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Assim foi correndo seguidamente a eleição, até que foi chamada a minha freguezia, e então redobrou o escandalo. O regedor da freguezia e o professor de ensino primario de Carrasedo, Urbano José Rodrigues, coadjuvados pelo reitor de Bornes e padre Caetano Francisco de Faria, todos governamentaes, fizeram passar por uma ala formada grande numero de eleitores, aos quaes o dito Urbano dava as listas, á proporção que cada um era chamado, dizendo em alta voz «que para isso tinha ordem do governador civil e administrador». Oppondo-se a mesa a receber d'esta fórma as listas, e tentando passar á votação de outra freguezia, começaram as desordenadas vozearias, pateadas, ameaças, e até vivas e morras! E desde esse momento conhecendo a mesa que corria risco senão subscrevesse a tudo, aceitou-as á maneira que lhe eram enviadas, trazendo-as uns pela ala acima com a mão muito levantada, por assim se lhe haver ordenado, trazendo as outros com a mão para trás das costas, e a outros finalmente se lhes tirava a capa para que as não podessem trocar debaixo d'ella! E se mesmo assim de algum duvidassem, era in continenti descomposto, chamando-lhe falso, e dizendo-lhes: «Dê cá a lista para outro, seu maroto». Isto parecerá a v. ex.ª uma fabula, mas é uma verdade presenceada por centenares de pessoas!

Correu depois o resto da eleição sem novidade saliente, até que findou o praso das duas horas, que era quasi sol posto, sendo então que chegou de Villa Pouca alguma tropa, cuja tropa eu nunca cheguei a ver, e chegando mais alguem se exaltaram de novo os animos, deram se novos vivas, e a capella que estava quasi vasia, encheu se. A mesa lavrou a acta e quando se preparava para contar as listas, oppoz se o supradito reitor de Bornes, por ser sol posto, e o remedio era obedecer. Deliberou em seguida a mesa que a urna fosse conduzida para casa do padre Lino Candido Machado, para melhor resguardo, por isso que a capella tinha muita porta, e cercada de muitas casas, e sobretudo da celebre pipa! O que tudo punha em risco quem a vigiasse, emquanto que a casa d'aquelle só tinha uma unica porta e que por conseguinte a todos era mais facil o guardar, mas como isto lhes não convinha aos governamentaes, porque sabiam claramente que apesar de todas as tropelias, tinham a eleição perdida, e saíndo o presidente da capella com a urna na mão mettida dentro de um saco, cozido e lacrado, e acompanhado dos vogaes e alguma gente, foi embaraçado ao saír da porta por os tantas vezes ditos reitor de Bornes e padre Caetano de Faria, que em altas vozes amotinavam o povo, que bem amotinado estava elle, e lhes disseram em altas vozes: «Accudam, accudam que nos querem tirar a urna». E n'um momento tiraram a uma ao presidente e a capella se encheu de armas, paus, fouces, etc. e eis que começa a grande desordem. É de notar que vendo n'esta occasião a uma debaixo da capa de um proletario de Bornes, que me dizem se chama Guimarães, lhe lancei a mão para que a não sumisse, mas não m'a largando elle, vi em frente de mim um creado meu, e lhe disse que não deixasse a uma aquelle homem, e vendo armas engatilhadas á vista e outras occultas, saí pela porta travessa, e recebendo ali novos avisos de que a minha vida corria perigo, retirei para o fundo do povo para casa de D. Maria do Pereiro, e apenas tinha chegado ali, vi entrar o eleitor João dos Santos Soares, de Villarinho, barbaramente espancado e persegui do pela policia, que invadiu o pateo, varanda e cozinha, e fugindo este por uma janella, aquella não penetrou no aposento aonde eu estava, mesmo porque a dona da casa se oppoz. No pateo d'esta casa dizem que se bateram armas.

Logo que escureceu saí pelos quintaes para o logar de Eirós, e por isso nada mais vi, excepto que me esqueceu dizer, que não se tendo opposto nenhum vogal da mesa á condução da uma para casa do tal padre Lino, não obstante não gostarem alguns, o escrutinador José Joaquim de Sousa Machado, quando o presidente e os mais iam a saír com ella, saíu elle pela porta travessa a chamar a auctoridade que viesse impedir a saída da uma, e entrando elles quando eu retirava, lhe ouvi aquelle Machado: «Que não queria a urna em casa do padre Lino por lá estar o commandante da força».

