O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 259

259

SESSÃO DE 19 DE AGOSTO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios — os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo de Mello Gouveia

Summario

Apresentação de requerimentos e notas de interpellação — Discussão e approvação de uma proposta para que as sessões durem cinco horas. — Ordem do dia: 1.ª parte, continuação da discussão do projecto de lei n.º 7 (real d'agua) — 2.ª parte, continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Chamada — 48 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Albino Geraldes, Cerqueira Velloso, Ayres de Gouveia, Soares e Lencastre, Correia Caldeira, Antonio Julio, Rodrigues Sampaio, Cau da Costa, Saraiva de Carvalho, Claudio Nunes, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Correia de Mendonça, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Silveira Vianna, Gomes da Palma, Sant'Anna e Vasconcellos, Jayme Moniz, Franco Frazão, Santos e Silva, Assis Pereira de Mello, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Pinto de Magalhães, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Dias Ferreira, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Costa e Silva, J. M. dos Santos, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Luiz de Campos, Affonseca, Manuel Rocha Peixoto, Alves Passos, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Ricardo de Mello, Visconde de Montariol.

Entraram durante a sessão — os srs.: Agostinho da Rocha, Osorio de Vasconcellos, Alfredo da Rocha Peixoto, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Barros e Sá, Boavida, A. J. Teixeira, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Carlos Bento, Carlos Ribeiro, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Eduardo Tavares, Francisco Costa, Camello Lampreia, Caldas Aulete, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, Perdigão, Mártens Ferrão, Melicio, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Cardoso Klerk, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Moraes Rego, Sá Vargas, Mello Gouveia, Menezes Toste, Lourenço de Carvalho, Pires de Lima, Pinheiro Chagas, Paes Villas Boas, Thomás Lisboa, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Thomás de Carvalho, Thomás Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs.: Arrobas, Barão do Rio Zezere, Francisco de Albuquerque, Camara Leme, Visconde de Valmór.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officio

Do ministerio da marinha, remettendo alguns esclarecimentos, pedidos pelo sr. Rodrigues de Freitas.

Para a secretaria.

Representações

1.ª Da camara municipal do concelho de Portalegre, pedindo auctorisação para despender, na construcção de estradas de 1.ª e 2.ª ordem, os fundos de viação. Â commissão respectiva.

2.ª Dos escrivães dos juizes ordinarios dos julgados do Seixal, Cezimbra, Barreiro, Moita, Alcochete e Oeiras, pedindo que os seus ordenados sejam equiparados aos dos escrivães de juizo das diversas comarcas do reino.

Á commissão respectiva.

Requerimento

Requeiro que se peçam ao governo pelo ministerio das obras publicas os seguintes esclarecimentos:

1.° Quaes os motivos por que ainda não está em vigor a lei de 14 de abril d'este anno sobre o imposto de consumo das carnes verdes em Lisboa;

2.° Quaes os motivos por que ha mais de um anno está demorada a resolução dos projectos e propostas da companhia das aguas.

Sala das sessões, 18 de agosto de 1871. = O deputado, Manuel Thomás Lisboa.

Foi remettido ao governo.

Nota de interpellação

Pretendo seja prevenido o ex.mo ministro das obras publicas, de que desejo chamar a sua attenção sobre o estado da viação do districto da Guarda, e especialmente sobre a necessidade de mandar construir as estradas do chafariz do Vento a Pinhel, d'aquelle mesmo ponto ao Pocinho, e da Pesqueira á Barca d'Alva.

Sala das sessões, 18 de agosto de 1871. = O deputado, José Tiberio de Roboredo.

Mandou-se fazer a devida communicação.

Declaração

Declaro que teria assignado o projecto de reforma da carta, mandado para a mesa pelo sr. deputado Francisco Mendes, se o regimento o permittisse. = José Bandeira Coelho de Mello.

Inteirada.

SEGUNDAS LEITURAS

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 26, apresentado na sessão de 21 de março d'este anno, e approvado em maio na camara electiva, ficando por approvar na camara dos dignos pares.

Sala das sessões, 19 de agosto de 1871. = João Gualberto de Barros e Cunha.

Foi admittida e enviada á commissão respectiva.

O sr. Alcantara: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

Peço a v. ex.ª que lhe dê o competente destino.

O sr. Francisco Mendes: — Quando fallei da eleição do Carregal, citando como uma prova contra as asseverações do sr. presidente do conselho, que ao acto eleitoral tinha presidido a maior liberdade, referi-me ao governo e não ao seu candidato. Não accusei o governo de ter praticado violencia n'esta eleição; podia-o ter feito, auctorisando-me com a palavra insuspeita de pessoas que me merecem todo o credito; mas abstrahindo mesmo de toda e qualquer violencia que o governo tivesse praticado n'esta eleição, disse simplesmente que entendia que o governo (que se diz liberal) não devia combater a eleição de um velho parlamentar como é o sr. Coelho do Amaral, homem de tantos serviços e de tantos soffrimentos pela causa publica (apoiados).

Não me tinha referido ao candidato do governo, porque não gosto de entrar em questões pessoaes; mas já que se fallou n'elle, permitta-me s. ex.ª que eu apresente dois reparos ás reflexões que fez quando pediu a palavra, e que já me tinham surprehendido na sua eleição; um d'elles é o seguinte:

Todos sabem que os partidos, reformista e constituinte, foram os unicos que o governo combateu nas eleições.

Suppunha que o illustre deputado pertencia ao partido constituinte, porque ainda o anno passado, quando o sr. Dias Ferreira fazia parte do ministerio, o illustre deputado tinha sido proposto candidato por aquelle circulo por indicação do sr. Dias Ferreira; e tinha-me surprehendido agora ver

19

Página 260

260

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

que o governo fazia uma excepção a favor do illustre deputado, protegendo a sua eleição.

D'este facto porém tive depois a explicação, porque me dizem que s. ex.ª pertence agora ao partido regenerador.

O outro facto que me surprehendeu vou apresenta-lo á camara com a franqueza que me é habitual.

Estranhei que s. ex.ª se não prendesse pela muita consideração que todos os liberaes do circulo têem pelo sr. Coelho do Amaral, e é tão forte esta consideração, que o illustre deputado achou na sua propria familia uma censura á opposição que fez áquelle digno cavalheiro.

O sr. Jayme Garcia de Mascarenhas, o celebre e illustre caudilho popular que todo o paiz conhece, ha muito retirado á vida particular, vendo que se combatia a eleição do sr. Coelho do Amaral, esqueceu as ligações de familia que o prendiam ao candidato do governo, por isso que é tio de sua ex.ma esposa, e ligou-se aos amigos que protegiam a eleição do sr. Coelho do Amaral,

associando-se gostoso á derrota do seu companheiro de armas.

Vê-se portanto que eu tinha rasão para este reparo, que, repito, não é censura.

Já que eu, e alguns collegas d'este districto, temos fallado n'esta eleição, podendo parecer que o sentimento que temos manifestado de não vermos entre nós o sr. Coelho do Amaral, seja o reflexo de pezar por elle sentido de não ter sido reeleito; devo dizer ao illustre deputado e á camara, que o sr. Coelho do Amaral não desejava voltar aqui, já o tinha declarado, na camara, e era sincera esta declaração, estava cansado, descrido e muito convencido da inefficacia dos seus serviços; mas na noite do dia em que fez esta declaração houve uma reunião em que o instaram vivamente para voltar á camara, e só o demoveu d'este proposito a consideração de que, pertencendo a uma camara dissolvida contra todas as indicações constitucionaes, devia apresentar se de novo como protesto contra essa violencia.

Ora, agora que findou a luta, Coelho do Amaral está satisfeito, cumpriu o seu dever apresentando-se, e se lhe resta algum pezar, é pelo sentimento que a perda da sua eleição causou aos seus amigos; por si está contente por os eleitores o terem alliviado de partilhar a responsabilidade que pesa sobre nós.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa a seguinte proposta (leu).

É a terceira legislatura a que tenho a honra de pertencer, e sempre tenho visto que da presidencia partem convites aos deputados para que se reunam á hora que marca o regimento. Tem-se conseguido isso nos primeiros dias, mas depois, pouco a pouco, vão outra vez caindo no velho habito de não estarem á hora marcada.

Portanto, isto dá em resultado que ordinariamente pouco depois de se abrir a sessão passa se á ordem do dia, e muitos deputados têem que ir para casa com a palavra, como me tem acontecido ha tres sessões.

Se são graves os assumptos a tratar na ordem do dia, não o são menos os que têem de tratar-se antes d'ella.

Antes da ordem do dia apresentam-se projectos de lei, requerimentos, e finalmente é quando os deputados advogam os interesses immediatos dos circulos.

Parece-me portanto conveniente a minha proposta, e peço desde já a urgencia d'ella.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que as sessões se não encerrem sem terem estado abertas, pelo menos, quatro horas.

Sala das sessões da camara, 19 de agosto de 1871. = Francisco Antonio da Silva Mendes.

Foi declarada urgente, e admittida á discussão.

O sr. Presidente: — Esta proposta vae ser enviada á commissão do regimento, para dar sobre ella o seu parecer.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Sem querer impugnar o alvitre de v. ex.ª, lembrar-lhe ía que em geral estas propostas não têem ido á commissão de regimento. A camara sabe o que ha de resolver n'estes casos, e creio que os interesses geraes e privativos só têem a ganhar com esta proposta que em nada prejudica o serviço publico.

Se v. ex.ª não repugna modificar a sua opinião n'este sentido, pedia que desde já pozesse a proposta á discussão.

O sr. Mariano de Carvalho: — Desejava fazer um additamento á proposta que ha pouco foi mandada para a meia, em conformidade com o que se votou aqui na legislatura passada.

Lembrarei a v. ex.ª que ainda não houve meios faceis de obter que os deputados, isto talvez pelos habitos da nossa vida particular, venham para a camara á hora que marca o regimento.

Votou-se n'esta camara na legislatura passada que as sessões durassem cinco horas a contar da hora da abertura, o que deu excellentes resultados.

Portanto eu vou formular o meu additamento n'este sentido e manda-lo para a mesa.

O sr. F. M. da Cunha: — Participo a v. ex.ª que a commissão do ultramar se acha installada, tendo nomeado para seu presidente o sr. Andrade, e a mim para secretario.

O sr. Visconde de Montariol: — Em complemento da proposta que acaba de ser apresentada, desejo tambem que ao meio dia sejam marcados os nomes dos deputados que estiverem presentes.

Mando uma proposta para a mesa n'este sentido.

Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

1.ª Proponho que as sessões durem cinco horas desde o momento da abertura.

Sala das sessões, 19 de agosto de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foi admittida.

2.ª Para complemento da proposta em discussão, proponhoque a primeira chamada se faça ao meio dia impreterivelmente.

Sala das sessões, 19 de agosto de 1871. = Visconde de Montariol, deputado por Braga.

Foi admittida.

O sr. Francisco Mendes: — Aceito a alteração feita á minha proposta.

Quando fiz a minha proposta foi com o fim de conciliar a vontade de alguns srs. deputados que têem negocios a tratar nas secretarias, e portanto não podem comparecer aqui antes da uma hora.

