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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sessão de 18 de agosto, pag. 249, col. 2.ª

O sr. Dias Ferreira (na tribuna): — Hontem tinha eu apontado á assembléa dois factos, ambos significativos de attentados contra a liberdade da urna, no circulo de Arganil, por parte dos delegados do governo. Esses pontos eram: a oppressão causada pela prisão de cabos de policia, retidos na cadeia durante muitas horas e até dias ás ordens da auctoridade administrativa; e os movimentos de tropas, sem motivo nem sequer pretexto plausivel que as podesse explicar. E conclui contando á camara o facto da subtracção do recenseamento feita pelo administrador da Pampilhosa, que, se tivesse tido logar dois ou tres dias antes, teria produzido o resultado infallivel de inutilisar a eleição.

Na occasião em que o administrador do concelho chegava á Pampilhosa, no dia 3 ou 4 de julho, prevalecendo-se da circumstancia de ser o secretario da administração o secretario da commissão do recenseamento, pedia-lhe o recenseamento original, suppondo que ainda não estavam tiradas as copias por onde se havia de fazer a eleição no domingo, e não o restituia senão posteriormente á eleição. Dizem-no as actas e dizem-no os delegados do governo.

Seguindo eu, como v. ex.ª sabe, o inalteravel systema de invocar contra o governo, alem de documentos authenticos, unicamente os officios, e as correspondencias dos seus delegados, invoco ainda n'este ponto os officios do delegado do governo, do substituto do administrador do concelho da Pampilhosa, porque o administrador effectivo feita a eleição, foi-se embora, como já disse.

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O officio do administrador substituto do concelho da Pampilhosa, é o seguinte:

«(Copia) — Administração do concelho de Pampilhosa — N.° 107. — Ill.mo e ex.mo sr. — Para dar cumprimento ao que com urgencia por esse governo civil, em officio sob n.º 106, expedido pela 1.ª repartição, me foi determinado, tenho a dizer a v. ex.ª, que de nenhum copiador d'esta administração consta que fosse requisitado o recenseamento politico original d'este concelho antes ou depois do dia da eleição de deputados a que ultimamente se procedeu. Porém, pelas informações que colhi do escrivão d'esta administração, que é tambem secretario da commissão do recenseamento, e por via de mais pessoas, soube que dias antes da eleição o administrador d'este concelho, o ill.mo dr. Francisco da Mariz Coelho, mandára ir com o dito recenseamento o escrivão d'esta administração a casa do reverendo Antonio Maria de Mello e Napoles, onde elle se achava hospedado, e que depois de elle administrador ter nas mãos o dito recenseamento, dissera para o seu escrivão, que se fosse embora, que elle ficava com o recenseamento para o ler, ao que elle escrivão na melhor boa fé annuiu. Tambem fui informado pelas mesmas pessoas de que o presidente da commissão do recenseamento, para cumprir ordens superiores, mandára, como secretario da commissão do recenseamento, o escrivão d'esta administração a casa do padre Napoles pedir ao administrador do concelho o dito recenceamento, e que o dito administrador lhe declarára, que não só lh'o não entregava a elle, mas que tambem o não deixava ir das suas mãos; em vista d'isto fôra o presidente da commissão do recenseamento em pessoa pedir o dito recenseamento a casa do padre Napoles ao administrador, dizendo lhe n'essa occasião que lh'o entregasse para poder cumprir ordens superiores, ao que elle administrador respondêra que agora só se tratava de eleições, que o não entregava, nem o deixava saír de suas mãos.

«E o que me cumpre responder á primeira parte do dito officio. Á segunda respondo, remettendo a inclusa tabella dos aboletamentos feitos n'este concelho desde 20 de maio a 22 de julho ultimo.

«Deus guarde a v. ex.ª Pampilhosa, 3 de agosto de 1871. — Ill.mo e ex.mo sr. governador civil do districto de Coimbra. = O administrador substituto do concelho, Antonio Carlos Nunes Junior.»

O substituto do administrador do concelho de Pampilhosa declara em officio ao governador civil, que tinha sido subtrahido o recenseamento original pelo administrador effectivo, e que este dissera, sendo-lhe pedido aquelle documento, que o não entregava, porque n'essa occasião só se tratava de eleições! (Apoiadas.)

Foram infelizes em não ter subtrahido o recenseamento um ou dois dias antes, porque então o resultado seria fatal para a opposição. Por isso eu disse hontem que reputava o facto da subtracção do recenseamento altamente escandaloso e criminoso, porque elle só por si podia decidir da eleição (apoiados).

Não eram ainda conhecidas as attribuições da auctoridade publica, que consistem em subtrahir o recenseamento dos eleitores e dos elegiveis nas vesperas de eleição, quando ella presumia que não estavam ainda extrahidos os cadernos para se proceder ao acto eleitoral.

Tomaram por pretexto o reclamar contra as illegalidades do recenseamento, e fizeram um simples auto de investigação sem authenticidade alguma, que vem junto ás actas do processo eleitoral, quando podiam ter feito um exame judicial, para o que tinham juiz ordinario de casa, que foi o proprio protestante, despachado quinze dias antes, pelo sr. Sá Vargas, para fazer as eleições.

Eu conto estes factos para tirar d'elles uma illação geral. Não é d'estes factos isoladamente, que eu hei de deduzir a responsabilidade criminosa do governo nos actos eleitoraes, mas sim de factos claros, positivos e categoricos, de que hei de occupar-me mais tarde.

Entro desde já na apreciação do acontecimento que mais sobresaltou a opinião publica, e que mais impressão tem feito na assembléa e no paiz, que foi a prisão arbitraria de um cidadão, que o delegado do governo legitima, escudado nas disposições da circular da 19 de julho de 1845.

Um cidadão, que é empregado publico em Coimbra, pediu licença ao seu chefe para ir trabalhar nas eleições de Arganil, fóra do logar onde exercia jurisdicção, onda era um mero particular. Um empregado n'um districto, que vae a outro districto, onde não exerce funcções publicas da especie alguma, trabalhar em eleições, apresenta-se ahi como mero particular. Este cidadão chegou á sua casa ás dez horas da manhã, e começava a descansar das fadigas da jornada, quando duas horas depois lhe entrou em casa uma força de infanteria que o vinha prender.

Estes factos são tão graves que é preciso ler os documentos que os comprovam. Parece que phantasia quem diz n'uma assembléa politica, no anno de 1871, vinte e seis annos depois de 1845, que um cidadão pacifico, que estava descansado em sua casa, que um cavalheiro, que é bacharel formado, e muito estimado na sua localidade, quando menos o esperava, é surprehendido por uma força de infanteria, e conduzido ás enxovias de Arganil, em nome da circular de 19 de julho de 1845. Isto não se acredita sob palavra, é necessario ler os documentos comprovativos (apoiados).

O officio do administrador do concelho, ordenando ao regedor a prisão, é o seguinte:

«(Copia.) — Administração do concelho de Arganil. — Sirva-se v. s.ª capturar immediatamente Antonio Ferreira de Abreu Pinto, fiscal dos tabacos em Coimbra, e hontem chegado a essa freguezia, não o deixando fallar com pessoa alguma depois de preso, e remette-lo com toda a segurança ás cadeias de Arganil, para o que ponho á disposição de v. s.ª seis soldados e um cabo da diligencia, que correrá debaixo da responsabilidade de v. s.ª

«Deus guarde a V. s.ª Coja, 7 de julho da 1871. — Ill.mo sr. regedor da freguezia de Pomares. = O administrador ao concelho, Manuel da Cruz Aguiar.»

O ar. Barros e Cunha: — A circular é de 1845?

O Orador: — Sim, senhor; mas os factos são passados em 1871. O officio que acabo da ler é de 7 de julho de 1871.

Em 27 de julho ainda declarava o sr. presidente do conselho na camara alta, que a maior parte d'estes factos eram inexactos; que era menos verdadeiro o que a imprensa a este respeito dizia, e que se estava procedendo a uma syndicancia, da qual dependia a averiguação dos factos!

O sr. presidente do conselho ainda em 27 de julho não tinha conhecimento de factos, que se acham comprovados pelos documentos que estavam na sua secretaria desde 13 de julho, pelo menos!

Mas o signatario da circular de 1845 ainda tinha um grande merecimento, que não póde negar-se-lhe. Tinha ao menos o merecimento da coragem, e da responsabilidade dos seus actos. Não se escondia atrás dos seus delegados, nem dos seus telegrammas (apoiados).

Ordenava positivamente aos seus delegados, que prendassem os anarchistas, como elle os considerava; e tomava a responsabilidade dos seus actos perante a representação nacional, e responsabilidade a mais grave que se podia ter parante o paiz (apoiados).

Mas em 1871 o mais inaudito de tudo são os meios com que o governo procurou justificar este acto inconstitucional, altamente anarchico e attentatorio das liberdades individuaes (apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

São curiosos, os officios dos dois regedores que servem de justificar esta prisão.

O regedor da Cerdeira dizia o seguinte:

«(Copia de copia.) — Ill.mo sr — Tenho a honra de participar a v. s.ª que hontem pelas nove horas da noite, quando recolhia do trabalho, ao pé da capella de Santo Amaro,

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ouvi que tres homens que não conheci, e que me pareceram suspeitos, estavam fallando em votos, e um d'elle disse: «Não tenhas medo de perder a eleição, porque Antonio Pinto, de Pomares, vem ámanhã, e em Villa Cova faz o diabo, e lá faz conta comnosco»; tenho a honra de dizer a v. s.ª que me consta que os Brandões têem andado na Bem-feita, e têem fallado muitas vezes com um José de Matos Vicente, que pede votos para Veiga; e disseram-me tambem que os culpados pediam votos com o tal Matos na Serra para o Veiga; digo isto a v. ex.ª para seu governo, e julgo conveniente virem soldados para prender quem for suspeito, e até o Veiga e Matos Vicente, para sustentar a ordem publica. — Deus guarde a v. s.ª — Ill.mo sr. administrador do concelho de Arganil. = O regedor da Cerdeira, José Alves da Eufemia. — Cerdeira, 5 de julho de 1871.»

O officio do regedor da Bemfeita, dizia o seguinte:

«(Copia.) — Ill.mo sr. — Tenho a honra de levar ao conhecimento de v. s.ª que me consta que parte ou toda a quadrilha de Midões tem estado ha poucos dias em differentes povoações d'esta freguezia, onde tem conferenciado com um celebre José de Matos Vicente, homem de má nota, que até arranjou cavalgadura a um dos quadrilheiros para fazer uma jornada.

«Hontem pelas dez horas da noite, pouco mais ou menos, quando recolhia a minha casa observei que dois vultos corriam apressadamente em direcção ao areal da Ribeira, o que me levou a crer, que era gente suspeita, sentindo até o tinir das armas, tendo eu de fugir com receio de ser assassinado.

«Devo mais levar ao conhecimento de v. s.ª que o tal José de Matos Vicente é muito amigo de Francisco Antonio Maria da Veiga, que differentes vezes tem vindo a esta terra conversar com elle, prestando-lhe os seus cavallos para pedir votos, e que só trabalha ás ordens do Veiga. Para conservar pois o socego publico, que póde ser alterado, antes ou no dia da eleição, é conveniente que v. s.ª me mande a força armada que julgar conveniente, a fim de, em harmonia com as medidas preventivas que devo tomar, prender estes homens e outros que pretendam alterar o socego publico.

«Deus guarde a v. s.ª — Ill.mo sr. administrador do concelho de Arganil. — Bemfeita, 6 de julho de 1871. = O regedor, José Correia da Costa.»

Tenho pena de cansar a attenção da camara com a leitura de documentos...

Vozes: — Não cansa.

O Orador: — Mas desde que eu declarei que não queria outras armas senão as que encontrasse no arsenal do governo, hei de valer-me dos documentos officiaes, de cuja authenticidade não póde duvidar-se, e prevalecer-me sobretudo dos officios dos delegados do governo.

Talvez me escute alguem, que fosse victima, ou que pelo menos tenha noticia do modo como em 1828 se faziam as participações, que serviam de base aos processos contra os liberaes. Pois estas podem servir de modelo para as participações dos dois regedores, ou as participações dos regedores de modelo para aquellas. Mas eu não quero a restauração d'essa epocha nefasta, nem para Arganil, nem para circulo algum do paiz (apoiados).

