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Sessão de 25 de abril de 1879
Presidencia do ex.mo sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva
Secretarios - os srs. Antonio Maria Pereira Carrilho
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita
SUMMARIO
Teve segunda leitura e é approvada uma proposta do sr. Rodrigues de Freitas, suscitando o cumprimento do artigo 8.° da lei de 16 de julho de 1855, ácerca (lo inventario judicial dos bens da coroa. — Na ordem do dia continua a discussão na especialidade do parecer n.° 81 (orçamento), sendo approvado depois de alguma discussão, o capitulo 1.°, dos encargos geraes; dotação da familia real; e o capitulo 2.°, edites; fica pendente a discussão do capitulo 3.°, juros e amortisações a cargo do thesouro.
Abertura — Á uma hora e tres quartos da tarde.
Presentes á chamada 50 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Machado, Agostinho Fevereiro, Tavares Lobo, Gonçalves Crespo, Avila, Lopes Mendes, Carrilho, Pinto de Magalhães, Fuschini, Pereira Leite, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Cazimiro Ribeiro, Diogo de Macedo, Emygdio Navarro, Firmino Lopes, Francisco Costa, Sousa Pavão, Frederico Arouca, Paula Medeiros, Palma, Freitas Oliveira, Costa Pinto, Brandão e Albuquerque, Scarnichia, Barros e Cunha, João Ferrão, Sousa Machado, Alves, Frederico Laranjo, Frederico Costa, Namorado, Rodrigues de Freitas, Borges, Sá Carneiro, Luiz de Bivar, Luiz Garrido, Faria o Mello, Pires de Lima, Alves Passos, Aralla e Costa, Nobre de Carvalho, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Jacome, Visconde de Sieuve de Menezes.
Entraram durante a sessão — Os srs.: Adolpho Pimentel, Osorio de Vasconcellos, Alfredo Peixoto, Braamcamp, Torres Carneiro, Pereira de Miranda, A. J. Teixeira, Mendes Duarte, Barros o Sá, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Saraiva de Carvalho, Victor dos Santos, Avelino de Sousa, Conde da Foz, Costa Moraes, Goes Pinto, Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Francisco de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Gomes Teixeira, Pereira Caldas, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, Jeronymo Pimentel, Jeronymo Osorio, Almeida e Costa, Dias Ferreira, Tavares de Pontes, Figueiredo de Faria, José Luciano, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Pereira Rodrigues, Sousa Monteiro, Mello Gouveia, Barbosa du Bocage, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Almeida Macedo, Freitas Branco, Manuel (D'Assumpção, Correia do Oliveira, M. J. Gomes, M. J. Vieira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Pedro Carvalho, Pedro Roberto, Thomás Ribeiro, Visconde da Aguieira, Visconde de Alemquer, Visconde do Andaluz, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Balsemão, Visconde de Moreira de Rey, Visconde do Rio Sado.
Não compareceram á sessão — Os srs.: Carvalho e Mello, Fonseca Pinto, Alfredo de Oliveira, Alipio Leitão, Emilio Brandão, Arrobas, Pedroso dos Santos, Bernardo de Serpa, Carlos de Mendonça, Moreira Freire, Fortunato das Neve3, Mesquita o Castro, João de Carvalho, Melicio, J. A. Neves, Ornellas de Matos, Pires de Sousa Gomes, José Guilherme, Teixeira de Queiroz, Taveira de Carvalho, Rocha Peixoto, M. J. de Almeida, Macedo Souto Maior, Miranda Montenegro, Pedro Barroso, Ricardo Ferraz, Rodrigo de Menezes, Visconde de Villa Nova da Rainha.
Acta — Approvada.
EXPEDIENTE
Officio
Da camara municipal de Belem, convidando os srs. deputados a assistir ao Te-Deum mandado celebrar por aquella camara na igreja parochial de Nossa Senhora da Ajuda, no dia 27 do corrente, pelas onze da manhã, em acção do graças pelo feliz restabelecimento do Sua Magestade a Rainha.
Inteirada.
Participação
Participo que tenho faltado ás ultimas sessões por incommodo de saude. — Manuel José Vieira.
