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N.º 15. SESSÃO DE 19 DE ABRIL. 1853

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 79 Srs. deputados.

Abertura. — Ao meio dia e um quarto.

Acta — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Officios: — 1.º Do sr. Ribeiro d'Almeida participando que tendo-se aggravado a enfermidade que soffre ha mezes, não póde comparecer á sessão de hoje e talvez a mais algumas. — Inteirada.

2º — Do ministerio da marinha e ultramar, acompanhando a relação nominal das praças ainda existentes do extincto batalhão naval; e um mappa designando o modo, por que se acha distribuida essa força, satisfazendo assim a um requerimento do sr. Arrobas. — Para a secretaria.

3.º — Do ministerio das obras publicas, satisfazendo aos differentes quesitos propostos pela commissão de obras publicas. — Remettido a esta commissão.

Representações: — 1.ª Da camara municipal de Lamego, pedindo a pequena cerca do extincto convento dos Gracianos daquella cidade, para nella se fazer a feira annual de Santa Cruz de maio, e os mercados quinzenaes ultimamente creados pela junta geral do districto. — Á commissão de fazenda.

2.ª — De alguns administradoras de vinculos e capellas, pedindo uma lei que estabeleça a abolição dos vinculos, e o aforamento e n subrogação de bens vinculados em escala maior do que estabelece o decreto de 4 de abril de 1842. — A commissão de legislação

3.ª — Da commissão de recenseamento do concelho de S. Vicente, na ilha da Madeira, contra o alvará do governador civil, que transferiu para o dia 10 de abril corrente a eleição dos deputados — Á commissão de poderes.

SEGUNDAS LEITURAS.

Projecto de lei (n.º 19 A): — Senhores — O progressivo desenvolvimento da nossa agricultura, e o consequente augmento da nossa riqueza publica são fructos daquelle sublime principio, que presidiu aos actos da memoravel dictadura dos Açores: — a liberdade da terra é hoje um axioma.

Essa rapida transformação, que se tem operado em uma pequena extensão da superficie do solo continental é devida ás medidas liberaes e economias, que um dos maiores e mais patrioticos génios dos nossos tempos aconselhou ao governo do imperador.

Mas nem a sua obra ficou em tudo completa, nem o seu pensamento foi exactamente tradusido na practica; e todavia, prestando á justiça a devida homenagem, cumpre reconhecer que aquella mão que não tremeu ao assignar os decretos, que restituira á terra a liberdade, havia tantos seculos usurpada; — que não vacillou ao referendar os decretos que a alliviaram dos flagellos que, opprimindo-o, resistiam á producção; e que aquella vontade finalmente, que não duvidou vir ás mãos com as poderosas influencias do claustro, para tornar fecunda e divisivel uma importante parte da nossa propriedade, esterilmente accumulada, e para pôr em movimento e vida social uma significante parte da população, essa mão energica, e essa vontade efficaz não hesitariam tambem ao decretar e firmar a completa extincção dos vinculos, se as considerações sobre a situação politica lhes não aconselhassem o mais prudente arbitrio de adiar para melhor ensejo a medida vital de uma empreza filosófica e eminentemente patriotica.

A nós toca, senhores, como herdeiros dos beneficios começados, cumprir aquelle legado de consciencia e civilisação. Quem sabe se a Providencia Divina, compadecida de nós, nos reteve no cumprimento delle, e tem dado mais esta vida a uma instituição heterogenea e essencialmente inimiga da prosperidade, para nos habilitar a erguer, sobre as ruinas della, a nossa independencia nacional, a nossa emancipação financeira?

O projecto que vou offerecer a vossa sabedoria, emprehende ambas estas magestosas operações; mas de um modo tal que, conservando dos vinculos sómente aquillo em que elles podem ser uteis ao estado, aquellas utilidades que relata o preambulo da lei de 3 de agosto de 1770, tire do meio da sociedade os estragos que elles lhe causam; estragos que, passando em proverbio já no anno de 1770, mas não havendo então meio termo a escolher entre a extincção e a conservação, as providencias legislativas foram circumscriptas a remedios puramente attenuantes.

E o nosso paiz essencialmente agricola: d só pela agricultura que podemos prosperar: se esta verdade ainda hoje não é de facto reconhecida por alguma fracção arrastada de um interesse enganador e volátil, muito cedo não haverá um portuguez que não preste a devida homenagem a este exioma, e que não se peze de que elle não entrasse desde logo em suas convicções.

Mas para isso precisamos produzir barato; e para produzir barato, precisamos libertar e dividir a terra, e fomentar a população: os vinculos oppõem-se, como se o punham os claustros, a uma e outra necessidade; e se elles não são os unicos inimigos da população nem por isso devem deixar de ser debellados, em quanto não podemos empenhar um esforço vigoroso para debellar os outros. Extinguimos os frades sob a influencia de Ião ponderosas considerações; a coherencia de principios aconselha que desvinculemos os bens de raiz, e os restituamos ao commercio das coisas: accrescentaremos que a coherencia nos mandava, em primeiro logar, desvincular os bens de raiz. Por quanto os frades significavam até certo ponto, o principio da associação; em quanto que os morgados sempre significaram o principio da amortisação: os frades trabalhavam, para produzir e enriquecer; porém os morgados, adormecidos á sombra da instituição, seguros da impunidade da sua incuria e preguiça, sómente accordam ao estrondo das ruinas da sua propriedade que nunca mais se torna a er-

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quer, e aos grilos dos credores fraudulentos com quem especularam sem resistencia, na esperança de se vingarem delles por sua morte.

Nem se diga que neste projecto hostilizamos a grande propriedade; ao contrario nós reconhecemos todas as vantagens sociaes e economicas que derivam naturalmente della, como penhor e garantia da riqueza publica: mas querê-m'o-la adquirida e sustentada á custa de esforços individuaes, e sem privilegios nem isempções dos encargos que gravam a pequena propriedade. Queremos que a propriedade não seja só o premio do trabalho, mas tambem o incentivo para elle. Queremos ainda mais, e é — que o credito rural descance firmando-se sobre um bom systema hypothecario: queremos os capitaes purificados da usura e accessiveis, pela sua barateza e facilidade, a todas as industrias e emprezas agricolas; e finalmente queremos vedadas as usurpações que os vinculos de bens de raiz practicam á sombra das obscuras clausulas das instituições, arrastando comsigo para uma successão singular um enorme valor de bens estranhos ás dietas instituições: e em consequencia alliviado o fôro de frequentes e devastadores letigios sobre este assumpto.

Quem ousará tomar sobre si a apologia da propriedade vinculada, quando esta se estrema da propriedade livre pelo deploravel espectaculo das ruinas, da desolação, e do abandono? Quem percorre dois passos no nosso paiz, sem deparar com as ruinas de um edificio, com uma varzea alagada e incidia, com uma vasta quinta de campo, e com outros taes quadros de miseria, que são o epitafio de uma instituição malfaseja, alvo dos clamores da humanidade e da justiça? Amortisemos tudo, senhores, mas não amortisemos a terra, que é a fonte da nossa riqueza, e a base de toda a nossa organisação economica.

Ha porém familias para quem os vinculos são uma tradição de gloria, e uma necessidade creada pelo habito: respeitemos a tradição e a necessidade dessas familias, mas libertemos-lhe a terra, cujo inteiro dominio não é seu, porque delle não podem dispor. Não repetem ainda as paredes desta casa os clamores de um senhor de grandes morgados contra uma instituição, que o condemna a morrer de fome com seus filhos, quando, mediante a alienação bem dirigida da decima parte de suas leiras, ficaria habilitado a viver no seio da abundancia e da fortuna?

Toleráram-se as instituições vinculares, para que houvessem cavalheiros que servissem a patria as novas conquistas de possessões; cumpra-se pois o fim dellas. Nem os novos tempos consentem, nem nós precisâmos de novas possessões: sirvam por tanto os morgados n'outra especie de conquista e não menos proficua á patria; conquistem a nossa emancipação financeira, e fechem as portas a esses milhões de crusados, que todos os annos vamos levar ao estrangeiro, como preço da nossa servidão e dependencia. Qual será o futuro desta nação, se não obviarmos á expoliação de peito de 2:000 contos de réis, que annualmente pagamos de juros pela divida externa, e se não provei mos ao augmento da riqueza publica, mediante o emprego de medidas eminentemente economicas e liberaes!

Senhores! O projecto que temos a honra de apresentar-vos, parece-nos que concilia as vantagens da liberdade da terra com as conveniencias da conservação dos vinculos; ainda mais: cremos que elle resolverá o grande problema da conservação da divida externa, sem encargos, nem sacrificios do thesouro, e sem depreciação do valor da propriedade.

A divida externa é uma voragem, que absorve todos os recursos do paiz, e que, tarde ou cedo, ha de exhaurir as fontes, de que elles derivam. Declinemos essa voragem, nacionalisando a divida, e teremos afferrado a ancora da salvação financeira.

Não se diga que a divida externa não assusta; se os dividendos ficarem no paiz, ficará a riqueza comnosco, e o imposto que (em essa applicação, se tornará fecundo e productivo; é o que succede em outros paizes, especialmente na Inglaterra: mas quando esse dividendo, progressivamente para nós aggravado pelas nossas incessantes difficuldades e embaraços financeiros, a que lhe dá principalmente causa, sae a barra para nunca mais voltar, o imposto que o produziu, esterilisa tudo, até o ponto de o tornar impossivel.

Discorrer mais sobre este assumpto, seria offender a vossa illustração e patriotismo.

O projecto auctorisa a instituição de novos vinculos em titulos de divida externa, e confere a essas instituições o direito a certas distincções nobilitarias, que estão em harmonia com a nossa organisação politica, e que garantem a independencia e o esplendor da camara hereditaria: é a necessaria illacção do mesmo pensamento, é a homenagem devida ao principia de imparcial justiça; porque reconhecida a conveniencia da conservação dos antigos vinculos, forçoso é reconhecer o direito de instituir outros de novo.

Eis-aqui pois o projecto:

Artigo 1.º Dentro do praso de dez annos, contados da data da presente lei, todos os bens de raiz, no continente do reino e suas possessões, ficarão libertados do vinculo de morgado e capellas, entrando no commercio como allodiaes.

Art. 2.º Dentro do referido praso fatal, e improrogavel, os actuaes administradores dos mencionados vinculos, de accordo com seus immediatos successões, optarão pela alternativa, ou da allodialidade dos dictos vinculos, ou da subregação dos bens de raiz de que elles se compõem, pelo modo abaixo prescripto;

§ 1.º Se algum delles, ou ambos, forem incapazes de contractar, segundo as leis em vigor, a opção será deliberada por seus respectivos tutores.

§ 2.º Sobre esta deliberação dos tutores não gosam os tutelados da restituição in integrum.

Art. 3.º Os emancipados por qualquer modo legal são aptos para optar.

Art. 4.º Não é necessario outorga das mulheres dos que forem casados, excepto se os vinculos vem por cabeça dellas.

Art. 5.º A opção poderá comprehender ambas as alternativas, desvinculada uma parte, e subrugada outra parte dos bens vinculados.

Neste caso a subrogação tem o caracter de nova instituição, para se poder introduzir qualquer alteração nas instituições que sejam conforme ás leis em vigor, quanto á regularidade das vocações

Art. 6.º Havendo discordancia entre o administrador e o immediato successor, prefirirá o arbitrio pela subrogação.

Art. 7.º Findo o praso marcado no artigo 1.º,

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sem que os administradores, ou seus immediatos successores tenham effectuado a subrogação, os bens de raiz desvinculados seguem, ipso jure, a successão prescripta nas leis em vigor para os demais bens allodiaes.

Os encargos pios impostos nos bens assim desvinculados, serão garantidos pelo modo prescripto no artigo 18.º abaixo.

Art. 8.º Os actuaes administradores podem concordar com os immediatos successores, que optarem pela desvinculação, que se proceda logo á partilha dos bens desvinculados: neste caso ella se fará a todos os herdeiros, que teriam direito a quinhão nelles, se fossem allodiaes ao tempo da morte do ultimo administrador.

Art. 9.º A subrogação permittida no artigo 2.º e seguintes sómente se póde effectuar por titulos da divida externa consolidada.

Porém se, ao tempo em que ella deve ser levada a effeito, os titulos da divida externa valerem a mais de 80 por cento nos mercados estrangeiros, poderá ser feita por titulos da divida interna.

Art. 10.º A subrogação deve proceder a avaliação dos bens de raiz subrogados: ella será feita por louvados da nomeação do administrador, e do immediato successor, ou dos tutores de cada um delles, perante o juiz contencioso do concelho, onde forem situados alguns dos dictos bens vinculados.

§ 1.º O juiz nomeará os louvados de desempate.

§ 2.º Se o pai administrador fôr o tutor do immediato seu filho, o juiz nomeará por este o louvado, além do de desempate.

Art. 11.º Se os bens subrogados andarem de renda, não haverá logar á avaliação; a subrogação se fará por titulos de rendimento igual ao em que os dictos bens andarem arrendados, ao tempo em que a subrogação se effectua.

No caso de avaliação devem igualmente os titulos subrogados ser um rendimento igual, no tempo da subrogação, ao em que foram avaliados os das propriedades subrogandas.

Art. 12.º Com a certidão da avaliação dos rendimentos dos bens, ou com escriptura, ou escripto de arrendamento, será autuada a petição em que se requereu o processo para a subrogação: nestes autos será logo lavrado o auto de subrogação, no qual sejam confrontados os bens que sáem do vinculo, e os titulos que para elles entram.

No reverso dos titulos assim vinculados se lançará nota, assignada pelo juiz e escrivão, na qual se declare como foram vinculados por subrogação dos bens que constituiam a instituição de F.....de que era ultimo administrador o subrogante.

Art. 13.º Lavrado o auto, e feito concluso o processo, o juiz julga boa a subrogação:

A sentença extrahida fica sendo o titulo do vinculo, salvas as vocações expressas na instituição, e não alteradas na forma do artigo 5.º, no que não encontrarem as disposições da lei.

Art. 14.º Abrir-se-ha na junta do credito publico um registro especial de vinculos, no qual sejam registradas as inscripções que passarem para os vinculos.

Art. 15.º A referida junta dará inscripções com assentamento do fundo da divida externa, resultando a conversão a 4:500 réis por cada libra que representarem os bonds para a subrogação.

Art. 16.º A legislação relativa ás devoluções e commissos, e toda a outra relativa aos vinculos continua a ser applicavel aos subrogados, ou de novo constituidos nos fundos referidos.

Art. 17.º Aquelles a quem o vinculo subrogando dever alimentos por disposição da lei, tem o direito de segural-os por um de dois modos, á sua escolha: ou pela adjudicação de titulos, ou pela de propriedades, cujos rendimentos sejam de concorrente quantia co n os dos alimentos devidos.

Optando elles pela adjudicação de predios, sobre estes recáe a hypotheca legal com os privilegios alimenticios, que deve ser registrada.

A adjudicação será feita na mesma sentença que julgar boa a subrogação.

Art. 18.º Se o encargo fôr pio, o juiz, na sobredicta sentença, adjudicará tanta parte dos rendimentos dos titulos quanta bastar para custeamento de tal encargo.

Art. 19.º As sobredictas adjudicações serão mencionadas na nota do reverso dos titulos, e no registro mencionado no artigo 14.º

Art. 20.º Se ao tempo da subrogação não constar da existencia dos predictos encargos alimenticios, ou pios, seja porque fossem occultados, seja porque ignorados, a pessoa, ou corporação interessada poderão reclamal-os dentro de cinco annos, contados da subrogação; salvo o impedimento invencivel, e a legitima restituição.

§ unico. Provada a existencia legal desses encargos reclamados dentro do referido praso, o juiz fará a adjudicação, e procederá na fórma do artigo 17.º e seguintes.

Art. 21.º Os rendimentos dos titulos, adjudicados á satisfação dos mencionados encargos são, para esse fim, sujeitos a penhora e execução:

E tambem o são em vida do administrador que os consignou a seus credores.

Art. 22.º Todo o cidadão portuguez, qualquer que seja o seu estado e condição, pode instituir morgados nos sobredictos titulos de divida externa ou interna, no lermos do artigo 9.º e seguintes, seja qual fôr a cifra do rendimento que queira vincular; salvo os direitos dos herdeiros forçados:

§ 1.º As instituições serão feitos por escriptura publica, ou por testamento:

§ 2.º As vocações devem ser conformes á lei de 3 de agosto de 1770 e mais legislação respectiva.

§ 3.º As annexações das terças são permittidas mesmo aos que tem herdeiros forçados, sendo convertidas nos referidos fundos.

Art. 23.º As instituições serão submettidas á regia approvação pela repartição dos negocios do reino.

Pelo diploma de confirmação pagará o requerente a taxa de I por cento ad valorem, da qual poderá o governo dispor em favor de algum estabelecimento pio que mais necessitar.

Art. 24.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Lisboa 13 de abril de 1853 — Visconde da Junqueira s Visconde de Monção — Antonio dos Santos Monteiro — Antonio José Antunes Guerreiro.