Ha outros srs. deputados que não desejam que as sessões passem alem das quatro horas, porque isso altera-lhes as horas de jantar.

Portanto a sessão, abrindo-se á uma hora, ha de fechar-se ás cinco; se se abre ao meio dia, ainda que não o ordena o regimento, mas assim o tem estabelecido o uso consuetudinário, deve fechar-se ás quatro horas da tarde. É este o fim da minha proposta, porque quasi sempre a chamada e a leitura da acta leva meia hora; assim fica hora e meia para negocios antes da ordem do dia e duas horas para ordem do dia.

O sr. Santos e Silva: — O meu desejo é que esta camara tome, resoluções que se possam cumprir, e que não assistamos todos os annos ao triste espectaculo de votar moções, que dizem respeito á duração e direcção dos nossos trabalhos; e que não se mantêem no dia seguinte.

Com esta minha observação não quero indicar, que me opponho a nenhuma das propostas apresentadas, mas peço que se cumpra o regimento; que a camara funccione o tempo que deve funccionar e que as deliberações, que tomarmos, não se revoguem no dia seguinte, como tem acontecido muitas vezes (apoiados).

Temos tomado muitas resoluções com relação ao regimento, mas que não se mantem oito dias (apoiados).

Página 261

261

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

No anno passado, nomeou-se uma commissão para rever o regimento, não só em relação a este assumpto, mas a respeito de outras materias. Essa commissão não funccionou, creio que por falta de tempo; não sei mesmo se se installou. Aproveitando esta occasião direi, que é de alta conveniencia, para os trabalhos da camara, que o regimento seja revisto, porque da sua revisão ha de resultar poupar-se muito tempo perdido, que se gasta em interpretar certos artigos, e que se gasta em polemicas diarias sobre uma ou outra das suas disposições.

Mas restringindo-me ao assumpto, em discussão, lembro a v. ex.ª e aos illustres auctores das propostas, que, se ellas forem approvadas, não convem, se ponham hoje em execução.

A rasão é muito simples; muitos srs. deputados naturalmente vem hoje mais tarde para a camara, porque não esperavam, que se tomasse esta resolução. Por consequencia, se nós começarmos a pôr hoje em pratica as propostas, acabará a sessão ás seis ou sete horas da tarde.

Logo que todos tenham conhecimento a tempo da approção das propostas, é natural que todos venham ámanhã e nos outros dias mais cedo (apoiados).

Proponho, pois, que se for approvada a proposta, para que as sessões durem cinco horas, essa resolução só comece a ter vigor na sessão seguinte, a fim de que todos os srs. deputados possam ter opportunamente conhecimento d'ella(apoiados).

O sr. Mariano de Carvalho: — Devo dizer que tambem não desejo que seja adoptada qualquer resolução que não possa ser cumprida pontualmente e esta póde sê-lo, porque na sessão passada cumpriu-se durante mez e meio a dois mezes uma resolução igual.

Emquanto á modificação indicada pelo sr. Santos e Silva, para que esta resolução só deva começar a vigorar na primeira sessão, tambem assim o entendo e não pensava de modo algum que se podesse applicar já hoje.

O sr. Pinto de Magalhães: — Pedi a palavra para declarar a v. ex.ª e á camara que voto contra todas estas propostas. Todos os annos o sr. José de Moraes fazia iguaes propostas, isto durante doze a quatorze annos e o resultado era sempre o mesmo; não se cumpriam.

Este assumpto está prevenido no regimento. O regimento estabelece que as sessões durem cinco horas, devendo abrir-se ás onze horas e terminar ás quatro horas; se os srs. deputados quizerem fazer o sacrificio de cumprir o seu dever, está tudo remediado (apoiados). Agora se estas não são as horas proprias, se em logar de se abrir a sessão ás onze horas é mais conveniente abrir-se ao meio dia, tendo com tudo cinco horas de duração, isso é uma questão de regimento. Mas a duração de cinco horas já está estabelecida no regimento, e tudo que se tem feito a este espeito ha quinze ou deseseis annos, alterando o regimento, tem sido infructifero...

O sr. Mariano de Carvalho: — Não o foi na sessão passada.

O Orador: — Apenas se tem conseguido augmentar o numero de horas da sessão quando se pede a sua prorogação. Por muitas vezes se tem resolvido que as sessões comecem ás onze horas e terminem ás quatro, ou que come cem ao meio dia terminando ás cinco horas, e nunca isso se verificou. Por consequencia não temos senão pedir a v. ex.ª que cumpra o regimento (apoiados). O regimento determina que as sessões durem cinco horas. Nós estamos suppondo que este assumpto não está regulado e elle está plenamente estabelecido no regimento. As sessões devem principiar ás onze horas e terminar ás quatro; resta que v. ex.ª recommende aos srs. deputados que cumpram o seu dever comparecendo a essa hora.

Por consequencia termino votando contra todas as moções que forem apresentadas no sentido d'aquellas que foram votadas nas sessões anteriores com relação a este objecto, porque o regimento da casa estabelece este caso e a v. ex.ª compete obrigar os deputados a virem ás horas competentes...

O sr. Luiz de Campos: — Obrigar como?

O Orador: — Pois se o sr. presidente não póde obrigar os srs. deputados a cumprirem o regimento da casa, tambem os não póde obrigar a cumprirem qualquer resolução que se adopte a este respeito (apoiados).

O sr. Presidente: — Tenho lembrado, tenho pedido, tenho instado com os srs. deputados que venham mais cedo; por consequencia não é por falta de diligencia da minha parte que as sessões se não abrem á hora competente (apoiados).

Leu se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a duração das sessões por espaço de cinco horas, só comece a vigorar desde o dia 21 do corrente em diante.

Sala das sessões, em 19 de agosto de 1871. = João Antonio dos Santos e Silva. Foi admittida.

O sr. Mariano de Carvalho: — Ouvi dizer ao sr. Pinto de Magalhães cousas que realmente me surprehenderam muito.

Diz s. ex.ª que a proposta para a duração do tempo da sessão não é efficaz; pois na sessão passada foi efficacissima durante mez e meio a dois mezes de sessão.

Tambem o sr. presidente da camara dissolvida todos os dias rogava aos srs. deputados que viessem mais cedo; mas em consequencia dos habitos da nossa vida social nunca é possivel que nos reunamos aqui ás onze horas da manhã.

Por consequencia, como diz o regimento que as sessões sejam abertas ás onze horas e fechadas ás quatro, e como não é possivel abri las ás onze, que é a hora da abertura exigida para as sessões fecharem ás quatro, a minha proposta é interpretativa do regimento, porque diz que durem as sessões cinco horas contadas desde o momento em que se abrirem.

É portanto utilissima, e a sua eíficacia está provada pela experiencia de dois mezes ou de mez e meio da sessão passada (apoiados).

O si. Francisco Mendes: — Não posso deixar de estranhar que o sr Pinto de Magalhães censurasse ao antigo deputado o sr. José de Moraes o ter reclamado por varias vezes que se executasse o regimento...

O sr. Presidente: — Peço perdão, não censurou.

O Orador: — Apresentou uma especie de censura.

O sr. Presidente: — Não, senhor, citou o facto.

O Orador: — Pareceu-me que quiz fazer espirito a esse respeito, mas como v. ex.ª me assevera que houve apenas citação de um facto, nada mais direi.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a primeira proposta, que é a que mandou para a mesa o sr. Francisco Mendes.

(Leu se)

O sr. Francisco Mendes: — Parece-me ter já dito a v. ex.ª que aceitava a alteração proposta pelo sr. Mariano de Carvalho.

Na minha proposta dizia «quatro horas pelo menos.» Já se vê que sendo cinco mais satisfeito fico; não pedia tanto pelo receio de o não conseguir.

Peço portanto a v. ex.ª que consulte a camara tobre se me concede que eu retire a minha proposta.

Tendo a camara annuido, foi retirada.

Foram depois successivamente approvadas as propostas dos srs. Mariano de Carvalho, visconde de Montariol e Santos e Silva.

O sr. Mariano de Carvalho: — Pedi de novo a palavra para mandar para a mesa outra proposta, cuja urgencia não peço, mas cuja approvação me parece essencial para a boa ordem dos trabalhos da camara.

V. ex.ª sabe que mal acaba de ler-se a acta rompe de

Página 262

262

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

todos os lados da camara um brado unisono de «peço a palavra para antes da ordem do dia, sr. presidente». Resulta d'aqui um susurro pouco proprio do decoro d'esta camara, e resulta tambem que os illustres deputados, que foram pela natureza contemplados com um metal de voz menos sonoro, são quasi sempre preteridos. Eu pertenço ao numero d'estes infelizes. Hontem foi o primeiro a pedir a palavra o sr. José Tiberio, e eu fui o segundo. S. ex.ª obteve-a em sexto logar e a mim não me coube. Isto não é culpa da mesa, é culpa de não ser possivel inscrever a todos no logar que lhes compete. V. ex.ª por outro lado tem todos os dias pedido aos srs. deputados que venham mais cedo, e isso nem sempre se tem conseguido.

Succede mais que nem sempre os que vém mais cedo são os primeiros que obtêem a palavra. Ora, se estivesse sobre a mesa um livro ou caderno, onde os deputados que quizessem fallar antes da ordem do dia, á proporção que entrassem na sala se fossem inscrever, não haveria preterição de ninguem, e quem viesse mais cedo tinha ao menos a regalia de poder fallar antes da ordem do dia.

Mando para a mesa uma proposta n'este sentido, mas não peço a urgencia (leu).

Mando tambem um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo (leu).

Alem d'este requerimento, tenho de chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para alguns negocios que julgo graves.

Toda a gente sabe, ou pelo menos quem conhece aquelle trato do paiz, que nos campos que ficam entre Salvaterra e Almeirim existe um paul dos mais extensos de Portugal e dos mais perigosos, chamado «Paul do Duque» ou «Paul do Concelho». Este paul tem 250 hectares de area, e é de tão pessima natureza, que no verão se vê o solo coberto de peixe em putrefacção.

Este paul pertence á casa de Cadaval. Para que possa ser extincto, são necessarias obras de vallagem e é alem d'isso tambem necessaria a limpeza da valia de Alpiaça, que é uma via navegavel pertencente ao estado.

Quando se limpe a valia de Alpiaça é necessario construir sobre ella uma ponte que dê passagem a uma estrada districtal, e é necessario, por meio de barragem, vedar uma bôca chamada a bôca do Sabugueiro, que o Tejo abriu sobre a valia.

Os estudos de todas estas obras estão feitos e o seu orçamento importa em 27:000$000 réis. Cumpriram-se todas as formalidades marcadas na lei, relativa ao deseccamento de pantanos, e em resultado exigiu-se á casa Cadaval que pagasse, não só a despeza da vallagem no seu paul, mas tambem todas as despezas de limpeza da valia de Alpiaça, que é uma via navegavel, pertencente ao estado, e ainda as despezas com a construcção da ponte e da estrada districtal.

