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para servirem de fundamento aquellas, não passa de uma ligeira preoccupação, sem precedentes em trinta annos de pratica de regimen constitucional, e sem base alguma no systema das nossas leis vigentes. É o que passo a sustentar.

Se nas leis patrias em vigor existe o principio das suspeições politicas e das investigações ou syndicancias politicas applicadas as exercicio da liberdade eleitoral

Examinemos primeiro os factos que motivam o extraordinario exame d'esta doutrina.

1.º Dos documentos officiaes e que foram presentes á commissão, consta que, tendo as camaras municipaes do districto de Villa Real feito a designação das respectivas assembléas eleitoraes, d'essas deliberações foram interpostos recursos para o conselho de districto em petições que se acham publicadas na collecção dos documentos juntos ao parecer da camara dos dignos pares. Conjunctamente foram apresentados requerimentos dos mesmos recorrentes, nos quaes davam de suspeitos para julgar estes recursos tres membros effectivos do conselho de districto, por se acharem, diz-se ali, altamente empenhados nas eleições do districto em favor de um dos partidos que se debatiam, e de que elles eram os proprios chefes. Consta tudo dos documentos officiaes presentes ao governo, e já publicados, e dos officios do governador civil de 31 de dezembro e de 4 de janeiro, nos quaes se encontra uma conta circumstanciada de todos estes acontecimentos.

D'aquellas petições de suspeição que continham uma asserção gratuita, porque não era documentada nem d'ella se fez prova, não foi dado conhecimento aos membros do conselho de districto a que se referiam; e pelo governador civil foi tomada a deliberação de fazer convocar os membros substitutos do mesmo conselho, aos quaes reunidos em conselho as apresentou, e por elles, sem audiencia dos suspeitados nem prova da materia allegada (quando ella mesmo fosse objecto de suspeição), foram estes julgados suspeitos para tomar parte nas deliberações do conselho sobre os assumptos referidos. D'esta deliberação arbitraria queixaram-se ao governo aquelles cidadãos, e sobre essa queixa foi pelo ministerio do reino, em officio de 24 de novembro, mandado ao governador civil que desse promptas informações, ao que aquelle funccionario não satisfez officialmente na epocha exigida.

2.º Consta dos documentos officiaes que posteriormente tendo o conselho de districto de julgar da validade da eleição municipal, novamente foi allegada a suspeição dos mesmos membros do conselho de districto pelo motivo de já haverem sido julgados suspeitos para as deliberações anteriores; e porque, acrescentou-se, haviam tomado parte activa nos trabalhos eleitoraes; sem que todavia se allegasse ou provasse qualquer offensa de lei ou excessos praticados por aquelles cidadãos no exercicio do direito eleitoral que os constituissem criminosos.

Consta igualmente que depois por outra parte se requereu que, visto que o conselho já havia recebido como boa doutrina o averbamento de suspeição pelos motivos já referidos, pelo mesmo fundamento e por se dizer que haviam sido auctores das violencias praticadas no acto eleitoral, foram dados de suspeitos o governador civil como presidente do conselho de districto, o secretario geral como presidente eventual e outros vogaes do mesmo conselho.

3.º Por circular de 7 de dezembro o governador civil mandou proceder pelas administrações dos concelhos do districto a um rigoroso inquerito jurado, para se conhecer quaes eram os membros do conselho de districto ou dos conselhos anteriores que haviam tomado parte activa na questão eleitoral, a fim de serem dados por suspeitos. E dizendo-se que d'esses inqueritos resultára que só os tres mencionados membros do conselho haviam tomado parte activa nos trabalhos eleitoraes, resolveu o governador civil, julgando-se auctorisado pelas disposições do artigo 234.° do codigo administrativo, desprezar

1 Governo civil de Villa Real —1.º repartição — N.° 8,1 —Circular — Urgentissimo. — Ill.mo sr. — Para poder avaliar-se o interesse que nas ultimas eleições camararias houvessem tomado os cavalheiros constantes da relação inclusa, os quaes compõem o quadro do conselho administrativo d'este districto, tanto do actual biennio como dos anteriores, e conhecer-se conseguintemente a imparcialidade presumivel com que possam n'aquella qualidade ser juizes nos processos relativos ás mesmas eleições, de que podem ser chamados a conhecer; cumpre que V. s. proceda sem demora a um rigoroso inquerito, ouvindo as pessoas, que com mais verdade, circumspecção e conhecimento de causa, o possam esclarecer sobre se os cavalheiros de que trata intervieram nas eleições por fórma que manifestassem directamente, por intervenção de seus amigos ou por qualquer outra maneira, decidido empenho pelo vencimento de algum dos partidos que se debateram nas ultimas eleições camararias, quer com relação a esse concelho, quer com relação a qualquer outro ou a todos d'este districto.

