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Em virtude de resolução da camara dos senhores deputados se publica o seguinte

parecer n.° 115 - A

Senhores. — A commissão de inquerito, eleita por esta camara em sessão de 27 de fevereiro d'este anno para examinar se nos actos da responsabilidade do governador civil do districto de Villa Real, praticados antes e durante as ultimas eleições de camaras municipaes, toca ao governo alguma responsabilidade, vem hoje dar-vos conta dos seus trabalhos e offerecer á vossa apreciação o seu parecer.

A commissão estudou minuciosamente os documentos existentes na secretaria do reino, e o relatorio, autos e mais documentos que constituem a syndicancia a que o ex.mo ministro do reino mandou proceder no districto de Villa Real por portaria de 3 de fevereiro do corrente anno.

A commissão não perdoou a fadigas, nem esqueceu as mais escrupulosas diligencias no exame dos factos historiados nesses documentos. Não a cansaram os desvelos de uma longa e paciente investigarão, nem a assustou o temor das prevenções poli liças, ou das affeições partidarias.

Tomando por guia a consciencia e por preceito a verdade, afigura-se-lhe que o seu trabalho, bem que de si imperfeito e defectivo, não poderá ser acoimado de parcial ou injusto.

Antes de descer a apreciação de cada um dos assumptos que têem de chamar a attenção da commissão cumpre expor summariamente os principios fundamentaes, que foram como que a norma e dictame dos seus trabalhos.

A commissão foi nomeada para examinar a responsabilidade que possa caber ao governo nos actos da responsabilidade do governador civil.

Importa pois primeiro que tudo discriminar bem e claramente quaes os actos comprehendidos na responsabilidade do governador civil para depois se poder entender se ao governo pertence n'esses actos alguma responsabilidade.

Esse foi o primeiro trabalho da commissão.

Ha no governador civil duas entidades distinctas que senão devem, nem podem confundir sem offensa dos principios mais racionáveis de direito administrativo e manifesta violação da nossa legislação vigente.

O governador civil é delegado e agente do governo, e presidente do conselho de districto.

Como delegado do poder central todos os seus actos podem ser confirmados ou condemnados pelo governo, e são sujeitos á sua fiscalisação e exame. Por esses deve elle inteira responsabilidade aos seus superiores. Isto é do pura intuição.

Como presidente do conselho de districto, que é, segundo o systema da nossa legislação administrativa, um tribunal de primeira instancia para os assumptos do contencioso administrativo, o governador civil não deve responsabilidade dos actos que n'aquella qualidade pratica, senão á sua consciencia, como juiz, e aos tribunaes superiores, que podem conhecer por via de recurso das suas deliberações.

Estes principios deduzem-se da mesma indole das funcções que n'uma e n'outra hypothese é chamado a exercer o governador civil.

Na primeira é o funccionario de confiança, delegado do governo, imagem e representação viva do seu pensamento, que de todos os seus actos deve contas ao poder que o constituiu seu mandatario.

Na segunda é o presidente de um tribunal de ordem administrativa, independente na acção e no voto, irresponsavel diante do governo, como o tribunal a que preside e de que é parte, peias opiniões que professar, sujeito só ao julgamento e decisão dos tribunaes superiores.

Esta é a doutrina geralmente ensinada pelos escriptores de maior auctoridade n'estas materias, e claramente sanccionada em differentes artigos do codigo administrativo, e nomeadamente no artigo 280.°

Convencida da verdade d'estes principios a commissão, no exame que fez dos differentes assumptos, a cuja averiguação teve que dar-se, procurou apartar de si a apreciação de todos os actos que entravam na orbita legal das attribuições do governador civil, como vogal e presidente do conselho de districto, considerado como tribunal do contencioso administrativo, deixando o julgamento d'esses actos á superior decisão do tribunal de segunda instancia, que d'elles ha de conhecer por via de recurso.