A casa Cadaval representou, e muito bem, que estava prompta a pagar, sem auxilio nenhum do estado, todas as obras que fossem feitas no seu terreno, conforme os planos dos engenheiros do governo e seu orçamento, que importa em quatro contos e tantos mil réis; mas a casa do Cadaval declarou que de modo nenhum podia pagar, o que eram obras em via navegavel, pertencente ao governo, e as da estrada districtal. No entretanto, reconhecendo ella que as obras de limpeza da valia seriam em grande beneficio para o paul, offereceu-se a contribuir com o donativo de réis 4:200$000.

V. ex.ª e a camara toda comprehendem que não é o interesse da casa Cadaval que me leva a fallar n'este assumpto, mas sim porque as povoações de Muge, Raposa, Bemfica, Salvaterra e outras são muito insalubres em consequencia da existencia d'este enorme pantano que, torno a repetir, tem nem mais nem menos do que 250 hectares. De inverno é uma lagoa onde podem navegar barcos, e no verão é um terreno coberto de materias organicas em putrefacção, e até peixe corrupto, de modo que não se póde passar a alguma distancia, sem se ser impressionado pelo fetido insupportavel d'aquelle foco de infecção.

Parece me que o governo deve mandar proceder a estas obras com urgencia, e estudar a maneira como podem ser attendidas as reclamações que se fazem, para que este objecto seja decidido conforme for de justiça. O essencial é tomar alguma resolução urgente.

Um foco de infecção d'este não deve por mais tempo, existir a menos de dez leguas da capital.

O outro negocio para que chamo a attenção de s. ex.ª, e este não sei se é das suas attribuições, é relativo á valla de Santarem.

Esta villa communica com o Tejo por uma valia sobre a qual se vem abrir um canal de esgoto da companhia das lezirias. Este canal era antigamente fechado por umas portas chamadas de sarilho, que estavam abertas durante a enchente da maré, e fechavam se no principio da vasante, para só se tornarem a abrir no baixamar, quando se abriam, corria com tanta impetuosidade que limpava a valla. Ultimamente a companhia substituiu estas portas de sarilho por outras de abrir e fechar, e o resultado foi, que a valia entulhou-se de tal modo, que, quando ainda ha pouco tempo, lá navegavam barcos de grandes dimensões, como barcos de agua acima, e fragatas de carga, hoje a lancha do correio já encalha, apesar de ser pequena.

A camara municipal de Salvaterra requereu á companhia das lezirias, que mandasse substituir as portas da valla, e a companhia não se prestou a isso. O caso é que a valia está entulhada.

O commercio e as communicações de Salvaterra de Magos, Coruche, etc. com o Tejo faziam-se principalmente pela valia, entulhada ella não sei por onde se hão de fazer.

Parece-me, pois, que o governo se deve entender com a companhia a este respeito, para se tomar uma resolução indispensavel e urgente.

O sr. Presidente: — O requerimento do sr. deputado vae ter o competente destino; agora desejo saber se o sr. deputado pede a urgencia da sua proposta, ou se quer que fique para segunda leitura.

O sr. Mariano de Carvalho: — Não peço a urgencia. Ficará para segunda leitura.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Carlos Bento): — Não estou completamente informado para poder dar uma resposta satisfactoria ao illustre deputado sobre os objectos que referiu, mas no entretanto direi que me hei de informar do que ha a este respeito, por isso que a circumstancia da salubridade publica é muito attendivel.

O governo, em observancia da lei estabelecida em relação ao desseccamento de pantanos, tem feito despezas, e não tem sido coadjuvado pelos particulares na satisfação de seus desejos.

Quanto á valia de Salvaterra, tambem me hei de informar sobre o assumpto. O que desde já posso dizer é que o que a companhia das lezirias poder fazer a esse respeito, ha de faze-lo. Ella dá garantias d'isso pelos precedentes (apoiados).

O facto de haver prescindido do rendimento da sementaria do arroz confirma-me na opinião de que a companhia não se recusará a fazer ácerca da valla que for mais a proposito.

O sr. Lourenço de Carvalho: — Participo a v. ex.ª e á camara que se installou a commissão de obras publicas, nomeando o sr. Lobo d'Avila para presidente, e a mim para secretario, e reservando-se para nomear relatores especiaes para os differentes negocios que lhe forem commettidos.

O sr. José Tiberio: — Mando para a mesa, por parte da commissão de administração publica, a declaração de que a mesma commissão se installou, nomeando para presidente o sr. Sampaio, e a mim para secretario, e reservando-se para nomear relatores especiaes a proposito dos differentes assumptos que lhe forem commettidos.

Página 263

263

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Tambem mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da justiça, de quem desejo chamar a attenção para a necessidade de fazer executar o decreto de 1 de setembro de 1864, que supprimiu o convento de freiras da cidade da Guarda.

Aquelle convento foi supprimido, por isso que não tem o numero de freiras que canonicamente se exige para poder subsistir, segundo a legislação vigente.

São passados sete annos e ainda até hoje se não cumpriu o decreto, o que não me parece muito regular e em harmonia com a legislação.

Demais o convento, que está a caír em ruinas, a continuar a ser habitado por uma ou duas freiras, é casa espaçosa que podia servir para ali se accommodarem as repartições publicas do governo civil, que actualmente estão n'uma casa particular, pela qual se paga a renda avultada de réis 200$000 annuaes.

Ora, alem da necessidade que ha de se fazer cumprir a legislação, ha a de se accommodarem as repartições publicas e de fazer uma economia de 200$000 réis, que tanto se paga por uma casa particular, onde o governador civil está vivendo sem pagar renda, e eu creio que o estado não tem obrigação de dar casa ao governador civil.

Quando verificar a interpellação, apresentarei os motivos por que se não tem cumprido o decreto, e tratarei de outras circumstancias mais importantes.

O sr. Fortunato das Neves: — Começo por agradecer as benevolas expressões que hontem me dirigiu o illustre deputado por Vizeu, o sr. Luiz de Campos; benevolencia de certo filha da sua bondado, e que não mereço.

E folgo de ter esta occasião para prestar um publico testemunho da homenagem e respeito que tributo ao illustre deputado pelos seus talentos e nobreza de sentimentos.

Permitta-me, porém, s. ex.ª que eu diga algumas palavras a respeito do que s. ex.ª disse a proposito da eleição do circulo do Carregal.

Tinha eu aqui affirmado que no circulo do Carregal não tinha havido violencias algumas por parte das auctoridades de confiança do governo, e ainda hoje o affirmo.

Nem s. ex.ª provou que as tivesse havido. Apenas alludiu a dois factos. O haver o administrador do concelho de Santa Combadão entregado a administração ao presidente da camara para poder angariar a votação de uma freguezia. É verdade. Mas permitta-me v. ex.ª, sr. presidente, e a camara, que eu narre o facto, que é honrosissimo para o cavalheiro que o praticou.

O administrador do concelho de Santa Combadão, que é meu particular amigo ha muitos annos, soube que os eleitores de uma freguezia, apesar de lerem muitos desejos de me darem os seus votos, o não faziam por despeito pessoal, que com elle tinham ha muito tempo.

Acto continuo officiou ao sr. governador civil pedindo-lhe a sua transferencia ou a sua demissão.

O sr. governador civil que tinha em muita conta aquelle magistrado apenas lhe concedeu uma licença, passando por isso a administração ao presidente da camara, visto que o substituto estava impedido.

Mas o administrador renovou perante o sr. governador civil o seu pedido de transferencia ou demissão, protestando não mais tomar conta da administração, e assim o fez.

Eis o facto.

Diga-me agora v. ex.ª a que proposito vem elle para provar violencias eleitoraes?! O que elle prova exuberantemente é o desinteresse d'aquelle cavalheiro, collocando acima de todas as conveniencias a amisade que ha tantos annos nos liga.

E eu folgo que o illustre deputado alludisse a este facto, para ter occasião de protestar ao meu respeitavel amigo, Antonio Xavier Perestrello, a minha profundissima gratidão.

Nem a circumstancia do presidente da camara assumir as funcções administrativas veiu engrossar as fileiras dos meus amigos. Ha muito tempo que me honro com a sua amisade. Já n'esta casa disse, e não me cansarei de o repetir, que é um dos cavalheiros mais respeitaveis do concelho de Santa Combadão, e não precisa de ser investido nas funcções administrativas para adquirir popularidade, porque é respeitado e venerado por todos os povos.

Emquanto ao procedimento do administrador do concelho de Nellas foi elle a consequencia da theoria que aquelle honrado funccionario proclamou sempre durante o longo periodo da sua vida administrativa, de que a auctoridade deve ser estranha ás lutas eleitoraes. Entregou a administração ao seu substituto, cavalheiro digno a todos os respeitos, havendo primeiro pedido licença ao governo. Como simples particular podia apoiar a minha candidatura. Não praticou violencia alguma, porque não é isso proprio do seu nobre caracter. Praticou a meu respeito o que por tantas vezes praticou em favor do sr. Coelho do Amaral, que declarou sempre n'esta casa que era deputado popular, e que a auctoridade, ainda que quizesse, não supplantaria os esforços dos seus amigos.

Um homem que ha desaseis annos é administrador do concelho de Nellas, sem que até hoje apparecesse uma unica queixa contra elle, é porque o seu procedimento tem sido irreprehensivel, porque, se assim não fôra, o sr. Coelho do Amaral teria pedido a sua substituição.

O sr. Osorio de Vasconcellos, para provar as violencias que se praticaram na assembléa de Nellas, disse que houvera ali uma vozeria de mulheres enfurecidas!! Ora, sr. presidente, quem apresenta estes argumentos, é porque não tem outros melhores. Constou-me effectivamente que no dia em que se procedia á eleição na assembléa de Nellas, se fazia uma feira junto do templo onde se estava praticando o acto eleitoral; que houvera no local da feira altercação entre algumas mulheres, altercação que a ninguem assustou, a não ser ao escrivão de fazenda, que, pouco tranquille em sua consciencia, fugira espavorido, saltando até o muro do cemiterio!! Desejava que o illustre deputado me dissesse que influencia produziria este facto no resultado da eleição.

O sr. Coelho do Amaral que estava presente de certo se não assustou. Nem sequer requereu para que na acta se mencionasse essa circumstancia!

Eis aqui tem, sr. presidente, os argumentos com que se querem provar as violencias praticadas no circulo do Carregal!!

Promettem porém os illustres deputados exhibirem outras em occasião opportuna, e eu aguardo ancioso essa occasião, mas peço-lhe que os acompanhem com documentos que provem a verdade das suas asserções.

(Interrupção do sr. Luiz de Campos.)

O Orador: — Disse mais o sr. Luiz de Campos que — a falta de documentos não prova, que não houvesse illegalidades! Assim é, quando não ha opposição. Mas, sr. presidente, quando ha opposição e quando todos se vigiam uns aos outros, não é isso muito provavel. E demais o sr. Coelho do Amaral, tanto nas assembléas primarias como nas do apuramento, excepto na de Santa Combadão, teve a maioria dos membros da mesa (apoiados).

