um discurso, e o regimento oppõe-se a que se recitem discursos escriptos.

O Orador: — V.ex.ª julga que eu viria ler um discurso para a camara? E a primeira vez que se me faz uma tal observação!

Venho ler o relatorio de um projecto; e se isto é prohibido por algum antigo do regimento, eu calo me.

Mas note-se que tratando eu ha annos do uma verba da lista civil, o sr. Fontes e outros parlamentares distinvtos entenderam se não podia diminuir essa verba senão por um projecto de lei; entendi que devia seguir a opinião d'esses parlamentares, o mandar agora para a mesa o projecto de lei: era, acatando as lições que então recebi, que eu lia o relatorio.

Estou persuadido de que se porventura, se tratasse de um projecto, que em vez de dizer respeito á familia real, dissesse respeito, a qualquer outra classe da sociedade, V. ex.ª não me diria que o relatorio não podia ser lido.

Eu tenho assistido silencioso a certos actos aqui praticados, o que me parecem pouco em harmonia com as regras parlamentares; agora V. ex.ª diz-me que não posso ler o relatorio de um projecto de lei! Pois não o leio, o ámanhã discursarei, se V. ex.ª não me disser que o regimento não permitte ler.

É necessario que se saiba que uma observação d'essa ordem é feita por V. ex.ª, presidente da camara dos deputados, a um deputado que usa do seu direito; é bom que se saiba que, quando se trata das questões da realeza, aos deputados se fazem observações taes.

Como procedi hoje, falhando do inventario dos bens da casa real, diante da declaração verdadeiramente espantosa do sr. ministro da fazenda, de que não ha um inventario judicial dos bens da corôa? Com a maxima moderação. Quaes foram as palavras que proferi? Porventura requeri que se me desse a palavra para responder ás palavras do ar. ministro da fazenda? E agora que venho exercer o meu direito, ouço uma observação d'os«a ordem, da parte de V. ex.ª?

Provavelmente esperavam que a dotação da familia real podesse ser votada á ultima hora, e que não dissessemos uma palavra a tal respeito.

Pois hei de discutir a dotação á:í familia real; prometto discutir a dotação da familia real; hei de discutir a dotação da familia real,

Digo-o tres vezes á camara.

Se deu a hora, ámanhã continuarei a fallar.

O sr. Presidente: — A impressão que me fez a leitura que o sr. deputado estava fazendo, foi que a proposta vinha no principio do papel que tinha lido, e que depois da proposta se seguiam varias considerações que constituiam um discurso, e parece-me que fazendo a observação que fiz, o sr. deputado foi pouco justo para com a presidencia, julgando que lhe queria cortar a palavra. (Apoiados.)

O Orador: — Acredito que V. ex.ª praticou o que entendeu que devia praticar; mas o que digo a V. ex a é que, d'esta vez, interpretou mal os seus deveres, segundo o meu modo de entender.

Eu comecei a ler o relatorio de um projecto de lei, o qual está no fim dos considerandos, parto dos quaes a camara ouviu; e como não desejo, depois da observação de V. ex.ª, que se diga que vou para casa forjar um projecto de lei a este respeito, concluo a leitura:

«Embora a instrucção publica seja subsidiada tambem por varias corporações, pelos municipios, e por particulares, não deixam do ser estranháveis os factos que deixo apontados.

«Pondo agora de lado a questão de formas de governo, o considerando a que legalmente existe, não havia eu, n'um projecto do lei apresentado no anno de 1879, do considerar só o alto valor da muito elevada o muito difficil profissão de reinar ou de governar; mas pareceu-me que não podem ser tidas por pequenas as verbas que abaixo veiu descriptas. Se a França dá ao seu presidente 108:000$000 réis como honorario, e 132:000$000 réis para gastos de casa, de representação, e de viagem, não póde parecer mesquinha a dotação de 300:000$000 réis para Sua Magestade El-Rei, sobretudo sendo abonados mais 75:000$000 réis para os outros membros da familia de que El-Rei é chefe.

«Por todas estas considerações, e em faca das urgências do thesouro, que exigem sacrificios a todas as classes, tenha a honra de vos apresentar o seguinte

Projecto do lei «Artigo 1.° A dotação da familia real é a seguinte:

«De Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz............. 300:000$000 réis

«De Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria Pia........... 60:000$000 »

«De Sua Alteza Real o Principe D. Carlos Fernando.......... 10:000$000 »

«De Sua Alteza o Serenissimo Senhor D. Affonso Henriques, Duque do Porto.......... 5:000$000 »

Sessão de 25 de abril de 1879