Esta averiguação, contendo declarações juradas das pessoas que ouvir sobre o indicado objecto, deve ser reduzida a auto por todos assignados, e que me remetterá sem a menor perda de tempo.

Deus guarde a v. s.ª Villa Real, 7 de dezembro de 1863. = O governador civil, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima. — Ill.mo sr. administrador do concelho de Alijó. — Identico aos demais administradores dos concelhos do districto.

Está conforme. = O secretario geral, José de Beires.

Relação dos cidadãos que podem ser chamados a fazer parte do conselho de districto de Villa Real nas questões concernentes ás vitimas eleições municipaes

Luiz de Bessa Correia, Antonio Tiburcio Pinto Carneiro, Antonio José Ferreira de Carvalho, Francisco Maria Cabral de Sampaio, Antonio Ludovico Guimarães, Manuel Ignacio Pinto Saraiva, Manuel Ignacio Teixeira. Antonio Pinto Machado, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Augusto Pinto Machado, José de Moura Coutinho da Silveira Monte Negro. Antonio Gerardo Monteiro, Vital Maximo Teixeira de Moura, José Joaquim Ferreira de Meirelles, Francisco José Moreira de Carvalho, Manuel Lopes de Carvalho Lemos, Antonio Botelho Correia Machado, Bernardo Pereira Rebello, José Paulo Teixeira de Figueiredo, Bernardino Felisardo de Carvalho Rebello, Antonio Cabral de Vasconcellos e Antonio Alves de Aguiar.

Está conforme. = O secretario geral, José de Beires.

N.B. Em todos os autos de averiguação, que estão publicados unicamente foram achados suspeitos de parcialidade os tres vogaes pertencentes ao partido denominado da opposição, e que foram depois dados do suspeitos!

a suspeição que lhe fôra opposta; a que fôra opposta ao seu secretario e todas as outras, submettendo unicamente as offerecidas contra os tres vogaes effectivos do conselho de districto já mencionados, as quaes por aquelle conselho foram julgadas procedentes.

4.º Vê-se finalmente que o conselho assim composto, e funccionando apenas com ires vogaes e o governador civil, resolveu, em sessão de 29 de dezembro, os recursos interpostos contra a validade das eleições nos concelhos de Villa Pouca de Aguiar, Sabrosa, Murça, Peso da Regua, Alijó, Mondim de Basto e Boticas; em sessão de 30 de dezembro, estando presentes os vogaes que haviam funccionado na sessão antecedente e dois vogaes que haviam servido nos biennios anteriores, resolveu os recursos relativos ás eleições dos concelhos de Chaves, Santa Martha e Villa Real, abstendo-se de votar n'este ultimo recurso um d'aquelles vogaes.

De todo este procedimento exigiu o governo esclarecimentos do governador civil que d'elle deu conta circumstanciada nos officios de 31 de dezembro e 4 de janeiro, instruindo-os com todos os documentos officiaes, que podiam esclarecer aquelles factos.

Resulta dos acontecimentos referidos, conforme a exposição da propria auctoridade administrativa superior do districto e dos mais documentos officiaes:

1.º Que pela auctoridade administrativa foram por duas vezes submettidas ao conselho de districto suspeições politicas.

2.º Que essas suspeições quando apresentadas nas sessões do conselho de 13 de dezembro e seguintes, foram simplesmente allegadas e não provadas, tomando-as todavia o conselho em consideração, e julgando-as procedentes.

3.º Que sobre ellas não foram ouvidos os membros effectivos do conselho dados de suspeitos.

, 4.° Que no julgamento principal sobre os recursos eleitoraes funccionou o conselho sem o numero legal.

5.º Que para instruir as suspeições politicas apresentadas da segunda vez, o governador civil mandou abrir devassa jurada em todos os concelhos do districto para se conhecer quaes eram os cidadãos que se haviam empenhado na luta eleitoral.

6.º Que o governador civil por si só resolveu apresentar ao conselho de districto umas suspeições e outras não, denegando assim justiça arbitrariamente, visto que o mesmo motivo politico era por elle julgado legal para provocar uma decisão do conselho.

7.º Que n'esse julgamento igualmente não foram ouvidos os membros do conselho dados de suspeitos.