Foi admittido, e enviado á commissão de legislado.

Mandou-se imprimir um parecer da commissão de instrucção publica, regulando a divisão dos emolumentos provenientes das matriculas da Universidade

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entre o thesoureiro e o official da contabilidade da secretaria da mesma Universidade.

O sr. Jacintho Tavares: — Sr. presidente, tenho observado quando fallam aqui alguns dos illustres oradores, cuja voz não é tão forte, que possa ser ouvida em todos os pontos desta camara, que muitos dos illustres deputados se levantam das suas cadeiras, e se vão agrupar junto ou de fronte do orador para melhor o ouvir, ao mesmo tempo que ficam outros nos seus logares, por intenderem do seu dever não largar as suas cadeiras, e vão-se distrahindo em conversações tão altas que insensivelmente perturbam o socego da camara, e não deixam ouvir ale mesmo aquelles que se acham na maior proximidade da cadeira do orador. Resulta daqui, sr. presidente, o não poder-se apreciar a força dos argumentos de que se compõe o discurso, e votar-se muitas vezes authomaticamete, e sem nenhum conhecimento de causa sobre a materia que se discute.

Este mal, sr. presidente, deve evitar-se; e para se evitar é preciso conhecer a sua causa; e eu intendo que uma das principaes causas deste mal está na má construcção desta sala, a qual, segundo o parecer das pessoas intendidas e competentes, não tem aquella fórma, e aquellas proporções que a acústica recommenda. Para se remover esta causa pela raiz seria necessario substituir esta casa por uma outra, onde se dessem esses requisitos tão exigidos por aquella parte da física. Porém, não sendo possivel ás actuaes forças do thesouro o fazer uma obra desta monta, nem por isso devemos deixar de lançar mão de algum meio, de algum remedio, que, ainda que palliativo, comtudo possa, ao menos em parte, remediar os máos effeitos da mesma casa. Eu me lembro de um, e muitos outros illustres deputados se teem lembrado delle, e com muita especialidade o sr. José Estevão que o indicou muito clara o distinctamente no seu ultimo discurso, e vem a ser collocar uma tribuna no logar mais conveniente desta sala.

Eu estou desconfiado que esta proposta não ha de ser approvada pela camara, e talvez mesmo que não seja admittida á discussão, isto pela repugnancia que quasi todos temos em subir a uma tribuna, e fallar della; eu mesmo confesso que, não obstante ser parocho, e pregador ha muitos annos, tenho muita repugnancia em subir ao pulpito; todavia, é do meu dever propor o remedio para aquelle mal, e nesse seu tido remei to para a mesa a seguinte proposta. (Leu) Continuando: — Outras muitas irregularidades ha, sr. presidente, que nós todos conhecemos, e nenhum de nós póde negar; ha muitas irregularidades aqui, e é necessario igualmente corregi-las; e é tão necessario corregi-las, quanto é necessario que démos daqui o exemplo ao povo, para quem legislamos, e mesmo para não elevar a materia, que servirá de corpo de delicto ao grande processo em que está mettido o systema representativo em toda a Europa. O remedio está em um regimento vigoroso, que contenha não só todas as providencias ordinarias, mas todos os elementos precisos para segurar a sua observancia. Nesse sentido remetto para a mesa a seguinte proposta, conteudo duas partes. (Leu)

Ambas as propostas ficaram para segunda leitura.

O sr. Antonio Feio: — Apresento á camara um requerimento, pedindo uma pensão, intendendo que com a sua apresentação não contrario a acertada decisão, que ainda ha pouco se tomou, de que a iniciativa para as pensões pertence ao governo, e não a esta camara, não só porque já depois do tal deliberação, se apresentaram requerimentos identicos, mas porque este que apresento, não é mais que a renovação de um outro feito ás córtes em 1835.

Sr. presidente, a pensão que se pede neste requerimento, não é para a viuva de alguns desses dignos empregados, que, encanecidos no serviço do seu paiz, pagaram finalmente o tributo á natureza; nem mesmo para a órfã de alguns desses bravos, que morreram no campo da batalha, mas que morreram matando; é para a filha unica de um dos mais distinctos martyres da liberdade, de um magistrado, que serviu o seu paiz com a mais notoria probidade, desde muito novo, até ao dia do seu martyrio; de um magistrado, cujas luzes e serviços mereceram que o sr. D. Pedro, de saudosa memoria, delle se lembrasse a 2:500 legoas, despachando-o conselheiro de estado; a filha do infeliz desembargador Gravito, a quem o carrasco fez órfã de pai, e o amor conjugal órfã de mãi, porque a viuva do desembargador Gravito, digna consorte de tão distincto magistrado, não tendo podido ser superior a tão grande infortunio, leve a desgraça de perder o juizo, estado em que ainda hoje se conserva.

Julgo desnecessario, depois da ser ião conhecido desta camara, e do paiz, este distincto martyr da liberdade, chamar a attenção da camara para que tome na consideração que merece, o seguinte requerimento que remetto para a mesa.

O sr. Affonso Botelho: — Sr. presidente, a lavoura do Douro precisa de uma providencia, que regule as carregações dos vinhos, nos caes dentro da demarcação da companhia; e com este intento remetto para a mesa o seguinte projecto de lei, afim de se nomearem juizes e escrivães, que regulem aquellas carregações (Leu-o)

Ficou para segunda leitura.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Pedi a palavra para pedir á mesa que mande renovar o meu requerimento, feito na sessão de 19 de março, para que sejam enviadas á camara as representações dos habitantes de Goa, e das camaras municipaes de Bardez, e Salsete, queixando-se da exorbitancia e violencias do actual governador geral da India.

O sr. Presidente: — Queira mandar uma nota dos esclarecimentos que pediu, para se renovar a requisição.

O sr. Corrêa Caldeira: — Envio para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)

Permitta-me v. ex.ª que eu accrescente algumas palavras a este pedido. Creio que é a primeira vez, que se demoram tanto tempo as eleições das ilhas dos Açores e Madeira. Acabou a sessão ordinaria, foi prorogada; estamos quasi no fim do mez de abril, e até agora ainda não chegou á camara o processo das eleições nem do districto da Horta, nem da ilha da Madeira, nem mesmo de S. Miguel, creio eu. E uma cousa inexplicavel, que nunca aconteceu, que me lembre.

No districto da Horta ha circumstancias particulares. Consta que as assembléas eleitoraes se reuniram no dia 9 de janeiro; houve circumstancias que demoraram a chegada dos portadores de actas das differentes assembléas reunidas, como se sabe, em ilhas distantes, á cabeça do circulo para se fazer o apuramento; mas consta-me que a maioria dos portadores,

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para melhor dizer, que a totalidade dos portadores de actas, com a unica excepção dos da ilha do Corvo, chegaram; mas porque fallaram os da ilha do Corvo,.porque alli não se fez a eleição no dia marcado, demora-se o apuramento com grandissimo prejuizo não só do serviço publico da representação dos habitantes daquellas ilhas, mas mesmo desta camara, que se vê privada do concurso daquelles deputados; e demora-se, porque a eleição se não fez na ilha do Corvo, que, segundo o que eu julgo, é o concelho menos importante, daquelle districto. Ou a eleição se fizesse ou não fizesse naquella localidade, não póde isso nem deve embaraçar a conclusão do apuramento feito pelos portadores de actas, que não são só a maioria, são quasi a totalidade dos que compõem aquelle collegio.

Esta circumstancia devia ter chamado a attenção do sr. ministro do reino, para que elle fizesse com que o governador civil convocasse a assembléa dos portadores de actas, e acabasse com este negocio; mas não me consta que nada disto se fizesse. Ha explicações deste facto por um modo pouco agradavel; não quero referidas, porque prefiro esperar pelas informações do sr. ministro do reino se ellas vierem; se não vierem, eu tirarei da não remessa dessas informações as illações que me parecerem convenientes.

O sr. Barão de Almeirim: — Sr. presidente, ha muitos dias que eu desejava chamar a attenção dos srs. ministros sobre dois factos que intendo que deviam merecer a sua attenção; mas como s. ex.ª tem vindo sempre tarde, não tenho podido pôr em practica este meu desejo: hoje porem como o sr. ministro da marinha está presente, e um desses factos diz respeito directamente á sua repartição, aproveito a occasião para as apresentar e peço a s. ex.ª que os tome em consideração.

No Diario do Governo de 31 do mez passado vem a conta da receita e despeza do ministerio da marinha, e ahi se encontra uma verba de despeza com o extincto batalhão nacional na importancia de 423$ e tantos réis. Este batalhão foi extincto por decreto de tantos de outubro de 1851, e não obstante ter sido extincto nessa épocha, tem-se passado já mais de anno e meio, e ainda existe um casco desse batalhão, com o qual se dispende mensalmente 420 e tantos mil réis! Desejava eu chamar a attenção do sr. ministro sobre este facto, e pedir-lhe que fizesse cessar quanto antes esta despeza, que intendo que devia ter acabado á muito.

Consta-me que esta despeza, continúa, em consequencia de não haver os meios sufficientes para pagar as massas e atrazos ás praças que estão naquelle deposito; consta-me tambem que estes atrazos não excederão a 6 ou 7 contos de réis na sua totalidade, e deve notar-se, que sendo isto assim, e não se fazendo este pagamento na importancia de 6 ou 7 contos por uma vez sómente, em anno e meio que dura o casco, tem-se gasto já muito mais do que a totalidade da devida. Seria por consequencia de grande conveniencia que quanto antes se faça esse pagamento para acabar por uma vez uma despeza successiva e constante, que vem a importar em muito maior quantia do que aquella que se poderá gastar pagando por uma só vez; e note-se bem, continuando sempre a conservar-se o mesmo capital em divida, e além disso excitando os queixumes daquelles que não se acham pagos dos seus vencimentos. Chamo por consequencia a attenção de s. ex.ª para acabar com a existencia do casco do batalhão nacional, se effectivamente são verdadeiras as ponderações que acabo de fazer, porque intendo que é de conveniencia publica acabe, e por esta forma é que se distraem os rendimentos publicos sem proveito para a nação.

O outro ponto sobre que desejava tambem a attenção do sr. ministro é um facto, que está acontecendo em Santarem. Em Santarem existe o quartel permanente de um regimento de cavallaria, mas esta não póde prover á policia da terra e á guarnição necessaria, porque tem fortes destacamentos sempre fóra; e o governo, attendendo a esta circumstancia, tem conservado constantemente um destacamento de infanteria na villa para fazer este serviço. Consta-me que o governo mandou recolher este destacamento sem ser substituido por outro, como era costume; e havendo na villa, como acabei de dizer, um regimento de cavallaria, havendo além disso um chamado batalhão nacional, com tudo para fazer a policia e guarnição da terra foram avisados os paizanos, e são os paizanos que estão fazendo este serviço. É preciso notar que aquelle chamado batalhão nacional se não serve para isto, não serve para nada, e por isso intendia eu, que era de toda conveniencia que fosse dissolvido, porque não servindo para fazer a guarnição na occasião em que não ha tropa de linha na terra, não sei para que possa servir; serve simplesmente para na occasião em que alli vão tropas de fóra, e quando o administrador do conselho quer distribuir os aquartelados pelas casas, aquelles que estão alistados nesse batalhão, recusam-se a receber aquartelados, e dizem que tem esse privilegio porque pertencem ao batalhão, batalhão que não serve senão para se gastar com elle uma somma avultada em pagamentos ao major, ajudante, corneteiro mor, a todos os outros cornetos esc: por isso eu desejaria muito que o sr. ministro da guerra attendendo ás ponderações que acabo de fazer, determinasse que aquelle batalhão fosse dissolvido, porque não serve para cousa nenhuma em tempo de paz, e em tempo de guerra tambem não serve para nada, porque tem muito poucas praças.

O sr. ministro da marinha (Visconde de Atouguia): — Sr. presidente, o illustre deputado chama a attenção do governo sobre dois objectos — um relativamente á repartição a meu cargo, e outro creio que pertence ao ministerio do reino, e parte ao ministerio da guerra. As considerações que s. ex.ª apresentou relativamente ao batalhão nacional, são exactas, mas o engano está na cifra que s. ex.ª julga precisa para fazer esses pagamentos. S. ex.ª sabe que nós não achamos os cofres publicos n'um estado tão prospero, que possamos prover a todas as precisões do estado. Temos, e eu especialmente, procurado diminuir o numero dessas praças com os meios que apparecem e pelos quaes é possivel ir mandando todos os dias alguns para suas casas; effectivamente é exacto o que disse s. ex.ª está-se fazendo uma despeza sem proveito; as praças pedem o seu pagamento a que tem direito, e infelizmente as circunstancias do thesouro não permittem satisfazei-lhes; com tudo o governo tracta, porque por isso está auctorisado por um credito supplementar, de obter os meios precisos para ver se acaba com esta despeza

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Que effectivamente é superior áquella que se fará com um emprestimo que se contraia.

Em quanto ao batalhão nacional que o nobre deputado diz haver em Santarem, confesso que pouco posso dizer sobre este objecto, porque não é propriamente da minha repartição; entretanto, se o batalhão nada mais faz do que aquillo que o nobre deputado apontou, se elle existe só para ser privilegiado, a fim de não receber aboletados, e fazer despezas ao estado com o seu estado maior e menor, e não serve para fazer a policia, quando a força publica e pequena, tudo isto são rasões sufficientes para o governo tomar este negocio em consideração; e posso assegurar ao nobre deputado que não sendo conveniente a existencia desse batalhão; o governo de certo não terá duvida em dissolvê-lo, se por ventura não houverem algumas razões, que obstem a isso.

Agora em quanto a não haver actualmente em Santarem um destacamento de infantaria, permitta-se-me que faça uma observação: o nosso exercito está reduzido a 18 mil homens, mas as differentes localidades, onde tem estado um outro destacamento, quando este é obrigado a saír dalli, fazem logo as suas reclamações, pedindo que lhe mandem tropa para manter a policia, porque dizem que ficam á mercê dos ladrões e facciosos; isto é um facto que se não póde negar. A verdade é que nós luctamos com difficuldades que nascem daquelles governos, que têem poucos meios para satisfazer todas as suas necessidades, e as necessidades do serviço publico. O que era preciso haver em Portugal, era haver exercito para o fim a que elle é destinado, e uma policia municipal em todas as localidades (Apoiados), mas com uma organisação militar; porque todos sabem que um destacamento de tropa faz melhor ser. viço, e mette mais respeito do que qualquer outra força publica, que tenha differente organisação; isto é um facto que todos nós temos observado. (Apoiados)

O sr. Cezar de Vasconcellos: — Tenho sido instado fortemente pelos meus patricios do concelho de Torres Novas, para chamar a attenção do governo sobre um facto que se dá naquelle concelho, e que não se tem dado ha muitos annos. O facto é o seguinte: não havendo em Torres Novas uma cadêa segura para conservar criminosos, isto em consequencia do máo estado em que está, acontece que os presos são mandados para a cadêa de Santarem, onde estão sempre; mas por occasião das audiencias geraes, como estas se não podem fazer senão na cabeça das comarcas, os presos eram conduzidos a Torres Novas, sendo costume conservar-se alli um destacamento de subalterno, em quanto duravam as audiencias geraes; acabadas estas voltavam os presos outra vez para as cadêas de Santarem; mas acontece que agora é a occasião das audiencias geraes, apresentaram-se os presos em Torres Novas, em cujo numero entram faccinorosos de primeira ordem, mas o destacamento que acompanhou os presos, entregou-os ao administrador do concelho, e retirou-se para Santarem, porque houve ordem superior para se não conservar em Torres Novas; e o administrador tem incommodado todo o povo, obrigando-os fazer a guarda da cadêa.

Eu estou convencido que o administrador do concelho fallou ao seu dever, porque logo que a força se retirou, devia officiar ao juiz de direito, dando-lhe parte dela occorrencia, a fim de que não tivessem logar as audiencias geraes. Desta maneira é verdade que não havia audiencias geraes, mas acontecia isto, porque as não podia haver, em consequencia de não existir alli uma força para guardar presos da maior importancia; e o povo de Torres Novas escusava de estar soffrendo um tributo pezadissimo, como é estar obrigado a fazer a guarda da cadêa, quando pagam já muitos tributos para a força publica.

Eu já disse isto particularmente ao sr. ministro do reino: sei que s. ex.ª deu alguns passos, para vêr se é possivel remover estas difficil Idades; mas creio que a pequena força do exercito não permitte que se removam de prompto estas difficuldades. Em todo o case o que peço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, é que concorra com os seus collegas, para que os presos recolham a Santarem. Não haja embora audiencias geraes, mas cesse a causa que obriga os habitantes de Torres Novas a um serviço militar bastante pesado, que não são obrigados a prestar.

Ora eu concordo com o nobre ministro, quando diz — que temos pouca força; — mas s. ex.ª ha-de tambem concordar commigo que para se não fazerem argumentos contra os 2:800 e tantos contos que figuram no orçamento da guerra, contra os quaes muita gente deseja ter occassião de fallar, seria muito conveniente que se não apresentassem muitas destas queixas e muitos destes casos, porque em resultado quando se tracta de votar a força de terra, apparece a urgencia do serviço, mas não apparece a força precisa para se lazer o serviço. E torna-se isto tanto mais notavel, quando apesar dessa grande verba apparecem os clamores dos povos por falta de segurança.