Já aqui declarei e torno a repetir, que respeito muito o meu illustre antecessor, não só pelo seu caracter e intelligencia, mas tambem pela sua idade e pelos seus serviços.

Mas se o sr. Coelho do Amaral teve a infelicidade de começar a sua vida politica em 1828, eu tive a felicidade de nascer muito depois, podendo comtudo, afiançar a v. ex.ª e á camara, que não sou menos liberal do que elle. Bebi com o leite os principios liberaes; fui educado desde creança sob o regimen constitucional, e apesar de não ser soldado da velha guarda, sou liberal convicto, nem tenho na minha vida publica ou particular acto algum que prove o contrario (apoiados).

Tenho amor profundo tanto ás instituições liberaes como ao meu paiz; e, se acaso lhe não tenho prestado serviços, é porque não tenho tido para isso occasião, ou porque me fallecem as forças; mas, se chegar essa occasião, protesto

Página 264

264

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

que não hei de abandonar o meu logar de soldado humilde, mas dedicado.

Diz-se que o meu illustre antecessor o sr. Coelho do Amaral, depois de ter prestado, relevantes serviços á sua patria, não recebêra nunca em recompensa empregos, fitas ou veneras.

Pois, sr. presidente, o mandato que os meus constituintes me confiaram, não ha de servir para eu mendigar empregos pingues, que não quero, nem solicitar fitas ou veneras.

Permitta me a camara esta declaração, que hei de cumprir religiosamente.

Não é deshonra ser vencido. Muitas vezes foram vencidos nas lutas eleitoraes os srs. Passos Manuel e José Estevão, e nem por isso se julgaram deshonrados; e parece-me que não Colloco mal o sr. Coelho do Amaral a par d'aquelles vultos venerandos. Muitas vezes tem saído d'aquellas cadeiras (apontando para as do ministerio) vencido o nobre marquez de Sá, prototypo da honradez, e que estou costumado a respeitar desde creança, e s. ex.ª não se julgou por isso nunca deshonrado (apoiados).

O que posso affirmar é que não houve violencia alguma nem illegalidade na eleição do Carregal; e se a houve, não foi da parte das auctoridades da confiança do governo.

Tive contra mim os empregados fiscaes e judiciaes de dois concelhos, que andaram de porta em porta pedindo votos para o sr. Coelho do Amaral. Não me queixei, nem me queixo d'isso, o que desejava é que o acto eleitoral fosse feito com a maxima liberdade, que os agentes da auctoridade não influissem n'elle, nem a favor dos candidatos do governo, nem a favor dos candidatos da opposição, castigando-se as dema sias de uns e outros.

O illustre deputado por Tondella disse que se admirava o ter eu eu sido coadjuvado pelos amigos do governo, porque me julgava filiado no grupo constituinte, grupo que era guerreado por o governo. E julgava o assim, porque o anno passado fôra já candidato, sendo ministro do reino o sr. José Dias Ferreira.

O sr. Francisco Mendes: — Eu disse que suppunha que v. ex.ª pertencia ao partido constituinte, em virtude de ter sido indicado para candidato por aquelle circulo, quando no anno passado fazia parte da administração o sr. José Dias Ferreira; e que sendo assim me tinha surprehendido que o governo agora fizesse uma excepção a seu favor, protegendo a sua eleição.

O Orador: — É verdade que já n'essa occasião os meus amigos se lembraram do meu nome, e os amigos do governo de então, como agora, me não guerreavam.

Eu já disse a v. ex.ª e á camara que não tinha mendigado a minha candidatura e que nem directa nem indirectamente tinha pedido auxilio ás auctoridades. A minha candidatura foi proposta pelos meus amigos, pelos mesmos amigos que até á ultima eleição protegeram o sr. Coelho do Amaral.

Quando o anno passado accedi ao pedido dos meus amigos foi com a maior repugnancia, tendo depois a maior satisfação de ter occasião de poder retirar.

Sou amigo do sr. Dias Ferreira, mas nem com elle nem com o partido regenerador tenho ligações intimas ou compromissos politicos. Tenho amigos em todos os partidos, mas não pertenço a nenhum, e posso affirmar a v ex.ª que toda a medida de interesse geral, venha ella de onde vier, hei de vota-la (apoiados).

Eu não sou politico, não o quero ser, não tenho taes pretensões nem a minha vida é essa, e por consequencia hei de ir para onde me levarem as minhas affeições, e tenho muita satisfação em declarar que é no partido regenerador onde tenho maior numero de amigos.

Alludiu o illustre deputado por Tondella á pessoa do sr. Jayme Garcia Mascarenhas, tio de minha mulher, haver guerreado a minha eleição, querendo assim mostrar que até os meus proprios parentes reprovaram o meu procedimento.

Permitta-me o meu illustre collega, que guarde silencio sobre este objecto, porque eu interrompi com este homem as minhas relações por occasião da eleição; não por me guerrear, mas pelo modo por que o fez. Portanto não digo nada a seu respeito. A opinião publica sensata e imparcial julgará o seu procedimento.

Ainda outra observação. No primeiro dia em que eu entrei n'esta casa, fallou o sr. Francisco de Albuquerque relativamente á eleição do Carregal. Eu não ouvi parte do discurso de s. ex.ª, e depois tumbem não li o Diario; mas devo á bondade de um amigo o mostrar-me um periododo discurso de s. ex.ª, periodo em que vem uma insinuação que eu julgo dever levantar porque, se não é uma calumnia (não sei se a phrase é parlamentar, se não é, retiro-a), é pelo menos uma injustiça que s. ex.ª faz aos homens que antes de serem meus amigos politicos, o foram muito tempo do sr. Coelho do Amaral.

«Nem a probidade pessoal escapou ao bando de chatins que se se serviram de toda a qualidade de calumnia para desacreditar seu honrado caracter.»

Chamar roubadores de honra a homens que portanto tempo estiveram ao lado do sr. Coelho do Amaral, se me é uma calumnia, é pelo menos injustiça.

Repito: se a palavra calumnia não é parlamentar, desde já a retiro, assim como a retiro tambem se ella offende o meu illustre amigo, por quem tenho o maior respeito e consideração, e que a empregou fundado em falsas informações.

Conclui.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Nogueira: — Participo a v. ex.ª que está installada a commissão de saude, sendo presidente o sr. Affonseca, e eu secretario.

O sr. Boavida: — Participo a v. ex.ª que está installada a commissão ecclesiastica, tendo nomeado para presidente o sr. Barjona de Freitas, para delegado junto da coinmissão de fazenda o sr. Pires de Lima, e a mim para secretario.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.º 7 (real d'agua)

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Devo declarar a v. ex.ª e á camara que renuncio ao direito que tinha de apresentar algumas observações que contrariassem as considerações feitas pelo illustre deputado quanto á materia d'este projecto, a qual me parece tão simples que eu pela minha parte pedia acamara que notasse que, para o ministro da fazenda, quaesquer que sejam as opiniões dos illustres deputados, a demora na resolução da camara sobre este objecto equivale quasi á sua rejeição.

O sr. Pereira de Miranda (sobre a ordem): — Peço licença para aproveitar o ensejo de ter a palavra agora para fazer algumas reflexões na presença do sr. ministro das obras publicas, pois era para isso que eu tinha pedido a palavra antes da ordem do dia.

Eu chamo a attenção de s. ex.ª para a maneira por que a companhia dos caminhos do ferro do norte e leste está fazendo o serviço do movimento das mercadorias.

Soube hoje que nas estações entre Badajoz e Lisboa está grande quantidade de mercadorias demoradas, e sobretudo lã Em Portalegre está uma grande quantidade de lã que ali foi entregue no dia 6, e que ainda não seguiu para o seu destino. Isto prejudica gravemente o commercio, e eu peço a s. ex.ª que dê as devidas providencias para que tal estado de cousas não continue.

Entrando na materia em discussão direi, que tinha pedido a palavra sobre a ordem para mandar para a mesa uma proposta, pedindo que este projecto volte á commissão de fazenda com as emendas apresentadas, para estas serem devidamente consideradas.

Creio que esta proposta não contraria as indicações apresentadas ha pouco pelo sr. ministro da fazenda, porque se

Página 265

265

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a commissão considerar desde já as emendas que forem mandadas para a mesa, nós simplificâmos o debate, aliás elle renascerá em cada artigo do projecto. A demora póde ser de um dia, e com isso nós lucrámos muito. E eu sou insuspeito, apresentando este alvitre, porque não só me não recuso a dar o meu voto a este projecto, mas até me parece que s. ex.ª podia-se ter dispensado de o trazer á camara.

Entretanto as considerações que foram aqui feitas pelos illustres deputados os srs. Barros e Cunha e Rodrigues de Freitas são de alguma gravidade, e eu julgo que, desde que se abriu o debate n'este assumpto era de grande conveniencia que o projecto saísse da camara bem esclarecido, para não levantar duvidas de qualquer ordem.

Não justifico mais a proposta que mando para a mesa.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o projecto em discussão volte de novo á commissão, a fim de serem consideradas as diversas propostas apresentadas.

Sala das sessões, em 19 de agosto de 1871. = Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Foi admittida.

O sr. Santos e Silva: — Desejo dizer apenas duas palavras em relação á proposta mandada para a mesa n'este momento pelo illustre deputado o sr. Pereira de Miranda.

Por parte da commissão de fazenda, declaro que a não posso aceitar. A commissão ha de attender todas as propostas que lhe forem presentes, e portanto o relator exprimindo muito claramente o voto da commissão, deseja que o projecto seja approvado, salvas as emendas. É o que se tem feito muitas vezes, é o que se póde fazer em relação a este projecto. Se alguma das propostas, ou a maior parte d'ellas tivessem por fim alterar o pensamento adoptado no projecto ou alguma das suas disposições essenciaes, podia ter rasão de ser uma moção, exigindo que fosse remettido á commissão; mas como taes emendas só pretendem tornar mais claros alguns artigos do projecto, que para mim estão sufficientemente claros; já se vê que não posso aceitar o adiamento da discussão (apoiados).

O que peço é que o projecto seja approvado, sem prejuizo das emendas que a commissão tem de considerar.

São estas as observações que tinha a fazer.

O sr. Pinto de Magalhães: — Requeiro, que v. ex.ª consulte a camara sobre se a materia da generalidade do projecto está sufficientemente discutida.

Consultada a camara decidiu afirmativamente.

Posto a votos o projecto na generalidade, foi approvado.

Passou-se á especialidade.

Leu-se o artigo 1.°, que foi approvado sem discussão.

Leu-se o

Artigo 2.°

O sr. Barros e Cunha: — Votou esta camara uma moção, segundo creio, porque eu não estava presente, era que exprimiu a idéa de pôr de parte todas as questões politicas para se occupar das questões de fazenda.

É este o primeiro projecto de fazenda que apparece na camara, e o sr. ministro da fazenda acaba de declarar, que renuncia ao direito de responder ás duvidas que lhe expuz; mas que qualquer debate, que demora a approvação do projecto, implica a sua rejeição. Eu declaro, que não é este o meu intuito, se por acaso querem applicar ás materias economicas e financeiras o principio que applicaram á politica de cada um pensar o que quizer, comtanto que não exprima a sua opinião, eu declaro a v. ex.ª que rejeito essa doutrina (apoiados).