Por prevenção mandou-se prender um cidadão inerme. A base dos officios era prevenir, mas prevenir contra a liberdade da urna (apoiados). Prendia-se um cidadão com receio de que elle fizesse disturbios no acto eleitoral.

Pois note a camara, e póde averiguar pelos processos eleitoraes que estão archivados na secretaria d'esta casa, que o cidadão Antonio Ferreira de Abreu Pinto interveiu em todas as eleições, que tem havido no circulo de Arganil desde 1860, que são nove ou dez, que está descarregado nas actas de todas aquellas eleições, e que não ha noticia d'elle ter feito uma unica desordem, nem de ter alterado o socego publico!

Agora que, como empregado publico, tinha necessidade de ter genio mais brando e mais quieto, agora que eram passados mais dez ou onze annos, por isso que elle devia estar mais quebrado no seu genio, e que tinham affluido, segundo a declaração das auctoridades do governo, numerosas forças militares ao concelho de Arganil, é que se julgou conveniente prender um cidadão inoffensivo, inerme, e que estava em sua casa com licença do seu superior (apoiados).

Em seguida á soltura do preso mandou-se proceder á syndicancia sobre este facto.

Sabe v. ex.ª a primeira cousa sobre que eram inquiridas as testemunhas da syndicancia, o ponto altamente duvidoso sobre que eram ouvidas, o artigo importante sobre que havia graves duvidas e apprehensôes? Era sobre o facto da prisão d'aquelle cidadão! Nem a uma só das testemunhas da syndicancia, que foram inquiridas, deixou de se perguntar se aquelle cidadão tinha sido preso, e a rasão por que o tinha sido.

Era uma questão de alta gravidade (apoiados).

É tambem curioso o resto da syndicancia. Depõem as testemunhas quasi unanimemente que aquelle cidadão é dotado de genio irascivel e capaz de se apaixonar nas lutas eleitoraes (riso). Ora, se querem estabelecer, como regra, que todo o individuo que tem um genio irascivel, que é capaz do se apaixonar nas lutas eleitoraes ou parlamentares, isto é, em quaesquer lutas politicas, deve ser capturado para indagações, então a rede ha de comprehender muita gente (apoiados).

Esta regra ha de comprehender todos os que estiverem nas mesmas circumstancias. Não ha de applicar-se só a Arganil.

Se nós aceitamos a jurisprudencia de que toda a gente, que tem genio irascivel e que é capaz de se apaixonar nas lutas politicas, deve ser presa e retida para indagações, é necessario applica-la a todos os individuos, n'estas circumstancias, em todos os circulos.

Pois será possivel que este homem, que era mais novo quando se procedeu ás eleições anteriores, nunca fizesse desordem nem alterasse o socego publico, e que agora depois de ter mais idade é que a sua irascibilidade se desenvolvesse a ponto de inspirar receio ás auctoridades?

Pois comprehende alguem que com os annos a irascibilidade, em logar de diminuir, se desenvolva, augmente e fortifique? Pois porventura ha facto de experiencia, ha exemplos que convençam, de que o individuo de genio irascivel, com o andar dos annos, com o correr do tempo, com uma larga experiencia, e com o habito dos trabalhos politicos, longe de esmorecer nos seus ardores de ira, haja de vir apresentar com a idade mais symptomas de colera e de ira?

Uma voz: — Ha exemplos.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — O sr. presidente do conselho.

O Orador: — Eu desejo que a lei seja igual para todos; se um cidadão tem de ser preso para indagações, porque tem um genio irascivel, porque se apaixona nas lutas politicas, para que a lei seja igual para todos é preciso que sejam capturados todos aquelles que costumam apaixonar-se nas lulas da politica. É um partido igual, e ficaremos obrigados a manter nas lutas eleitoraes ou nas assembléas parlamentares a serenidade, e a placidez de animo de que não encontraremos exemplo em paiz algum. Nos outros paizes tambem ha paixões, ha irascibilidade, o que não ha são as prisões dos eleitores por serem irasciveis, ficando os delegados do governo, ou o governo, muito socegado nas suas cadeiras, sem, ao menos mandar soltar os colericos, adoecendo elle aliás da mesma molestia (riso).

Por que foi este homem preso?

Diz o delegado do governo ao ministro do reino:

«(Copia.) — Governo civil de Coimbra — N.° 58 — Á direcção geral da administração politica e civil — 3.ª repartição. — Ill.mo e ex.mo sr. — A opposição tem propalado boatos os mais absurdos a respeito da eleição de Arganil, in-

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ventando desordens o tumultos, que ninguem viu, pois que nem ao menos houve nas assembléas eleitoraes uma leve altercação, que, exagerada pela paixão partidaria, podesse passar ao longe por uma desordem ou tumulto. Esta é a verdade attestada por toda a gente imparcial.

«É porém certo que o administrador do concelho de Arganil receiou muito que a ordem publica fosse alterada na assembléa, desde que teve noticia de terem apparecido homens armados em differentes freguezias; e tendo-lhe participado dois regedores que tinha ido d'esta cidade o fiscal dos tabacos Antonio Pinto, para, auxiliado com a quadrilha dos Brandões de Midões, alterar a ordem publica, ordenou o mesmo administrador a captura do referido Antonio Pinto, que teve logar no dia 7 do corrente, como tudo consta dos officios que, sob o n.º 1, passo ás mãos de v. ex.ª, e fe-lo conduzir á minha presença no dia 10.

«Podiam dar-se circumstancias em que o administrador do concelho devesse proceder d'este modo, auctorisado pelos artigos 249.° n.º 18, e 258.° do codigo administrativo, e portaria circular de 19 de julho de 1845; mas devia dar-me conta immediatamente do facto e dos motivos d'elle, o que não fez, e por este motivo, e para proceder por um magistrado estranho á indagação»

Por não dar conta do facto é que foi suspenso o administrador do concelho. Não foi suspenso pela prisão arbitraria, foi por não dar conta da prisão.

V. ex.ªs hão de achar curiosa a portaria circular de 19 de julho de 1845. Mas hão de ver que eu tinha rasão quando dizia que me contentava que a eleição de Arganil tivesse sido feita nos termos d'aquella portaria. Para meu socego bastava-me que ella tivesse sido fielmente cumprida.

Se o governo tivesse feito áquelles povos ao menos a graça de mandar preceder á eleição nos termos da portaria de 19 de julho de 1845, eu, apesar de reprovar a doutrina da portaria, a ponto de ser um dos pontos da minha proposta, teria circumscripto as minhas observações sobre o assumpto, e talvez não tivesse accusado o governo por este motivo. Mas nem a portaria se cumpriu. Eu vou fazer a leitura d'ella á camara, porque é bom ir registando estes factos para não esquecermos os tempos calamitosos, em que aliás nos documentos publicos se respeitava mais a liberdade eleitoral do que hoje.

(Apoiado de um sr. deputado.)

O illustre deputado diz apoiado, porque s. ex.ª é o unico magistrado que em 1871 citou a portaria circular de 19 de julho de 1845.

Não tenho noticia de nenhum attentado de tal ordem desde 1851 a esta parte.

Quem quer voltar para 1845 cita a portaria. Tem a coragem de a citar como fez o illustre deputado (apoiados).

Eram porém escusados os officios dos regedores, que eu logo mostrarei o que são, e que apenas significam o meio de querer fugir á responsabilidade de actos attentatorios da liberdade do suffragio.

Ao menos tenham a coragem dos seus actos. Não se escondam atraz dos regedores (apoiados).

A portaria é redigida nos seguintes termos:

«Constando a Sua Magestade a Rainha, por differentes participações officiaes, e por informações fidedignas, que os anarchistas sob o pretexto de promoverem as proximas eleições para deputados da nação em favor da opposição contra o actual governo, têem apparecido em varias povoações, e praticado assuadas e motins, em despeito das leis policiaes e de segurança; e bem assim que elles premeditam repetir nas mesmas e n'outras terras as suas correrias, indo reunidos em grupos a pé ou a cavallo: mas sendo certo que o seu verdadeiro fim é o de incutirem terror e receio nos habitantes probos e amigos das instituições vigentes, e ver se por este modo alcançam algum resultado, mais proficuo para a mesma opposição, já que o não podem conseguir por meios licitos; e attendendo a mesma Augusta Senhora, por um lado, a que estes sediciosos manejos tolhem o pleno exercicio dos direitos politicos dos cidadãos, o qual deve ser inteiramente livre de quaesquer embaraços que intorpeçam a acção das leis que o regulam; e por outro, considerando que similhantes manejos são sobremaneira attentatorios da tranquillidade e segurança geral dos povos, por isso que tendem a desvaira los, corrompe-los, e arrasta-los para o crime, por meio de vociferações, de improvisadas calumnias, e de convicios, com que pretendem desacreditar o governo e todos os seus actos, assim como as auctoridades constituidas, para as despojar da força moral, de que devem estar revestidas; e querendo tambem Sua Magestade obviar promptamente as consequencias funestas que podem provir de tão desordenado, como subversivo procedimento, mantendo-se em toda a parte a melhor ordem e o maior socego para que assim possam os cidadãos gosar em todas as occasiões, e com especialidade n'esta, da segurança e protecção que lhes é devida para que sem o minimo receio de incommodo, ou perigo usem do direito de votação que lhes competir: manda, pela secretaria, d'estado dos negocios do reino, que o governador civil do districto de Aveiro expeça, sem perda alguma de tempo, as mais explicitas e positivas ordens a todas as auctoridades da sua dependencia, recommendando-lhes o seguinte:

«1.° Que se por ventura se apresentarem nos seus respectivos concelhos ou parochias alguns grupos de individuos a pé ou a cavallo incitando por qualquer fórma a desordem e anarchia, ou praticando assuadas e motins, passem immediatamente a captura-los, seja qual for a sua jerarchia ou condição, fazendo-os autuar, como amotinadores, para todos os effeitos da lei.

«2.° Que dando-se o caso de evasão de algum ou alguns dos amotinadores para jurisdicção alheia do concelho em que commetterem o delicto, deverá o administrador d'esse concelho, ou o regedor da respectiva parochia por commissão sua, requerer desde logo a captura dos profugos em continuação do flagrante, á auctoridade do concelho ou da parochia a que se houverem acolhido, para os mesmos effeitos da lei.

«E 3.° Que os presos que pelos referidos motivos forem recolhidos na cadeia do concelho, sejam transferidos para a da capital do districto, ou d'esta para as de Lisboa ou Porto, como melhor convier á segurança publica.

«Sua Magestade, pois, declarando immediatamente responsavel o sobredito governador civil pela pontual execução d'esta real ordem, na parte que lhe compete, quer que elle faça igualmente responsaveis as auctoridades suas subordinadas pela sua observancia, na certeza de que empregará com todas ellas as mais severas demonstrações do seu desagrado, se se houverem com omissão ou negligencia, e se não desenvolverem aquella energia e actividade que demanda a presente conjunctura, durante a qual a segurança e tranquillidade dos povos, e a ordem publica devem ser mantidas com o maior rigor: cumprindo que o mesmo governador civil não só dê conta por este ministerio, em todos os correios, do que lhe for constando sobre tão importante objecto, ou por expresso quando seja necessario, como do que a respeito d'elle obrar.

«Palacio de Cintra, em 19 de julho de 1845. = José Bernardo da Silva Cabral.

«Identicas se expediram para todos os governadores civis do continente do reino e ilhas.»

Os ministros n'esse tempo não se regulavam só pelas participações da auctoridade administrativa. Não procediam como o sr. presidente do conselho, que só sabe as cousas pelas informações do governador civil do districto. N'aquella epocha os ministros regulavam-se não só por differentes participações officiaes, mas tambem por outras informações fidedignas.

Este memoravel documento denominava anarchistas os homens politicos que fizeram depois a revolução de 1846.

Na opinião d'aquelle gabinete eram anarchistas os que combatiam os actos de violencia e de despotismo do poder,

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e que pugnavam pelos principios liberaes, e pela independencia do suffragio. Porém eu hei de mostrar que as violencias, feitas pelo governo em Arganil, excederam muito as que a citada portaria auctorisava. A portaria não auctorisava a prisão arbitraria de um cidadão pacifico, que não fazia motins, nem assuadas.