Por tanto intendia eu que essa pequena força poderia ser distribuida de maneira, que tocasse a todos os contribuintes alguma parte do bom serviço do exercito, e que não se reservassem todas as cautellas, todas as seguranças o todos os fructos dessa segurança só para a capita), porque é preciso que se intenda que em Lisboa ha segurança de mais; lá fóra é que ella falla. Aqui além de um corpo encarregado unicamente da policia e segurança da capital, ha mais um terço do exercito em serviço em Lisboa. E isto que tambem concorre muito para estas queixas e clamores, que constantemente se estão dirigindo ao parlamento por falla de segurança no paiz.

Peço ao sr. ministro da marinha que está presente, faça com que os seus collegas reconheçam a necessidade de fazer cessar o estado em que se acha o concelho de Torres Novas, ao menos para que não haja as audiencias geraes, a fim de que os cidadãos não carreguem com um serviço pezado, a que não são obrigados

O sr. Faria de Carvalho — Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra, para fazer algumas considerações na presença de s. ex.ª o sr. ministro da fazenda, mas como v. ex.ª não tem apparecido antes de se entrar na ordem do dia, talvez por urgencia do serviço publico, desejo que v. ex. lhe faça constar, que eu pertendo fazer-lhe algumas perguntas, e para esse fim desejo que s. ex.ª venha a esta camara na primeira parte da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Pelo que vejo, o que o sr. deputado quer reduz-se a uma especie de interpellação.

O sr. Faria de Carvalho: — É verdade.

O sr. Presidente: — Então era melhor mandar a sua nota para a mesa.

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O sr. Faria de Carvalho: — Eu a mando — E a seguinte

Nota de interpellação. — Pertendo interpellar, e pedir certos esclarecimentos a s. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, sobre a practica existente em muitas alfandegas do reino, especialmente em algumas do circulo de Bragança, onde se obrigam os povos a marcar o seu gado vaccum, o que além de ser um continuo vexame, é um tropeço ao commercio daquelle gado, o unico talvez de que os lavradores apuram vintem; e não havendo lei que auctorise similhante practica, desejo que s. ex.ª lhe ponha termo, ou diga os motivos em que se funda. — Faria de Carvalho.

Mandou-se fazer a communicação respectiva.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do projecto n.º 7, sobre os actos da dictadura.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Francisco Joaquim Maia, na qualidade de relator da commissão.

O sr. Maia (Francisco): — Sr. presidente, vai mui larga a discussão sobre as leis da dictadura, e eu que desejo que ella termine quanto antes, porque creio que as leis que teem estado em discussão, estão já completamente discutidas; serei breve em algumas reflexões que tenho a fazer sobre os discursos pronunciados pelos nobres deputados que contrariaram o parecer da commissão especial.

Antes de começar faço á camara uma declaração, e quero que se fique intendendo sempre que quando trácio de combater qualquer medida, qualquer decreto, ou qualquer proposta nunca tenho em vista olhar para as pessoas que figuram nesses decretos ou nessas medidas; longe de mim ser juiz ou censor das acções ou das pessoas que promulgarem essas leis, que eu rejeito por más ou prejudiciaes ao meu paiz. Eu tracto unicamente da causa e esqueço-me inteiramente das pessoas. Sinto muito que um meu illustre amigo julgasse que uma allusão que eu fiz á desastrosa dictadura de 1844, podesse ser applicada ao illustre deputado ou a outros que se assentam nesta casa. Não nomeei pessoas e nunca as nomearei porque o meu fim unico era provar, e creio que irresistivelmente provei que muitos outros governos tinham exercido dictaduras; e notei que só agora se reputasse em perigo o systema representativo pela dictadura limitada que exerceu o actual governo, não se reputando em perigo esse systema, quando houve dictaduras que fizeram desapparecer não só a carta constitucional, mas todos os direitos que os cidadãos pódem e devem gosar em qualquer sociedade. Foi em 1844 que isso se fez, e ninguem poderá sustentar que o corpo legislativo na presença da carta constitucional podesse delegar poderes que não tinha. Estão limitadas na carta constitucional as attribuições dos poderes politicos do estado. Nas cortes portuguezas não ha omnipotencia parlamentar. A nenhum poder politico é permittido exorbitar as attribuições que a carta lhe confere sendo os actos de qualquer poder politico nullos de direito, quando esse poder exorbita das suas attribuições.

O poder legislativo não duvidou interpretar autenticamente artigos da caria constitucional, que pelo art. 144.º eram constitucionaes, e isto por uma lei ordinaria; sem as formulas prescriptas nos art. 140 a 143: e muitos illustres membros das côrtes, em que assim se alteraram ou modificaram taes artigos constitucionaes, e que o são das actuaes, só agora acham em perigo o systema representativo, perigo que então não anteviram nem recearam. E para mim reputo mais attentatorio contra esses factos do poder legislativo, e mais perigosos, por se practicarem em tempo normal, do que os actos da dictadura actual nascidos de um movimento que constituiu o governo em situação anormal.

Se, pois, nenhum poder póde alterar senão pela fórma prescripta na carta os seus artigos constitucionaes: e isto se practicou: os argumentos agora produzidos perdem, muito de força quando apresentados por individuos que não tiveram difficuldade em dar o seu voto para se interpretarem authenticamente varios artigos constitucionaes da carta. Citarei entre outros a lei que conferiu ao supremo tribunal de justiça, a attribuição de uma terceira instancia judicial permanente que não tinha nem podia ter, porque a caria não reconhece mais que duas; e áquelle tribunal estão marcadas e definidas as suas attribuições. Citarei a lei que alterou as attribuições, e fim da commissão mixta; e isto apezar do artigo da carta respectivo ter sido intendido e executado sem duvida e por differente maneira em differentes côrtes, e nas que primeiro a cumpriram.

Eu tenho sómente em vista provar, que os poderes politicos teem as suas attribuições marcadas na carta, e que as transgressões practicadas por ministerios anteriores, apoiados pelos membros da opposição desta camara foram mais perigosos, e offensivos a caria e ao governo representativo, do que as praticadas pelo actual ministerio. Este ministro reconhece que exorbitou, e os outros e as côrtes que com elles legislaram, ainda consideram aquelles seus actos constitucionalmente legislados.

Sr. presidente, a commissão especialmente quando examinou os actos da dictadura, unica missão que lhe foi commettida, não se considerou commissão de infracções para ajuizar se o governo tinha ou não criminalidade nos actos que linha promulgado, não era essa a sua missão, a sua missão era unica e simplesmente examinar se os decretos da dictadura eram uteis ou perniciosos ao paiz, e se deviam ou não ser convertidos em lei do paiz, e a commissão intendeu que eram uteis e que deviam ser convertidos em lei do estado.

Passarei agora a responder e combater algumas das opiniões que se emittiram contra, sem me referir nem nomear os srs. deputados que as pronunciaram.

Disse-se, que a commissão especial approvando os decretos da dictadura adoptava principios revolucionarios, e que esses decretos não podiam ser considerados senão como projectos de lei para seguir os tramites ordinarios marcados na carta constitucional da monarchia. Eu direi que nem a commissão foi revolucionaria no seu parecer, nem os decretos da dictadura podem deixar de ser considerados como os srs. deputados querem, isto é, elles não são senão projectos apresentados pelo governo para serem discutidos e approvados, ou rejeitados pelo corpo legislativo. Poderia commissão especial ser taxada de revolucionaria, se ella dissesse, que os decretos do governo eram legaes, seria taxada de revolucionaria se con-

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cedesse delegação do poder legislativo ao governo, que se lhe não póde conceder, mas a commissão especial examinando e considerando os decretos da dictadura, viu que alguns delles tinham alguns defeitos, os quaes a camara tinha direito de os emendar; mas intendeu que approval-os era util e conveniente ao paiz, e que a sua rejeição dava resultados mais prejudiciaes ao paiz, do que a completa approvação desses decretos taes como estão, ainda que tenham alguns defeitos, e esses maiores defeitos são faceis de emendar, mas os males que proviriam da completa rejeição desses decretos, é que não seriam faceis de remediar.

Os decretos dictatoriaes apresentados pelo governo são projectos de lei, e tanto assim que me parece que já foi mandada para a mesa uma emenda. Estes decretos estão sendo discutidos com todas as formalidades marcadas na carta e no regimento, e o resultado da discussão ha de ser conhecido depois pela votação.

As propostas do governo não podem ser convertidas em projectos de lei, senão depois de serem examinadas por uma commissão da camara; e esta disposição da carta se cumpriu agora com estes decretos, remettendo-os a uma commissão; que apresentou o seu parecer, convertendo em projecto de lei a proposta do governo: e nada se póde dizer contra este legal e constitucional procedimento. A commissão especial nos exames que fez tanto quanto o tempo lhe permittiu, tem tido a satisfação de ver que apenas um muito pequeno numero de íeis tem sido combatido ou atacado nesta discussão. E viu tambem com muita satisfação que não vieram á camara contra os decretos da dictadura senão 6 representações, algumas das quaes da parte de corporações ou pessoas immediatamente interessadas no effeito de alguns dos decretos da dictadura. E vem a ser uma representação da direcção do banco de Portugal, outra dos juristas possuidores de fundos publicos, outra da commissão das obras publicas, outra da companhia dos vinhos do Alto-Douro, e outra da camara municipal de Lisboa sobre o fornecimento das agoas da capital. Aqui tem a camara todas as representações que vieram á camara, e que já foram por alguem tidas como innumeraveis.

Estas representações foram remettidas á commissão especial para as tomar na devida consideração, quando examinasse os decretos da dictadura. A commissão examinou-as com attenção, e julgou que ellas não podem alterar o seu parecer na approvação dos decretos que lhe eram relativos.

Sr. presidente, ha uma infelicidade neste paiz que só certas e determinadas corporações reputam os seus ajustes, as suas convenções feitas com o governo como contractos, ainda mesmo quando esses contractos pequem na sua origem. Se o banco de Lisboa, se a companhia Confiança Nacional, se o banco de Portugal tem feito ajustes, emprestimos e outras operações com o governo, não intendo na questão se são ou não contractos, digo, que contractos igualmente tem muitas outras pessoas, muitos outros cidadãos com o governo, que não tem sido cumpridos, e comtudo ninguem tem considerado como um grande attentado a falta de cumprimento da parte do governo.

Sr. presidente, no nosso paiz ha 4 poderes politicos, mas tem-se querido crear um 5.º, 6.º ou 7.º, um destes poderes politicos e o banco de Portugal, que

Intendeu que não era subdito do governo portuguez, que intendeu que porque o governo lhe faltava a algumas disposições de lei, ou aos seus ajustes ou alguns delles, tinha o direito de proclamar contra o governo, e de o atacar, de proclamar ao paiz, e até aos estrangeiros de uma maneira insolita e nova, apresentando-se como igual ao governo, e pertendendo embaraçal-o no seu andamento.

Mas, sr. presidente, ou nós temos carta e direito publico ou não?.. Se temos carta, se lemos direito publico, não é permittido a nenhum cidadão, nem corporação practicar os actos que practicou o banco de Portugal. Na carta estão consignados os direitos dos cidadãos; por ella tem todo o cidadão o direito pelo § 28.º do artigo 145., de representar e requerer perante a competente auctoridade, a responsabilidade dos infractores das leis, e este era o meio que o banco de Portugal devia empregar; e não appellar para as praças estrangeiras, accusando perante ellas o seu governo, contra o qual se constituiu em guerra aberta, esquecendo-se que era seu subdito.

O governo tomou a sua posição, e ainda bem, e considerou o banco de Portugal como devia considerar, isto é, como qualquer outro estabelecimento, e despresando tão irregular e apaixonado comportamento fez que as suas ordens fossem cumpridas. O banco não esperava encontrar um governo forte, pois estava habituado a encontra-los quasi sempre condescendentes a todas as suas exigencias. Se o governo não obrasse assim, estabelecer-se-hia a anarchia, e teriamos no paiz mais do que um governo.

Vejamos agora em que se funda o direito do banco de Portugal ao fundo de amortisação?.. Sr. presidente, eu podia usar de uma frase que já aqui foi empregada contra o governo, e que se tem ouvido mais de uma vez; mas não a empregarei, porque para mim a reputo impropria; e direi simplesmente que a propriedade do fundo de amortisação já não era do governo, nem podia ser dado ao banco. Se os contractos valem, como o banco de Portugal quer, elle não podia receber para o fundo de amortisação uma propriedade que lhe não podia ser dada. O fundo de amortisação é composto de elementos que já estavam consignados e hypothecados para pagamento de outros credores, e de credores privilegiadissimos. Todos nós sabemos que se decretou que os chamados titulos azues que se deram por compensação de uma divida de sangue áquelles que se tinham sacrificado pela restauração do throno e da carta constitucional, entrariam na compra dos bens nacionaes. E que resultou dessa determinação? Que se observou por algum tempo; e esses titulos de 70 por cento, que chegaram a valer, estão hoje sem preço; porque deixou de se cumprir. De certo ninguem negará que era um contracto, e um contracto onerosissimo, com a falta de cumprimento do qual se iam prejudicar terceiros; esses titulos tinham o direito de entrar na compra daquelles bens, e entretanto foram excluidos dessa compra. A amortisação do papel-moeda era um contracto, e o papel-moeda deixou de ser pago, capitalisado, e amortisado, e ninguem proclamou, porque se faltava aos contractos.

Ora se o banco de Portugal recebeu uma propriedade que foi tirada a outros credores, como póde agora vir argumentar com o seu contracto contra outro anterior? Os elementos de que se compõe o fundo de amortisação antes de se darem ao banco, já eram

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uma hypotheca de outros creditos. Mas os contractos tambem se annullam pela illegalidade, ou pelo extraordinario das suas provisões, e o decreto de 19 de novembro, permitta-se-me que diga, desde o principio ate ao fim é uma injustiça continuada. Não entrarei nas intenções de quem o promulgou, que talvez podia ter motivos muito fortes, achar-se mesmo em circumstancias tão extraordinarias que reconhecendo a injustiça a adoptasse, ou podia não ter os conhecimentos exactos daquillo que atacava; mas o certo é que nelle se determinou cousas que nunca se viram em acto algum governativo, disposições desta natureza nunca se viram. (Leu alguns artigos do decreto de]9 de novembro) (Ouçam)

No artigo 22.º Os titulos de notas do banco de Lisboa capitalisadas poderão ser pagos pelo banco de Portugal em notas do dicto banco de Lisboa, nas épocas em que é permittido aos possuidores receberem a sua importancia nesta especie.

Art. 23.º O pagamento do capital e juros das no. tas promissorias emittidas pela companhia Confiança Nacional, será feito pelo banco de Portugal em prestações de 5 por cento de 3 em 3 mezes começando em 31 de março de 1847.

§ unico. É livre ao banco de Portugal antecipar estes pagamentos.

Art. 37.º A responsabilidade particular de quaesquer corporações ou pessoas por letras, ou escriptos do thesouro publico, provenientes dos supprimentos feitos ao governo desde o 1.º do anno de 1845, ou por notas promissorias da companhia Confiança Nacional, sómente se poderá fazer effectiva nos mesmos termos prescriptos no artigo 23.º para o pagamento das referidas notas promissorias.

E assim outras.

Eu explicarei á camara para ella ver a justiça com que o banco de Portugal reclama o cumprimento do contracto, firmado todo elle em injustiça e iniquidade.

A companhia Confiança foi estabelecida por uma lei, esta lei quando approvou os seus estatutos impoz obrigações e direitos; os accionistas daquella companhia tinham obrigação de entrar com prestações até ao seu completo capital, que era de 8:000 contos; os accionistas entraram com as prestações durante certo e determinado tempo, mas o negocio não lhes correu depois bem, e veiu o decreto de 19 de novembro que disse — não entreis mais com as vossas prestações, as obrigações que vós contrahistes, era a responsabilidade do total do vosso capital, porque debaixo desta responsabilidade é que se fizeram os contractos com a vossa companhia, e se receberam as vossas notas promissorias, não entreis com as vossas prestações todas. E os vencimentos das obrigações desta companhia não se pagaram, passaram para o banco de Portugal para se pagarem com o praso que o banco quiz, e como quiz sem audiencia dos particulares interessados; de tudo isto senão fez caso, porque se queria estabelecer o banco de Portugal pelos principios que então regulavam a direcção e o governo. Por consequencia o banco não póde, seria talvez o ultimo que podia invocar o sagrado dos contractos para se oppôr ás determinações do decreto de 30 de agosto.

Mas o banco de Portugal ainda foi agora considerado; o governo pelo decreto que lhe tirou o fundo de amortisação, compensa-o; não direi se é exacta a compensação, mas reconhece-lhe lai ou qual direito, e procura compensa-lo; mas os outros credores, os credores da companhia Confiança, os credores do banco de Lisboa, a esses não se lhes deu compensação ali guina, pagou-se-lhes em notas o que devia ser pago em metal, não se pagou no praso do vencimento, e em fim alterou se um contracto que governo nenhum póde alterar.