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não é assim, peço a palavra sobre a ordem.

O Orador: — É assim.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não é assim.

O Orador: — Isto é assim (apoiados). Passou-se commigo. E se s. ex.ª, esquecendo-se da sua idade, me dirige uma expressão que não é admittida em parte alguma, eu hei de provocar ácerca d'ella uma votação da camara (apoiados e interrupção).

O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara. Estamos na especialidade do projecto e na discussão do artigo 2.°, nada mais (apoiados).

O Orador: — Mas chame v. ex.ª o sr. ministro á ordem (apoiados); não se diz não é verdade (apoiados).

O sr. Presidente: — A v. ex.ª é que primeiro eu chamo á ordem, porque é aquelle que está discutindo, não a especialidade do projecto, mas a generalidade d'elle, e entrando em questões completamente estranhas ao assumpto de que a camara se está occupando n'este momento (apoiados).

O Orador: — Eu estou respondendo ao governo. O governo disse, que deviamos limitar a discussão do projecto, porque o discuti-lo ou demorar a sua discussão implicava a rejeição do mesmo projecto...

O sr. Presidente: — Eu continuo a observar ao illustre deputado, que tudo isso se disse na generalidade do projecto, e nós agora estamos na especialidade discutindo o artigo 2.° sobre o qual devem recaír as reflexões que tiver a fazer (apoiados).

O Orador: — Eu obedeço a v. ex.ª Não é nunca meu costume ter questões com as pessoas que presidem a esta assembléa; e se por acaso tivesse esse habito renunciava a elle; porque ninguem melhor que v. ex.ª sabe que o meu intento é não crear com v. ex.ª conflictos pessoaes, nem lançar perturbações nas questões d'esta casa (apoiados)...

É na especialidade a discussão, e é na especialidade que vou tratar a questão, deixando a um julgamento, que é sempre infallivel, o cuidado de apreciar se n'este momento fui eu quem se desviou das conveniencias parlamentares.

Levantou-se aqui na generalidade uma questão, que não posso deixar de reproduzir na especialidade, e vem a ser: se a geropiga é ou não vinho.

Effectivamente na jurisprudencia fiscal está estabelecido que a geropiga é vinho; mas v. ex.ª sabe tambem que já se descobriu outra jurisprudencia, pela qual se estabeleceu que o boi era cereal ou que o cereal era boi (riso).

Dou por consequencia muito pouco pela jurisprudencia fiscal e dou muito e muito mais pelos factos, que tenho obrigação de não ignorar.

Geropiga não é vinho, nem póde ser vinho; geropiga é unicamente o summo das uvas composto com alcool, que não serve para o consumo, que serve só para se prepararem os vinhos destinados á exportação, aos quaes, por esse meio, é necessario dar o maduro que as uvas em si não lhes poderam dar, em consequencia das circumstancias meteorologicas. Em consequencia das chuvas, frios, ou de outros quaesquer accidentes.

É por meio da geropiga que se prepara o paladar do vinho e o typo uniforme, pelo qual sejam conhecidos e procurados nos mercados estrangeiros.

Tanto isto é assim que, sem pretender afastar-me da opinião, aliás muito respeitavel, de que o projecto que se discute não tem por fim senão mudar o methodo da cobrança do real d'agua, se for recorrer á origem d'onde me póde vir a base para concordar com esta opinião, vejo que nas leis que aqui se approvaram estão especificados todos os generos, como vinhos, carnes, etc.; mas geropiga é que não está lá. Nem lá podia estar.

Este artigo é portanto um artigo novo; pertence-lhe uma nova discussão, e, se pretenderem suffocar-me a palavra, eu não hei de submetter-me sem protestar, se for necessario, pelo direito que tenho de impugnar a introducção d'este novo artigo para ser despachado pelos mesmos direitos por que é despachado o vinho ordinario.

Não posso concordar com similhante cousa; e, tendo eu dito á camara que isto não era mais do que uma origem de fraude, devo demonstrar essa fraude com factos de que

Página 266

266

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a camara não póde duvidar, o que não ha meio nenhum de a evitar.

Pois veja v. ex.ª; 1:000 decalitros de geropiga correspondem, pelo direito a estabelecer, a 110$000 réis; estes 1:000 decalitros de geropiga, produzindo aguardente igual aquelle que impunemente se póde introduzir n'ella, dão o seguinte:

800 decalitros de aguardente devem pagar de direitos, a 260 réis por decalitro, 208$000 réis. Se se distillarem portanto 1:000 decalitros de geropiga iguaes a 110 réis de direitos por decalitro, ou 110$000 réis, e esses 1:000 decalitros de geropiga levarem 800 decalitros de aguardente, ha uma differença de 98$000 réis.

Por consequencia, o thesouro deixa de receber 98$000 réis, o que receberia, se a aguardente tivesse sido despachada como tal, e não disfarçada em geropiga.

Tenho aqui a comparação que corresponde ás differentes escalas dos areometros que se usam no mercado, e temos o seguinte:

Correspondencia entre a escala dos areómetros e as qualificações commerciaes dos liquidos espirituosos

[Ver Diário Original]

Teremos pois que:

1:000 pipas de geropiga a 5$500 réis por pipa

pagam de direitos.................... 5:500$000

Contendo ellas 800 pipas de aguardente de 34° Cartier ou 14° Tessa, podem produzir 1:000 pipas da aguardente de 22° Cartier ou 4º de Tessa, a qual a 13$000 réis de direitos por pipa, devia pagar..................... 13:000$000

Differença........ 7:500$000

É portanto maior o direito que o consumidor paga á falsificação e ao contrabando do que ao thesouro.

Isto dá uma defraudação para o thesouro de 7:500$000 réis.

Esta hypothese determinou que na Inglaterra aquelles insensatos dos inglezes, adoptassem a escala alcoolica, e a estabelecerem os direitos correspondentes á graduação e quantidade de alcool que se demonstrar que contêem os vinhos despachados. Isto para protegerem o imposto sobre as bebidas espirituosas e fermentadas.

Eu não desejo senão que n'este paiz se adoptem, para proteger os interesses do thesouro, as precauções que são necessarias para que a lei não venha abrir uma porta para os defraudadores que se locupletam á custa dos interesses publicos.

Esta é a maneira por que entendo que devo tratar d'estas questões, nem tenho outra; é como tenho tratado sempre de assumptos d'esta natureza, quando aqui se têem apre sentado.

Por consequencia, entendo que tenho tanta auctoridade para declarar que a geropiga é aguardente, e para exigir que sobre ella recaia o imposto que paga a aguardente, muito inferior ao imposto que a aguardente da mesma natureza em Lisboa, como tem o sr. relator e o sr. ministro da fazenda para dizerem que a geropiga é vinho, e proporem-nos que pague como vinho.

É igual o direito, é igual a auctoridade. Não preciso invocar outra auctoridade, para justificar a minha opinião.

Por esta occasião perguntarei ao sr. ministro qual era a rasão por que em Lisboa se adoptava, como unidade para o peso de 10 kilogrammas, e no Porto se adoptava a medida do decalitro, que corresponde, pouco mais ou menos, a 10 kilogrammas? A differença é insignificante, entretanto parece me que uma tal disposição não tem rasão de ser; ter duas pautas differentes, duas jurisprudencias fiscaes differentes, parece-me extravagante; tambem da mesma maneira vem para este artigo dizer, que adoptando-se no Porto o areometro de Tessa, e em Lisboa o de Cartier, não sei a rasão por que n'este novo projecto se estabelece uma regra differente d'aquella que se mantem em Lisboa, porque tenho aqui as proporções, e 34° de Cartier que correspondem a 14° de Tessa, assim como 29º de Cartier a 10° de Tessa. Não sei a rasão por que o sr. ministro da fazenda não adopta a mesma medida para ambas as alfandegas, porque ambas pertencem a este paiz, e ambas as cidades fazem parte d'ella (apoiados).

O sr. ministro da fazenda creio que renunciou o direito de responder. Sinto muito que s. ex.ª não responda; não por mim, mas porque muito bem ficava a s. ex.ª tirar do meu espirito e do de aquelles que me escutam as duvidas que têem a este respeito (apoiados); e escusava-se de certo de me attribuir ou julgar que eu venho para aqui trazer questões que têem por fim adiar ou prejudicar a discussão das leis, ou fazer alarde segundo outros de qualquer erudição que possa existir nos economistas.

Creio que isto não está nos economistas; está no projecto. Está aqui; e entretanto se se referisse aos economistas, estimava de recorrer a elles, porque eu respeito mais a opinião que tem uniformidade com a dos economistas do que a fatuidade que, porque é ignorante, se preza de original. Eu dou muito pouco por aquelles que se afastam das regras que estão estabelecidas nos livros, que são feitos para se estudar.

Por consequencia, proporei que a palavra «geropiga», para prestar homenagem á opinião de que não é senão a transformação do methodo de cobrança, a qual palavra geropiga não se acha na tabella do artigo 1.° da lei de 27 de dezembro de 1870, mas que se acha introduzida na tabella do artigo 2.° do projecto n.º 7, seja admittida, se com isso não contrario ou difficulto a harmonia entre aquillo que o governo diz que quer aquillo que deve ser, e aquillo que está proposto no projecto que está presente.

V. ex.ª disse-me que o sr. Rodrigues de Freitas já fez esta proposta. N'esse caso está feita. Realmente sinto-me incommodado para continuar n'esta discussão. Ha dias tomei a liberdade de me dar oito dias de feriado, e tomarei a liberdade do me dar muito mais feriados emquanto isto não entrar no caminho em que se deve entrar, para se poder discutir aqui os interesses do paiz (apoiados).

O sr. Santos e Silva: — Ha uma cousa que me acaba de desgostar na discussão d'este projecto, é a declaração feita pelo meu illustre amigo o sr. Barros e Cunha, de que se abstinha de continuar a tomar parte no debate por suppor que se lhe queria negar o direito de manifestar as suas opiniões. Não se proferiu aqui expressão alguma que se assimilhasse á mal cabida insinuação que s. ex.ª me fez. S. ex.ª tem direito de emittir as opiniões que quizer, e de discutir conforme entender. Discute o meu illustre amigo sempre muito bem, porque é muito consciencioso, muito esclarecido e muito estudioso (apoiados).

Já declarei por mais de uma vez, e declaro ainda, que a commissão ha de considerar todas as propostas que lhe forem presentes, comquanto eu já emittisse a minha opinião a respeito de algumas. Não me julgo todavia desobrigado de apresentar essas mesmas á commissão, a fim de ella resolver como julgar melhor.

Por exemplo, eu vou agora dar a minha opinião a respeito de uma das propostas, e comtudo hei de ouvir a commissão a respeito d'ella.

Não é possivel eliminar, como se pretende, a geropiga do artigo 2.° Póde dar-se-lhe differente collocação, mas elimina-la não (apoiados).