Esta é a conclusão indeclinavel dos principios assentados pela commissão. Se aos actos do governador civil, como vogal e presidente do conselho de districto, não cabe responsabilidade para com o governo, que os não pôde dictar, alterar ou annullar, força e rasão é concluir que tambem não pôde o parlamento exigir contas ao governo de actos e deliberações que a lei e os principios collocaram alem da sua alçada e aos quaes não póde alcançar o poder da sua jurisdicção.

E por outro lado graves e ponderosas considerações de conveniencia publica estavam persuadindo a commissão a que, respeitando devidamente a independencia que defende no nosso systema politico e administrativo as raias de todos os poderes do estado, se abstivesse de emittir opinião sobre a regularidade ou irregularidade dos pleitos, que pendem em recurso da decisão dos tribunaes competentes, e que só por estes podem ser legalmente confirmados ou annullados.

A nossa constituição politica firma-se no saudavel principio da divisão e independencia dos poderes. Largos sacrificios custou esta memoravel conquista da moderna civilisação. N'ella está a melhor fiança de ordem, de liberdade e de justiça. O desconhecimento d'este fundamental dogma do evangelho liberal, a invasão reciproca dos poderes publicos, entrando uns nas provincias e dominios dos outros, o mesmo fôra que retrogradar de muitos annos no longo caminho da civilisação, em que se não levamos a outros a dianteira, tambem não somos já os mais atrazados.

Verdades intuitivas são essas, que a commissão certo não recordara n'este logar se não fôra a confusão de doutrinas e a deploravel equivocação de principios com que recentemente estas questões hão sido pleiteadas no tribunal das paixões politicas, ao grado das prevenções particulares de cada parcialidade.

Não é a camara dos deputados academia para votar theses e declarações vagas de doutrina sem effeito legal, sem immediata execução, sem consequencias praticas. Quando o parlamento proclama uma doutrina, e se convence da necessidade ou da conveniencia de a manifestar por modo claro e positivo, não vota e declara theses; senão que vota e approva leis, em que se traduzem as doutrinas com força obrigatoria e com execução immediata.

Votar principios ou theses, e não ter força para dar cumprimento ás deliberações approvadas, e deixar que as leis antigas ou a jurisprudencia recebida continuem nos tribunaes a afrontar impávidas as decisões dos corpos legislativos, esse não é certamente o officio e a missão dos parlamentos.

Se se tem por averiguada a necessidade de acudir com providencias novas, á escuridade, omissão ou errada interpretação das leis existentes, proponham-se e formulem-se aquellas para evitar a reproducção da pratica viciosa, que ora se condemna, mas não se torne o parlamento juiz dos processos pendentes nos tribunaes, arriscando-se a ver desprezado o seu voto e desconsiderada a sua opinião.

Está determinada nas leis a competencia do todos os poderes do estado. Cada qual tem a sua esphera de acção. Se o poder legislativo ou um dos seus ramos invade as attribuições do poder judiciario, dando parecer sobre os pleitos pendentes,—ou a decisão dos tribunaes confirma o voto do parlamento, ou não. No primeiro caso dir-se-ha que o voto das camaras coagiu, e fez violencia na deliberação dos juizes; no segundo soffrerá inevitavel desaire o parlamento, que teve força para prestar culto esteril a um principio, sem que a tivesse igualmente para o tornar effectivo.

Não é dado admittir que a um tempo o parlamento e o conselho d'estado conheçam com igual competencia do mesmo assumpto. Tomar para o parlamento a these, e deixar aos tribunaes á hypothese, sobre inutil, fôra tão subtil e casuistica distincção, que não se atreve a propor-vo-la a vossa commissão, como meio efficaz de dar justa solução ao assumpto que se discute.