Fallou-se na conversão da divida fundada; e os illustres deputados que a combateram em these, estão de certo em bom terreno, porque em fim tracta-se de alterar um contracto sem consentimento de uma das partes que contractou. Mas é isto o que têem de máo os contractos com os governos; os governos quando contractam, de ordinario estão ao nivel das pessoas com quem fazem os seus ajustes; desde o momento em que elles foram concluidos, elle fica governo, e os particulares ficam particulares, lin farei unicamente uma reflexão sobre o que disse o meu amigo a quem ha pouco me referi.

Disse o sr. deputado que lá estava a Hespanha recebendo o premio da falta de attenção ás obrigações e aos principios por onde $e segura o credito nacional. Não é exacto. A Hespanha quando fez a sua operação do 1.º de agosto de 1851, olhou para as suas circumstancias, ouviu as pessoas intendidas, deu aquelles passos que qualquer governo sempre dá, e inverteu a sua divida fluctuante que era de uma somma enorme, e fez este acto sem consultar os seus credores, e apesar disso o seu credito nessa época não diminuiu; e os fundos daquella nação ultimos, chamados os 3 por cento subiram, e os que foram capitalisados daquella maneira melhoraram de condição.

O credito nacional dos differentes paizes não se equipara um com os outros, custa muito, nem nunca estão ao nivel uns dos outros esses creditos, e ahi se veem da cotação dos preços correntes, nações que se reputam em igual credito, e cujos fundos variam 5, 8, 10 por cento, e nações reputadas perfeitamente solúveis, e que lêem cumprido exactamente as suas obrigações. A Hespanha não podia pretender este conceito; a Hespanha estava fazendo operações e tomando providencias de desenvolvimento industrial e de fomento do seu paiz para se habilitar, e tanto se habilitou que o meu illustre amigo confessou que aquellas operações que la se tinham feito a 14, isto é, antes da inversão da divida, fazem-se agora a 7 ½. Estas operações feitas pelo governo hespanhol provam que não tinha peiorado o seu credito actual relativamente ao que tinha anteriormente. Não comparemos agora os governos de Hespanha com os de outra qualquer nação, e não digamos que ella podia vir de repente a ler o credito como o tem o governo inglez ou o francez, isso não é possivel; ha de lá chegar se continuar no desenvolvimento da riqueza nacional, porque esse é o grande meio de ter credito, e não as operações mixtas e outras operações similhantes; o verdadeiro meio de ter credito é o desenvolvimento da prosperidade de uma nação, é o fomento das fontes da riqueza publica, e sem isto tudo é nadar em secco.

Queixou-se o banco de Portugal de ter lido sentenças do poder judiciario contra! Como é que não havia de ter sentenças contra, se o banco de Portugal não só quando se formou, mas ainda mesmo depois de já estar reconhecido, atacou direitos e direitos inquestionaveis! Farei ainda mais uma reflexão sobre este objecto. O decreto de 19 de novembro não chegou a converter-se em lei do paiz, para se effectuar ou reconhecer a creação do banco de Portugal,

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senão dois annos depois: tal era a difficuldade, do decreto de 19 de novembro! Mas o banco era o menos proprio em fallar em credito e contractos (Apoiados). O banco de Portugal prometteu capitalisar, notas, e nunca as capitalisou, pela verdadeira expressão que significa a palavra — capitalisar. Quando se capitalisa uma divida qualquer, desapparece o titulo que se capitalisa: por exemplo, capitalisam-se notas, e estas notas que se capitalisam, desapparecem. Mas não aconteceu assim; quem lesse os annuncios do banco de Portugal, havia de intender que elle capitalisava notas, quando elle não fazia outra cousa senão pedir notas emprestadas para pagar em metal que não pagou) e deu notas promissorias em troca. Todos intendiam que as notas que se dizia capilalisarem-se, desappareciam, mas o que acontecia era ficarem ambas em circulação. Eu estive á testa do banco do Porto, e a direcção deste estabelecimento não quiz capitalisar deste modo uma somma de notas que lá havia, porque isto não era capitalisação.

Os tribunaes julgaram na minha opinião com toda a justiça, porque reconheceram que uma lei posterior não podia desfazer contractos particulares, e por isso intendo que julgaram muito bem. E no fim de tudo isto, é este o estabelecimento que se levanta contra o proprio governo, um estabelecimento que está carregado com privilegios, um estabelecimento que tem recebido as suas dividas por inteiro, o que não acontece a nenhuma outra corporação, nem a nenhum outro credor do estado. (Apoiados) E um estabelecimento que gosa de todos estes beneficios, que está cheio de privilegios, e que não recompensa de modo nenhum aquillo que se lhe tem feito. (Apoiados).

Um illustre deputado, disse, que só era util o que era justo; ora, como eu acho que não é justo o decreto de 19 de novembro, como intendo que não e justo o modo porque foi creado o banco de Portugal, o que se segue, é, que tanto o banco como o decreto de 19 de novembro, não podem ser uteis porque são in justos.

Direi alguma cousa sobre a impugnação feita ao decreto de 11 de outubro, e farei mesmo algumas reflexões para justificar e provar que o governo portuguez desde 1842 que fez o ultimo tractado com a Inglaterra, sempre dependeu a interpretação do artigo 15.º do mesmo tractado, contra a maneira porque o interpretava o governo inglez. Ainda em 1850 o conselho d'estado na sua secção administrativa foi consultado a este respeito, e esta consulta está unida á correspondencia diplomatica que veio para a camara. Eram membros desta secção administrativa os srs. Avila, e Fonseca Magalhães, e tanto o sr. Avila como o sr. Fonseca Magalhães, actual ministro do reino, declararam que a interpretação que o governo inglez dava, não era exacta. Mas quando dois poderes, dois governos, entre si disputam a interpretação de um tractado, quem e que decide a questão? Haverá algum tribunal estabelecido para o decidir? Não o conheço. Por consequencia, é nos governos que compele virem a um accôrdo. Mas que fazer neste caso? O que fez o governo portuguez, que foi vir a um meio, onde se conciliassem os interesses do paiz, com as reclamações que havia. Mas para isto, ouviu primeiro as pessoas que intendeu deverem ser ouvidas; nomeando uma commissão externa para examinar este negocio, e depois de tudo isto feito, é que promulgou o decreto de 11 de outubro. Ora, as vantagens deste decreto foram taes, que a sua simples leitura aquietou os interessados e negociantes da praça do Porto, e lavradores do Douro. Nem uma só associação, companhia, ou individuo, reclamou contra o decreto de 11 de outubro: tal era a força da verdade e da convicção que as providencias deste decreto haviam de ser de grande vantagem. Appareceu uma representação unica da companhia dos vinhos do Alto Douro, mas esta representação era tendente quasi unicamente a reclamar o direito que dizia ter aos 150 contos; mas é necessario por a camara ao facto do que é, e em que consiste este direito. A companhia dos vinhos do Alto Douro foi encarregada de dirigir as provas e passar as guias da demarcação dos vinhos do Alto Douro; e foi obrigada a comprar 20:000 pipas de vinho, por cuja compra se davam 150 contos como compensação. Ora, o decreto de 11 de outubro o que faz, é encarregar a uma commissão electiva e composta de negociantes e lavradores do Douro como mais interessados nesta lavoura e commercio, o tirar as provas e passar as guias, e intendeu-se que se deviam retirar os 150 contos que se davam á companhia, por isso que tambem cessavam os motivos pelos quaes esta somma lhe era dada. Por consequencia a companhia do Alto Douro, vive, deve viver, e póde viver como vive qualquer outra corporação particular de commercio.

Ora resultando da applicação do fundo de amortisação para outro destino, qual o dos caminhos de ferro, uma vantagem nacional, que ainda ninguem desconheceu, e só se combate a applicação do fundo de amortisação para esse fim ou pelo muito desejo ou pela muita desconfiança de que elle se leve a effeito, de que se execute tão prodigiosa medida, eu não posso deixar de approvar o decreto que o tirou ao banco; e não acho direito nenhum nus reclamações do banco para o conservar, ainda mesmo que lhe fosse tirado sem compensação, porque intendo que o contracto ou ajuste celebrado em virtude do decreto de 19 de novembro não póde ter força, porque se funda em injustiça e iniquidade.

Não havendo mais reclamações contra outras leis da dictadura, a commissão especial tem a satisfação de vêr que os argumentos com que se combatem aquellas leis sobre que se tem fallado, que são quatro ou cinco, não têem a força necessaria para a poderem fazer mudar de opinião, e sustenta o seu parecer. Parece-me que a camara da sua parte andará bem em approvar o parecer da commissão tal e qual está, reservando-se (e nem é necessario dize-lo, nem e necessario que o projecto de lei apresentado pela commissão o diga) o direito de alterar, modificar, e até revogar qualquer das leis agora approvadas. Não ha por tanto inconveniente algum em que sejam convertidos em lei os decretos da dictadura taes quaes, e pelo contrario o haveria, se elles fossem approvados porque uma grande parte delles estão produzindo effeito, e a sustação deste effeito produziria graves males e prejuizos.

Por tanto concluo dizendo que a commissão especial sustenta o seu parecer, que tem estado em discussão.

O sr. Presidente: — O sr. Vellez Caldeira, quando fallou, concluiu dizendo que mandaria para a mesa uma proposta; e como agora está na mesa, vai dar-se conta della; é a seguinte

Substituição: — Proponho que os decretos, da pri-

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meira dictadura de 20 e £3 de setembro, o de 22 de outubro, sobre a creação de marinheiros militares — os de o de novembro, e de 26 do mesmo mez; Sobre a administração das Sete casas, da misericordia de Lisboa, e estabelecimentos annexos, de 3 de dezembro quanto á capitalisação: os de 11 do mesmo mez, creando mais um substituto do procurador geral da fazenda; e reorganisando o real collegio militar, sejam havidos tomo projectos de lei do governo, e como taes remettidos ás commissões da camara; para sobre elles darem os seus parecerei, e lerem depois na camara o devido seguimento.

Em quanto aos decretos da Segunda dictadura, que não estiverem completamente executados, proponho que se tenham todos como projectos, e se remettam ás commissões respectivas da camara, para nellas seguiram devidamente. — Vellez Caldeira.

Foi admittida, e ficou conjunctamente em discussão.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Digno e respeitavel presidente, e sr. deputados amigos e inimigos, não ides ouvir o soldado encanecido no serviço da patria, vergando a cabeça sobre o peso de corôas immarcesciveis! Não ides Ouvir um novo Homero cantar vos a sua Ilíada, riem um novo Xenofonte dar-vos em resumido quadro Os seus altos feitos e grandiosos trabalhos! Ides ouvir pura e simplesmente um deputado, orfão e desvalido de valiosas recommendações, humilde por timbre e caracter, quando olha para si, porém, soberbo e implacavel quando olha para certa gente. Ides ouvir um deputado, que nunca de caso pensado Se lembrou de offender quem quer que fosse, e que não tem vergonha de declarar alto e bom som que estudou alguns dos graves assumptos, que se acham em discussão para poder, com acerto e consciencia, emittir o seu voto, não como eunuco do poder, mas como homem que estima e preza a liberdade.

Sr. presidente, quando o insulto tem a desabrida e insensata pertenção de se arvorar em privilegio, a insolencia e para o injustamento aggredido um direito; e á invectiva a primeira, a principio, e a unica penalidade da tribuna No entretanto, não serei insolente, porque não sou homem, que no remanso do gabinete, esteja a sangue frio escolhendo frases desconchavadas e apodos insonsos.

Os guardas do ministerio disseram-nos aqui — as vigias da liberdade não dormem, pelo contrario estão acordados, ouvem e sabem tudo — Podia e creio que com muita razão perguntar-lhes pela procuração que os auctorisa a responderem-me assim, mas não o farei. Como porém os vigias da liberdade estão acordados, ouvem e sabem tudo, então ouçam as perguntas que lhes vou dirigir, a fim de responderem, e souberem ou podérem.

Os ganços grasmiram e acordaram Manlio, o guarda do capitolio; Manlio salvou o seu paiz, porém Manlio depois, atraiçoando os compromissos do seu partido, e falseando as promessas que fizera, foi precipitado da Rocha Tarpeia; o seu nome foi proscripto e infamado, e a sua casa arrasada.

Hoje, sr. presidente, não grasnam os ganços, apenas coaxam as rãs, reptis asquerosos e hediondos que se recreiam nos pantanos e charcos, e vivem da podridão das agoas; mas coaxem embora, não me mo, vem do firme e inabalavel proposito de dar o meu voto nas questões do paiz com a liberdade, com a consciencia, e com a independencia que são o timbre do meu caracter.

O tabellião, dizeis vós, porta por fé!? Alas vós que tendes a loucura e a pertinencia de me fallar tanto nos vossos serviços e nos vossos gloriosos feitos, quando é que a vossa palavra portou por fé? Foi em 1849, quando cobristes durante dois annos a fio o duque de Saldanha de apodos, de improperios, de calumnias e de aleivus, ou agora que dizeis que o duque de Saldanha é um homem honesto, digno e honrado? Dizei; quando portaste por fé, foi quando injuriastes, ou agora quando elogiais?

Pergunto aos illustres deputados, quem trouxe aqui a pueril questão acêrca do fundo de amortisação ser ou não ser mi) contracto? Fui eu, senhores? Não! Foi o sr. ministro da fazenda. Tendo o sr. ministro dicto que o banco não possuia o fundo de amortisação em virtude de um contracto, e sendo esta opinião apoiada por alguns cavalheiros do lado esquerdo, julguei-me com direito de asseverar o contrario do que affirmara o sr. ministro. Invoquei o tabellião, para corresponder á invocação do sr. ministro; mas, não confundi a essencia do contracto, que é ao mesmo tempo de direito natural e de direito civil, com as suas formalidades extrinsecas, unicamente estabelecidas pelo direito civil, a fim de evitar dolos V. fraudes. Hoje sustento ainda que o fundo de amortisação é um contracto, perfeito na sua essencia, solemne nos seus actos, e efficaz nos seus effeitos; porque uma e outra parte contractante lhe deu principio e continuidade de execução. Nestes termos é uma convenção, e contracto, como o definem todos os jurisconsultos, e em particular, o codigo civil francez no artigo 1101.º E a convenção, pela qual unia ou mais pessoas se obrigam a dar e a fazer, ou a deixar de lazer e dar uma cousa a qualquer.

Para a validade da convenção exige-se o consentimento da parte que se obriga, capacidade da pessoa que contracta, e definição do objecto sobre que se contracta. A parte que contractou, foi o governo, a parte que se obrigou foi o banco, o objecto definido e sobre que recaíu o contraclo, foi o fundo de amortisação. Alas o tabellião ainda outra vez?!

O tabellionado procede da lei, recebe força da lei, vem da lei, e foi a lei que confirmou o accordo entre o banco e o governo.

Sr. presidente, os cavalheiros do lado esquerdo tem dirigido muitas vezes os parabens aos deputados que se sentam deste lado (o direito) pela conversão dos seus principios, e por defenderem as doutrinas do lado esquerdo. Mas quer a camara saber qual é a conclusão, ou a paga que tivemos desta nossa conversão? E, apoz os parabens, o insulto, a injuria e a invectiva! Pois se nós de preversos que eramos estamos conversos, para que nos injuriais? Em tudo são assim! Applaudem a nossa conversão, e injuriam-nos! Se approvamos os nossos principios; se merecemos parabens por esse facto; se as vossas palavras calaram em nosso coração, a ponto de nos convertermos; se nos rendemos ás vossas doutrinas, porque motivo, senhores, em logar de nos acolherdes com benevolencia e agasalho, nos insultais e injuriais?! O que se segue daqui, é que os vossos parabens não são sinceros; se o são, o vosso procedimento é contradictorio; se o não são, a vossa invocação é falsa.

Mas estais acordados, vigias da liberdade, mas os vigias da liberdade assignaram um programma, e en-

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Nenhum dos artigos desse programma está cumprido. Fallo do programma da calçada do Sacramento. Pois que diz este programma? Diz = O poder constituinte pertence ás côrtes. — E vós, vigias da liberdade, estais hoje approvando as dictaduras? Achais que a dictadura é um poder ordinario, vigias da liberdade? Que diz mais esse programma? Que a soberania nacional será proclamada pela nação. — Onde está proclamada a soberania nacional pela nação? Como comprovais o que hoje fazeis, com as vossa? douctrinas, com os vossos factos e com os vossos principios de então? Onde está a guarda nacional, que prometteste, e com que nos aludiste os ouvidos mezes a fio? Onde está a organisação da fazenda publica, a diminuição dos impostos, e o desapparecimento do deficit, e a igualdade entre a receita e a despeza! Onde estão as vossas medidas para e se fim? Já vos esquecestes do vosso programma? Não diz o programma da calçada do Sacramento, que o exercito será reduzido? Qual é a medida que tendes apresentado para esse fim? Não vos lembrais que ainda hontem dissestes que era impossivel fazer economias no exercito? Levastes dez annos a clamar contra trez mil contos do orçamento do exercito, e vindes hoje dizer que não se podem fazer reducções e economias no exercito! Pois achais que é impossivel a abolição do commando em chefe, vós que gritastes contra o mesmo commando na pessoa do Rei, só para o conservardes na pessoa do duque de Saldanha!... Achais impossivel diminuir 10 ou 5 réis nas gratificações das praças de Lisboa, Porto e Elvas, e alguns reaes nas praças ide pret. Achais impossivel supprimir pelo menos dois regimentos de cavallaria, que figuram no orçamento nominalmente? Achais impossivel eliminar as musicas dos batalhões de caçadores? Não vos pejais do tanta contradicção?!! Vindes agora dizer-nos que não se póde fazer economia alguma no exercito!!!