Se os illustres deputados tivessem presente a legislação sobre o assumpto não fariam tal proposição (apoiados).

A lei de 30 de junho de 1870 lançou o imposto de 60

Página 267

267

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

réis sobre cada decalitro de vinho, vinagre, aguardente e geropiga que entrar pelas barreiras do Porto, qualquer que seja a sua procedencia e destino (apoiados).

(Interrupção.)

Perdoe-me v. ex.ª; é sobre o vinho, a geropiga, aguardente e vinagre que entrar pela foz do Douro e pelas barreiras seccas ou molhadas do Porto e Villa Nova de Gaia, qualquer que seja a sua procedencia e destino.

Esta é a lei vigente (apoiados). Se nós, pois, n'este projecto temos apenas em vista reunir nas barreiras os dois direitos, como havemos de eliminar d'elle a geropiga, que já está sujeita ao direito de 6 réis por litro? (Apoiados.) Não póde ser.

Ainda que os illustres deputados queiram igualar a geropiga ao vinagre, o qual está isento do real d'agua, nem por isso a geropiga póde deixar de figurar n'este projecto, como figura o vinagre com 60 réis por decalitro (apoiados).

Em s. ex.ªs, os srs. Barros e Cunha e Rodrigues de Freitas, pensando um momento n'esta minha observação, hão de forçosamente retirar as suas propostas (apoiados).

(Interrupção.)

Não estejamos a confundir a questão: uma cousa é o real d'agua; outra cousa é o decreto com força de lei de 30 de junho de 1870, que lança 60 réis sobre cada decalitro de certos liquidas que entrarem pelas barreiras seccas ou molhadas, do Porto.

De passagem direi ainda ao sr. Barros e Cunha que não está em vigor o areometro de Cartier, para regular o direito pela graduação alcoolica da aguardente.

Já foi abolido esse systema, tanto na alfandega municipal, como para a aguardente estrangeira, por decreto de 23 de junho de 1870, e por uma lei de dezembro ultimo (apoiados).

Quanto ao areometro de Tessa, é o que está em vigor no Porto para o commercio dos seus vinhos (apoiados).

(Áparte do sr. Barros e Cunha.)

Sei o que s. ex.ª vae ter; sei o que está na pauta. Eu explicarei a s. ex.ª, se tiver alguma duvida.

O sr. Barros e Cunha: — Faz-me muito favor era m'a explicar.

O Orador: — O que s. ex.ª vê na pauta da alfandega municipal é apenas uma hypothese muito restricta e muito especial.

O governo não alterou cousa alguma.

Não tenho mais observações a fazer.

O sr. Mariano de Carvalho: — Poucas vezes me tenho resolvido com maior difficuldade a usar da palavra sobre um projecto, do que n'esta occasião era que effectivamente me vejo obrigado a oppor algumas duvidas á approvação d'este.

Provavelmente o sr. ministro da fazenda responder-me-ha que o adiamento ou demora do projecto equivale á sua rejeição, mas as minhas duvidas não ficarão desfeitas com tão clara e brilhante demonstração de s. ex.ª sobre as vantagens do projecto. Supponho que a camara tambem não ficará convenientemente esclarecida, mas a opinião publica fará de tudo o juizo que deve.

Entretanto como não devo preoccupar me tanto com a resposta que o sr. ministro da fazenda julgue que deve dar a quem como eu procura cumprir deveres de deputado, parece-me que devo fazer mais algumas observações sobre o projecto e voltar á questão se a geropiga é ou não vinho.

Esquecia-me de cumprir as prescripções regimentaes, lendo as minhas moções de ordem que são nada menos de tres. São as seguintes (leu).

Por mais que eu queira abreviar as considerações que tenho de fazer, v. ex.ª vê que tenho de tomar algum tempo á camara, porque me vejo na necessidade de defender tres moções.

Não ha duvida alguma que, nem pela legislação antiga nem pela moderna, do real d'agua, está tributada a geropiga.

O que era tributado pelo real d'agua, antes da lei de 27 de dezembro do 1870, eram as carnes e o vinho; mas a citada lei ampliou o imposto ás bebidas alcoolicas e fermentadas. Este é o estado da legislação.

Agora, porém, o illustre relator da commissão e com elle o sr. ministro da fazenda, dizem que o fisco na sua alta sabedoria entendeu que a geropiga é vinho, e entendeu a meu ver um absurdo, que de modo algum se póde sustentar, porque ás leis tributarias, como ás dos privilegios, não se póde dar interpretação extensiva, senão sempre restricta.

Desde que o real d'agua não tributa senão o vinho, em caso algum se póde tributar a geropiga, que não é vinho.

A geropiga é uma mistura que não soffre fermentação, e por consequencia não é vinho, porque não ha processo algum chimico ou physico pelo qual se possa fazer o vinho sem fermentação, e desde que o summo da uva com a addição de alcool não soffre fermentação, não é vinho; não póde portanto ser comprehendido no imposto sobre o vinho, e por isso opponho-me a que a geropiga seja tributada pelo real d'agua. Quero que ella seja tributada, mas que a lei determine o tributo e que este seja inferior ao do vinho. Assim o rendimento do thesouro augmenta, e respeita-se o principio economico da proporcionalidade do imposto, ainda que estas doutrinas economicas parece-me que estão merecendo pouco favor da parte de alguns publicistas.

Com relação ao fisco não me admira que elle tenha classificado a geropiga como vinho, porque eu já vi classificar a albarda como miteria prima do burro (riso). Isto justifica-se. Assim como se não póde fazer panno de algodão sem o fio do algodão, que por isso é materia prima do panno, tambem o burro que não póde geralmente servir sem a albarda, tem esta por materia prima (riso).

Houve tambem um agente, muito principal do fico que, apparecendo-lhe uma guia de quatro porcos sem cabeça, mandou declarar se eram vivos ou mortos (riso). Isto tambem se póde justificar. V. ex.ª sabe que ha uma classe de moluscos, os gasteropedes, que quando se lhes corta a cabeça, lhes torna a nascer, pelo que se prova que o animal não morreu (riso).

Talvez o fisco assim como achou que a geropiga é vinho, descobrisse que os porcos devem ser classificados na mesma classe de molluscos em que estão os caracoes.

E ainda, alem do sr. ministro da fazenda ter descoberto o cereal boi, já vi demonstrado pelo fisco que a ostra é fructa. Um empregado fiscal quiz tributar a ostra, e não a podendo tributar nem como carne, nem como peixe, nem como bebida alcoolica, nem como azeite, nem como cereal, nem como combustivel, tributou-a como fructa (riso).

A camara não deve permittir que as auctoridades fiscaes dêem interpretações ampliativas ás leis tributarias. O poder executivo não póde tributar mais do que foi tributado pelo poder legislativo.

Peço, pois, que o projecto volte á commissão, para que lance um imposto sobre a geropiga similhante ao real d'agua e proporcional ao valor do genero.

Por este modo não se permitte ao poder executivo o tornar-se supremo arbitro em materia tributavel, para fazer augmentar a receita do thesouro.

Quanto á segunda moção, proponho que em logar de continuar a existir um imposto uniforme de 60 réis por decalitro sobre o vinho, geropiga, aguardente e vinagre, se estabeleça o imposto proporcional ao valor de cada um d'estes generos. Este imposto que sobre os vinhos finos do Douro é insignificante, porque equivale a 3$000 réis por pipa, e póde considerar-se quasi como um direito estatistico, em relação ao vinho verde e aos vinhos ordinarios do Ribatejo, é imposto muito pesado, porque chega a ser de 30 ou 40 por cento do valor do genero. Entendo que os interesses da fazenda e do paiz, quanto á agricultura, está em que á exportação vão vinhos baratos de consumo. Os vinhos generosos são apenas uma especialidade, o vinho barato era toda

Página 268

268

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a parte póde produzir-se, e da sua boa venda depende o progresso da agricultura e o desenvolvimento da riqueza publica.

Não vamos, pois, fazer pesar um imposto que póde ascender a 30 ou 40 por cento sobre este genero, porque com isso prejudicâmos o commercio e a industria agricola, ao passo que damos á Inglaterra um mau documento da nossa seriedade, quando lhe vamos pedir a baixa dos direitos para os vinhos de Portugal.

E o que digo a respeito dos vinhos ordinarios de consumo, digo-o a respeito do vinagre; não se póde tributar o vinagre com um imposto igual ao que pesa sobre o vinho fino do Douro, a geropiga e a aguardente. Parece-me justificada esta minha moção.

A terceira proposta justifica-se por si mesma, creio que convem que na legislação fiscal haja uniformidade.

Se em Lisboa a unidade tributaria é de 10 kilogrammas, parece me que o mesmo deve ser no Porto.

Pôde responder-se que a occasião não é opportuna para fazer esta proposta, mas entendo que nenhuma occasião é mais opportuna. Não aproveitada ella, póde muito bem ser que outra não venha tão cedo. Entretanto soffrem o commercio, a agricultura e os principios.

Leram-se na mesa as seguintes:

Proposta

Proponho que o artigo 2.° volte á commissão, a fim de que se tribute convenientemente a geropiga, que por lei não está hoje sujeita ao imposto do real d'agua.

Sala das sessões da camara, 19 de agosto de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Proposta

Proponho que o artigo 2.° do projecto em discussão volte á commissão, para que ao imposto uniforme de 60 réis por decalitro, estabelecido pelo decreto com força de lei de 30 de julho de 1870, sobre o vinho, geropiga, aguardente e vinagre, se substitua um imposto differente para a aguardente, vinho, geropiga e vinagre, segundo os valores d'estes generos.

Sala das sessões da camara, 19 de agosto de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Proposta

Proponho que o projecto volte á commissão, para que ao imposto por decalitro seja substituido o imposto por 10 kilogrammas feitas as devidas reducções.

Sala das sessões da camara, 19 de agosto de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foram admittidas.

O sr. Santos e Silva: — Eu já ha pouco declarei, que achava conveniente, ou que não achava prejudicial aos interesses publicos, e ao projecto que está em discussão, que elle fosse approvado, salvas as emendas mandadas para a a mesa. O projecto póde n'estes termos ser approvado (apoiados).

Quanto ás moções, a commissão ha de considera-las; aceitando aquellas que forem aceitaveis.

Ácerca das propostas mandadas agora para a mesa pelo sr. Mariano de Carvalho faço a mesma declaração que fiz a respeito das outras.

Mas permitta-me s. ex.ª que ainda diga duas palavras.

Eu não sustentei aqui, que a geropiga era vinho; apenas expliquei a rasão por que ella apparecia n'este projecto (apoiados).

Declarei tambem que a commissão de fazenda tomaria em consideração quaesquer alvitres rasoaveis, que a este respeito fossem apresentados.

Não quiz equiparar o vinho á geropiga; permitta-me, pois s. ex.ª que não responda ás espirituosas "observações que fez a respeito da capacidade e do bom senso dos empregados fiscaes.

Não se trata agora d'esse assumpto.

Acrescentarei mais, que uma das propostas que s. ex.ª mandou ha pouco para a mesa, não póde ser considerada n'esta occasião.