Ora o cidadão que foi preso n'aquelle concelho tinha chegado a sua casa, havia poucas horas; estava a descansar: não tinha feito assuadas, nem motins, e por isso não estava comprehendido nas disposições da portaria circular de 19 de julho de 1845.

A violencia, que se lhe fez em 1871, não se lhe teria feito em 1845, respeitando-se a portaria.

Este cidadão não estava reunido em grupos, estava só; não estava a pé, nem a cavallo, estava na cama (riso). Não estava pois comprehendido nos termos da portaria circular de 19 de julho de 1845.

Repito, o preso politico estava na cama, tinha a sua familia em Coimbra, não andava a pé nem a cavallo, não fazia assuadas nem motins, e por isso não tinha caído na sancção da portaria de 19 de julho de 1845 (apoiados).

Se as auctoridades o têem deixado saír de casa, e lhe preparam depois motins ou assuadas, e o prendem a pretexto de ter sido elle o auctor d'aquelles factos, ainda se conservavam fieis ao systema liberal de 1845. Mas quizeram ir mais longe. Envergonhavam se, se não fizessem em 1871 mais violencias do que as auctorisadas pelas instrucções dos ministros, que presidiram á eleição de 3 de agosto de 1845. O prisioneiro politico não tinha ainda desacreditado o governo, como era preciso tambem para, nos termos da portaria, se proceder contra elle; pelo contrario estava a descansar. Os taes anarchistas de 1845 ao menos eram accusados de dizerem mal do governo, de serem inimigos das instituições vigentes, e de serem maus cidadãos; e ainda assim não podiam ser presos senão se apresentavam em grupos a pé ou a cavallo, e fazendo motins ou assuada.

Ora, o cidadão Antonio Ferreira de Abreu Pinto não estava a pé nem a cavallo, estava deitado, não fazia parte de grupo algum, achava-se só em sua casa. Portanto é triste, é desairoso que se invoque a circular de 19 de julho de 1845 para cobrir responsabilidades por factos, que são muito mais graves do que os praticados pelas auctoridades, que governavam na epocha em que ella foi publicada.

A portaria circular de 19 de julho de 1845 tambem não mandava entregar os presos ao poder judicial; em 1845 tambem havia horror ao poder judicial.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eram anarchistas.

O Orador: — Nem se marcava o tempo que os presos politicos haviam de estar na cadeia á disposição das auctoridades administrativas. Ordenava-se que elles fossem logo conduzidos para a capital do districto, como succedeu com este.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — N'essa parte foi cumprida a portaria.

O Orador: — N'esta parte foi cumprida a portaria, mas só n'esta parte. No resto foi completamente violada, mas para peior.

E o sr. ministro da reino não reprovou o procedimento do seu delegado, que para justificar a infracção das liberdades vinha desenterrar em 1871 a celebre portaria de 1845 (apoiados). O officio em que o delegado do governo approva, e faz sua a jurisprudencia consignada na circular de 19 de julho de 1845, foi expedido para Lisboa em 21 de julho proximo passado. O sr. ministro do reino tinha obrigação, se não queria responder por estas doutrinas, se queria lavar as mãos de tamanha responsabilidade, de immediatamente estranhar, em termos os mais energicos e os mais severos, o acto inconstitucional e anti-liberal do seu delegado (apoiados).

Não é licito a um homem, que se preza de liberal, que o tem sido durante a sua vida publica, do que eu sou o primeiro a dar testemunho, consentir uma hora sequer um documento d'esta ordem na sua secretaria, sem protestar contra elle, da maneira a mais solemne (apoiados). Este documento apresentado e conservado sem protesto nas secretarias d'estado, depois de publicadas as leis de 30 de setembro de 1852 e de 23 de novembro de 1859, que estabelecem as mais solidas garantias para a liberdade do voto, este documento, repito, é uma affronta aos liberaes, que com as armas na mão em 1846 arriscaram a pessoa e os bens, para protestarem contra a oppressão e contra a escravidão (apoiados). É uma affronta contra os verdadeiros progressistas (apoiados). E o governo, se não queria ter a responsabilidade d'este acto, devia protestar immediatamente, em termos os mais severos e os mais decisivos, contra a doutrina contida n'aquelle documento (apoiados). A responsabilidade é do governo; o delegado do governo não o vejo; o delegado do governo deu conhecimento ao seu ministro da jurisprudencia eleitoral e administrativa, que tinha seguido, o ministro recebeu o documento; trouxe-o á camara, coagido a isso depois de graves difficuldades e de incessantes reclamações; mas não teve uma palavra que pronunciasse immediatamente, censurando em termos severos e energicos o procedimento, e a jurisprudencia seguida pelas suas auctoridades!! (Apoiados.)

Até nos arranjos e nas estrategias empregadas para pedirem a força para Arganil foram infelicissimos os agentes do governo, como infelizes tambem foram no manejo com que pretenderam inculcar a vinda da quadrilha dos Brandões á freguezia de Bemfeita!! Em primeiro logar é necessario saber o que se entende pela quadrilha dos Brandões, e se é alguma sociedade anonyma, que anda por esse mundo, sem regras nem estatutos; ou se a quadrilha, segundo o parecer dos delegados do governo abrange unicamente os socios de João Brandão, com elle pronunciados na morte do padre Portugal.

Se se referem aos indiciados n'aquelle assassinato, como parece, porque não aproveitaram esta occasião para os capturar? Pois uma vez que tinham uma força publica imponente ao seu dispor porque não prenderam aquelles culpados?! (Apoiados.) Era um serviço que faziam á sociedade, e infamavam tambem assim a opposição que é o seu pensamento?! (Apoiados.) Pois é o proprio administrador do concelho de Arganil, que declara que os não quiz prender! Assegura que os não quiz prender, e que os quiz apenas afugentar! Veja v. ex.ª e a camara até onde chegava a honestidade d'aquelle delegado do governo. Tinha uma excellente occasião para capturar aquelles criminosos, e não quiz aproveita-la. São tres os que andam fugidos, por se acharem indiciados no assassinio do padre Portugal, e que n'esta occasião podiam ser presos. Fazia-se assim um serviço á sociedade: o administrador do concelho cumpria o seu dever, e infamava a opposição no circulo de Arganil (apoiados). Quer v. ex.ª ver o que diz a este respeito o administrador do concelho?!

Vou ler uma carta que elle escreveu depois da eleição ao orgão official da administração do concelho de Arganil, o Trovão da Beira n.º 23, de 22 de julho, que diz o seguinte:

«Mas dir-se-ha: conseguiu-se o fim, mas o meio foi arbitrario.

«Tambem não foi. No dia 6 do corrente foi-me participado que Antonio Pinto Ferreira ía a Villa Cova de Sub-Avô e que ali seria alterada a ordem no acto eleitoral, contando elle para tal fim com o apoio dos Brandões. Effectivamente eu sabia que o Matos de Villa Chan tinha entrado no concelho de Arganil pela ponte de Cartamilho na vespera do mercado da Pampilhosa do mez de junho, em virtude do que saí de Arganil com o destacamento ali estacionado e fui pôr dois cercos de noite, sem esperança de não conseguir mais do que dar animo aos povos e afugentar os assassinos.»

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Pois são tres os assassinos, estão numerosas forças em Arganil, era facilimo prender aquelles malfeitores, e vae a auctoridade por-lhe um cerco para os afugentar?! (Apoiados.) Estes expedientes e alvitres são transparentes. Não lhes dou o nome que merecem. Toda esta farça saíu mal, porque teve de ser arranjada muito posteriormente. A principio tinha-se phantasiado outro meio para cohonestar a prisão de Antonio Pinto; e, pelas illações que podem tirar-se de alguns documentos, eu direi a v. ex.ª qual era esse plano primitivo que, depois de posto em execução, foi abandonado pelos seus auctores.

Mas as contradicções entre as differentes auctoridades são deploraveis! Aos regedores, por exemplo, constava que tinham ido Brandões á freguezia da Bemfeita; mas o administrador do concelho de Arganil não tinha noticia alguma d'isso, o que elle tinha eram suspeitas de que elles lá podessem ir.

Senão vejamos o mais que diz o administrador do concelho na sua já referida carta:

«No estado de exaltação dos espiritos no concelho de Arganil a presença do sr. Pinto era uma ameaça constante á ordem. Estamos convencidos de que ao sr. Pinto fizemos um grande favor capturando-o, e á ordem publica um grande serviço.

«Mas seriam as nossas suspeitas a respeito de Brandões um sonho, e por consequencia a prisão de Antonio Pinto Ferreira uma loucura?

«Afianço que, apesar da captura do Pinto, ainda assim appareceu, na assembléa de Villa Cova de Sub-Avô, Roque Brandão e outros honrados!!

«E dizem que o administrador do concelho de Arganil commetteu uma arbitrariedade!!!

«O paiz, tendo em consideração o que deixo exposto, e que é melhor prevenir do que castigar, aphorismo que eu segui, que julgue.

«Coimbra, 19 de julho de 1871. = O administrador do concelho de Arganil, Manuel da Cruz Aguiar.»

Eu quero desmascarar todo este trama; e felizmente tenho meios de destruir com documentos authenticos as affimativas dos delegados do governo.

Tenho documentos authenticos para desfazer todas estas insinuações, que são tanto mais criminosas, quanto que não assentam em um só documento, n'um só auto nem sequer n'um só depoimento testemunhal. A propria syndicancia, de que o governo esperava tirar partido, o condemna.

A prisão pelo crime de homicidio dos tres socios de João Brandão noassassinato do padre Portugal tem sido materia de especulação para alguns administradores de concelho, que se servem d'este pretexto para trazerem a tropa em movimento, atterrando o vexando as povoações, e indo dar buscas ás casas dos cidadãos, de quem querem vingar-se.

A prisão d'aquelles culpados ha de fazer-se por surpreza e por uma policia bem combinada, como se tem feito a captura de outros O apparato da força armada só por si é improficuo.

Mas v. ex.ª vae ver como a syndicancia veiu transtornar completamente o plano, formado pelas auctoridades, de pretextarem a prisão de Antonio Pinto, com receio de Brandões.

Entre as testemunhas inquiridas na syndicancia figura o cidadão Alexandre Cupertino de Abreu Castello Branco, cavalheiro respeitavel da localidade, cunhado do secretario geral do governo civil de Coimbra, e que portanto não póde ser suspeito.

Tão insuspeito é que a respeito do administrador do concelho de Arganil não depõe como testemunha; faz antes um arrasoado a favor d'elle como advogado.

Vou ler a v. ex.ª o depoimento d'este cavalheiro, que de mais foi o presidente da assembléa de Villa Cova:

«Alexandre de Cupertino Castello Branco, bacharel em direito, casado, de quarenta e um annos de idade, proprietario, morador em Villa Cova, testemunha intimada, jurou aos Santos Evangelhos dizer a verdade, e a costumes disse nada. E sendo perguntado ácerca dos factos a que se refere o presente auto, que lhe foi lido, redigindo o seu depoimento disse que sabe que o dr. Manuel da Cruz Aguiar, administrador d'este concelho, que prendêra Antonio Pinto, de Pomares, ou mandára prender na antevespera da ultima eleição para deputados, porém que elle depoente não póde classificar este procedimento como abuso de auctoridade ou excesso de poder ou mesmo violencia, porquanto no estado de excitação a que tinham chegado os dois partidos combatentes neste concelho, o dito procedimento poderia ser justificado e até necessario como medida preventiva para evitar talvez até crimes que o choque dos interesses partidarios no estado descripto podia provocar. Disse mais elle depoente que se não admirava da impressão de estranheza que tal prisão fez, porque é certo que todas as medidas preventivas são por sua natureza tendentes a atacar a liberdade; mas que o defeito não está na auctoridade, mas sim na lei, que incumbe aquella a obrigação de usar de todos os meios ao seu alcance para prevenir quaesquer crimes, e que no caso em questão havia da parte do dito administrador do concelho o conhecimento que tinha do genio irascivel do dito Antonio Pinto, que sendo empregado fiscal em Coimbra tinha vindo a esta localidade, na occasião da maior excitação politica, e quem sabe, talvez, se por exigencia dos seus amigos, que, reconhecendo-lhe a qualidade de summamente irascivel, se quizeram aproveitar d'aquella sua propensão para promover desordens, d'onde podesse haver lucro politico.