Sr. Presidente, são os homens que assim renegam -de um dia para outro, aquelles que se chamam vigias da liberdade!... São estes os homens que se dizem ainda vigias da liberdade, quando eu os vejo estirados preguiçosamente no atrio, no patamar e nos ultimos degraos das escadas do palacio dos nossos caricatos Cezares!!!!

O odio contra a Pessoa de El-Rei era tal que os levou a estabelecer no seu programma «que a regencia nunca recahiria num estrangeiro e agora no acto, -addicional, se me não engano, reconhecem a regencia em um estrangeiro! Então dizia-se «o governo nunca poderá nomear os membros das camaras para uma commissão qualquer» hoje porém consente-se tudo e approva-se tudo. E são estas creaturas as que nos fallam em subserviencia de principios; e dizem — tu fugiste dos campos tribunicios?!... Peço-vos, senhores, que me digais onde é o campo tribunicio, quero vêr esses bonitos arraiaes, n'um paiz, onde o mais simples plebeo, não sonha em outra cousa, senão em ser barão ou visconde! (Riso) Quer v. ex.ª e a camara saber o motivo porque os cavalheiros do lado esquerdo apoiam o governo? E porque estão com medo de ser ministros. (Riso) Copiaram textualmente estas palavras (cheios de fél e ironia) de Mr. D'Israeli — apoiam o governo, porque teem medo de ser ministros! Não vos assusteis tanto, senhores! Menos medo.

Direi a este respeito alguma cousa ao meu illustre amigo e collega o sr. Casal Ribeiro. O illustre deputado intendeu que eu aspirava,» ministro, mas declaro francamente que não aspiro a tal cousa, não seja se s. ex.ª me disse isto para me desconsiderar, mas declaro ao illustre deputado que retribuo a sua fineza de um modo muitissimo differente. Achava-me antehontem no theatro de S. Carlos cercado de um maior ou menor numero de individuos, quando chegou um outro, e disse que ouvira estar indigitando para ministro da justiça o sr. Casal Ribeiro. Não fiz caso: não puz a menor duvida; porque tanto me importava que o sr. Casal Ribeiro seja ministro, ou não.

Achei a noticia corrente, simples, factivel; acho até um despreposito não ser já ministro o sr. Casal Ribeiro. E esta a maneira como retribuo a sua fineza. Sei que o sr. ministro da fazenda toma injusto a peito a elevação do sr. Casal Ribeiro ao cargo de ministro da justiça, mas é preciso tambem ter por seu lado, o sr. duque de Saldanha e o sr. ministro do reino, por que a protecção só do sr. Antonio Maria Fontes Pereira de Mello não vale muito por ora.

O illustre deputado, e meu amigo, a quem respeito sempre, o sr. Roussado -Gorjão, disse; é melhor boa fé, que a revolução de 6 de Outubro fora obra do banco para se apossar do fundo de amortisação; tenho porém a oppor a esta opinião, a proclamação de 6 de outubro, assignada por Sua Magestade, e referendada pelo nobre duque de Saldanha. Se acaso fosse exacta a asserção do sr. Roussado Gorjão, n'este caso o primeiro que tinha sido comprado pelo banco foi o sr. duque de Saldanha. Segundo a opinião do illustre deputado, o que se póde concluir é, ou que o nobre -duque de Saldanha foi comprado pelo banco, d'então é um corrupto, ou no caso de não venalidade,.assignando s. ex.ª a proclamação de 6 de outubro, deu um documento de muita ignorancia.

O sr. duque de Saldanha, n'um folheto, publicado provavelmente, com certeza talvez, debaixo das suas vistas e da sua revizão e protecção da a razão, porque -apoiou o movimento de 6 de outubro;,e tanto Sua Magestade como o duque de Saldanha não fallam ahi no fundo de amortisação. No mesmo folheto vem uma conversação que teve logar entre o sr. marquez de Saldanha eosr Jervis de Atouguia, que vou citar. Encontrando um dia o sr. marquez de Saldanha o sr. Jervis na rua do Ouro, e fallando sobre a crise que se achava imminente, o sr. Jervis deu-lhe os parabens por estar encarregado de formar o ministerio, e o sr. marquez de Saldanha disse-lhe: — se assim fosse, essa. administração não podia durar muito tempo, mas não obstante, se fosse chamado, nomearia os seguintes individuos — Derramado, Soure, José Alaria Grande, e marquez de Loulé; ao que o sr. Jervis respondeu: — Ah! Meo marechal, esses já não podem satisfazer as circumstancias de momento; a não se chamar José Estevão, Alberto Carlos, e outros que taes... (O sr. Ministro dos negocios estrangeiros (Visconde de Atouguia: — Isso não é exacto. (O Orador — Aqui está o folheto, que f) i transcripto no Diario do Governo, e ninguem o desmentiu, por isso não sei se é exacto. (O sr. ministro dos negocios estrangeiros (Visconde de Atouguia): — Sei eu que não é exacto e até não estava em Portugal, quando se publicou esse folheto. (O Orador: — Não sei; aqui está; reclamasse a tempo; não é no fim de 6 annos que se póde dizer não é exacto.

Era esta a opinião do sr. Jervis; mas vamos a ver o que diz o sr. duque de Saldanha nesse mesmo fo-

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lheto, que se bem não seja escripto por s. ex.ª, declara-se no principio, que este folheio é escripto por um homem, que é intimo amigo e familiar do sr. duque de Saldanha, e que está ao facto de todas as circumstancias graves da situação. Neste folheto não se diz em parte alguma que a revolução de 6 de outubro foi feita por causa do fundo de amortisação; diz-se o seguinte.

V. ex.ª prescreveu; a sentença já passou em julgado. (Riso.)

Mas eu vou ler o que diz o folheto sobre a conversação a que me refiro: a Em um dos ultimos dias de setembro encontrou o marquez de Saldanha na rua do Ouro ao sr. Antonio Aluizio Jervis de Atouguia, que lhe disse: — Muito dó tenho de v. ex.ª por que é preconisado para formar uma nova administração — Quer dizer, respondeu o marquez, que se tal acontecesse, o ministerio não duraria um quarto de hora. Isso, replicou o sr Jervis, dependeria da escolha dos individuos. E o marquez logo lhe assegurou que a sua escolha estava feita. Que o proporia a elle Jervis para a marinha, e aos srs. Derramado para o reino, Soure para a Justiça, José Maria Grande para a fazenda, e Loulé para os estrangeiros, ficando elle marquez com a pasta da guerra. «Ah! Meu marechal! Esses nomes já não satisfazem a situação. Para que o ministerio durasse, seria necessario que nelle figurassem Alberto Carlos, José Estevão, e outros similhantes.»

Perdoe-me a camara... enganei-me. Não é este to periodo que procurava, e que devia ler para corroborar a minha opinião.

As causas do movimento de 6 de outubro foram, (a curtissima exposição e o seu additamento, folhetos publicados senão pelo sr. duque de Saldanha, de certo com o seu conhecimento e pleno consentimento) as causas foram — As demissões, desligações, e deportações tornadas um expediente regular de governo, a falla de segurança publica, a desorganisação da fazenda, o ponto immoral, as auctoridades sem prestigio, as exigencias tumultuarias das praças servindo de relatorio ás medidas governativas, o cynismo das associações pregando impudentes doutrinas anarchicas, a dictadura de um poder sem força etc.

Eis, senhores, a opinião de Sua Magestade a Rainha, e do duque de Saldanha. Aonde vedes aqui o fundo de amortisação! Para que dizeis pois que o movimento de 6 de outubro fôra obra do banco! Nem a historia contemporanea sabeis! É muito ignorar!...

Diga-me V. ex.ª, diga-me a camara, diga-me o sr. Roussado Gorjão, onde está aqui a invocação do fundo de amortisação? Se para provar um facto não posso consultar os documentos contemporaneos, não sei a que me hei-de referir. (O sr. Roussado Gorjão: — Se o illustre deputado me dá licença, eu me explico).

O sr. Presidente: — Eu pela minha parte não a posso permittir.

O Orador. — Não tenho duvida em que o illustre deputado dê a sua explicação...

O sr. Roussado Gorjão: — Começo por declarar ao illustre deputado que commetteu uma grande equivocação, em pôr na minha bocca o que ou por modo nenhum disse, e appello para o testemunho da camara, e para o que está escripto no Diario do Governo, o que tive cuidado de rectificar, e nada absolutamente do que o illustre deputado acaba de dizer, lá se acha. Eu disse que o fundo de amortisação linha uma applicação especial, e que esta applicação era para a divida que estava designada, como, por exemplo, para pagar os supprimentos feitos pelo banco de Lisboa ao governo, á companhia Confiança e á companhia Folgosa, Junqueira, Santos Silva e companhia, e o que legalmente se devesse á companhia das Obras publicas, e o que dizia respeito aos servidores do estado, desde o ultimo ponto que houve nos pagamentos, até julho subsequente. Agora se se quer saber o que eu intendo a respeito do fundo de amortisação, eu me comprometto a explica-lo, quando me couber a palavra. O fundo de amortisação, sr. presidente, é um chefe de obra de ob-subrepção.

O Orador: — Eu vejo que o illustre deputado não comprehendeu bem o meu argumento. Disse eu, que o sr. Roussado Gorjão affirmou que um dos principaes motivos que actuaram para o movimento de 6 de outubro, foi o banco querer apoderar-se do fundo de amortisação; alguns cavalheiros do lado esquerdo da camara apoiaram o illustre deputado; por conseguinte a conclusão que tirei, foi que os illustres deputados sustentaram que a revolução foi feita para o banco se apossar do fundo de amortisação. Foi isto o que se disse; se agora o querem negar, neguem-no muito embora, porque dado esse caso, estou prompto a retirar o que disse

Sr. presidente, já tenho declarado, e parece-me inutil repetir, que não sou inimigo dos caminhos de ferro; mas como do lado esquerdo da camara se insiste em dizer que os deputados da direita são inimigos dos caminhos de ferro, declaro por uma vez por todas que o não somos. Mas o que não queremos, é sacrificar ao caminho de ferro os principios de moralidade, e as condições de dever. Não queremos caminhos de ferro á custa da subserviencia parlamentar. (Apoiados) Não queremos o caminho de ferro, apoiando o saque á propriedade. (O sr. Corrêa Caldeira: — Apoiado, apoiado) Não queremos o caminho de ferro, apoiando fornada de pares. Não queremos o caminho de ferro, approvando a creação de escandalosas sinecuras. Não queremos o caminho de ferro, approvando a continuação do commando em chefe. Não queremos o caminho de ferro, com a apostazia dos principios. (O sr. Corrêa Caldeira: — Muito bem) Não queremos o caminho de ferro, com a abjuração das nossas crenças. Não queremos o caminho de ferro, com a sanctificação de todas as tropelias, abuzos, e desperdicios. Não queremos o caminho de ferro, calcando aos pés a religião que professamos. Não queremos o caminho de ferro, atraiçoando os nossos amigos. (Apoiados da direita) Não queremos os caminhos de ferro, semeando a cizania no nosso partido. Não queremos o caminho de ferro, invocando constantemente os interesses materiaes, porque esta invocação é uma tregoa, e em politica esta tregoa é a apostasia. Já não sabeis que a tregoa em politica é a apostasia, e que a politica ha de existir, em quanto existirem os partidos? Não sabeis que a constante invocação dos interesses materiaes é nada menos, do que a declamação do indifferentismo politico, e da insensibilidade moral, que é o primeiro passo do transfuga, e a primeira blasfemia da cons-

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ficticia que se vende! Por este preço não queremos caminhos de ferro.

Um illustre deputado fez muito bem em não aprender nada com o que eu digo; mas, sr. presidente, principiei humildemente por declarar, que, não me fiando só nas minhas palavras, fui compulsar documentos para poder dar o meu voto ácerca das graves questões, que se ventilam no parlamento. Este mesmo sr. deputado disse não ter aprendido nada com os adjectivos synalagmatico e bilateral; e quiz ser espirituoso á minha custa. Mas, sr. presidente, posso ter commettido o atrevimento e o desafôro de proferir e = tns palavras; mas o que posso dizer é, que um homem que estuda, não vinha fatigar a camara com insonsas trivialidades, nem dizer que o exercito e como a matilha de caes do visconde de Laborim; que um boi é um morgado, e que uma posta de peixe, com outra de carne, embrulhada em manteiga ingleza, faça um pastel de amendoas. Ha talentos que são como as grimpas toscas dos campanarios das aldêas, que se enferrujam e param. Pois que! Vindes aqui dizer — o banco é um ladrão, o banco é a usura descabellada, e depois, não sei por que aberração, vindes estranhar que eu diga que o governo deve ao banco? Reconheceis, pois, que o governo deve ao banco; mas quando se tracta de pagar, isso então é cousa mais séria. Começo a ter medo de que queiram dar ao banco mais do que elle pede.

Já o sr. ministro da fazenda declarou, que está prompto a dar ao banco o fundo de amortisação, se o banco acceitar as condições que apontou; mas o que intendo é, que depois de se ter diclo que o banco rouba, que é a usura desgrenhada, e o estorvo a todos os progressos do paiz, não se lhe deve restituir o fundo de amortisação; o que se deve e instaurar, apressar o processo do banco, para o que já esta camara nomeou uma commissão de inquerito, a fim de que se saiba a verdade... se a paixão não influir na justiça e severidade dessa apreciação.

Eu poderia responder melhor e mais desinvolvida mente aos vossos discursos; sobeja me força, intelligencia e vontade para isso; mas não o faço, porque não encontro nelles senão a balbúrdia e a confusão por toda a parte; encontro a balbúrdia e a confusão nos termos de que vos servistes nos elementos de que vos aproveitastes, nas combinações que fizestes, nos principios que assentastes, e nas conclusões com que arrematastes; e então não estou para ir desbravar um terreno tão arido e maninho.

Para se ver como o illustre deputado o sr. Casal Ribeiro aprecia os assumptos economicos, basta o seguinte: disse s. ex.ª — que a reforma de sir Robert Peel não produziu os effeitos que se desejavam; tanto não produziu, que sir Robert Peel acompanhou a reforma do income tax. — Eu peço licença para dizer ao illustre deputado que leia Bastiat, economista que pelo seu estylo ameno, e pelo seu espirito consciencioso, deve ser lido. Bastiat diz: que se a reforma não produziu logo os effeitos que devia produzir, mas que vai produzindo, foi pelo conjuncto de calamidades que sobrevieram, e que não era dado á intelligencia humana, nem prever, nem remediar; porque em dois annos seguidos (em 1845 e 1846) falhou a colheita de cereaes em Inglaterra, e aquella nação leve de dispender milhões de francos em comprar cereas estrangeiros; 4 annos falhou a colheita da batata na Irlanda, e a Gram-Bretanha teve de prover á sustentação de um povo esfomeado; falhou tambem a colheita do algodão nos Estados Unidos da America, e por consequencia escaceára o trabalho nos districtos fabris da Gram-Bretanha. Teve-se de luctar com todas estas difficuldades; depois sobreveiu a mania dos caminhos de ferro, e de repente correram para esta empreza 2.000 ou 3.000 milhões de francos. Todas estas circumstancias financeiras fizeram com que a reforma não produzisse immediatamente os resultados que devia produzir.

Os illustres deputados enganam-se, quando acreditam que o procedimento do sr. ministro da fazenda é conforme com o que teem practicado todos os financeiros; e porque nós não concordamos em tal, somos logo logo acoimados de ignorantes, inimigos do paiz, e até nos declaram adversarios dos caminhos de ferro. Hoje os caminhos de ferro são para tudo; (piem não approva a conversão decretada pelo ministerio, não quer caminhos de ferro; quem não approva o procedimento do governo com relação ao fundo de amortisação, não quer caminhos de ferro; quem não approva que se tire. no banco as mezadas do contracto do tabaco, não quer caminhos de ferro; quem não cumprimenta cortezmente os srs. ministros, não quer caminhos de ferro; quem é opposição, não quer caminhos de ferro; de maneira que a sciencia e a intelligencia só estão daquelle lado da camara; nós, miseros deputados da direita, somos uns entes corruptos e preversos, não ha cousa alguma a espetai de nós. Estamos perdidos sem remissão! E no entanto agora já eu começo a ler alguma consideração pela minha pessoa, e a aprecia-la mais alguma cousa, porque, em verdade, não posso ser tão máo como os nobres deputados me querem fazer. Em ião negra apreciação ressumbra alguma inveja.