8.º e ultimo. Que de todas estas resoluções foi dada conta circumstanciada e documentada ao governo em 31 de dezembro e 4 de janeiro em officios do governador civil d'aquellas datas, instruidos com todos os documentos officiaes, que evidenciavam os factos apontados.

Taes são os pontos de facto comprovados pelos documentos officiaes remettidos ao governo, sobre a grave questão comprehendida debaixo da designação de suspeições politicas.

A questão de facto está pois posta em evidencia perante a camara, e esteve-o perante o governo desde que este recebeu as representações dos queixosos e as informações documentadas da auctoridade administrativa, a que já me referi.

Examinarei agora a questão legal sobre este mesmo ponto.

As suspeições politicas de que foram averbados os membros do conselho de districto, o as devassas politicas a que procedeu o governador civil, não têem fundamento no direito das ordenações do reino, em que se tem querido ir baseadas, e quando ahi o tivessem, essas disposições estariam hoje derogadas pela lei politica que inaugurou o systema representativo entre nós.

Foi esta a ordem das minhas idéas manifestada na discussão parlamentar, é a mesma que seguirei aqui.

Não discutirei n'este logar qual dos dois systemas é o preferivel, se o que admitte a faculdade de suspeitar o julgador e recusa-lo por isso; se o que não suppõe favor ou parcialidade no juiz que primeiro que tudo se obrigou por juramento a administrar a justiça com uma severa integridade, e cuja auctoridade depende consideravelmente da idéa que d'elle se formar a este respeito. O primeiro é aceito pelos paizes cultos do continente da Europa; o segundo tem em seu favor a pratica da Inglaterra.

Não julgo tambem que na pratica dos tribunaes deva hoje soffrer contestação a faculdade de oppor suspeições perante os tribunaes administrativos.

O decreto de 9 de abril de 1830 resolveu este ponto definitivamente em relação ao conselho de estado, e antes d'elle o direito do processo civil era já applicado na escala dos tribunaes administrativos. É isto unicamente o que se resolve na portaria de 15 de agosto de 1840, que vinte e quatro annos mais tarde tinha de ser pela primeira vez arbitrariamente interpretada contra o exercicio legal e justo das liberdades politicas!

Na epocha d'aquella portaria podia ser duvidoso se em materia de contencioso administrativo podiam ser admittidas suspeições. Ha pouco que havia sido estabelecida no paiz a competencia do contencioso administrativo; e não é muito que então se duvidasse entre nós sobre este ponto, quando em França por muito tempo se duvidou e duvida ainda da mesma faculdade, pela falta de lei positiva que a estabeleça e generalise. Mas nem em França nem em Portugal se tratou de outra ordem de suspeições que não fossem as do processo civil.

A questão, se no silencio da lei administrativa se deve applicar aos juizes administrativos, as regras do direito commum sobre suspeições; direito commum que em França é o artigo 378.° e seguintes do codigo de processo civil, tem sido e é ainda, apesar dos arestos que a jurisprudencia aponta, objecto debatido entre os homens mais competentes que têem escripto em administração n'aquelle paiz. Impugnou-o o sabio Cormenin, ainda hoje o impugna o sr. Dufour, porque a applicação do direito commum na ordem administrativa envolveria a idéa de que os membros dos tribunaes de administração são verdadeiros juizes, caracter que rigorosamente não se lhes poderia reconhecer, porque ao governo assiste o direito de dissolver o tribunal ou de não homologar a sua decisão.

Eu não hesito porém em reconhecer que. o principio das suspeições civis, em materia de administração contenciosa, tem hoje a sancção da jurisprudencia n'aquelle paiz, e que as disposições do codigo do processo civil são geralmente applicadas nas relações administrativas. Assim tem sido julgado por differentes accordãos do conselho de estado; assim é seguido por Serrigny, Foucard, Chauveau, Sólon e muitos outros.

Eu devo notar que se acha ali expressamente decidido pela jurisprudencia incontroversa dos tribunaes, que nenhuma incapacidade resulta para os membros de um conselho que emittiram a sua opinião e votaram em assembléa geral sobre questões submettidas ao seu exame no interesse publico, para as decidirem depois no julgamento contencioso. Que o professor accusado disciplinarmente perante o conselho de instrucção pública, em virtude de uma condemnação correccional por excitação ao odio e ao desprezo do governo, não podia recusar como suspeito o presidente d'aquelle conselho, reitor da universidade, sob pretexto de que na sua qualidade de ministro da corôa era parte interessada na accusação.