«Disse mais que sabia, pelo ter ouvido dizer, que o dito administrador, dr. Manuel da Cruz Aguiar, prendêra o official do juizo de direito d'esta comarca, Antonio Martins e Paiva, na occasião em que este acabava de prender José Alves da Eufemia, regedor da freguezia da Cerdeira, pronunciado n'este juizo pelo crime de falso denunciante, mas que ouvíra dizer tambem que o dito administrador entendêra ser do seu dever prender o dito official Martins, por o julgar em flagrante delicto, prendendo um individuo que, na qualidade de empregado administrativo, tinha dado as participações, causa da pronuncia, para o que se não tinha obtido a previa licença do governo, e sem o que se não podia ir alem da pronuncia. Disse mais, quanto á ultima parte do auto, que é certo elle depoente ter presenciado que o dito administrador se achava com as suas relações particulares interrompidas pelo que diz respeito ao juiz de direito, delegado e um dos escrivães do juizo, é que elle proprio administrador dissera a elle depoente que assim o fizera, porque estava convencido que todos aquelles tinham procedido mal e fóra da legalidade nos processos que, por participações de dito José Alves da Eufemia o outros se tinha levantado n'este juizo, estando elle administrador persuadido que a intenção do dito pessoal do juizo era desconsiderar a elle administrador para tirar força ao partido governamental.

«Pelo que diz respeito ás relações officiaes com o agente do ministerio publico, nada sabia para poder dizer se se achavam ou não interrompidas. E sendo perguntado por elle administrador syndicante se na assembléa de Villa Cova apparecêra alguem das relações de João Brandão e seus companheiros, disse que ouvíra dizer que em Villa Cova estivera Roque Brandão, no dia da eleição, 9 do corrente, mas que fóra ali chamado pela mesa da misericordia de Villa Cova para renovar uma escriptura de divida á mesma misericordia; porém que não vira este individuo na assembléa, mas que víra na assembléa Frederico, do Fundão, e que este individuo até jantára em casa do depoente a seu offerecimento, individuo este que, sendo um dos mais intimos amigos de Antonio Ferreira Pinto, elle depoente está persuadido que fôra ali para representar o amigo no seu impedimento; e disse mais que sempre tinha ouvido dizer que, tanto Antonio Pinto, como o dito Frederico, tinham relações intimas com os Brandões. Disse mais,

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sendo perguntado, que está convencido de que a prisão de Antonio Pinto em nada influiu no resultado da eleição, porquanto o dito Antonio Pinto teve amigos dedicados que o representaram, tanto nos trabalhos eleitoraes anteriores ao dia da eleição, como em assistencia ao acto eleitoral, o que o administrador syndicado não devia ignorar, como elle depoente suppõe. E sendo perguutado disse mais, que na assembléa de Villa Cova, onde elle depoente presidiu, não houve a mais pequena alteração da ordem publica, e que todos os eleitores gosaram plenamente dos seus direitos politicos. E sendo-lhe lido o depoimento, e achando o conforme, o ratificou, e assigna elle administrador com a testemunha e commigo Antonio Ferreira Gomes, que o escrevi. = Alipio de Oliveira de Sousa Leitão = Alexandre de Cupertino Castello Branco.»

Do conteudo do depoimento vê se claramente que é insuspeito para o governo este testemunho.

Ora o que diz a testemunha? Que Roque Brandão fôra no dia da eleição a Villa Cova chamado pela misericordia d'aquella terra para renovar uma escriptura de divida!

E eu tenho aqui um telegramma em que se diz que este cavalheiro, a julgar pelo ultimo orçamento, é o provedor da misericordia; e é elle mesmo quem depõe que Roque Brandão ali fôra chamado para renovar uma escriptura de divida! O telegramma diz assim:

«(Copia) — Telegraphia electrica. — Côrtes. De Coimbra. — 17-473. Em 16 á 1 hora da tarde. — Conselheiro José Dias Ferreira, na camara dos deputados. — Lisboa. —Segundo o ultimo orçamento é Alexandre Cupertino.»

Não tive tempo de mandar tirar uma certidão authentica para justificar legalmente este facto. Tenho apenas este telegramma, onde se declara que a testemunha é o provedor da misericordia de Villa Cova, segundo o ultimo orçamento.

Não se empregam estes meios contra ninguem. Os homens que se prezam não podem lançar mão de similhantes expedientes. Sobre tudo não os empregam homens collocados em posição official, que devem ser os primeiros a dar exemplo de moralidade e de justiça á sociedade (apoiados).

Felizmente que para destruir as asseverações dos delegados do governo, tenho eu documentos authenticos, e testemunhas insuspeitas. Nem uma só affirmativa dos delegados do governo ha de passar sem ser desmascarada.

Mas acrescenta-se que foram á eleição a Villa Cova uns maus homens amigos do cidadão Antonio Pinto, e mencionando-se entre estes um Frederico do Fundão. Pois até esta asseveração é desmentida pela testemunha Alexandre Cupertino, que convidou aquello cavalheiro a ir jantar a sua casa.

Se aquelle cidadão fosse mau convida-lo-ía por ventura a testemunha Alexandre Cupertino a jantar em sua casa?

Constando por um officio do delegado do governo que a gente boa do concelho de Arganil é só a que acompanhava a auctoridade, é claro que um homem de bem não convidaria pessoa de má reputação a jantar em sua casa! (Apoiados).

Porém, um dos maiores argumentos com que se pretende justificar a prisão do cidadão Antonio Pinto, é por elle ser ou ter sido amigo de João Brandão.

É preciso liquidar bem este negocio para ficarmos sabendo o valor social que tem a circumstancia de qualquer individuo ter, ou ter tido, relações com um condemnado. Eu já n'esta casa censurei o facto de ter sido nomeado substituto do juiz de direito de Arganil o cidadão Antonio Pinto na occasião em que os Brandões se achavam pronunciados n'aquelle juizo pelo crime de morte do ferreiro da Varzea. N'aquella occasião, segundo as minhas informações, era o cidadão Antonio Pinto amigo d'aquelle criminoso. Não sei se ainda o é, nem me importa isso; nem aquelle cavalheiro desmereceu no meu conceito, se agora, na epocha da adversidade e das tribulações, tiver com o condemnado as mesmas relações que linha na epocha de prosperidade. O que quero dizer é que se aquelle cavalheiro pelo facto de ser, ou de ter sido, amigo de João Brandão, tem alguma inter-dicção para os negocios publicos, é preciso que ella se applique a todos os que estão nas mesmas circumstancias, e que haja igualdade para todos (apoiados).

O que eu posso assegurar a v. ex.ª é que muito depois de João Brandão ser considerado como malfeitor, e mesmo depois do assassinato de Nicolau Baptista, juiz de direito de Midões, gosava elle de uma importancia que custava a conhecer n'aquella localidade quem eram os seus inimigos. Frequentei a escola de latim em Arganil desde os nove aos treze annos, e lembro me de que n'essa epocha, em que aquelle condemnado era já accusado de grandes crimes, não havia demonstrações de consideração que se lhe não dessem.

A mim e aos meus condiscipulos era nos agradavel a vinda d'elle áquella terra, porque tinhamos sempre feriado; e v. ex.ª e todos nós sabemos que aos estudantes, ou de primeiras letras, ou de instrucção secundaria, ou mesmo de estudos superiores, um feriado é o maior mimo que se lhes póde dar (riso).

Mas não era só na provincia que lhe davam esta importancia. Quantas vezes veiu elle a Lisboa buscar a lista dos deputados, que haviam de ser eleitos pela sua terra, e com quantas demonstrações de consideração não era recebido por muita gente boa d'esta cidade! (Apoiados.)

No processo que correu em Arganil appareceram não só cartas de gente muito respeitavel, em que lhe manifestavam a sua consideração, mas até portarias incumbindo-o de importantes serviços publicos; e, o que é ainda mais, portarias louvando-o e a seu pae e irmãos por terem prestado não sei que serviços á provincia da Beira!!

Ora se o cidadão Antonio Pinto, porque foi amigo de João Brandão, a respeito de quem não digo uma palavra da favor nem de desfavor, porque está sujeito á acção da lei penal, cumprindo uma sentença que lhe foi imposta pelo poder judiciario, não póde ir ao acto eleitoral, é preciso ampliar tambem esse pensamento a toda a gente que teve com elle relações (apoiados). E não digo isto para censurar ninguem, o meu unico fim é defender; os meus amigos quebrando nas mãos dos meus adversarios as armas com que tentam feri-los.

Em assumptos tão melindrosos não se levantam insinuações, argumenta se com factos.

Já se tem clamado, o até n'esta casa, porque aquelle condemnado, sendo aliás um dos que tem causado, pelos seus delictos, mais indignação á opinião publica, está na provincia de Angola, na povoação de Mossamades, gosando o clima delicioso da Cintra da nossa Africa! E eu não sei o motivo por que tambem se não accusa a opposição de Arganil por esse facto! (Apoiados.)

Não quero que as minhas palavras, por circumstancia nenhuma, possam aggravar a situação de um condemnado. Faça o governo o que entender. Contra o que eu protesto é contra a perfidia de se especular com o nome de um condemnado, cuja situação legal é hoje desgraçada, poupando-se os que o consideraram e animaram nas epochas dos seus triumphos.

É desairoso este procedimento. Sem o mais pequeno pretexto, ou antes com um pretexto ridiculo, como mostram as declarações dos delegados do governo, não é licito fazer accusações a um partido ou a um grupo politico de um concelho, que tem direito a ser respeitado (apoiados).

Mas sabe v. ex.ª qual era o fim da prisão do cidadão Antonio Pinto? Era um appello á desordem, como eu vou facilmente demonstrar com os proprios documentos que o governo nos forneceu.

As auctoridades declaram, e as testemunhas depozeram, que este individuo era de um genio violento e irascivel, e de um caracter medonho, que o suppunham capaz de se collocar á frente de uma quadrilha de malfeitores, e sabiam que elle estava em uma localidade aonde era querido e estimado por toda a população.

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Sabe v. ex.ª a força que mandaram para o prender? Seis soldados! Seis soldados para prender um homem de genio violento e irascivel, e n'uma terra toda de amigos seus! Qual era o pensamento manifestado n'este facto? Quaes eram as vistas da auctoridade, mandando effectuar esta diligencia por seis soldados apenas? Era innegavelmente promover conflictos e desordem. A auctoridade esperava de certo que o cidadão, indignado pela violação dos seus direitos, reagisse, e que a população toda se levantasse contra um acto anarchico e violento, collocando-se em hostilidade com a diminuta força dos seis soldados!

É plausivel esta explicação, não só pelo que dos documentos resulta, mas porque a auctoridade estava só, tinha a certeza de não vencer a eleição, e por isso lhe convinha promover a desordem.

Agora note a camara a exactidão das informações do delegado do governo sobre tão criminoso attentado. Aquelle cidadão foi preso no dia 7 e solto no dia 11.

Chamo a attenção de v. ex.ª e da camara para as ultimas palavras do telegramma n.º 6, que vem a paginas 1 dos documentos onde se diz «não ha preso algum ás ordens da administração!»

Este telegramma é do dia 9 ás nove horas da noite. A prisão teve logar no dia 7; o preso foi solto no dia 11. Como podia pois o governador civil dizer no dia 9 ao governo que não havia preso algum ás ordens da administração? Que responsabilidade impoz o sr. presidente do conselho ao seu delegado por lhe affirmar esta inexactidão? O facto é gravissimo. Quem tem a responsabilidade d'estas informações inexactas? Quem responde por ellas? Este procedimento teve o sr. ministro com a auctoridade que lhe faltou á verdade?

O sr. ministro do reino teve occasião de verificar que esta affirmativa do governador civil era inexacta, teve occasião de verificar pelos documentos, que o cidadão Antonio Pinto tinha sido preso no dia 7 e solto no dia 11. Aqui está o officio datado do dia 9, do proprio administrador do concelho de Arganil para o governador civil do districto, que diz o seguinte:

«(Copia de copia.) — Administração do concelho de Arganil — 2.ª repartição — N.° 82. — Ill.mo e ex.mo sr. — Remetto a v. ex.ª devidamente escoltado o bacharel Antonio Ferreira de Abreu Pinto, do logar e freguezia de Pomares, d'este concelho, preso no dia 7 do corrente á minha ordem, pelo regedor d'aquella freguezia, como medida preventiva para poder manter o socego publico na assembléa de Villa Cova, onde constava elle queria alterar a ordem e tranquillidade publica, o que era de acreditar em virtude dos procedentes de tal homem, e da presença da quadrilha de Midões, com quem elle tem tido relações. Das copias das participações que me fizeram os regedores das freguezias da Bemfeita e Cerdeira verá v. ex.ª, que era necessaria a policia preventiva para manter o socego publico na referida assembléa, e por isso, receiando eu que ali fosse alterada a ordem pelo dito Antonio Ferreira de Abreu Pinto e seus agentes, o mandei capturar. Estou procedendo ás competentes averiguações, e do resultado que colher darei conta a v. ex.ª, sendo certo que o não remetti logo a v. ex.ª por não ter força disponivel para o escoltar, e pela accumulação do serviço publico que tem havido n'esta repartição.