Soube depois que me prenderam dois creados, que espancaram o vogal da mesa Antonio José de Sousa Machado, e que insultaram o presidente, afóra o terem-lhe sempre desobedecido, e afugentaram tudo.

Mais prenderam a um creado do eleitor opposicionista Francisco de Paula Carneiro Leite, postando n'essa noite piquetes em todas as avenidas, e patrulhas em todas as ruas de Bornes.

Iguaes medidas repressivas se adoptaram no dia seguinte, porque mandando um outro creado com um officio ao presidente da assembléa, em que lhe participava que, por coacção, não apparecia á mesa, foi este tambem preso, e remettido com os dois da vespera para a cadeia de Villa Pouca, algemados e escoltados com policia e tropa, com seus respectivos commandantes, os quaes depois regressaram para Bornes, deixando os presos na cadeia, d'onde os soltaram passados mais de tres dias, sem requisição, nem processo!

Soube mais que uma das chaves da capella foi entregue ao presidente, outra ao tenente Ribeiro e outra ao reitor, mas a do presidente foi-lhe pelo reitor exigida na manhã do dia 23, occasião em que lhe disse tambem que a uma havia de ser roubada por bem ou por mal.

Que o presidente fôra n'esse dia insultado, e que com receio só fizera de mero espectador. Que outro tanto fizera o escrutinador Caetano de Sousa Madureira, logo que viu que o mencionado Urbano e João José de Sousa Canavarro Leite começaram a contar as listas conjunctamente com o escrutinador Sousa Machado, trocando-as a seu belprazer, e substituindo-as ás mãos cheias por outras, do que ha testemunhas, como são, Alvaro Rodrigues, de Villarinho; José Joaquim de Sousa, de Valloura; e João Filippe Magalhães, de Eiriz, e outros.

Que os editaes necessarios se não affixaram, e que as listas se não queimaram, mas sim ficaram archivadas nas gavetas e nos bolsos dos influentes.

Emquanto á assembléa de Pensalvos, é certo é sabido que o parocho do Bragado disse missa logo depois da meia noite! para os seus eleitores irem de noite e muito de noite para a eleição, e para elle ir ser vogal da primeira mesa, que se installou ao nascer do sol, ou antes, mas nem por isso o relogio do regedor, que se achava na igreja, deixava de marcar onze horas mal o sol despontava. O restante dos eleitores governamentaes tinham todos votado ás sete horas para as oito.

O presidente legitimo chegou ás oito horas e meia, ou nove menos um quarto.

Pelo que diz respeito ás assembléas feitas pela camara, e revogadas pelo conselho de districto, não têem termo de comparação a commodidade das primeiras com o desconchavo das segundas. Ha ahi só a notar o mandar a camara a pequena e remota freguezia da Parada de Monteiros para Tellões, mas pára a Vreia ainda era mais longe, e já para lá tem ido sem se queixar, e para Villa Pouca seria mais perto um quarto de legua, se tanto. Mas comparado isto com a incommoda e illegal designação das assembléas do conselho de districto á ultima hora, é o cumulo das arbitrariedades, como v. ex.ª se póde informar. E para que se fez esta mudança, afóra a longitude dos povos? Foi para collocar uma assembléa em Pensalvos, onde o barão da Ribeira de Pena tem muitos caseiros, parentes e amigos, e onde os influentes e o povo são governamentaes, succedendo outro tanto em Bornes, d'onde é natural o dr. Costa, padre

Anastacio Saraiva, padre Caetano de Faria, reitor da universidade, e por conseguinte todos.

Tudo o que tenho narrado é a pura verdade a qual afianço debaixo de palavra de honra, e que estou prompto a jurar em toda a parte. Dê-lhe no entanto v. ex.ª o credito que lhe aprouver.

Freixeda, 21 de março de 1864. = Paulo de Sousa Leite Pereira Canavarro.

Antonio José de Sousa Machado, proprietario, natural de Vilarinho, concelho de Villa Pouca.

Declaro ao ex.mo commissario regio, syndicante das eleições municipaes n'este districto o seguinte:

Que é verdade todo o retrò narrado pelo primeiro ill.mo sr. dr. Paulo de Sousa Leite Pereira Canavarro, pois tudo presenciei na qualidade de secretario da mesa de Bornes, e o que não presenciei e foi praticado no dia 23, o ouvi a pessoas verdadeiras, e por isso como de verdade o tenho.