Mas para terem o gosto de me contrariar, foram até infamar a historia, e não tiveram vergonha de fazer publico um documento, que não abona muito a intelligencia de quem o apresentou. Eu havia dicto que Sully e Colbert tinham feito conversões; e um illustre deputado declarou alto e bom som, que estes estadistas eram dois banca-roteiros; e para comprovar a sua extravagante opinião citou uma poesia ou cantiga, que disse ser dos salões; porém que eu affirmo e juro ser não dos salões, mas do meio da rua...

O sr. José Estevão: — Se me dá licença, dir-lhe-hei, que não é cantiga do meio da rua, é de auctor conhecido, mas que não me lembro agora: essa poesia veiu n'um livro de litteratura, que posso mostrar ao nobre deputado.

O Orador: — Eu nego redondamente em nome da verdade e da sciencia, que Sully e Colbert foram banca-roteiros. Peço que se leiu Blanqui, Miguel Chevalier, Bastiat, Adam Smith, e J. B. Say, e desafio o illustre deputado para que me mostre, em qual destes economistas, que valem pelo menos lauto como o nobre deputado, respeitados e lidos em toda a Europa, e citados em todos os parlamentos, em qual delles encontrou que Sully e Colbert eram famosos banca-roteiros! Se o illustre deputado me mostrar tal, desde já me proponho a sustentar, que s. ex.ª deve subir ao capitolio, por haver salvado a patria.

Vou dizer-vos, em poucas palavras, a historia de Sully e Colbert. E sabido que estes dois illustres estadistas foram os que crearam e desinvolveram a sciencia financeira da França. Sully foi um administrador, que pelo seu espirito de ordem, e pela sua

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probidade exerceu a maior influencia possivel sobre a economia politica não só da França, mas da Europa. Sully quando entrou para o ministerio achou a França individada em 300 milhões. Sully perdoou aos povos 20 milhões de contribuições atrazadas, e alliviou-os, annualmente, de mais de 2 milhões de impostos

Sully em França, e o parlamento em Inglaterra, foram decididamente os auctores da sciencia financeira. Os arrematantes das rendas publicas arrancavam aos contribuintes 150 milhões, mas desta quantia o thesouro recebia apenas 30 milhões; Sully poz côbro a tanta rapina.

Em summa, Sully confeccionou o primeiro orçamento, que serviu de base á contabilidade publica, estabeleceu a ordem nas finanças, installou a economia nacional, creou, ou facilitou a creação dos elementos essenciaes para a prosperidade do seu paiz; perdoou as contribuições atrazadas, diminuiu os tributos correntes, dotou a França com glandes trabalhos, abriu o canal de Briare, e quando largou o poder, deixou nos cofres da Bastilha 40 milhões de francos. 12 annos do seu governo bastaram para resultados Ião grandiosos, que prepararam a bella e florescente época de Luiz 11º, que legou o seu nome a um seculo

Eis-aqui está o famoso banca-roteiro!

Vejamos agora outro banca-roteiro não menos famoso.

A administração de Colbert, diz Blanqui na sua historia da Economia Politica, attrahe ainda hoje o respeito que merecem as instituições religiosas: as suas doutrinas estabeleceram uma seita que conta no seu gremio tantos fieis como a grande igreja que dogmatisa o principio immortal da liberdade do commercio. Colbert em 1664, apezar de proteccionista, reduziu os direitos de exportação e importação, que pesavam sobre muitos artigos, e supprimiu todos quantos direitos onerosos difficultavam as materias primas.

Tudo quanto a Fiança possue de grandioso em pintura, esculptura, architectura, sciencias e artes, deve-o a Colbert. O frontispicio do Louvre, a galeria das columnas, o observatorio de Pariz, a academia das inscripções, são da administração de Colbert.

Colbert levou a luz e a ordem ao cahos tenebroso das finanças. Os seus regulamentos ácerca da industria foram taes, que só n'um anno, em 1669, a França viu a creação e o trabalho de 44 mil teares de lã. Colbert pela animação que deu ao commercio, e ás artes creou para a França a receita de 100 milhões de francos. Os seus regulamentos sobre policia, commercio e marinha são os fundamentos do codigo civil Francez. Colbert abriu o canal do Languedoc, que uniu os dois mares. Engrandeceu a França com os arsenaes de Marselha, Toulon, Brest, e Rochefort, e deu-lhe uma marinha respeitavel e respeitada. Remiu o povo de 12 annos de contribuições não pagas, e depois diminuiu-lhe annualmente os impostos. Em 1661 a França era tributada em 42 milhões, em 1670 os tributos orçavam por 34 milhões: em 9 annos ha na cifra do imposto a diminuição de 8 milhões. Escutai ainda o que fez o famoso bancaroteiro — os impôs diminuem, mas a receita cresce. Em 1661 o rendimento bruto era de 84 milhões; em 1670 é de 96 milhões. O rendimento liquido era em 1661 de 12 milhões; em 1670 é de 71 milhões. Os encargos publicos em 1661 consumiam 52 milhões; em 1670 consomem apenas: 25 milhões. Em 1678 os juros da divida consolidada a 14, 15, 16 e 18 dinheiros importavam em 10,400,000 libras sobre um capital de 157 milhões. Colbert por uma operação engenhosa embolou, com capitaes que levantou determinadamente para este fim, o capital antigo, e esta operação augmentou, é verdade, um milhão no capital, mas diminuiu no juro a somma de 2,400,000 libras. A França em vez de continuar a pagar 10 milhões de juros, ficou pagando 8, e acolheu com muita satisfação a troca de rendas desacreditadas, por outras solidamente garantidas. Colbert desde 1671 até 1683 contraíu varios emprestimos, que todos sommavam 262 milhões, e davam de juro 14 milhões, pouco antes da sua morle havia pago 101 milhões, e descido portanto, o juro de 14 a 3 milhões.

E vindes aqui dizer com tom enfatico que Sully e Colbert foram dois bancaroteiros! Felizmente estamos ião longe, as nossas vias de communicação são tão difficeis, os debates das nossas lides parlamentares são tão pouco lidos lá fóra, que felizmente, digo, ninguem ha de lêr as herezias que proferistes.

O sr. Casal Ribeiro martyrisou-me de uma maneira espantosa por eu ter dicto que 100 mil contos era quasi um milhar de milhões Eu podia defender-me muito bem, demais; não quero, porque o nobre deputado appellando para este facto, condemnou a sua intelligencia, e não a minha. Pois haverá alguem que ignora que eu saiba que cem mil contos não é um milhar de milhões! Eu podia dizer que me enganei, que foi erro de conta que escrevi, podia ler emendado este erro quando revi as notas dos srs. tachygrafos; não lho toquei, porque como o tinha dicto, não quiz emendar esse erro. Não era pois necessario deitar a livraria abaixo para provar a minha ignorancia. Mas esse facto não inculca a minha ignorancia, inculca que o nobre deputado não podendo rebater nenhuma das demonstrações do meu discurso, achou que era bello e de um grande effeito occupar uma boa parte do seu discurso para provar que eu me tinha enganado, (que novidade!!!) quando disse que cem mil contos era um milhar de milhões. Ora se ámanhã o nobre deputado disser, que uma moeda tem 14 pintos, eu não faço caso disso: sei que o nobre deputado tem bastante intelligencia para saber que uma moeda são 10 pintos e não 14.

Tambem disse o nobre deputado que eu tinha mostrado, pela conta do banco, a somma do que se devia -ao banco, mas que não demonstrara a exactidão daquella cifra. Eu sustento a cifra, queira impugnal-a. Tendo eu dado uma cifra com 4 réis, veiu fazer disso argumento e dizer — foi tal o cuidado com que se fizeram estes calculos, houve tanto escrupulo que até não escapou o algarismo de 4 réis! — Não é culpa minha, se a cifra me deu em resultado os 4 réis, que apparecem naquella verba. Não é o muito amor que eu lenha aos quebrados nem aos inteiros. (Riso) Mas o nobre deputado disse que não era exacta a cifra, e não o demonstrou, e para dizer que não é exacta hade referir-se aos documentos e contas que lhe forem ministradas. Pois foi o mesmo que eu fiz, e corri aos documentos, examinei-os com todo o escrupulo, e para que não acontecesse como podia acontecer, estar errada a conta que fiz, escrevi eu proprio essas cifras que me deram aquella somma, e desconfiando da minha intelligencia, pedi a pessoa competente para a examinar, e vêr se dava o mesmo resul-

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tado, e depois de todas essas cautellas é que as apresentei.

Vamos a vêr os prejuizos que soffreu o banco no seu capital e juro. Fallando no decreto de 3 de dezembro de 1851, e nos decretos de 26 de julho, 30 de agosto, 9 de outubro, e 18 de dezembro de 1852, disse, o banco perdeu no seu capital e no rendimento annual 2.679:893$376 réis.

O nobre deputado disse que eu confundi o capital com o juro. Se errei, emende. O banco perde n'um anno tanto: eis a minha conta. Disso s. ex.ª — o sr. Cunha podia levar este calculo a dois ou mais annos, e o resultado ser-lhe-hia mais favoravel. — Podia, é verdade; mas não o fiz, e então o nobre deputado deve aceitar as minhas observações, como eu as apresentei, e responder a ellas tal qual as apresentei, e não fazer argumentos sobre o que eu não disse.

Eu vou ler a minha demonstração, e depois manda-la-hei para a mesa. Quero que venha ámanhã, no Diario do Governo) e desde já desafio o illustre deputado e os seus amigos de dentro e de fóra desta casa a que me arrede daqui uma unica cifra ou me toque n'algum destes algarismos.

Ouça-me a camara.

O banco possue 4.755:803$386 réis de acções sobre o fundo de amortisação como juro, as quaes foram, por algum tempo, vendidas a 100 por cento: mas ainda que só fossem vendidas a 80 por cem, que foi o ultimo preço, pelo qual o banco as alienava, ainda o seu capital correspondia a....... 3.804:612$708

O banco possue 89:081$074 réis de acções sem juro, pelas quaes devia receber de amortisação.................... 89:031$074

Logo o capital em acções sobre o dicto fundo, valia pelo menos................. 3.893:723$782

Effectuada a conversão destas acções em obrigações do thesouro, com o juro de 2 por cem nos primeiros dois annos, virá o banco a receber:

Pelas acções com juro..................................... 4.755:803$386

Pelas acções sem juro, 40 por cem que ellas representam, ou.... 35:632$429

Total................. 4.791:435$815

As obrigações do thesouro, não tendo a applicação das acções primitivas, só podem reputar-se como quaesquer outros titulos de divida fundada, pelo preço proporcional aos das inscripções com juro de 3 por cento; e achando-se estas no mercado a 38, só poderiam as obrigações do thesouro vender-se a 25 — o que produziria......................... 1.213:330$406

Portanto, o banco perde no valor deste capital................................ 2.679:893 $376

Note se, que o banco deu pelas acções que foi obrigado a tomar aos particulares, 161 por cento em inscripções por cada 100 em acções do fundo de amortisação.

Sr. presidente, tendo decidido eu entrar nesta questão, fiz o que manda a razão e a justiça; e por este procedimento fui irreflectidamente censurado pelos illustres deputados do tudo esquerdo da camara. Depois de ouvir o accusador ou accusadores, quiz ouvir o accusado. Ouvi uma parte, fui ouvir a outra. Pois que? Cuidais que eu vinha aqui para me deixar desarmar facilmente? Estais muito enganados; não tinha mais que fazer senão vir para aqui offerecer-me como victima aos srs. deputados! Não devia ser, e não foi.

O banco perde no juro das acções o seguinte: devida no banco pelos juros vencidos até 30 de julho de 1852....................... 457:716 $075

Tomados estes por objeções do thesouro de 2 por cento, reputados como acima pelo preço de 25 dão....... 115:962$339

Perda..... 341:783$730

Não tenha o nobre deputado (O sr. Cazal Ribeiro) o trabalho de tomar apontamentos, porque eu mando esta demonstração para a mesa, amanhã apparecerá ella no Diario do Governo. O nobre deputado no remanso do seu gabinete, cercado dos seus economistas. (Riso) examina estas cifras, e se depois mostrar que eu errei, o triunfo de s. ex.ª será completo; mas agora, affirmo-lhe, não póde responder.

Além das perdas que já aqui mencionei, tem o banco de prejuiso mais 82:513$911 réis por anno como vou demonstrar.

As acções com juro venciam 5 por cento ou..................... 237:790$169

Deducção de 25 por cento....... 59:417$542

Liquido....................;.. 178:342$627

Os juros das obrigações do thesouro contados a 2 por cento, sobre 4.791:435$815 réis dão........ 95:823$716

Perda annual................... 82:513$911

Peço a v. ex.ª e á Camara que notem que eu conto nos calculos destes juros, como uma deducção permanente o que era simples e puramente uma deducção temporaria; mas eu quero facilitar argumentos aos meus adversarios.

Sr. presidente, quando me propuz a entrar nesta questão, o que fiz? Procedi como devia proceder, pelo que tenho sido áspero e severamente reprehendido; fui estudar; mas segundo as theorias daquelle lado da camara estudar é cousa que se faça? Onde se viu que um homem estude um assumpto, quando quer discutir esse assumpto? Só em Portugal e só feito por mim (Riso) não estudeis, senhores! Os illustres deputados são como Minerva, nasceram com

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a intelligencia desenvolvida! Ma» eu quiz estudar esta questão; fui ao banco, andei a traz dos directores de dia, de noite, a chover, afazer sol, e disse-lhes — Na camara, os meus collegas dizem que vós tendes roubado muito; tendes duvida em me facilitar os documentos para eu ver se roubais ou não? — E quer v. ex.ª saber? O banco teve difficuldade em me apresentar os documentos, donde eu concluia ou que o banco era realmente um grande criminoso, ou que tinha demasiada confiança na sua justiça, ou demasiada desconfiança na minha capacidade. Foi-me necessario andar atraz dos directores do banco, de sorte que parecia que eu era o proprio banco. Não deixava os directores onde os encontrava; no theatro quando via algum, largava a dança e as cantoras (Riso) e ia pôr-me ao pé do terrivel director do banco; fiz tudo quanto um homem de bem póde fazer, quanto um homem imparcial deve fazer para dar a sua opinião n'um assumpto grave, com acerto e consciencia. Póde acontecer que seja um crime este meu desaforado comportamento, mas sou o primeiro a confessar que segui e persegui os directores do banco; assim como hei-de seguir e perseguir os caixas geraes e empregados do contracto do tabaco, quando na camara se tractar delles: se me difficultarem os documentos, hei-de ver se por alguma arte magica me introduzo no contracto para ver o que eu quizer ver, porque nestas questões não me fio na auctoridade de quem quer que seja. Quero eu ver e observar com os meus proprios olhos.

Vamos á capitalisação. Tem-se querido provar que o banco que até agora recebia 5 e 4 por cento, recebendo de hoje em diante só 3 ficará melhor. Poderá ser, mas duvido. Vejamos, o banco perde pela capitalisação dos juros dos quatro semestres dos titulos que possue de divida fundada de 5 e 4 por cento............................ 39:365$300

Vou desinvolver esta cifra.

Importancia que o banco devia receber por esses juros............. 65:353$770

Recebendo em logar desses juros inscripções de 3 por cento, que só pódem reputar-se a 39 por cento preço do mercado, quando se publicou o citado decreto de 30 de dezembro, vem a receber o valor de 25:487$970

Logo a perda é de.............. 39:865$800

Quanto é que o banco perde continuando essa mesma operação com a conversão de 5 a 4 e 3 por cento — O banco perde annualmente nos juros o seguinte:

O capital de 291:500$855 réis de titulos de 5 por cento, vencia.................. 14:575$042

Idem de 724:853$459 réis titulos de 4 por cento................... 28:994$138

43:569$180

Deducção de 35 por cento........ 10:892$295

32:676$885

As inscripções correspondentes aos titulos de 5 por cento, vencem........ 8:745$025

8:745$02 32:676$885

Transporte....... 8:745$025 32:676$086

As obtidas pela conversão dos titulos de 4 por cento do nominal de réis

579:882$767, vencem 17:396$333 26:141$598

Perda para o banco............. 6:535$377

Sabeis que o governo, vendo que o banco não se prestava a certas velleidades financeiras, mandou que é banco amortisasse só 9 contos de réis em notas; o banco não esteve por este alvitre, e mandou á junta do credito 19 contos; a junta não quiz receber os 19 contos, o banco não quiz deixar os 9. O governo com o pretexto de amortisar as notas e comprar, as inscripções que o banco devia comprar, correu sobre as mezadas do contracto do tabaco, e appropriou-se dellas. Vejamos quanto o banco perde com esta nova espoliação.