«Deus guarde a v. ex.ª Arganil, 9 de julho de 1871. — Ill.mo e ex.mo sr. conselheiro governador civil do districto de Coimbra. = O administrador do concelho, Manuel da Cruz Aguiar. »

Aqui está como o officio do administrador do concelho desmente de um modo peremptorio o telegramma do governador civil! São os proprios documentos dos delegados do governo a brigarem uns com os outros.

É tambem curioso que não venha n'estes documentos o alvará de soltura do preso. Eu não creio que o delegado do governo em Coimbra mandasse soltar aquelle preso sem um alvará de soltura, e sem que lhe declarasse os motivos por que elle esteve preso. Se aquelle individuo tornar a ser preso, e o juiz, como é de lei, lhe perguntar, «se já esteve preso e porque», passa o réu pelo desgosto de responder que já esteve preso, sem saber porque! (Riso.)

Estes factos são inauditos; mas é preciso conta-los para que cada um fique com a responsabilidade dos seus actos, e não andem sempre a alardear liberdade, independencia e amor pelos direitos individuaes (apoiados), os que contradizem as palavras com os factos.

O expediente de se fingir que o preso pretendia pôr-se á frente de uma quadrilha para fazer desordem, lembrou muito mais tarde. O primeiro plano formado em Coja, para justificar a prisão, segundo eu deduzo dos poucos documentos que o governo mandou a esse respeito, foi no intuito de que o cidadão Antonio Ferreira de Abreu Pinto tinha ido ali como emissario para se fazer uma revolução a favor de D. Miguel II (riso).

Esta foi a primeira idéa como se deprehende de varios documentos. O primeiro documento comprobativo d'este plano é o despacho do administrador «está preso para indagações», quando o preso politico lhe perguntou em requerimento os motivos da sua prisão!

N'esta occasião não considerava o administrador do concelho a prisão como medida preventiva para elle se não pôr á frente da quadrilha! (Riso.)

Em abono d'essa explicação recorda-se a camara de certo de eu ter chamado hontem a sua attenção para a parte do officio do administrador de Goes, em que este funccionario pretendia que se reunisse á meia noite do dia 6 para 7 a tropa que ía para Goes e Pampilhosa, á entrada do concelho de Arganil? Ha de recordar-se a assembléa de eu ter chamado a sua attenção para este facto. Como no dia 7 foi preso o cidadão Antonio Pinto; provavelmente aquella tropa entrava no concelho de Arganil, e ía prender os influentes da assembléa de Pombeiro, onde o governo teve 50 votos e a opposição 540, e ficava assim a questão acabada!

E este plano era muito premeditado, porque o jornal official da administração do concelho de Arganil já o insinuava dias antes. Diz esse jornal no n.º 18, de 5 de julho:

«Ex.mo sr. governador civil. — Nunca este concelho presenciou taes escandalos, nunca um presagio de tempestade tal veiu sobresaltar-nos na vespera de uma eleição!

«As nossas vidas correm risco imminente; o socego publico póde alterar-se, e a dynastia não é poupada por estes vendilhões, que só cuidam de si, embora as leis sejam calcadas, embora a patria tenha de contar em seu seio mais alguns traidores, que renegam a mãe que lhes deu o ser!

«Se immediatamente se não pozer termo a tal estado de cousas, alem do derramamento de sangue, que se receia, póde aqui nascer e chispar a terrivel centelha, que, dentro em breve, porá em continuo sobresalto o paiz inteiro, e em risco a familia reinante, que é o symbolo das idéas philosophicas e livres.

«Providencias emquanto é tempo.»

«Concelho de Arganil, 2 de julho de 1871.»

Aqui está a conclusão a que nos levam as declarações do jornal official da administração do concelho de Arganil, combinadas com todos os outros documentos.

O que não pude ainda descobrir foi o motivo por que se abandonou aquelle projecto tenebroso. Se o não põem de parte, eram presos todos os influentes do concelho; e, como nem as auctoridades escapavam, gosavamos o espectaculo de que n'esta revolta militar ficava o administrador do concelho de Arganil com plenos poderes fiscaes, judiciarios, administrativos e ecclesiasticos!

Não sei se o plano foi transtornado por não ter chegado a tropa a tempo. O que é certo é que foi necessario abandonar a idéa da conspiração miguelista, embora a auctoridade julgasse que esse projecto podia ser agradavel ao governo.

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Toco agora n'outro facto, significativo tambem de appello á desordem, que para mim é o mais grave de todos quantos se praticaram, durante o acto eleitoral, no circulo de Arganil. No meu entender a mais grave de todas as occorrencias criminosas, que ali tiveram logar, foi o arrancar-se um pronunciado das mãos de um official do juizo, e metter-se o official de justiça na cadeia (apoiados). Não ha exemplo de similhante attentado! Nem no tempo do governo absoluto se praticou um facto tão grave contra a liberdade. Mesmo no tempo do regimen absoluto, desde que o official de justiça acompanhava um réu, munido de um mandado em nome do poder judicial, nem o rei podia manda lo soltar. Respeitou-se sempre o poder judicial em todas as epochas e em todos os tempos, e houve sempre respeito para com o poder judicial, pelo menos, pelo lado dos governos (apoiados).

Não tenho que discutir o acto do poder judicial, porque não o posso discutir n'este logar; mas discuto o facto, porque elle significa tambem, pelas circumstancias que vou mencionar á camara, um appello á desordem por parte da auctoridade administrativa. Felizmente os povos de Arganil reagiram sempre contra a provocação á desordem. Portaram-se sempre com uma paciencia e com uma prudencia, que devia servir de lição e de exemplo ás auctoridades, que queriam provocar á desordem n'aquelle circulo eleitoral (apoiados).

Falta-me um documento muito importante sobre este assumpto, que o governo não mandou, apesar de se lhe ter pedido toda a correspondencia dos agentes do ministerio publico, desde 20 de setembro de 1870 até 22 de julho de 1871, sobre factos relativos á administração do concelho, que interina ou effectivamente serviram na comarca de Arganil durante aquelle periodo. Falta-me pois o officio do conservador que fazia as vezes de delegado. Mas vou eu contar o facto, que é o seguinte.

Estava pronunciado no juizo de Arganil um regedor. Tinha sido pronunciado em 12 de junho. Não posso discutir se foi bem ou mal pronunciado. Posso como particular formar a minha opinião sobre a legalidade da pronuncia, sendo-me presente o processo; mas, como membro do poder legislativo, hei de subordinar-me á disposição do artigo 2:401.° do codigo civil, que diz assim:

«Os juizes serão irresponsaveis nos seus julgamentos, excepto nos casos em que, por via de recursos competentes, as suas sentenças forem annulladas ou reformadas por sua illegalidade, e se deixar expressamente aos lesados direito salvo para haverem perdas e damnos, ou os mesmos juizes forem multados ou condemnados nas custas, em conformidade do codigo do processo.»

Comprehende a camara que eu não posso avaliar nem discutir o facto de pronuncia; e por isso não discuto se o regedor tinha sido ou não, bem pronunciado. Isso mesmo interessa pouco á questão. O certo é que o poder judicial entendeu que o facto, pelo qual tinha sido pronunciado o regedor, não era relativo ao exercicio das suas funcções. E, se o crime do regedor fosse relativo ao exercicio das suas funcções, ao agente do ministerio publico, delegado do governo, cumpria, quando o juiz lhe mandou entregar os mandados de prisão, não lhes dar execução, e reclamar o processo para solicitar do governo a competente auctorisação. E, se o agente do ministerio publico, sendo necessaria a licença do poder executivo para o processo continuar, não cumpriu o seu dever, tenho então que pedir contas ao governo por mais este grave attentado contra as liberdades (apoiados). Não posso discutir o despacho do juiz que representa um poder independente, mas posso discutir o procedimento do agente do ministerio publico por quem o governo é responsavel (apoiados).

Pronunciado o regedor em 12 de junho, e procurado depois na sua freguezia pelos officiaes de justiça, nunca ali foi encontrado, nem appareceu em Arganil, onde sabia que estava pronunciado. Eu chamo a attenção muito particular da camara para todos estes factos, porque da combinação d'elles resulta o pensamento constante da auctoridade administrativa de provocar desordens e conflictos. Decorreu quasi um mez depois da pronuncia, e no dia 5 de julho á tarde o administrador do concelho reclamou a garantia administrativa, apesar de não estar aquelle individuo pronunciado por crime praticado no exercicio das suas funcções. O juiz recebeu ás sete horas da tarde o officio e poz por despacho: Junte aos autos, suspenda-se por emquanto a prisão e dê-se vista ao ministerio publico.

Desde que ao ministerio publico tinham sido entregues os mandados de prisão, ao ministerio publico mais particularmente competia recolher os mandados, e em todo o caso responder sobre este incidente. O juiz, sem embargo de não estar pronunciado o regedor por crime praticado no exercicio das suas funcções, desde que a auctoridade administrativa levantou o incidente da garantia administrativa, mandou juntar o officio do administrador do concelho aos autos, sustar a prisão, e dar vista ao ministerio publico.

Eram sete horas da tarde quando se proferiu este despacho; e, pela nossa legislação de processo, de noite fazem-se corpos de delictos e os termos de fiança; mas a vista ao ministerio publico sobre aquelle incidente naturalmente havia de ser-lhe dada no outro dia.

No outro dia pela manhã, quando se calculava que não teria ainda havido despacho, ou pelo menos que não teria havido tempo para o intimar ao ministerio publico e para este responder, apparece na praça de Arganil o regedor pronunciado.

O official de diligencias, cujo mandado não tinha sido ainda recolhido, porque o despacho não estava ainda cumprido, encontrou no meio da praça de Arganil o pronunciado, e conduziu-o á presença do juiz que estava em audiencia. O official de diligencias não metteu o pronunciado na cadeia, nem podia faze-lo; porque o crime tinha fiança. Levava-o á presença do magistrado.

Como a administração do concelho é mesmo defronte do tribunal judicial, o administrador do concelho, que estava á espera de todos estes acontecimentos, saíu da administração, e veiu soltar o pronunciado, mettendo na cadeia o official de diligencias! Podia o administrador do concelho effectuar esta diligencia mesmo na praça; mas para aggravar mais o facto, e para provocar a resistencia do juiz e do delegado, que estavam em audiencia, esperou que o pronunciado chegasse ás portas do tribunal, ahi arrancou o criminoso das mãos do official de diligencias e metteu este na enxovia! São os factos que constam dos documentos.

O administrador do concelho não foi ainda tão longe, como podia ou devia; porque, achando-se o juiz n'uma das salas do edificio a fazer audiencia, bem podia a auctoridade administrativa ter o incommodo de subir a escada, prender o juiz e mette-lo na enxovia, mas não podia prender o official de diligencias que procedia em cumprimento de um mandado do juiz (apoiados).

Se o administrador do concelho receiava dos despachos do juiz, deixasse o official de diligencias subir a escada, entregar o preso ao magistrado, porque este de certo o mandava embora, visto que já tinha suspendido a prisão. Mas não era isso o que convinha. O que se queria, segundo resulta dos factos e dos documentos, era provocar a desordem com o poder judicial.

Falta-me o principal documento que me era preciso para esclarecer estes factos, porque eu não quero referir-me ao officio do juiz, que não é delegado do governo; falta-me o officio que n'essa occasião dirigiu o delegado interino do ministerio publico ao procurador regio sobre o assumpto. Mas continuo com os elementos, que tenho, a exposição do facto.