Mais declaro ser verdade que na occasião em que a mesa deliberou que a urna fosse conduzida para casa do padre Lino Candido Machado, fui espancado por Urbano José Rodrigues, regedor d'esta freguezia ao saír da capella, salvando na fuga a vida, pois que ainda hoje me resinto das pancadas.

Declaro mais, que não me julgando seguro em Bornes, fugi com o morgado de Lagobom Francisco de Paula Carneiro Leite para sua casa, e pela manhã, não sabendo dos outros mesarios, e julgando ser lá precizo, diriji-me para Bornes, e logo que cheguei ao fundo do povo esperei, mandando um creado a diante e examinar se podia ir sem risco, e emquanto esperava pela resposta fui accommettido por uns poucos de homens que não deixei chegar a mim; mas que me seguiram até ao rio fugindo eu sempre, e seguindo-me elles sempre a correr n'uma larga distancia.

Mais declaro que a divisão das assembléas, era mais comoda a feita pela camara, do que a feita pelo conselho de districto, nem ninguem de boa fé sustentará o contrario.

Villarinho de S. Bento, 21 de março de 1864. = Antonio de Sousa Machado.

Manuel dos Santos Rodrigues Pereira, proprietario, e natural de Soutelinho, do concelho de Villa Pouca.

Declaro que é tudo verdade o quanto atraz mencionou o bacharel Paulo de Sousa Leite Pereira Canavarro e Antonio de Sousa Machado, pois que tudo por mim foi presenceado na qualidade de presidente da assembléa de Bornes, aonde em ambos os dias fui sempre desobedecido e atrozmente insultado.

Mais declaro que tendo exercido varios empregos civis e militares, nunca a minha vida correu tanto risco como nos referidos dois dias, e foi esta justamente a rasão por que no fim assignei a acta, acrescendo alem d'isso as ameaças de multa, o que tudo fez com que eu depois do padre Caetano de Faria me convidar, debaixo de palavra de honra, que ninguem me fazia mal, me insultaram, chamando-me comedor, camarista de... e de me fazerem entrar na capella aos empurrões e de me tirarem a cadeira quando me fui a assentar que ainda cheguei com as mãos ao chão; o que tudo fez com que eu, repito, fizesse de mero espectador e assignasse tudo, mas vendo como o Urbano e João José Leite de Sabroso, e José Joaquim Machado, trocavam as listas quando as contaram, substituindo-as por outras que queriam; mas era ver, ouvir e calar.

Mais declaro, que quando o reitor de Bornes me foi exigir a chave da capella pela manhã cedo do dia 23, a qual me tinham entregado na noite antecedente, elle me disse que a urna havia de ser roubada por força, e perguntando-lhe o modo como, respondeu-me, tinhamos já muita gente preparada para isso o Silvino e... e aqui se ficou. E com effeito o tal sr. Silvino foi um dos que lá vi sempre na eleição sem que fosse eleitor.

Mais declaro, que os editaes se não passaram nem affixaram, nem as listas se queimaram, mas sim foram guardadas em gavetas e nos bolsos.

E declaro por ultimo que officiei ao ex.mo general da provincia, para que pozesse alguma força á minha disposição, e elle me respondeu que tinha ordem do governador civil para não a por senão á ordem do administrador, que com elle me entendesse. Officiei ao administrador que m'a prestasse e elle respondeu que daria ordem ao regedor para me dar policia, mas este nunca me obedeceu, e o administrador ficou com a tropa em Villa Pouca, sem que fosse requisitada.

Emquanto ás assembléas nada digo por ter sido camarista. Esta é a verdade, o que juro.

Soutelinho, 21 de março de 1864. = Manuel dos Santos Rodrigues Pereira.

Padre Henrique Antonio Rodrigues, presbytero, do logar da Freixeda, concelho de Villa Pouca.