Não tratâmos aqui de tocar, nem se quer de leve, na legislação que creou o imposto. É o decreto com força de lei de 30 de junho de 1870, de 60 réis por decalitro (apoiados). Esse imposto ha de continuar a cobrar-se aonde se cobrava, quer dizer, nas barreiras juntamente com o imposto do real d'agua.

Curâmos simplesmente de um novo systema de fiscalisação e cobrança do real d'agua, fazendo de duas pautas uma, ou encorporando o direito do real d'agua no direito que certos liquidos já pagam nas barreiras do Porto, segundo o decreto citado (apoiados).

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto; vae-se votar.

(Leu-se o artigo.)

Este artigo, assim como os outros, votam se sem prejuizo das propostas que foram mandadas para a mesa.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Desejava prevenir que ainda que o artigo fosse votado, não houvesse duvida nenhuma em receber na mesa quaesquer propostas que se quizesse mandar.

O sr. Presidente: — Podem ser mandadas, porque todas hão de ir á commissão respectiva.

Foi approvado o artigo 2.°

Artigo 3.º — approvado.

Artigo 4.°

O sr. Rodrigues de Freitas: — Havendo entrado um pouco tarde, ignoro se o sr. ministro da fazenda se dignou de responder a algumas observações que apresentei na sessão passada. Por isso novamente pergunto qual é o modo por que s. ex.ª julga que se póde pôr em execução este § 2.° do artigo 4.°?

Já disse que, podendo haver negociantes que tenham vinho não só pora exportação, mas tambem para consumo na propria cidade, seria muito facil introduzir como aguardente para beneficiar os vinhos de embarque a destinada para vender a retalho.

Desejo tambem que o sr. ministro me informe sobre qual é a quantidade de aguardente precisa para beneficiar uma pipa de vinho. Eu julgo que não podendo designar-se claramente essa quantidade, s. ex.ª não póde no regulamento desenvolver bem esta prescripção, e se porventura um principio que nos parece justo póde ser traduzido em regulamento, melhor é examinado attentamente, e elimina-lo ou substitui-lo.

Desejo que o sr. ministro da fazenda dê algumas explicações a este respeito.

O sr. Ministro da Fazenda: — O unico inconveniente que haveria na redacção d'este artigo, era o achar-se n'elle sujeito a este imposto de 60 réis em decalitro de aguardente inferior a esse 6° do areometro de Tessa, mas como a aguardente que se sujeita a esse imposto é toda superior a 6º, não vejo inconveniente algum na redacção. No entretanto, se o illustre deputado tiver a bondade de mandar para a mesa alguma emenda, que na sua opinião torne mais clara a disposição do artigo, parece-me que não haverá duvida em ser considerada, porque entendo que é nosso dever tomar em consideração todas as emendas que forem mandadas (apoiados).

O sr. Pinto Bessa: — Eu pedi a palavra unicamente para dar uma explicação a respeito do § 1.° do artigo 4.°, porque me parece que o meu illustre amigo e patricio labora em um engano.

S. ex.ª parece-me que o que quer saber é qual vem a ser o limite marcado á quantidade de aguardente que entrar para a beneficiação dos vinhos. Esse limite está aqui determinado. Toda a aguardente que tiver o peso de 6°, não póde ser destinada senão á beneficiação dos vinhos, não serve para consumo, para beber, é só applicada aquelle mister de beneficiar os vinhos. Por consequencia, toda a aguardente que tiver este peso e d'aqui para cima, e en-

Página 269

269

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

trar pelas barreiras, não paga senão 60 réis por decalitro, porque não póde servir senão para beneficiar os vinhos. A aguardente para consumo é muito mais fraca.

Dir-se-ba: mas então póde-se falsificar esta aguardente, paga menos direitos, e depois adulteram-na, e vae-se vender para consumo.

Não é isso muito facil, porque esta aguardente é muito mais cara que a outra. A outra é aguardente de cereaes, é muito mais barata. Por consequencia, não é muito facil haver essa falsificação.

Era isto só o que eu queria dizer ao meu illustre amigo e patricio.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Agradeço ao meu illustre collega e amigo, o sr. Pinto Bessa, a explicação que acabou de dar-me; mas n'esse caso nem o sr. ministro da fazenda, nem o meu illustre amigo, o sr. relator da commissão, que tão benevolo tem sido para comigo, terão duvida em adoptar a seguinte proposta (leu).

Desde o momento em que s. ex.ªs dizem que toda a aguardente nacional que entrar nas barreiras do Porto, e que tiver mais de 6º não ha de pagar mais de 60 réis por decalitro, exprimamos isto no projecto, e eliminemos a outra condição que é superabundante.

O artigo é claro, diz assim—a mesma taxa pagará a aguardente nacional que tiver o peso de 6º e d'ahi para cima, segundo o areometro de Tessa, e for destinada para beneficiação do vinho de embarque. Por consequencia, ha duas condições a que tem de satisfazer o referido producto para não pagar o direito marcado no artigo 2.°; a primeira ter mais de 6º, a segunda destinar-se á beneficiação dos vinhos de embarque. Mas se o illustre ministro e o digno relator entendem que basta a primeira condição, não se comprehende como deva conservar-se no projecto a segunda. S. ex.ª não podem duvidar de votar esta proposta (leu).

E note v. ex.ª, que se eu quizesse escrever o fundamento d'ella, não hesitaria em limitar-me a transcrever as palavras que o sr. ministro da fazenda acabou de proferir.

Sou, porém, sincero e franco, enteado que o projecto estabelece uma regra para o vinho a consumo na cidade do Porto; creio que o que se quer é facilitar a venda do vinho superior nos mercados estrangeiros, e não admira que assim se faça, por isso que a praça d'aquelle nome, principalmente, faz commercio de vinhos de alto preço.

Isto não é uma questão sem valor.

Vozes: — Votos, votos.

O Orador: — Ouço dizer votos, votos. Respeito muito a opinião dos meus collegas que proferem estas palavras, mas direi a v. ex.ª, que a discussão seria muito mais breve se não substituisse o triste systema de apresentar propostas tem fundamento algum; e triste é se um deputado pede explicações categoricas ao sr. ministro da fazenda, ou lhe não responde ou divaga.

Creia v. ex.ª que na camara não ha ninguem que tenha vontade de pôr obstaculos á boa governação do paiz, mas não se póde exigir a quem leu e estudou este projecto, que o deixe passar sem dizer á camara a sua opinião, o sem mostrar os defeitos d'elle.

São estas as explicações que tenho a dar aos srs. deputados que diziam votos, votos. Creia v. ex.ª que muito mais me agradaria ouvir a refutação cabal do que expuz, do que as simples palavras votos, votos.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho a eliminação das palavras: «Se for destinado para beneficiação do vinho de embarque».

Sala da sessões, em 19 de agosto de 1871. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior.

Foi admittida.

O sr. Barros e Cunha: — Tenho apenas por fim dizer ao sr. relator da commissão, que quando eu fiz reflexões ácerca do artigo 2.°, tinha lido o artigo 4.°, e que por consequencia achando-se no artigo 4.° estabelecido o imposto de 60 réis para os vinhos de exportação, eu não podia de maneira alguma revogar esse imposto, porque nem fallei no artigo 4.°, nem as considerações que fiz ácerca do artigo 2.°, podiam revogar o 4.° nem referir-se a esse imposto; porque elle está estabelecido na geropiga que for introduzida para beneficiação dos vinhos, ou para embarque.

O que eu não comprehendo, porém, é que o real d'agua podesse recaír sobre a geropiga, que não tinha sido incluida no real d'agua, e ficasse equiparado ao vinho ordinario. Isso é que eu não podia comprehender.

Emquanto á questão do areometro, a que o sr. relator da commissão pretendeu responder, dizendo-me que a aguardente paga em relação ao alcool puro, sinto dizer que não é na minha opinião satisfatoria a sua resposta.

Todos sabem que ha differentes areometros que todos vão de zero até ao alcool puro, mas o alcool puro, o areometro centesimal marca 95°, no de Cartier 44°, Tessa 20° e Beaumé 50°.

A aguardente superfina é de 86° no centesimal, 34° no de Cartier, 37° no de Beaumé e 14° no de Tessa.

A aguardente fina 77° centigrados, 29° Cartier, 31º Beaumé e 10° Tessa.

E a de mesa marca 60° centígrados, 22° Cartier, 23° Beaumé e 4º Tessa.

Portanto o alcool puro não tem nada com a escala que serve para a fiscalisação.

O que eu desejo é ser informado, não é censurar, e se pergunto não é para parecer que sei; porque quando pergunto e confesso que não sei e s. ex.ª mesmo é testemunha que não raras vezes vou á sua repartição em dias consecutivos para lhe pedir informações, e sobre este assumpto corri o thesouro inteiro, e a repartição das contribuições indirectas, desde o sr. Santos Monteiro até ao ultimo empregado que julguei poder informar-me, e não achei quem me podesse esclarecer.

O sr. Adriano Machado: — Não sei se o que vou dizer será repetição do que já foi dito, porque não pude ouvir distinctamente, apesar da muita attenção que lhes prestei, os discursos do sr. Rodrigues de Freitas e do sr. Barros e Cunha. Mas a repetição, se a houver, será tão breve que não dará tempo á camara de se enfadar com ella.

Tem-se dito aqui muitas vezes que n'este projecto não se trata de estabelecer nenhum imposto novo, mas apenas de regular a fiscalisação de dois tributos já existentes creados pelo decreto com faneção legislativa, de 30 de junho de 1870 e pela lei de 27 de dezembro do mesmo anno.

Se isto assim é, digo que contra a vontade dos auctores do projecto se vae lançar sobre a aguardente destinada á exportação um direito muito superior ao que está auctorisado pela legislação vigente.

Não peço a este respeito nenhumas explicações, nem ao sr. ministro da fazenda, nem ao illustre relator da commissão, porque quaesquer que ellas fossem, não serviriam de corrigir a interpretação que se deduzirá do texto da lei, se este projecto não for modificado.

Qual é o direito que se paga pela aguardente que entrar as barreiras do Porto com destino á exportação? Até agora é o de 60 réis por decalitro que é o estabelecido pelo decreto de 30 de junho de 1870.

Mas se e6te projecto passar, esse direito será de 260 réis nos termos do artigo 2.° que esta camara já approvou, porque o artigo 4.°, tendo tido o cuidado de declarar que o vinho e geropiga destinados á exportação pagarão unicamente 60 réis por decalitro, não diz nada a respeito da aguardente que tiver igual destino, e n'este caso ficará sujeita á taxa do artigo 2.°

Não sei se alguem já fez esta observação.

Os srs. Rodrigues de Freitas e Barros e Cunha: — Já.

Página 270

270

DIARIO DA CAMARA DOS SENDORES DEPUTADOS

O Orador: — N'este caso...

O sr. Barros e Cunha: — Não é mau que se repita. (O orador não pôde ser ouvido)

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que tenha a bondade de interromper o seu discurso por um pouco, porque não póde ser ouvido. Está se tratando de uma questão de imposto, para a qual toda a attenção da camara deve ser pouca. Releve me ella isto.