O juiz, que estava no tribunal, avisado do facto, levantou-se e veiu ao cimo da escada perguntar ao administrador do concelho a rasão por que tinha prendido o official de diligencias. O administrador do concelho respondeu-lhe, que daria conta dos seus actos aos seus superiores, e pa-

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rece que chamou o juiz a conversa em que este se não metteu.

O administrador fazia todas estas provocações, rodeado da força militar, que estava sempre em armas na praça de Arganil, para garantir a liberdade da urna contra as tendencias desordeiras!...

Eu não pergunto, eu não quero saber se o regedor estava ou não bem pronunciado; o que eu digo é que dos despachos dos juizes de direito não conhecem os administradores de concelho (apoiados).

Supponha v. ex.ª, mesmo que tinha sido um grande attentado a prisão do regedor, ainda assim o unico recurso que tinha a auctoridade administrativa era queixar-se aos seus superiores para mandarem querelar do juiz de direito por abuso de poder (apoiados).

O codigo penal impõe a pena de suspensão ou de demissão ao juiz que ordenar a prisão de algum pronunciado por crime commettido no exercicio das suas funcções, depois de ter sido reclamada a garantia pela auctoridade administrativa.

Este individuo não estava pronunciado por crime commettido no exercicio das funcções, tinha o a auctoridade judicial assim entendido; mas ainda que o estivesse havia a auctoridade administrativa aguardar a decisão judiciaria (apoiados), ou então a independencia do poder judicial entre nós acabou (apoiados).

Não é possivel, desde que ha um processo regular segundo a lei, desde que o governo tem em conformidade com a mesma lei um agente seu ao lado do juiz de direito, ir o administrador do concelho arrancar esse agente do seu logar, e ainda mais, collocar-se na posição de arbitro supremo dos despachos do mesmo juiz (apoiados). Isto não póde ser, sem que fiquem completamente á mercê do poder executivo a nossa vida, a nossa propriedade e a nossa liberdade.

A rasão por que se reconheceu como uma das primeiras necessidades a independencia do poder judicial, é porque elle conhece das questões mais graves que podem interessar os cidadãos; é porque a elle está entregue o conhecimento de todas as questões que dizem respeito á nossa vida, á nossa propriedade, á nossa honra e á nossa liberdade (apoiados).

É por isso que uma das primeiras conquistas dos povos livres foi a conquista da independencia do poder judiciario (apoiados); e é por isso que a primeira tentativa reaccionaria e anarchica dos governos despoticos é sempre contra a independencia d'esse poder. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem).

Sr. presidente, o juiz mandou com vista os autos ao ministerio publico, e quer v. ex.ª saber o que respondeu sobre este incidente o delegado do governo, assim que teve vista dos autos? Quer v. ex.ª saber o que respondeu, não o juiz, mas o delegado do governo, o agente do ministerio publico, que procedeu com tanta regularidade que o sr. ministro da justiça lhe deu um logar melhor do que aquelle que elle tinha?

Quem estava a servir de representante do ministerio publico era o conservador, que já foi transferido pelo sr. ministro da justiça para Fafe, conservatoria muito melhor do que a de Arganil, onde elle estava servindo.

O sr. ministro da justiça achou que elle tinha procedido tão bem, tão regularmente que, em logar de o transferir para uma conservatoria peior, ou de o demittir, ou de o reprehender, transferiu-o para uma conservatoria melhor! É com os agentes do governo, é com os seus delegados que eu quero argumentar. Não quero servir-me, como já disse, alem dos documentos authenticos, senão dos officios dos delegados do governo.

Quer v. ex.ª saber o que respondeu o agente do ministerio publico, quando lhe foi mandado o processo com vista? Respondeu o seguinte:

«Outrosim certifico que a fl. 125 e seguintes dos mesmos autos se acha exarada a resposta do ministerio publico do teor seguinte:

«Não sendo a garantia do artigo 357.° do codigo administrativo privilegio ou regalia da pessoa dos magistrados administrativos e de seus delegados, mas dos actos ou factos relativos ás suas funcções publicas determinadas na lei, ou delegadas pelo seu superior hierarchico, e sendo antes tal garantia uma excepção extraordinaria e exorbitante da lei commum, que por isso deve ser de rigoroso direito, não admittindo extensão de interpretação alem dos expressos termos, e deve antes ser restringida do que ampliada; e não se achando, relativamente ao caso do presente processo, marcada nas leis e regulamentos administrativos, como attribuição dos regedores de parochia, a participação de crimes (verdadeiros ou falsos, attribuidos fóra da area do seu exercicio, jurisdicção e acção (artigo 342.° e seguintes do codigo administrativo), e não tendo havido, nem constado haver delegação expressa de seu superior, o administrador d'este concelho para tal serviço em pretendida attribuição não marcada na lei (artigo 341.° do citado codigo) praticada pelo regedor indiciado; e não podendo eu ver na participação de folhas outra cousa mais do que uma denuncia particular sem caracter official, e sem se declarar regedor o participante, feita em papel sellado, deduzida em artigos, e não um auto essencialmente administrativo, requisito necessario no caso sujeito para que deva preceder a licença do governo, não reputo que proceda a reclamação de officio de folhas, e portanto me parece não ter logar a auctorisação e licença do governo para a prisão do indiciado e continuação do processo em seus termos.

«Requeiro que, tirando certidão do alludido officio do administrador d'este concelho, e que junta ao outro processo, em que tambem se acha pronunciado por identica denuncia feita pelo mesmo indiciado, me seja feito com vista para no mesmo responder sobre este incidente.

«Arganil, 6 de julho de 1871. = O conservador, servindo de delegado, Assis Sampaio.»

O delegado effectivo, igualmente representante do governo, já tinha reconhecido que o crime do regedor não tinha sido praticado no exercicio das suas funcções, e seguiu exactamente essa opinião o delegado interino que tinha ficado a servir em vez d'aquelle.

Consta-me que o procurador regio se conformára tambem com a opinião do delegado, a quem este consultára.

Uma voz: — É verdade.

O Orador: — Affirma pessoa auctorisada, que o procurador regio se conformára tambem com a opinião do seu subordinado. Mas de que valem todas estas decisões e opiniões contra a auctoridade excepcional do administrador do concelho de Arganil!

Não discuto nem posso discutir os actos do poder judicial, que me é isso vedado pela legislação vigente.

Se porém houver algum despacho do juiz, ou sobre este incidente, ou sobre outro qualquer, que seja iniquo, e que recaísse sobre promoção do ministerio publico, ou a este fosse intimado e de que este não recorresse, hei de pedir estreitas contas ao governo. Dos documentos porém não consta acto algum reprehensivel por parte do poder judicial.

O governo tem delegados, pelos quaes responde. Desde que o governo queira fugir á responsabilidade dos actos dos seus delegados, ou se trate da auctoridade administrativa, ou dos agentes do ministerio publico, o systema representativo acaba (apoiados).

O regedor preso, que me pareceu ao principio que tinha sido violentamente solto, para ir, como foi, no dia 9 de julho, acompanhado de uma força de infanteria n.º 14, cercar as casas de alguns eleitores, tinha fiança.

Este facto é mais uma prova de que o administrador do concelho não queria evitar a prisão do regedor, mas provocar desordem com o poder judicial.

Passada a eleição veiu o proprio regedor afiançar-se e reconhecer o despacho do juiz!

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Passou pois em julgado o despacho que lhe negava a garantia administrativa. O delegado do procurador regio não recorreu, e o interessado tambem não!

Mas quer v. ex.ª saber o que ha de mais curioso no meio de todos estes factos?

É o officio n.º 2 da syndicancia, dirigido pelo governador civil ao administrador do concelho sobre o assumpto.

O officio é o seguinte:

«(Copia) — Governo civil de Coimbra — 2.ª Repartição — N.° 142 — Ill.mo sr. — Respondendo ao seu officio que acabo de receber por um expresso, cumpre-me dizer a v. s.ª que os cabos de policia, que v. s.ª prendeu por lhe desobedecerem, devem ser autuados e entregues ao juiz, remettendo-se o auto ao ministerio publico para requerer o que julgar conveniente. Se o juiz os mandar pôr em liberdade, ou porque o crime admitta fiança ou por mero arbitrio, não resulta d'esse facto desaire algum para v. s.ª, porque lhe fica a consciencia de ter cumprido o seu dever. Quanto ao official de diligencias, não fornece o seu officio os necessarios elementos para eu poder apreciar o facto. Entendo porém que o deve pôr em liberdade, salvo se elle o desacatou ou insultou na occasião em que lhe fez algumas reflexões a respeito da prisão do regedor, no qual caso deve tambem autua-lo e dar-lhe o conveniente destino. Quanto á força vou requisita-la do ministerio da guerra, mas só do Porto poderá vir a tempo.

«Deus guarde a v. s.ª Coimbra, 6 de julho de 1871. = O conselheiro governador civil, Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel. — Ill.mo sr. administrador do concelho de Arganil.»

O governador civil mandava pôr o official de diligencias em liberdade, e não entrega-lo ao juizo! Note v. ex.ª a insinuação que o governador civil fazia no officio ao administrador do concelho nas palavras = salvo se elle o desacatou ou insultou! =

Não sei que impressão faz a v. ex.ªs a redacção d'este documento; a mim faz-me impressão tristissima.

O magistrado superior do districto não ordenava; entendia que o administrador do concelho devia pôr em liberdade o official de diligencias, salvo se elle o desacatou ou insultou na occasião em que lhe fez algumas observações a respeito da prisão do regedor.

O administrador do concelho não se queixava de que o official de diligencias o tivesse insultado ou desacatado. Mas o officio do magistrado superior parece insinuar-lhe isso.

Effectivamente reconheceram os agentes do governo mais tarde as graves consequencias de terem preso um official de justiça, que cumpria uma diligencia do seu officio, em virtude do mandado do juiz; e, querendo empregar todos os meios para se desculparem, inventavam o facto de ter sido desacatado e insultado o administrador do concelho pelo official de justiça.

Mas dos officios nada constava, e havia um officio muito explicito do administrador do concelho ao juiz, que transtornava completamente este plano. Antes porém de tocar n'este ponto vou comparar o officio, que acabo de mencionar, do governador civil, com o telegramma n.º 6, que é admiravel.

Diz o seguinte:

«(Copia) — Telegraphia electrica — Lisboa, de Coimbra — 19—114 — Em 9, ás nove horas e dez minutos da tarde — Ministro do reino — Lisboa. — O juiz de Arganil pronunciou um regedor por actos no exercicio das suas funcções. O administrador reclamou em face do artigo 357.° O juiz desattendeu e mandou prender. O administrador observou ao official que havia reclamado; o official desattendeu, e parece que insultou o administrador, e este prendeu-o e deu parte em officio de 5. Em officio de 6 ordenei ao administrador que, levantado auto dos insultos á auctoridade, remettesse immediatamente ao poder judicial; se o juiz soltar, a responsabilidade será d'elle. Consta-me que o juiz, não fazendo caso do auto, ordenára a soltura!! Não ha preso algum ás ordens da administração. — (L. S.) = Telles de Vasconcellos.»

Tanta contradicção n'um documento tão curto é cousa muito triste (apoiados)!

Notem bem v. ex.ªs que no telegramma declara-se: o juiz desattendeu e mandou prender. O administrador observou ao official que havia reclamado; o official desattendeu e parece que insultou o administrador, e este prendeu-o e deu parte em officio de 5. É gravissimo este procedimento da auctoridade!

Note-se que estou lendo documentos, que não forjei e que não fabriquei; leio os documentos emanados dos delegados do governo (apoiados).

Em officio de 6 ordenou ao administrador que levantado auto dos insultos á auctoridade, remettesse immediatamente ao poder judicial; se o juiz soltar, a responsabilidade será d'elle. Consta-me que o juiz, não fazendo caso do auto, ordenára a soltura! Não ha preso algum ás ordens da administração.

Não póde analysar-se este telegramma. Qualquer commento lhe faria perder a força.

Notem como no mesmo documento, e em periodos seguidos, o magistrado superior do districto assevera, que = se o juiz soltar a responsabilidade será d'elle = e que o juiz soltára! =

Não são dois os telegrammas. É só um a asseverar factos contradictorios.

Comprehendia-se que, expedidos dois telegrammas, n'um se dissesse,— se o juiz soltar a responsabilidade será d'elle; — e no outro se dissesse,— o juiz soltou, não fazendo caso do auto —. Mas no mesmo telegramma tanta contradicção é incrivel!