Declaro perante o ex.mo commissario regio, ou perante quem convier, que a eleição municipal que teve logar em Bornes não foi livro pelo que presenciei no dia 22, e pelo que ouvi no dia 23, e bem assim ouvi que não foi em Pensalvos. No dia 22 logo no começo da eleição o presidente começou a ser desobedecido não só dos eleitores, mas dos que o não eram, e quando a minha freguezia votou, o Urbano José Rodrigues e o regedor fizeram passar por uma ala muitos eleitores a quem o dito Urbano dava as listas á vista, dizendo bem claro que para isso tinha ordem do governador civil e do administrador. E recusando a mesa receber assim as listas, fizeram assuada e muita pateada, e até uivos. No fim de terem obrigado os eleitores a votar, muitos foram insultados escandalosamente. Tudo isto presenciei, e por isso o declaro debaixo de palavra de honra, e até o jurarei in sacris se for necessario.

Freixeda, 21 de março de 1864. = Padre Henrique Antonio Rodrigues.

João dos Santos Soares, eleitor e lavrador, residente em Villarinho, concelho de Villa Pouca.

Declaro, para ser patente ao ex.mo commissario regio, que achando-me no logar de Bornes por occasião da eleição da camara, e na occasião em que a mesa mandou conduzir a urna para casa do padre Lino fui espancado desapiedadamente por Antonio Lapa e outros policias de Bornes, e senão fugisse decerto me matavam, porque alem de estarem bebados queriam vencer a eleição á força.

Villarinho de S. Bento, 21 de março de 1864. = João dos Santos Soares.

Francisco Antonio Borges, proprietario eleitor do logar e freguezia de Capelludos, do concelho de Villa Pouca.

Declaro que sendo um dos eleitores que fui á assembléa de Bornes, ali me foi imposta uma lista por Urbano José Rodrigues, o qual dando-ma na mão me fez passar por uma ala, a qual elle, o regedor, o padre Caetano de Faria e o reitor de Bornes formaram, e me fizeram passar por ella para que não podesse trocar a lista, e demorando-me eu alguma cousa proximo á mesa deu isto logar a desconfiarem que eu a tinha trocado, e ali mesmo fui insultado, dizendo o padre Caetano de Faria em voz alta no meio do templo — este foi falso.

Em seguida á porta do mesmo continuaram os insultos que me foram dirigidos pelo reitor d'esta freguezia, regedor e Urbano, tentando este metter-me a mão aos bolsos, me disse — dê cá a lista para outro.

Isto foi presenceado á vista de centenares de pessoas. Pela ala dita fizeram passar a meu cunhado João Bernardo da Costa, o qual ao darem-lhe a lista lhe tiraram o capote com desconfiança que debaixo d'elle substituisse a lista por outra; e bem assim fizeram passar muitos outros eleitores aos quaes a uns ordenavam que levassem as listas levantadas á moda de bandeiras, e a outros que a levassem virada para trás das costas; havendo em todo este tempo muitos vivas e assoviadas.

Que mais sei que, achando-me do lado de fóra da porta travessa da capella, aonde se achava tambem o dr. Costa Pinto, na occasião em que, dizem, o creado d'este João puchou por uma faca para Francisco Antonio de Madureira,

Vi passar um policia do logar de Bornes, homem de cincoenta annos, e vestido com um casaco de beitão verde queimado em uma aba, mas que não conheço, o qual homem bateu da esquina da capella para a porta principal por duas vezes uma arma, o que igualmente foi visto pelo vizinho do policia, dr. Costa, sem que este o reprehendesse. E tentando o dito policia bate-la terceira vez, pois parecia bebado, um eleitor de Jalles lhe levantou a arma para cima e lh'a tirou.

Capelludos, 21 de março de 1864. = O regedor, substituto, Francisco Antonio Borges.

João Faustino Rodrigues, proprietario e eleitor; Antonio José Castanheira, lavrador e negociante; residentes no logar de Carrazedo, freguezia do Bragado, concelho de Villa Pouca.

Declarâmos perante o ex.mo commissario regio o seguinte: Que sendo residentes no mesmo logar do presidente da primeira mesa eleitoral de Pensalvos, este por volta da meia noite mandou chamar os eleitores do governo, batendo fortemente ás portas, e com elles partiu logo para Pensalvos, e acordando nós com este barulho, nos preparámos e montámos a cavallo, e nos dirigimos tambem para lá, tendo-nos demorado pouco, e ao sairmos encontrámos muita gente que já vinha da missa da freguezia, dita pelo parocho do Bragado pouco depois da meia noite, o qual tambem foi vogal da primeira mesa, e saiu com os seus eleitores depois da missa para Pensalvos, d'onde dista meia legua pequena.