A doutrina das suspeições politicas pois não encontraria de certo melhor acolhimento n'aquelle paiz se nas suas epochas normaes alguem ali pretendesse faze-la reconhecer.

Mas se entre nós, nas relações do contencioso administrativo, é admittido o principio das suspeições de direito civil, como succede em França, como se acha resolvido por lei em Hespanha, e como é aceito por todos as outras nações cultas em que a doutrina das suspeições é recebida; que latitude pôde ou deve dar-se ao direito civil applicado n'estas relações? ou antes que latitude tem a faculdade de suspeitar que ali se admitte?

Este ponto tem uma grande importancia, porque n'esta questão das suspeições politicas tem-se pretendido entende-lo de uma maneira que tende a admittir uma jurisprudencia nefasta para a liberdade.

Entremos de espaço na questão.

As suspeições applicaveis em administração contenciosa são, em meu entender, as de direito civil consignadas nas leis civis, recebidas, reguladas e taxadas na jurisprudencia do paiz.

Foi assim que na discussão parlamentar sustentei este ponto como doutrina que esperava não soffresse contestação; é o que sustentarei agora com mais algum desenvolvimento, visto que se poz em duvida o que me pareceu então não poder ser contestado

A excepção que tem passado em direito por tantas vicissitudes quantas são as formas distinctas que a ordem de processo tem seguido desde seculos, é um meio de não proceder que se refere todo ao julgador, e não um meio de não receber que affecte o fundamento do direito de pedir e que constitua por isso defeza propriamente dita. Mas este caracter todo juridico da excepção não prejudica a sua importancia, porque pôde ella ir ferir outra ordem de direitos e de conveniencias sociaes, não menos graves e não menos importantes quer seja nas relações publicas, quer seja nas relações individuaes.

As differentes epochas e as differentes civilisações têem marcado uma successiva progressão na faculdade de recusar por suspeito.

Occupando-me n'este momento d'este assumpto, considero como completamente á parte as relações politicas reguladas por outros principios e por outras leis nas differentes constituições dos povos.

Nas relações politicas a serie social muito mais interrompida do que nas relações civis, deixa ver succederem-se, muitas vezes rapidamente, profundas separações de systema entre as. differentes epochas, que na ordem civil não se mostram nem tão distinctas nem tão precipitadas.

A ordem hoje garantida dos direitos individuaes tem ainda o seu fundamento nas antigas relações civis conservadas por uma longa tradição, ao passo que as instituições politicas dessas epochas, desde muito que caíram pela base. Nas suspeições o systema foi o mesmo.

Quando a liberdade politica, bem longe de ser reconhecida, era considerada pela lei como um perigo social, e sujeita por isso ao systema preventivo que punia severamente as suas manifestações, actos magestaticos do poder soberano vinham de quando em quando advertir os povos que o poder que os dominava não provinha d'elles, e que o seu dever era obedecer; expiavam assim, debaixo de um poder absoluto, os erros pelos quaes os seus maiores tornados subservientes a um poder invasor, haviam deixado perder as liberdades politicas ainda na infancia do seu desenvolvimento. N'essas epochas que passaram, as suspeições politicas appareciam por vezes como cortejo e auxiliar indispensavel do systema de compressão preventiva, que aquelle regimen admittia.

Este estado acabou quando aquelle systema succederam as instituições representativas.

Por outra parte nos governos de revolução e anarchia o systema seguido foi por vezes o mesmo. A verdadeira liberdade, a liberdade de direito não prosperou nem ao abrigo de umas instituições nem das outras. Umas, não reconhecendo a liberdade politica, não permittiam as suas manifestações porque podiam ser criminosas; outras, julgando-a um perigo, sacrificaram-na á conservação do abuso no poder. Mas a conserva

1 Disse-se na discussão (Diario de Lisboa n.° 53):

«Por esta occasião empraso o sr. deputado Mártens Ferrão para que diga, na primeira occasião que se lhe offereça, qual é a lei d'este paiz onde estão taxadas as suspeições, como affirmou. Não me presumo de jurisconsulto, e desejaria muito se-lo, mas creio que não ha lei alguma que defina e taxe as suspeições, e até me parece impossivel que a houvesse.»

- Encerrou-se o debate então sobre o illustre orador que assim exigia a minha opinião, não podendo por isso. sustentar no debate o que me parece ainda ser uma doutrina facil e constantemente seguida em direito; é este o motivo porque entro aqui mais de espaço n'este assumpto.