Posteriormente ao decreto de 30 de agosto foi publicado o de 9 de outubro, que ordenou aos contractadores do tabaco entregassem mensalmente na thesouraria geral do ministerio da fazenda os 27:747$767 réis, que eram obrigados a entregar ao banco, para o governo comprar por conta do banco — 9:000$000 réis de notas, e 18:000$000 de inscripções, ou apolices de é por cento.

Por esta forma ficou o banco privado de todas as sobredictas prestações, que importam por anno, como fica dicto, em 332:973$201 réis.

E quando, para attenuar este prejuizo, se procure allegar, que para isso o governo emprega 11.000$000 réis mensaes na acquisição das notas e das inscripções, ainda assim o prejuizo fica sendo de 11:747$767 réis por mez, ou de 140:973$201 réis por anno.

O decreto de 30 de agosto reduziu a 9:000$000 réis a amortisação mensal das notas do banco de Lisboa a cargo do banco de Portugal; porém este não acceitou a reducção, e insistiu em querer amortisar os 18:000$000 réis, a que se havia obrigado pelo seu contracto. O governo mandou á junta que não recebesse os 18:000$000 réis; e pelo decreto de 9 de outubro determinou, que, por conta do banco, se Comprassem os 9:000$000 réis em notas.

O banco negou-se a entregar as inscripções, que deviam ser resgatadas pelas notas amortisadas pelo governo, por isso que a lei de 13 de julho de 1818 mandava que ellas fossem depositadas na junta, para terem a applicação marcada na lei (as quaes, pelo decreto de 19 de novembro de 1816, e lei de 16 de abril de 1850, pertenciam ao fundo de amortisação) o governo, pela portaria de 11 de setembro de 1852, apropriou-se das inscripções, ali depositadas. Em consequencia da recusa do banco ordenou o governo, pelo decreto de 9 de outubro de 1852, que o thesouro comprasse 18:000$000 réis de inscripções mensalmente, para ficarem pertencendo aos caminhos de ferro, em logar das que o banco deveria dar em troca das notas amortisadas pelo governo.

Quanto perde o banco no emprestimo dos 4:000 contos, pelo decreto de 18 de dezembro de 1852?

Este emprestimo foi contractado, como deve saber-se, com o juro annual de 5 por cento, com a declaração de que não seria sujeito a deducção alguma.

Segundo a tabella dos juros, publicada no Diario do Governo n.º 154, de 2 de julho de 1844, tinha

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o banco a receber, pelos juros do anno de 1853 e seguintes, até final amortisação, a importancia de 1.307:888$722 réis; e reduzindo o decreto de 18 de dezembro de 1852 a 5, sómente estes juros primitivos, vem o banco a perder a somma de réis 523:155/490.

Vamos aos emprestimos de 1835, que têem ultimamente feito tanta bulha, e que agora já vão sendo postos de parte! O banco ganha terreno de dia para dia. Fez-se um grande alarido sobre os 17 por cento que o banco (diziam) pedia de juros; hoje já ninguem falla nos 17 por cento!!! Fez-se depois maior alarido com as indemnisações que o banco pedia pela cessação do agio nas notas, hoje já ninguem falla nas escandalosas indemnisações! Fallou-se tambem dos emprestimos de 1835, não sei para que; hoje já ninguem se importa com taes emprestimos.

Os srs. ministros estão callados, hão de pedir a palavra, quando não pudermos fallar; tactica nova que póde abonar a intelligencia dos nossos estadistas, mas não é um documento de boa fé e de lealdade.

A camara vai cançando com a discussão; hoje ou amanhã pede a palavra o sr. ministro da fazenda, quem lhe ha de responder 1 A discussão vai longa, os cavalheiros deste lado da camara, que ainda estão Inscriptos, naturalmente não terão a palavra. A discussão fecha-se no sabbado, já o sei; (Riso) os srs. ministros pedem a palavra, quando não ha quem lhes possa responder. É uma estrategia magnifica.

Vejamos quanto o banco perdeu com os emprestimos de 35:

O decreto de 26 de julho de 1852, equiparando este juro ao de qualquer divida fundada, retirou-lhe no anno economico de 1852 — 1853 — 25 por cento, o que em relação a 27:138$732 réis, que lhe pertencia receber no 2. semestre de 1852, dá uma perda de 6:784$633 réis.

Do 1.º de janeiro de 1853 em diante vence o capital dos dictos emprestimos na importancia de 1.118:334$434 réis o juro annual de 55:916$721; fazendo-se-lhe applicaveis as disposições do citado decreto, perde o banco 25 por cento 13.979$180 réis.

Sr. presidente, é notavel que tendo eu commettido um grande erro nesta questão financeira do banco, erro palpavel e crasso, não me fosse elle notado por alguns dos meus collegas. Quando os illustres deputados da maioria fallavam, estava eu sempre a tremer que me lançassem em rosto o meu erro! Pois foi justamente esse erro crasso, que nenhum dos illustres deputados notou, e que eu agora vou denunciar.

Tinha eu dado o estado dos creditos do banco de Lisboa sobre o governo, e depois dei o estado dos creditos do banco de Portugal sobre o governo. Mas quando enumerei os creditos do banco, de Lisboa, disse que eram 9:000 contos, quando effectivamente veem a ser 17:800 e tantos contos, porque fallei do banco de Lisboa, sem comprehender, como devia, os creditos da companhia confiança nacional, que foi juntamente com o banco de Lisboa quem formou o banco de Portugal. Foi este o grande erro que commetti, e que a camara não notou!

Para se ficar sabendo bem qual é o valor dos creditos sobre o governo, e para rectificar o meu erro, mando para a mesa a seguinte demonstração:

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Desenvolvimento extrahido do estado junto á organisação do banco de Portugal.

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Divida do Estado, e de particulares, ao banco de Lisboa e

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Disse o sr. Cazal Ribeiro que todas as alterações até agora feitas no decreto de 19 de novembro foram sem consentimento do banco. O meu collega e amigo o sr. Avila quando fallou hontem, citou uma enfiada de decretos, que provam exactamente o contrario; mas s. ex. esqueceu-se de citar varios outros decretos e leis, que contradizem ainda a asserção do sr. Cazal Ribeiro. De sorte que, unindo eu as leis e decretos que vou citar ás leis e decretos que citou hontem o sr. Avila, ficará superabundamente demonstrado que não houve uma só medida, alterando o decreto de 19 de novembro, para a qual não fosse ouvido o banco de Portugal; não houve uma só. Não hei-de cançar a camara repetindo mal o que o sr. Avila disse bem; vou simplesmente dizer quaes foram as leis que o sr. Avila não citou.

Uma das leis que não citou o sr. Avila, é a de 16 de abril de 1850. Diz o artigo 13.º desta lei. (Leu) Ouvis, Senhores! A carta organica será modificada em conformidade com esta lei, depois de ouvido o banco?

Não foi tambem ouvido o banco sobre o projecto de organisação, que o governo lhe mandou para examinar?

E na caria organica do banco de Portugal não se diz logo no principio. Hei por bem, depois de ouvido o banco etc.?

Como é pois que os illustres deputados se atrevem a affirmar que todas as alterações do decreto de 19 de novembro foram feitas, sem ser ouvido o banco? Nenhuma; nem uma só.

Sr. Presidente, não sei, se fui severo ou não; e se v. ex. quer que eu falle com franqueza, direi, que é a cousa que menos cuidado me dá. Vim rebater allusões grosseiras e dados inexactos: não quiz offender quem quer que fosse, e menos ainda quem me não houvesse offendido. Mas todas as vezes que eu me julgar directa ou indirectamente offendido, não indago donde parte a offensa, para immediatamente a calcar aos pés.

Ninguem respeita, e estima tanto como eu a liberdade da discussão; para essa liberdade da discussão venho eu sempre armado por indole, por caracter, por educação, e até por sympathias. Preso e amo a liberdade; não sou como os intolerantes, que lendo a liberdade na bocca, têem o odio e o rancor no coração, ameaçando os seus adversarios com vinganças sobre vinganças. Ignorais, homens da esquerda,

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que a historia em toda a parte do Mundo, mostra, que as revoluções, feitas pelo partidos extremos são sempre ou destruidas ou modificadas pelo partido moderado? Ignorais que todas as revoluções morrem, quando são feitas em proveito dos militares ou para monopolio de um partido? Esqueceis que para as revoluções não arrastais ninguem, quando não tendes o auxilio do duque de Saldanha, do conde de Bomfim, ou do conde das Antas? Para que pois nos vindes fallar na unidade e poderio do vosso partido? Para que estais ahi a dizer com soberba e ufania — vamos fazer a propaganda. — Propaganda! Com quem? Quando sahirdes para essas excursões, avizai-me: desejo vêr quantos arrastais atraz de vós. Sahi, que eu quero vêr de uma janella aquelles que acompanham o vosso cirio! (Riso) Ignorais que viveis assoldadados a homens que não commungam os vossos principios, que não professam as vossas idéas? Pois o duque de Saldanha, o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, o sr. Jervis de Atouguia, são setembristas? É setembrista o sr. Fontes Pereira de Mello?

Os ministros dizem que não são da vossa igreja; vós dizeis que conservais intactas, puras e immaculadas as vossas aspirações, e a essencia do vosso dogma! Como é isto? E vindes aqui affirmar com entono sim, mas com indiscrição — Não consentimos que sejais poder!..»

Pois vós podeis impedir que os homens que representam o partido do lado direito, vão ao poder? Pois formais ministerios? Dar-se-ha caso que precizemos do vosso apoio para cousa alguma? Quando o actual gabinete cair, acreditai-me não ha-de ser substituido por vós; já não podeis ser governo; não estais no caso do o ser: mesmo não podeis aspirar a um logar na administração secundaria. Antes de serdes eleitos para a camara municipal de Lisboa fizestes grandes promessas e nenhuma dellas cumpristes. Dissestes que havieis de transformar o chafariz do Loreto em um cabaz de verduras, o Neptuno lá se conserva zombando das vossas promessas: (Riso) estais ha 3 annos a pôr umas grades de ferro na rua do Alecrim e ainda não as acabastes; promettestes ir a Santarem buscar o Téjo para Lisboa, e o Téjo ateima em descer pelo seu antigo leito! 1! O camarista que alguma cousa tem feito, é o sr. Ayres de Sá Nogueira, que não pertence á vossa communhão politica.

Não vos assustamos, ainda bem! Vós não nos assustais, melhor ainda. A vossa hora chegou; haveis de cair, e muito depressa. Vai soar o ultimo momento da existencia do ministerio, ha-de morrer mais depressa do que pensais, e será substituido, ficai certo disso, não pelo lado esquerdo, mas sim pelo lado direito. O partido representado pelo lado direito da camara será poder contra vós, e apesar de vós, e haveis de ficar muito quietos, e muito caladinhos! Para cairdes não é necessario uma revolução, haveis de cair não ao estampido da fuzilaria, mas sim ás apupadas do ridiculo. A nação conhece quanto as vossas palavras são balofas, quanto as vossas promessas são ridiculas, e quanto as vossas idéas são violentas e inexequiveis.

O que tendes feito a favor do paiz? Que é do vosso poder e que uso tendes feito delle em beneficio da nação?... Vós, homens, que ha 10 annos andais a dizer que era intoleravel que se gastassem 3:000 contos com o exercito, vindes agora dizer que não se póde bolir nem locar no exercito, que se não póde diminuir nem um só real da verba designada para a despeza do mesmo exercito?!.. Vós, que blasfemastes contra o commando em chefe, quando era exercido por El-Rei, que tinha outras condições de respeitabilidade, que o exercia de graça, ficais parados e succumbidos diante do commando em chefe exercido pelo duque de Saldanha! Vós, senhores, que quereis o poder constituinte só na nação, estais a approvar ha 2 annos a fio duas dictaduras! Vós, homens, que clamastes contra as sinecuras, estais hoje apoiando as mais escandalosas sinecuras! Que fazeis, senhores?.. Explicai-vos — Fallai; dizei-me — Onde estão os vossos principios, o vosso codigo, o vosso alcorão, as vossas crenças, e as vossas doutrinas?.

Mas que? Porque me admiro eu! N'um dia prestais devoção a uma pessoa, vinte e quatro horas depois despresais e injuriais essa mesma pessoa! Que conceito pódem merecer homens assim desacreditados? Quem pode esperar de vós a mais pequena obra meritoria?... Vós, senhores, que para sustentar o actual ministerio em attenção a mesquinhos e particulares interesses, não tivestes duvida em levantar e cimentar a cizania no seio do vosso partido, que injuriastes com apodos os Passos e os Leoneis, homens mais ou menos exaltados, porém probos e honestos; (Apoiados) que muito é que não tendo poupado esses homens me injurieis? Quem vos obrigará a parar diante de mim, que sou tão pequeno, quando não parastes por cima de caracteres tão respeitaveis?...

Espero grandes injurias: mas despreso completamente essas injurias e os escrevinhadores d'ellas; esses mesmos já escreveram n'outra épocha mil maravilhas a meu respeito.

Eu não mudei de campo; estou hoje no mesmo campo em que estive em 1818, 1819, 1850, 1851, e 1852; combati então, como combato hoje, contra os abuzos; e se me sento no lado direito para fazer opposição, e não no lado esquerdo, é porque esse lado esquerdo está contaminado e infeccionado!... Condemnei os abuzos, as violencias, as sinecuras; não parei diante do commando em chefe quando era exercido por El-rei, e não páro diante do commando em chefe, quando é exercido pelo duque de Saldanha. Não tenho a menor duvida em propor a sua extincção, e em vir propor tambem que haja economias no exercito.

Não sacrifico os interesses do meu paiz ás especulações mesquinhas de interesses particulares — Não creio em nenhum progresso e melhoramento sem a organisação das finanças — Para a organisação das finanças é necessario equilibrio entre a receita e despeza; para haver o equilibrio entre a receita e a despeza, é necessario que o povo não pague para desperdicios e sinecuras escandalosas.

E admiravel que os homens que tanto gritaram contra os corruptos; que chamam corrupio ao lado direito da camara, sejam os proprios que mendiguem os bons officios, e procurem a alta valia daquelles que mais de rastos serviram o conde de Thomar!... E são os que assim obram, os paladinos que apoiam e cercam o actual ministerio!... Triste cousa! O partido que apoia e cerca o actual ministerio, é um composto de transfugas de todos os partidos; de cabralistas, setembristas, cartistas, miguelistas, republicanos, vermelhos, e progressistas. Ha ahi de tudo.

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O actual ministerio é o azilo da mendicidade politica. (Riso)

Os homens que formam o partido do actual ministerio, são os adelos safados e gastos que não podendo vender as suas mercadorias, tambem safadas e gastas, as foram offerecer e vender ao actual gabinete!!! Esta situação não póde durar; faltam-lhe todas as condições de existencia legal; não tem predicado algum de estabilidade!... O vosso apoio ao actual ministerio não o salvará. Este ministerio morreu desde o dia em que se prostituiu na união que fez comvosco!...

O ministerio deve, todavia, viver por mais algum tempo, para morrer totalmente desacreditado, e o ministerio que substituir este, não deve receiar revoluções — A administração que vier, hade ser necessaria e infallivelmente composta dos homens da direita, porque os vossos erros, senhores, são muito conhecidos, a experiencia tem mostrado a vossa incapacidade, a lição tem sido severa, o vosso descredito é palpavel, e a paciencia do paiz está exhauta!...

Tenho aqui estas immensas edições (mostrou uns papeis impressos) em que estão escriptos todas as representações, todos os editaes que o banco publicou dentro e fóra do paiz; lendo-os pude appreciar a falsidade, a calumnia, e a infamia com que se diz que o banco tem desacreditado o governo dentro e fóra do paiz — Nestes papeis não ha uma só injuria dirigida ao governo; nestes papeis não ha senão a historia fiel e succinta das espoliações feitas pelo governo ao banco — Aqui não se offende o governo; aqui ha o offendido a queixar-se da offensa: é isso que o banco levou ao conhecimento de todos. As espoliações feitas pelo governo foram levadas pelo banco ao conhecimento das praças estrangeiras. — O banco conta o facto; se ha culpa, não é do banco; quem conta o facto não é o culpado; quem o practica, e que o é — Nestas publicações não se encontra uma só fraze, que ataque o governo pelo modo, e no sentido que o sr. ministro da fazenda inculcou.

Custa-me não ler a palavra pela terceira vez para responder aos srs. ministros quando fallarem, se fallarem. É muito bom este meio, que adoptaram agora os srs. ministros, de não fallarem senão depois de terem fallado os deputados da opposição, para evitar que lhes respondam, e ficarem assim como victoriosos e triunfantes! Deixam fallar todos, e depois veem muito desaffogados pedir a palavra. (Riso) — Já que os srs. ministros não tem a coragem de fallar a tempo, e por assim dizer, de cara a cara, declaro a ss. ex.ªs que quando fallarem, hão de fallar nas minhas cosias, porque logo que os srs. ministros comecem a fallar, hei-de sair pela porta fóra. Não; não hei-de ser vossa victima; se quereis victimas, procurai quem em logar de sangue, lenha lama nas veias!...