Levada d'estes principios a commissão, declinando de si a apreciação dos actos do governador civil, como presidente do conselho de districto,. e abstendo-se de emittir opinião sobre o objecto dos recursos pendentes no conselho de estado, limitou-se a examinar os actos pertencentes á responsabilidade do mesmo governador, civil, como delegado do poder executivo, nos termos da proposta approvada pela camara, da qual resultou a sua nomeação, apreciando igualmente; como lhe cumpria, a responsabilidade, que n'estes actos podia pertencer ao governo. Tal é a ordem dos seus trabalhos.

Dissolução da camara municipal de Alijó

A dissolução da camara municipal de Alijó é o primeiro facto na ordem chronologica, que se deparou ás investigações da commissão. Pelo apreciar iniciou pois os seus trabalhos.

Com data de 18 de outubro de 1863 dirigiu o governador civil ao ministro do reino um officio confidencial indicando a necessidade e a conveniencia de se dissolver a camara municipal de Alijó, e expondo differentes considerações de interesse publico para justificar aquella medida.

N'esse officio a camara é accusada do ter devido a sua eleição a uma serie de illegalidades, corrupções e violencias, que lhe haviam dado o caracter faccioso que transparecia em todos os seus actos; de estar em manifesta e acintosa opposição á actual situação politica; de ter concitado os povos e commettido abusos, demasias e desperdicios na administração economica do municipio; de ter proposto e feito eleger irregularmente uma commissão de recenseamento igualmente facciosa, rebelde aos legitimos mandatos das auctoridades superiores, e ás decisões dos tribunaes judiciaes, que e com grave menoscabo das leis praticára no ultimo biennio escandalosos abusos, recenseando os seus partidarios, excluindo quasi todos os outros, o que forçara o administrador do concelho a representar muitas vezes contra taes excessos, e a interpor os competentes recursos contra algumas illegalidades, das quaes obtivera provimento nos tribunaes judiciaes.

Acrescenta o governador civil, que a camara queria constituir as assembléas eleitoraes para as eleições municipaes, a que devia proximamente proceder-se, nalgumas localidades, onde não podiam concorrer muitos eleitores por falta de segurança em virtude de antigas e implacaveis rivalidades entre umas e outras povoações; que a camara empregaria, como os seus mesmos membros disseram e era voz publica, na nomeação e composição das mesas, pessoas capazes de toda e qualquer burla ou falsificação nos actos e processo eleitoral, e até de qualquer roubo das urnas, como se receia, e não póde prevenir-se em taes assembléas.

Para acudir com remedio efficaz a tantos e tão avultados males, lembra o governador civil a necessidade de uma boa divisão das assembléas, ás quaes concorressem os povos confiadamente, sem receio de falsidades ou insultos, e da organisação e composição das mesas com pessoas probas, que merecessem e inspirassem confiança para a manutenção da ordem e verdade dos actos eleitoraes.

Para alcançar isto o governador civil propõe a dissolução da camara.

Este officio é acompanhado de outro tambem confidencial do administrador do concelho, datado de 15 de outubro, em que aquelle funccionario propõe ao governador civil a necessidade da dissolução da camara municipal. Allega em abono d'esta medida a conveniencia de alcançar na proxima eleição camararia uma representação composta de cidadãos que, sem serem desaffectos ao governo, fossem pela sua probidade e saber superiores a paixões partidarias, e tivessem por só ambição o promover os melhoramentos e prosperidade do seu municipio. Para obter este resultado julga indispensavel manter a liberdade da uma, a segurança dos eleitores e a verdade dos actos eleitoraes, o que sem a dissolução da camara não poderá conseguir-se pelas rasões tambem expostas no officio confidencial do governador civil atrás extractado.

Em 31 de dezembro remette o governador civil outro officio que, com data de 15 de outubro, recebêra do administrador do concelho de Alijó, em que se referem alguns factos, que a serem verdadeiros, provariam a ruim e obnoxia administração da camara municipal.

N'este officio é a mesma camara arguida de abusar das suas funcções para fazer violencia ao suffragio popular; de se preparar para toda a qualidade de arbitrios, distribuindo