As ultimas palavras do telegramma são: «consta-me que o juiz, não fazendo caso do auto, ordenára a soltura!» Isto diz o governador civil no dia 9 de julho ao ministro do reino. Quer a camara saber quem soltou o official de diligencias? O governador civil diz no telegramma: «consta-me que o juiz mandára soltar, não fazendo caso do auto». Hei de desmentir os documentos das auctoridades do governo, com os documentos das mesmas auctoridades que aqui estão. O documento pelo qual se prova que não foi o juiz quem soltou é o seguinte:

«(Copia.) — Copia do mandado de soltura do teor seguinte. — Mandado de soltura. — O dr. Manuel da Cruz Aguiar, administrador do concelho de Arganil, por Sua Magestade Fidelissima, etc. Mando ao carcereiro das cadeias d'esta villa que ponha em liberdade o preso Antonio Martins e Paiva, official de diligencias do juizo de direito d'esta comarca, o qual se acha ali á minha ordem. Assim se cumpra. — Arganil, 8 de julho de 1871. = O administrador do concelho, Manuel da Cruz Aguiar.

«Está conforme. = O carcereiro, Antonio José Coelho Junior. »

Então quem é que mandou soltar o official de diligencias? Quem ordenou a soltura, foi o juiz ou o administrador do concelho? Por este documento vê-se que foi o administrador do concelho, quem mandou soltar o official de diligencias, e não o juiz, como diz no telegramma o governador civil ao ministro do reino.

O governador civil diz: consta-me que o juiz, não fazendo caso do auto, mandára soltar o preso.

Esta asseveração é desmentida pelo mandado do seu proprio administrador.

É preciso tornar bem claras estas contradicções e estas inexactidões, porque é preciso que a assembléa conheça de uma maneira clara, inequivoca e explicita, o plano, o trama que se havia formado e combinado, e que resulta de todas as circumstancias apontadas (apoiados). Estes factos parecem isolados, mas são todos ligados e combinados; e por elles se vê qual era o pensamento que predominava nos actos da auctoridade administrativa. O administrador do concelho esse tinha assumido poderes extraordinarios, nem

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se resignava com o despacho do juiz, nem com a resposta do outro delegado do governo a respeito do incidente da prisão.

Tenho aqui por certidão o officio do juiz de direito em resposta ao do administrador, do dia 5, pelo qual se vê que o poder judicial decidiu que o regedor não gosava da garantia administrativa pelo facto porque estava pronunciado.

O documento é o seguinte:

«Certifico mais que nos referidos autos, depois de feitos conclusos, se acha o despacho a fl. 120 v. do teor que se segue: Conformando-me com as judiciosas considerações da resposta retro do ministerio publico, declaro pelos fundamentos da mesma resposta, não se achar a denuncia de fl. 2 do indiciado José Alves da Eufemia, que se diz no officio de fl... do administrador d'este concelho, ser regedor da freguezia da Cerdeira, comprehendido nos factos relativos ás suas fucções, e por isso não lhe ser applicavel a garantia do artigo 357.° do codigo administrativo. Defiro ao requerimento da ultima parte da dita resposta. Intime-se. E participe-se ao administrador d'este concelho, em resposta ao seu alludido officio, remettendo-se-lhe copia da mesma resposta.

«Arganil, 7 de julho de 1871. = Leão.»

Estas decisões para o administrador do concelho nada valiam. Onde os delegados do governo eram fortes, era na redacção das communicações para os seus superiores.

V. ex.ªs reconhecem, como pelos documentos se mostra, que foi o administrador do concelho quem mandou soltar o official de diligencias, e que no telegramma o magistrado administrativo do districto declara ao governo que foi o juiz que o mandou soltar, não fazendo caso do auto! É natural que os factos, que acabo de apontar, façam em v. ex.ªs a mesma impressão que me fizeram a mim.

O sr. ministro do reino mandou um telegramma ao seu delegado em Coimbra dizendo-lhe o seguinte:

«Acaba de me asseverar por escripto o ex-deputado Francisco Van-Zeller que o administrador do concelho de Arganil arrancára das mãos do official do juizo um preso que se achava culpado, pondo-o em liberdade, prendendo o official do juizo, e mettendo-o na enxovia, e que fôra preso sem motivo o cidadão Antonio Ferreira de Abreu Pinto. Determinava-lhe que verificasse o facto e respondesse.»

A resposta foi a que acabei de mostrar com a leitura do telegramma.

Sr. presidente, mas pondo de parte as inexactidões e contradições do documento, o que se deduz litteralmente d'este telegramma é que o governador civil, reconhecendo que o juiz procedêra mal, entendia que em compensação a auctoridade administrativa podia tambem proceder mal.

A traducção do telegramma em linguagem, que todos comprehendam, é a seguinte:

O juiz andou mal no exercicio das suas funcções, mas nós cá o estamos corrigindo para elle remediar os seus despachos, e por não ter respondido logo!

Mal vae a um paiz quando a administração publica chega a tal estado, que os agentes do governo são os primeiros a manifestar falta de respeito pela independencia dos poderes politicos. Este desprestigio com que a auctoridade administrativa trata o poder judicial redunda finalmente tambem em desmoralisação para os povos, porque não é indifferente para uma terra, como Arganil, verem os seus habitantes chegar o administrador do concelho ao edificio do tribunal, arrancar o criminoso ao official de justiça e metter este ultimo na cadeia!

Estes factos não vem reconhecidos na portaria de 19 de julho de 1845. É preciso fazer um additamento áquella portaria em vista dos factos que se deram n'esta eleição.

O sr. Boavida: — Peço a palavra por parte da commissão dos negocios ecclesiasticos e da justiça.

O Orador: — A audacia da auctoridade administrativa tinha chegado a ponto que era o administrador do concelho quem marcava o tempo que o juiz havia de gastar para ouvir o ministerio publico e para proferir o seu despacho!

Quando o juiz perguntou ao administrador do concelho a rasão por que tinha prendido o official de diligencias, respondeu-lhe este funccionario com o memoravel officio que passo a ler.

«(Copia de copia.) — Administração do concelho de Arganil — N.° 106. — Ill.mo sr. — Em resposta ao officio de v. s.ª, datado de hoje, tenho a dizer-lhe que effectivamente capturei o official de diligencias Antonio Martins de Paiva, porque, não tendo v. s.ª respondido á reclamação que lhe fiz em tempo opportuno, houve offensa do artigo 357.°; sendo certo que não lhe tirei o mandado, mas sim lhe pedi que m'o entregasse. Se não participei a v. s.ª tal facto, é porque tenho tido todo o tempo tomado com o serviço publico; finalmente, em virtude das instrucções que recebi, mandei pôr em liberdade o dito official de diligencias.

«Deus guarde a v. s.ª Arganil, 8 de julho de 1871. — Ill.mo sr. juiz de direito da comarca de Arganil. = O administrador do concelho, Manuel da Cruz Aguiar.

«Nota. — Recebido ás oito horas da tarde. = Leão.»

O administrador do concelho dava ex.ª ao juiz de direito até á prisão do official de diligencias, e depois tirou-lh'a (riso).

Quem attentou contra as regalias do poder judicial, julgo que tambem podia fazer um regulamento para os tratamentos, e acho esse expediente mais inoffensivo, menos violento, menos anarchico, menos attentatorio das liberdades publicas.

Este officio foi o que comprometteu o plano de se attribuir a prisão do official de diligencias a desacatos e insultos por este dirigidos ao administrador do concelho; porque este, em logar de dar como rasão que o tinham insultado n'essa occasião, não se lembrou d'isso, e desculpou-se com a demora da resposta do juiz.

N'aquella occasião havia serviço publico extraordinario que não dava lugar para cousa alguma, e o administrador do concelho desculpa-se de todas as suas faltas com os affazeres do serviço publico!

Em vista d'aquelle officio não foi possivel ao administrador do concelho, por mais insinuações que recebeu, o declarar que tinha preso o official de diligencias por ter sido desacatado e insultado por elle.

O officio transtornou todo o plano. E foi pena, porque esse facto podia attenuar até certo ponto a responsabilidade criminosa em que aquella auctoridade tinha incorrido. Mas por infelicidade sua, o officio veiu prejudicar todos os meios, todos os pretextos que podiam invocar-se para poder colorir e desculpar tamanho attentado contra a independencia do poder judicial.

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Dizem que deu a hora. Vou concluir por hoje, fazendo menção de um documento importante. Não tenho culpa de andar todos os dias n'este martyrio de palavra. Emfim as circumstancias politicas e a necessidade de discutir algumas medidas de imposto é que tem concorrido para eu não ter já terminado o meu discurso.

Como disse, vou concluir por hoje com a apresentação de um documento importante relativo a um assumpto de caridade publica, e de que a camara desejará ser informada.

A misericordia de Arganil, apesar de não ter culpa de o administrador do concelho estar envolvido em todas estas provocações á violencia e á desordem, foi victima tamhem d'aquelle vandalismo eleitoral.

Em 1 de julho do corrente anno foi eleita a mesa e no dia 6 do mesmo mez, quando ainda não tinha tomado posse, era dissolvida. E porque? Porque ainda não tinham prestado contas as mesas anteriores, e porque na nova administração tinham entrado alguns d'esses individuos que não tinham prestado contas.

Mas o que ninguem acredita é que membros da commis-

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são nomeada para substituir a mesa estavam incursos no mesmo facto.

Vou ler o documento:

«Antonio Joaquim Moreira, irmão da irmandade da santa casa da misericordia d'esta villa, e secretario eleito, fazendo parte da mesa eleita no dia 1 de julho de 1870, para gerir os negocios da mesma santa casa da misericordia d'esta villa, desde o mencionado dia até igual dia do anno de 1871, e ainda hoje em exercicio.

«Em virtude do despacho retrò, que é do muito reverendo dr. Luiz Caetano Lobo, parocho e reitor d'esta freguezia, e actual provedor da santa casa da misericordia d'esta villa de Arganil, certifico que revendo o livro das actas, o mais moderno e ainda em meu poder, n'elle a fl. se vê e mostra a acta em que o administrador substituto d'este concelho apresentou á mesa gerente interinamente um alvará de dissolução com data de 6 do corrente, do ex.mo governador civil d'este districto, da qual o seu teor é o seguinte.

«Acta em que o sr. administrador substituto d'este concelho apresentou o officio e alvará do ex.mo governador civil.

«Aos 14 dias do mez de julho de 1871, na sala das sessões d'esta santa casa da misericordia, estando presentes o provedor e mesarios em maioria da mesa proxima finda, assim como a maioria da novamente eleita, mas ainda não constituida com o competente juramento e eleições, apresentou o ex.mo administrador d'este concelho um officio e alvará do ex.mo governador civil, o qual as mesas, ouvindo-o, resolveram transcrever antes de tomar a resolução e usar do seu direito de petição, que as leis lhes garantem; e como o secretario da mesa é moroso em escrever, e o da nova ainda não está escolhido, propoz o dito provedor da mesa velha ao dito ex.mo sr. administrador, que houvesse por bem de nomear para este acto um que fosse mais expedito, pelo que se serviu nomear a mim Antonio José Simões, e por esta nomeação vou fazendo este serviço, transladando o dito officio e alvará, que são do teor seguinte:

«Officio. — Repartição 1.ª — N.° 92. — Ill.mo sr. — Remette a v. s.ª o incluso alvará d'esta data, pelo qual é dissolvida a actual mesa da santa casa da misericordia da villa de Arganil, e nomeada para a substituir uma commissão administrativa.

«V. s.ª se servirá immediatamente e sem perda de tempo, fazer-lhe dar inteiro cumprimento.

«Deus guarde a v. s.ª Coimbra, 6 de julho de 1871. = O conselheiro governador civil, Antonio Telles Pereira de Vasconcellos. — Ill.mo sr. administrador do concelho de Arganil.

«Alvará. — N.° 89. — Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel, bacharel formado em direito pela universidade de Coimbra, do conselho de Sua Magestade, e governador civil d'este districto de Coimbra, etc.