(Pausa.)

Póde o sr. deputado continuar.

O Orador: — Como me declaram que as minhas considerações já foram presentes á camara, escuso de continuar, limitando me a approvar as moções que porventura hajam sido apresentadas no sentido que indiquei, e que têem de ser apreciadas pela illustrada commissão de fazenda.

Só desejo ainda declarar que se não rejeito o artigo 4.° que tributa a exportação do vinho e geropiga pela barra do Porto, é porque não se lucra nada com isso depois de ter tido approvado o artigo 2.°, cujas taxas são maiores. Protesto porém contra este imposto, que impede os nossos vinhos, mormente os vinhos verdes, de competirem na Inglaterra e no Brazil com os de outros paizes.

Este tributo parece que não foi lançado por legisladores portuguezes. Dir-se-ía inventado pelos governos francez, italiano e hespanhol para favorecerem os vinhos das suas nações, desviando a concorrencia com que os nossos os podessem afrontar.

Alguns dos nossos consules sendo interrogados pelo sr. Mendes Leal, quando ministro dos negocios estrangeiros, ácerca do que cumpria fazer para bem do nosso commercio de vinhos, responderam que emassemos de produzi los por menos preço. Para isso a receita da nossa parte foi carrega-los com um direito de cerca de 3$200 réis era pipa, isto é, com a quarta parte do seu custo!

É uma tal estulticia, que eu não a posso approvar nem approvo.

O imposto já está lançado, bem o sei, mas a illustre commissão de fazenda poderia talvez na revisão d'este artigo 4.° minorar o mal causado pela legislação vigente. Bastaria graduar o imposto de fórma, que embora os vinhos finos continuassem sujeitos á taxa do projecto, os vinhos verdes não pagassem mais do que 7 réis em decalitro. Isto seria ainda uma injustiça; mas menor do que está no projecto, porque pelo menos quanto á exportação dos vinhos verdes, a barra do Porto ficaria equiparada ás outras barras do reino.

Esta resolução, ao mesmo tempo que habilitaria estes vinhos a concorrer com os da Fiança e de outras nações nos mercados da Inglaterra e do Brazil, não produziria uma diminuição consideravel na receita da alfandega, como é facil de demonstrar. Em diversos periodos dos variados regimens a que esteve sujeito o commercio dos vinhos do Porto, a exportação annual antes da lei de 1865 era de 32:000 a 33:300 pipas. Então só os vinhos maduros podiam ser exportados pela barra do Porto. Depois a exportação subiu um pouco, chegando o anno passado, por motivo da guerra da França, a perto de 42:700 pipas; mas este algarismo não é tão extraordinario que não o vejamos igualado e até excedido era alguns dos annos em que os vinhos do Douro tinham o exclusivo da barra do Porto. D'aqui concluo eu que os vinhos que saem d'esta barra, continuam a ser, na sua quasi totalidade, os vinhos maduros. Logo, se a diminuição do imposto recaír apenas sobre os verdes, não haverá desfalque sensivel no rendimento do thesouro.

E aproveito esta ocasião para lembrar que em vez do areometro de Cartier adoptado na pauta de Lisboa, ou do areometro de Tessa por que se regula este projecto, deveriamos usar do hydrornetro de Sykes, de que se serve a Inglaterra.

O sr. Pereira de Miranda: — E tambem o Brazil.

O Orador: — São portanto as duas nações com quem temos quasi todo o nosso commercio de vinhos, aquellas que empregam este alcoometro. Era bom que o nosso fisco se regulasse tambem por elle.

Posto á votação o artigo 4.°, foi approvado.

Artigo 5.°

O sr. Barros e Cunha: — Quando me referi á classificação que se podia fazer, introduzindo nas barreiras da cidade do Porto a geropiga, contendo fraudulentamente maior quantidade de alcool do que o necessario para a sua constituição, se ficasse pagando o mesmo direito que o vinho, disse-se me que um dos artigos d'este projecto impedia que essa fraude se fizesse, e que o alcool distillado na cidade do Porto ficava pagando o real d'agua, segundo a lei de 27 de dezembro de 1870.

Para não tomar mais tempo á camara, vou pôr bem claro quaes as explicações que desejo.

Pergunto ao sr. ministro da fazenda, por exemplo, se um homem despachar 1:000 pipas de vinho para consumo, e se, por um d'estes accidentes que ordinariamente acontecem, nas molestias a que estão sujeitos os vinhos, elle adquirir algum defeito e o quizer distillar para aguardente, esse vinho está sujeito ao real d'agua a que parece sujeita-lo o artigo 5.° que vem marcado n'esta lei?!

Vejo que fica era vigor, pela nova transformação do imposto, o direito que estava estabelecido para os vinhos, aguardente e geropiga que iam para exportação; e que tambem fica em vigor o real d'agua estabelecido pela lei de 27 de dezembro de 1870! A simples enunciação d'estas minhas duvidas mostra ao sr. ministro qual é a necessidade de precisar bem o alcance que póde ter sobre a liberdade da industria particular a acção do fisco, que fica armado pelo artigo 5.° com o direito de lhe impor duas contribuições!!

Quererá o sr. ministro responder? Não sei; que o deve fazer não tenho duvida nenhuma em o affirmar. Porém, como ordinariamente não se faz mais nem menos do que aquillo que convem, posto que talvez não convenha ao sr. ministro dar uma resposta que me esclareça a mim, em nome dos industriaes que se possam applicar á distiliação dos vinhos que entrarem pelas barreiras do Porto, espero que o sr. ministro explique perfeitamente se este é um artigo que seja necessario na lei para proteger os interesses da fazenda, ou, se por acaso, é uma arma que vae ser collocada nas mãos dos agentes fiscaes para vexar os contribuintes (apoiados).

O sr. Ministro da Fazenda: — Respondendo ao illustre deputado que acaba de fallar, farei uma mui breve reflexão.

Se a hypothese figurada pelo illustre deputado suppõe, como me parece, modificação de imposto, s. ex.ª deve saber que todo o contribuinte tem o direito de reclamar Cintra as injustiças do fisco para a direcção geral das contribuições directas (apoiados).

O sr. Barros e Cunha: — Se eu tinha duvidas a este respeito, o sr. ministro da fazenda veiu justificar que essas duvidas tinham um fundamento tal, que nem mesmo s. ex.ª se julgou habilitado para responder, porque eu não posso tomar como resolução da minha duvida o direito que tem o contribuinte de reclamar contra as injustiças do fisco pela direcção geral das contribuições indirectas.

Pois póde a camara dos deputados, que vem aqui representar os interesses do povo, votar um artigo de uma lei que leva em si implicitamente a origem, o germen de uma quantidade de incommodos, de vexames, de recursos e de despezas, ordinariamente impotentes contra a acção fiscal?

Eu não sei como a camara possa aceitar esta explicação dada pelo sr. ministro da fazenda; vote se a lei, e a respeito do seu alcance e da sua importancia, lá está a direcção geral das contribuições indirectas.

Mas eu digo ao sr. ministro da fazenda que o contribuinte tem direito de recorrer quando a legislação não for applicada na letra nem no espirito do legislador que a votou; mas votar uma lei, com o elemento implicito e expli-

Página 271

271

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cito pelas declarações do poder executivo, de que o interesse individual não lhe merece muita attenção e que deixam a este o direito de lutar com o poder fiscal, é isto que se não póde admittir; não se admitte em parte nenhuma.

E todos nós sabemos que a acção individual contra a voracidade do fisco e contra a sua intractabilidade, em todos os paizes é insuficiente, é debil, é fraca, é inutil (apoiados), mas no nosso paiz é absolutamente impossivel. Não ha recurso nenhum, não ha solução nenhuma.

O particular paga por exemplo indevidamente uma contribuição. Recorre á direcção geral das contribuições directas, gasta annos e annos, faz uma despeza immensa, e ultimamente custa-lhe mais a portaria destinada a indemnisa-lo, do que a importancia mesmo da indemnisação.

Pois póde consentir-se similhante cousa? É absolutamente impossivel.

Em Inglaterra, que é o typo do poder e da acção dos direitos individuaes, acontece quasi sempre que quando ha uma contestação entre um particular e o fisco, o particular fica sempre mal.

E a proposito mesmo de materia identica aquella que discutimos, a proposito da escala alcoolica, succedeu ali um facto muito importante, que eu n'esta occasião vou contar á camara.

Houve um particular que despachou uma certa quantidade de pipas de vinho pela graduação que na alfandega lhe foi estabelecida. Distillou o vinho e pediu á alfandega que mandasse um agente seu assistir á distillação, e tendo pago 64 libras de direitos correspondentes á força alcoolica do vinho, a machina mais aperfeiçoada deu-lhe apenas a quantidade necessaria para corresponder a 13 libras de direitos.

D'aqui tirou elle argumento para reclamar o excesso, isto é, 51 libras. Ainda hoje existe pendente esse processo, que eu tenho seguido com todo o cuidado, porque tem por fim demonstrar que o systema adoptado em Inglaterra para proteger o imposto sobre as bebidas alcoolicas e fermentadas, é muito superior ao que é necessario para a protecção do mesmo imposto.

Ora imagine v. ex.ª que todos os dias nós vemos arestos no conselho geral das alfandegas, contra os quaes protestam os particulares a que se referem. E é para ahi que nós havemos de deixar a interpretação de um artigo para o qual é pedido o nosso voto? Eu não posso dar o meu voto a similhante jurisprudencia. Isso seria transferir para aquelle conselho as funcções que a carta confere ao corpo legislativo. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Dias Ferreira (para um requerimento): — Pedia a v. ex.ª que consultasse a camara sobre se queria passar á segunda parte da ordem do dia. V. ex.ª sabe que a discussão sobre a eleição de Arganil tem ficado cortada, eu desejava concluir hoje o meu discurso, e portanto faço este requerimento a v. ex.ª

Posto á votação este requerimento, foi approvado.

Passou-se portanto á

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Dias Ferreira para continuar o seu discurso.

O sr. Dias Ferreira: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara, sem desconhecer a gravidade das questões de fazenda e de administração, considera como base fundamental do systema representativo a independencia dos differentes poderes politicos, reconhecidos na constituição do estado, e o respeito por todas as liberdades individuaes e publicas; reprova a jurisprudencia eleitoral e administrativa consignada na portaria circular de 19 de julho de 1845; e passa á ordem do dia.

Sala das sessões, 19 de agosto de 1811. = José Dias Ferreira.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — A camara votou hoje que a primeira sessão depois da actual o as mais que se seguissem d'ahi por diante durem cinco horas, resolvendo tambem, pela approvação de uma moção do sr. visconde de Montariol, que a primeira chamada se faça ao meio dia, quer dizer, que a abertura dos nossos trabalhos seja ao meio dia. Convido portanto os srs. deputados a estarem presentes a essa hora, para que as sessões possam durar desde o meio dia até ás cinco horas inclusivè.

A ordem do dia para a sessão seguinte é a mesma que estava dada para hoje, tanto na primeira como na segunda parte.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e tres quartos da tarde.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×