Em conclusão: podia responder aos discursos dos illustres deputados da esquerda, a quem me tenho referido, mas não o quero fazer, porque era dar a esses discursos a importancia que elles realmente não tem.

Termino pedindo aos srs. tachygrafos que me façam o favor de por no fim do meu discurso — o orador foi comprimentado por grande numero de amigos ou de deputados de todos os lados da camara — como cosi uniam fazer aquelles senhores. (Apontando para o lado esquerdo) Nunca me puzeram isto; peço que m'o ponham uma vez. (Hilaridade)

O sr. Alves Martins — Sr. presidente, é summamente desagradavel para mim o tomar a palavra agora, estando o auditorio debaixo de uma impressão ião opposta áquella em que eu desejava que elle estivesse. Alas a impressão que eu tenho, é de sentimento, não é de outra cousa.

A quem ouvisse o sr. deputado que me precedeu, a camara parecer-lhe-ia mais um circo de gladiadores do que uma assembléa de legisladores a tractar dos negocios mais graves do paiz; e se nós tivessemos de seguir os principios e as maximas que o sr. deputado aqui apresentou, então cairiamos não sei em que, em uma desorganisação social; mas como já disse em outra occasião, o sr. deputado é o homem mais innocente do mundo; e ainda que as suas palavras pareçam offensivas, as suas idéas, os seus sentimentos não correspondem ás suas palavras; e então ellas podem excitar o riso da assembléa, mas nunca podem desviar essa assembléa da consideração de negocios ponderosos e graves, como são aquelles que estão entregues á sua deliberação.

Diz o sr. deputado que os ministros estão callados, que não respondem, e guardam, a palavra para usarem della depois de elle fallar. E certo que não podiam responder senão depois de fallar o illustre deputado. Mas a opposição não se compõe só do sr. deputado, de traz delle ha muitos oradores que estão inscriptos, e a esses cumpre tambem a missão de responder aos ministros, e aos deputados que estão deste lado da camara.

Diz o sr. deputado que não ha quem responda deste lado. Ha muito quem responda, e senão respondem a muita cousa, é porque a julgam innocente; o sr. Cunha Sotto-Maior na minha humilde opinião é innocente, póde dizer o que quizer; porque tudo é inoffensivo...

Dicto isto, vou occupar-me da questão que está aqui a discutir-se, e sobre que deu a commissão o seu parecer n.º 7.

Sr. presidente, as sociedades têem diversas fazes no andar dos tempos e na vida dellas a que chamamos transformações politicas ou situações, e estas diversas fazes ou situações são fundadas em diversos principios ou diversas idéas caracteristicas, de cada uma dessas épocas, que constituem essas situações. As situações, esses principios ou essas idéas são sustentados por um grupo de homens que os adoptam; a as idéas estão sempre variando assim como a sociedade: ellas têem vida e morrem, e passam da moda ou deixam de passar, e são sustentadas por homens que as professam nesta ou naquella época. A situação politica que hoje sustentamos, tem uma característica, tem certos homens que a sustentam; e a sociedade vive por ella, e dura até que outras idéas e outros homens venham substituir esta situação e transforma-la n'outra com outra caracteristica, e outras tendencias.

Em abril de 1851 operou-se no paiz um movimento ou uma revolução, como lhe quizerem chamar; esta revolução destruiu o modo de existir da sociedade portugueza nessa época, e creou uma nova existencia ou uma nova faze, ou uma nova situação politica; essa situação ou essa revolução tendo creado uma nova existencia precisava de desinvolve-la e de publicar medidas conducentes a dar consolidação, e vida a essa nova existencia politica. Certos homens agruparam-se em roda desse movimento, porque não sympatisavam com a politica anterior. Não tracto de

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justificar o movimento, e creiu que não sou por isso suspeito, porque neste logar mesmo combati, e por muitos annos guerreei a politica anterior aqui e fóra daqui até que ella foi destruida; nem me importa se os homens que entraram nelle, tinham tomado parte ou não na outra situação, se eram ou não corruptos, como acaba de dizer o sr. Antonio da Cunha. Disse-se «o governo ha de caír, porque a maior parte dos homens que o apoiam, foram corruptos, foram humildes servidores do conde de Thomar»: daqui o que se conclue? E que se algum mal ha na actual situação, é tudo isso que lhe veiu da outra. Mas não quero fallar do conde de Thomar, nem quero saber se era corrupto ou não, porque sigo a respeito dos governos que passam, a mesma regra que sigo a respeito dos homens que morrem, que é — Parce sepultis. Era nobre combater a administração do conde de Thomar em (pranto elle se achava sentado alli nas cadeiras dos ministros, em quanto tinha quem o sustentasse; mas depois que saíu dalli e desappareceu da scena politica, é igualmente nobre não fallar mais nelle. (Apoiados) Qualquer que seja a situação politica, ha de viver e depois morrer como acontece a tudo; mas nenhuma póde viver nem sustentar-se com as maximas que o sr. deputado que me precedeu, apresentou com a sua intolerancia; levantando-se aqui recriminações passadas e o sudario das nossas miserias anteriores, e accusando-se o lado esquerdo da camara de todos os crimes e fallas que tem havido, como fez o sr. deputado. Se a situação actual se distingue das outras, é em olhar para o futuro e esquecer o passado (Apoiados) se houve faltas, convém remedia-las, e não vir aqui outra vez resuscitar os homens e as cousas passadas. (Apoiados) Nós não tractamos hoje de accusar o conde de Thomar; do que tractamos é de governar o paiz, e olhar para o futuro, e de não nos importar quem foi que o apoiou, quem foi amigo delle, e quem o combateu; não nos importa trazer para aqui a gloria de quem o combateu, e a ingloria de quem o apoiou, não tractamos disso; ao menos não faço essa politica, e creio que a base da situação não é essa, se fôra essa eu não a apoiava.

O duque de Saldanha poz-se á frente deste movimento, ante, de conseguida a victoria era rebelde, depois de conseguida a victoria foi heroe e vencedor; e a sorte de todos os revolucionarios. Havia uma certa organisação do paiz, levantou-se contra ella e destruiu-a; se a não destruisse, era julgado como réo; foi feliz e venceu, é heroe, e é senhor da situação. A sua missão não é castigar os que lhe chamavam rebelde, porque eram obrigados a chamar-lh'o e a combate-lo de todos os modos, e Os que o combateram até ao fim combateram-no no seu posto de honra, e deviam fazer assim. (Apoiados) A sorte das batalhas depende da valentia ou de uma circumstancia qualquer; mas não dá o direito ao vencedor de esmagar o seu contrario, nem de o enxovalhar depois de vencido; então é que se lhe estende a mão benevolente, não a mão do carrasco ou do assassino ou do perseguidor.

Mas deixemos tudo isto. A minha politica é esquecimento do passado, e para o futuro o remedio das fallas, fazer a diligencia por prover de remedio a todos os excessos que haja, e nada mais.

O movimento de abril operou-se, e para o consolidar era necessario lançar mão de medidas violentas e extra legaes como era o movimento, e essas medidas, todo o conjuncto desses factos é o que constitue a primeira parte do parecer n.º 7, que vem a ser a primeira parte da dictadura. A camara de 1852 reuniu-se, e o governo apresentou-se aqui para ser julgado por essa camara, e serem approvados os seus actos; a camara dividiu-se em opposição e maioria, e nesta maioria prevaleceram os chamados membros do partido progressista, e ficou do lado direito a minoria composta de 15 homens que ahi combateu, e com muita ordem e disciplina, e continuou sempre a chamar a maioria ao combale, a provoca-la a continuadas ciladas, e a fazer-lhe um fogo, que é preciso confessar, era. bem dirigido, não se póde negar que a direita da camara em 1852 combateu com muita ordem e disciplina, e sempre póde ter orgulho desse combate.

A esquerda, confiada na força numerica, é que se deixou arrastar á rocha Tarpeia. A sua situação para com o governo era falsa, porque o seu apoio filiava-se na necessidade, e não na homogenidade de principes. Cada uma das parcialidades tendia para o seu pequeno centro, por isso havia grande difficuldade em as trazer a um accôrdo, em quanto que para destruir o governo, estavam sempre promptos, porque o consideravam como uni embaraço á realisação das suas aspirações.

A direita conheceu tudo isto, e aproveitava aparte vulneravel para levar ao centro da maioria a divisão, a desconfiança, e não cessava de promover a desharmonia, entre ella e o governo.

A lucta era desigual em relação ao numero, mas na dexteridade das manobras, na unidade da acção, a direita levava grande vantagem sobre a esquerda; não se póde negar que a camara de 1852 tinha na sua maioria grandes intelligencias, e patriotismo, mas fallecia-lhe homogenidade para sustentar o poder; e dizia-se da direita que o apoio não era leal: o sr. Avila propoz n'uma quesito prévia, para que a camara decidisse, se os decretos da dictadura eram leis do estado em quanto não fossem revogados; foi um dardo ou uma setta, que arrojou o nobre deputado, porque a maioria decidiu por 80 voto, contra 20, que eram leis do estado em quanto senão revogassem. Depois continuou a discussão, e no parecer n.º 91 a maioria approvou todos os artigos, menos o artigo 9.º do decreto de 3 de dezembro. Aqui estabeleceu-se um conflicto entre o poder e a maioria: o poder declarou esta questão ministerial, e não podia deixar de ser assim; porque era questão de vida ou de morte, porque esse decreto involvia toda a politica do governo: a camara estabelecendo o conflicto não viu os perigos que daqui lhe resultavam, e rejeitou por consequencia a questão. Vieram á téla todas as emendas, que se tinham apresentado; e dividiram-se então os campos, e todos se moveram segundo os seus instinctos: a direita unia se a esquerda para derrubar o governo, e o centro unia-se já á direita, já á esquerda com o fim de equilibrar esta força; a maioria compunha-se de diversas parcialidades: o resultado foi, que nada se decidiu, e seguiu-se daqui a dissolução A dissolução pois era inevitavel, depois do facto que acabai de narrar; não foi um grande uno politico como já ouvi dizer, porque não estou conforme com esta opinião. Disse o sr. José Estevão — eu não queria a dissolução, e fiz todas as diligencias para que ella não tivesse logar — aqui se mostra o talento do sr. José Estevão, que via tolas as conveniencias que resultavam da não dissolução, mas

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a minha opinião é que a dissolução foi uma consequencia natural da situação, em que a camara se collocou (Apoiados) a direita associava-se á maioria, e a maioria não vendo os precipicios que se abriam, intendeu que tinha força bastante para luctar com o poder; a maioria pois continuando neste caminho provocava a dissolução e chamava a direita para se unir a ella, e quanto a mim a direita queria a dissolução, e queria-a muito bem, era politica; porque um partido que se acha em minoria, melhora sempre de condição com uma dissolução; por conseguinte todos os seus trabalhos, todas as suas vistas é ella passar a maioria, este desejo é natural, e tinha razão a minoria de proceder assim; mas não ha motivo para dizer que queria ser ainda o que fôra, que queria a politica da oppressão, que queria outra vez a lei das rolhas, e um poder retrogrado. O governo passado está julgado pelos seus actos; mas em quanto a mim, sr. presidente, a maioria da camara passada linha grandes intelligencias, grandes capacidades, grandes oradores, mas o que não tinha, ao menos segundo a minha humilde opinião, era unidade, e sem essa unidade politica não se póde governar: a maioria de 1852 não comprehendeu a situação, em que se achava, não conheceu a sua verdadeira posição, nem a situação do governo e das cousas publicas, para que apoiasse o poder, para que desse um abraço na revolução de abril, acompanhando-a sempre em todas as suas condições, e conservando sempre uma completa unidade politica.

A camara de 1852 póde applicar-se o que Lamartine disse da assembléa legislativa — Soube fallar bem, e morrer bem.

Sr. presidente, depois de dissolvida a camara não era possivel que o governo deixasse de por em execução completa o decreto de 3 de dezembro, apezar dessa questão ficar como suspensa; nem era possivel ao governo deixar de reassumir os poderes dictatoriaes: ora havendo pelos differentes decretos da dictadura actos consummados, outros em execução, e em larga escala, e grandes interesses já compromettidos, podia a camara dar outro parecer differente do que deu? De certo que não; e por consequencia a camara não podia fazer outra cousa, senão discutir conjunctamente todos os decretos da dictadura; porque a seguirem os tramites ordinarios de propostas de lei, nem em 3 ou 4 annos se discutiam; logo essa discussão é impossivel; portanto é acceitar o facto e nada mais. E certo que entre esses decretos póde haver muitos que precisem ser modificados, mas havemos nós fazel-o agora? Não e possivel; logo a unica consequencia possivel é acceitam facto consummado e esperarmos que com o andar do tempo possamos prover de remedio ás fallas e erros, que são inseparaveis das providencias legislativas, que trazem o caminho da precipitação.

A commissão não desconhece os inconvenientes que tem o caminho que seguiu; escusam os contrarios de os apontar, e mesmo de os exaggerar; entretanto, nós devemo-nos determinar tambem pela gravidade das consequencias com que teriamos a luctar, se seguissemos outra estrada; e pela confrontação das duas hypotheses e que se póde e deve avaliar o parecer da commissão.

Qual será o partido politico que não queira abraçar-se com esta situação, e que não queira o bem do seu paiz? Mas dizem alguns escrupulosos — o governo não precisava assumir poderes extraordinarios: — Ora em quanto á segunda dictadura havia dois decretos que era absolutamente indispensavel a sua promulgação, como eram os decretos sobre a cobrança dos rendimentos do estado, e o decreto eleitoral. Com estes tambem os illustres deputados concordam, mas em quanto aos outros, dizem que não havia necessidade da sua promulgação. Os escrupulosos tem-se agarrado a este ponto, mas quanto á violação dos principios, quanto á assumpção dos poderes extraordinarios, intendo que tamanho crime é legislar para um, como para muitos. (Apoiados) Se o governo assumiu a dictadura, se se revestiu dos poderes extraordinarios, tanto direito tinha para legislar sobre um objecto como sobre muitos. O crime é o mesmo.

Ora o exemplo apresentado pelo sr. deputado Avila não colhe. O illustre deputado disse que o governo não devia ter mandado executar o decreto de 3 de dezembro, por isso que, tendo elle sido apresentado á approvação da camara, e não o tendo a camara approvado, donde proveiu a dissolução da mesma camara, o governo devia deixar em pé este negocio para que as novas camaras o resolvessem, Mas eu pergunto: havia o decreto de 3 de dezembro que involvia em si grandes medidas, estar ainda até hoje sem ter uma solução? Havia o governo ser o proprio que annullasse a sua propria obra, ou devia continuar a leval-a por diante? Parece-me que não era possivel deixar de a levar por diante, e appello para o sr. ministro da fazenda: s. ex.ª não podia esperar por tanto tempo, porque o governo não póde parar, o governo ha de marchar sempre. Por conseguinte, sendo impossivel esperar tanto tempo, segue-se que tão necessarias eram as medidas financeiras que o governo adoptou, como o decreto eleitoral e lei de meios. Por tanto a primeira dictadura foi filha da revolução que teve logar, e a segunda foi filha dessa mesma dictadura e das circumstancias extraordinarias, em que o governo se achava collocado.

Ora o illustre deputado o sr. Cunha Sotto-Maior, disse que o governo sustenta-se, ou é apoiado pelos transfugas de todos os partidos, porque o governo não tem partido seu, e que são corruptos todos os que abraçam a sua politica. Ora eu torno a dizer, não respondo a estas palavras, porque as considero innocentes; mas a experiencia de 2 annos tem mostrado o que o governo é, e o que póde. O mesmo illustre deputado tambem disse que o partido da esquerda não podia nada, que não servia para nada, e que a prova estava em 2 annos que fôra poder, e em que só houve revoluções continuas, que não tem vindo para a rua, porque o partido da direita tinha força para o combater. Ora eu, parece-me que tenho visto o partido da esquerda em campo; e parece-me que o partido da direita se o quiz subjugar, foi preciso pedir auxilio estranho. (Apoiados)

O sr. Cunha Sotto-Maior — Mas repare bem que quem pediu o auxilio estranho, foi o duque de Saldanha. É o presidente do conselho do actual ministerio que o sr. deputado defende.

O Orador: — Eu, sr. presidente, não sou homem que vá á vida passada, e sobre este objecto — Parce sepultis — Já lá vai; mas quando ouço certas proposições, não posso deixar de lhe responder.

Eu já disse que não faço responsavel o partido da direita pelas palavras do sr. Cunha Sotto-Maior; o sr. Cunha Sotto-Maior falla e argumenta conforme quer; ninguem é responsavel pelo que profere, senão

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s. ex.ª Nós estamos a avaliar a situação politica - (Vozes: — Deu a hora) Ouço dizer que deu a hora; não desejava ficar com a palavra para ámanhã, mas tenho ainda alguns pontos em que locar, talvez me demore ainda algum tempo, e então se v. ex.ª me permitte, continuarei ámanhã. (Apoiados)

O sr. Presidente: — Fica-lhe a palavra reservada. A ordem do dia para amanhã é a continuação da de hoje. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O redactor

José de Castro Freire de Macedo.

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