«Tendo verificado pelo exame de registo d'este governo civil, que as mesas gerentes da santa casa da misericordia da villa de Arganil não prestam ha muitos annos contas da sua gerencia, d'onde resulta não poder a auctoridade superior do districto fiscalisar, como lhe cumpre, a execução dos orçamentos por ella approvados, e apreciar a regularidade ou irregularidade da administração d'aquelle importante estabelecimento da caridade; e tendo-me representado o administrador do concelho de Arganil que na mesa ultimamente eleita entram quatro irmãos que faziam parte da mesa, a qual por alvará d'este governo civil foi dissolvida o anno passado, em consequencia da sua má gerencia; tenho por bem dissolver a mesa da santa casa da misericordia da villa de Arganil, eleita no corrente mez, e nomear para o substituir uma commissão administrativa composta do padre Joaquim Ignacio da Costa Vasconcellos, David Correia de Faias, Joaquim de Figueiredo Perdigão, José Lourenço Nogueira Senior, José Bernardo da Costa, Joaquim da Penna e Antonio Branco, a qual nomeará de entre si o presidente, secretario e thesoureiro, e logo que tomar posse chamará a contas a mesa a que vae succeder, e me fará um relatorio circumstanciado do estado em que se achar a administração da santa casa. E do zêlo dos membros da commissão pelos interesses da mesma santa casa espero eu que empregarão todas as diligencias, para que os negocios d'ella entrem no caminho regular e me dêem motivo para os louvar no seu serviço.

«Dado e sellado n'este governo civil, em 6 de julho de 1871. = Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel. — Registado no livro competente. = O secretario geral, Costa Gomes.

«O que ouvido pela mesa ou antes pelos mesarios novamente eleitos, requereram ao mesmo sr. administrador, que lhes concedesse usar do seu direito de petição, representando a s. ex.ª a inexactidão da informação e da incoherencía dos motivos do accordão, mostrados n'este acto á vista dos proprios livros d'esta santa casa, a fim de que, remettendo s. ex.ª ao ex.mo governador civil a sua representação, assim fundamentada, se sirva elle reconsiderar esta medida, ou declarar para honra dos eleitos, a inexactidão do que contra elles allega, e é como se segue:

«Ex.mo sr. governador civil. — Os mesarios novamente eleitos no dia 1.° do corrente julho, para servirem no anno economico de 1871 a 1872, mas que ainda não tinham podido constituir-se em mesa, por não estarem presentes todos os novos eleitos, a fim de, na exacta conformidade do seu compromisso, capitulo 3.°, passarem em seguida ás eleições do provedor e mais empregados, verificando-se primeiro, quaes dos mais eleitos haviam aceitado, reservando por isso faze-lo no dia 16 do corrente, dia em que a mesa velha, usando da faculdade que mui judiciosamente lhe concede o mesmo compromisso no mesmo citado capitulo, prometteu reunir-se para dar as suas contas, vêem com surpreza o alvará acima transcripto, em que são arguidos de que as mesas passadas d'esta santa casa não prestam ha muitos annos contas da sua gerencia, e que o sr. administrador do concelho de Arganil havia representado a v. ex.ª, que na mesa ultimamente eleita entraram quatro irmãos que faziam parte da mesa, a qual, por alvará d'esse governo civil, foi dissolvida o anno passado, em consequencia da sua má gerencia.

«Os supplicantes não podem deixar de pensar, e levar até á evidencia, que elle é filho de informações completamente inexactas, o que se prova á vista dos mesmos livros, n'este acto apresentados ao delegado de v. ex.ª, porque, primeiro, sendo verdade que as mesas transactas todas deram contas umas ás outras na sua saída, conforme mandam os estatutos, assim como tambem as deu a mesa dissolvida em 1870, no dia 19 de maio do dito anno á commissão que então entrou, porém nenhuma o fez perante a auctoridade administrativa, nem mesmo perante o governo civil, falta esta que com mais justa rasão se encontra na propria commissão administrativa, de que fazem parte o padre Joaquim Ignacio da Costa Vasconcellos, José Bernardo da Costa, Joaquim da Penna e Antonio Branco, que são hoje nomeados para a actual commissão; e se os novos eleitos por esta corporação, para o governo do anno economico de 1871 a 1872, tem culpa do que fizeram as mesas passadas, não dando contas da sua gerencia á auctoridade administrativa, o que não póde admittir-se, como é possivel que seja nomeada uma commissão, da qual os quatro principaes membros, já como membros da commissão do dito anno de 1870, já um d'elles, Joaquim Ignacio da Costa e Vasconcellos, como presidente da mesma commissão, e tantas vezes provedor d'esta santa casa, nunca deu contas da sua gerencia?!! Igualmente é inexacto o segundo fundamento do mesmo alvará, visto que os quatro membros dos novos eleitos para a mesa d'esta santa casa, tendo com effeito pertencido á mesa dissolvida no anno economico 1860 (19 de mais), não o foram comtudo no anno economico proximo anterior, como parece inculcar o dita informação, visto que em

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

o 1° de julho de 1870 foi eleita nova mesa de que elles não fizeram parte, constando esta mesa dos seguintes membros: dr. Luiz Caetano Lobo, Francisco Travasso, Manuel da Cruz Brandão, Antonio Joaquim Moreira, José Caldeira Leite, Francisco da Costa, Manuel Antonio Dias, Rufino Quaresma Caldeira, Manuel das Neves, Antonio Luiz de Paiva; a qual mesa geriu desde o dia 2 de julho de 1870 até igual dia de 1871, interinamente encarregada até o dia 16 do corrente, em que ha de prestar as suas contas, e esperava dar juramento aos novos eleitos; á vista do que, ficando evidente que os ditos quatro irmãos não fizeram parte da mesa immediatamente anterior, e não podendo os irmãos ficarem privados para sempre do seu direito, de serem elegiveis, por terem sido dissolvidos uma vez em anno remoto, fica certo que os supplicantes são injustamente arguidos e feridos n'um defeito das mesas velhas, que é de não terem dado as suas contas, defeito em que mais de uma vez e sempre incorreram os quatro principaes membros agora nomeados para esta nova commissão, pelo que recorrem e pedem a v. ex.ª se sirva considerar este alvará, baseado em informações inconvenientes e inexactas, ferindo assim os direitos dos supplicantes e de toda a corporação, e encarregar o ex.mo administrador d'este concelho, para que, vigiando os passos d'esta mesa, depois de constituida, se, em curto espaço, não mostrarem andamento regular dos seus deveres, assente então com justiça sobre elles este alvará.

«O que sendo ouvido pelo ex.mo administrador substituto lhes deferiu, e mandou quanto antes extrahir a copia e remetter-lh'a na fórma supplicada. — O administrador substituto, José Luciano da Maia Xavier Annes — O provedor, servindo até á proxima posse da mesa, dr. Luiz Caetano Lobo — Francisco Travasso, Francisco da Costa, José Caldeira Leite, Antonio Joaquim Moureira —Manuel da Cruz Brandão, Manuel Antunes Dias. — Mesa nova — dr. Luiz Caetano Lobo — Antonio Branco — Manuel Pereira Coelho — Francisco da Costa - Antonio Castanheira Nunes — José Simões — Jacinto da Costa — Antonio José Simões.

«Acta da dissolução da mesa d'esta santa casa:

«Aos 24 dias do mez de julho de 1871, pela intimação do ex.mo sr. administrador substituto d'este concelho, compareceu o dr. Luiz Caetano Lobo, provedor da mesa velha, e continuando na gerencia da santa casa, emquanto a mesa novamente eleita não aceitasse e tomasse posse, e na presença do mesmo sr. administrador, e na sacristia da mesma santa casa, declarou o seguinte:

«Que tendo recebido o officio d'esta intimação hontem, 23 do corrente, alta noite, não pôde fazer intimar os mesarios novamente eleitos senão hoje de manhã; e não tendo o andador encontrado a maior parte d'elles em casa por terem saído para os seus trabalhos, compareceu elle o ex.mo sr. dr. Luiz Caetano Lobo á hora marcada, e tendo-lhe participado o mesmo ex.mo sr. administrador, n'este acto, que tinha de cumprir o alvará mencionado na acta antecedente, em virtude do officio recebido do ex.mo sr. governador civil, e em resposta ao d'elle, em que remettia o requerimento que os mesarios novamente eleitos lhe haviam dirigido, e é do teor mencionado na acta, tambem antecedente; ao que o dito ex-provedor declarou que se promptificava desde já a dar posse á commissão, ou fazer entrega de tudo quanto pertence a esta santa casa, menos os livros e as contas, as quaes serão dadas e entregues no dia que a commissão marcar para ellas, reclamando sómente para esse dia a presença do ex.mo sr. administrador, a fim de que sejam estas contas consideradas como dadas, não só á commissão, mas á auctoridade administrativa, declarando como declara, e como havia feito na acta antecedente, e nos seus officios dirigidos á administração, que a mesa novamente eleita não ficou constituida, porque faltando na occasião em que foram proclamados eleitos, assim como no dia seguinte, alguns dos mesarios novamente eleitos, e tendo-se começado a dar juramento aos presentes, reflectiu-se até pela lembrança de um irmão velho d'esta santa casa, o reverendo Antonio Joaquim de Paula, que o compromisso mandava estar presente toda a mesa novamente eleita, para ser constituida, e examinando-se com effeito o mesmo compromisso no capitulo 3.°, na parte respectiva, e achando-se judiciosa a reflexão do dito irmão, e indo tudo conforme ao dito compromisso e até pela consideração de ter havido recurso interposto pelo padre Joaquim Ignacio da Costa Vasconcellos, em 1869, segundo lhe parece, por a mesa nova de então não seguir n'esta parte o compromisso, o dito provedor da mesa velha mandou inutilisar os trabalhos que estava fazendo, do juramento, tudo em seguida aos mesmos, declarando á mesa e aos mesarios novamente eleitos presentes, que todo este acto de juramento e posse ficava reservado para o dia 16 do corrente, dia em que mandou reunir a mesa velha e nova para esta tomar posse e juramento, e aquella dar as suas contas e fazer entrega de tudo; e como antes d'este dia appareceu o alvará mencionado, ao que seguiu o requerimento tambem mencionado, pela cuja decisão se esperava, e que só hoje lhe foi communicada, ficou tudo parado por esta causa; declarando agora por isso o dito ex-provedor, como eleito tambem para nova mesa, que não queria fazer parte d'esta por ter servido na immediata, ao que o auctorisa o mesmo artigo 3.° do dito compromisso, assim como tambem o declaram os irmãos Antonio José Simões e Manuel Pereira Coelho, porque o compromisso não os obriga a aceitar, e tudo isto para que esta dissolução não assente sobre elles; e comquanto, com toda a submissão cumpram as ordens superiores, protestam comtudo contra este acto, como illegal e arbitrario, o qual protesto retiram n'este acto, porque o ex.mo sr. administrador declarou não consenti-lo n'esta acta, e por isso reservam usar dos seus direitos de reclamação por fóra, na fórma do decreto de 20 de abril de 1863, e mais legislação vigente.

«N'este acto comparecendo a maioria da commissão, o ex.mo sr. administrador a investiu da posse da administração d'esta santa casa, e ella a aceitando, marcou o dia 30 do corrente ás duas horas da tarde para o dito fim, a fim de se lhe entregarem n'esse dia, com as contas, o archivo dos livros da santa casa, em harmonia com o inventario da mesma, de que fiz esta acta. E eu, Antonio Joaquim Moreira, secretario, que a escrevi.»

Não sei como não foram á igreja suspender o parocho e tomar conta de tudo. Pois nem a mesa da misericordia de Arganil lhes escapou, mesa que tinha sido eleita em 1 de julho e nem posse ainda tinha tomado! Já se vê que estando o administrador do concelho só, é natural que a mesa não fosse sua.

O alvará da dissolução é importante não só pelo seu conteudo, mas tambem pela sua data.

N'aquella semana fazia-se tudo em Arganil; era uma dedicação e um amor pelos negocios da administração, um zêlo pela religião e pelo bem-estar das misericordias, que os actos administrativos corriam com uma celeridade de que nunca houve exemplo (riso).

A mesa representou contra o acto arbitrario, e tão arbitrario que o administrador substituto suspendeu o cumprimento do alvará por assentar em factos falsos e contradictorios, e deu parte ao governador civil. Porém este, sem embargo dos embargos, mandou cumprir o memorando alvará.

Termino hoje por aqui estas façanhas heroicas de Arganil e ámanhã continuarei com a palavra, para o que peço a v. ex.ª que m'a reserve.

E mando para a mesa differentes documentos para serem vistos pelos srs. deputados.

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