Requerimentos
1.° Requeiro que a esta camara, sejam enviada, pela secretaria do ultramar, as seguintes informações: 1.ª Numero de parochias vagas.
2.ª Rendimento de bens proprios de cada bispado, prelazia, cabido e parochia.
3.ª Importância do pé de altar e mais rendimentos parochiaes de cada freguezia.
4.ª Relação numerica dos alumnos que em cada um dos seminarios concluiram o curso theologico com aproveitamento nos tres ultimos annos lectivos, e destino dado a esses alumnos depois de concluida a sua ordenação.
Sala das sessões, 25 de abril de 1879. = Pires de Lima.
A expedir com urgencia.
2.° Por parte da commissão de guerra mando para a mesa o requerimento de Manuel Pereira de Almeida, capitão reformado, a fim de ser enviado ao governo para que se sirva informar a commissão ácerca d'esta pretensão. = Antonio José d'Avila, secretario.
O sr. Presidente: — Tenho a satisfação de annunciar á camara que Sua Magestade El-Rei se dignou dizer ao sr. segundo secretario, o sr. Ferreira de Mesquita, que Sua Magestade a Rainha continuava muito bem.
SEGUNDA LEITURA
Teve segunda leitura a seguinte proposta do sr. Rodrigues de Freitas.
«A camara dos deputados da nação portugueza confia em que será immediatamente cumprida, em toda a sua extensão, o artigo 8.° da lei de 16 de julho de 1855 ácerca do inventario judicial dos bens da corôa de Portugal. — Rodrigues de Freitas.»
O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): Pedi a palavra unicamente para dizer, ratificando o que hontem já disso a este respeito, que de facto não existe este inventario e que me parece muito conveniente que a elle se proceda.
O sr. Rodrigues de Freitas: — Pedi a palavra unicamente para declarar que estou de accordo completamento com o que o sr. ministro da fazenda acaba de dizer, isto é, que julgo muito conveniente que se faça quanto antes esse inventario.
Posta á votação a proposta foi approvada.
O sr. Mariano de Carvalho: — Desde já peço a V. ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro da justiça, por causa do negocio para que hontem chamei a attenção da camara, e o qual pedi ao sr. ministro da fazenda que communicasse a s. ex.ª
Agora, porém, devo perguntar ao sr. ministro da fazenda se, porventura, por parte do governo, pede dar-nos algumas explicações que tranquillisem a camara e o paiz, a respeito de algumas noticias que vejo nos jornaes da Africa e da capital, relativamente ao estado da provincia de Moçambique.
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N'um jornal que se publica em Lisboa, As novidades, lê-se o seguinte no seu numero do bojo. (Leu.)
E acrescenta o seguinte, que tambem já vi n'outro jornal, do cujo nome não me recordo. (Leu.)
D'esta noticia, e de outras que tenho visto publicadas em jornaes de Lisboa e da Africa, parece deprehender-se que Antonio Vicente da Cruz, vulgo o Bonga, que já nos creou gravissimas difficuldades na Zambezia, tem, ou directamente ou por meio do regulos e chefes que reconhecem a sua influencia, preparado uma tal ou qual organisação militar e fortificado certos pontos, podendo, portanto, n'um futuro mais ou menos proximo, crear-nos difficuldades iguaes, senão superiores, aquellas que tanto custaram a vencer, e que a final terminaram, diga-se a verdade, porque o proprio Bonga se quiz submetter.
Isto e o que dizem os jornaes.
Eu não tenho meio nenhum de saber se estas noticias são exactas ou não são exactas.
Por um lado é certo que entre as populações cafres da Africa oriental corre um movimento de independencia que parece tender a subleval-as contra o dominio europeu, e por consequencia os factos a que so referem os jornaes da Africa podem ter relação com o que se passa em outros pontos mais afastados, como, por exemplo, o paiz dos zulus, onde, repito, parece que a raça indígena quer levantar o collo contra o dominio europeu, mas por outro lado póde tambem acontecer, como muitas vezes acontece, que estas noticias sejam meramente, já não digo para armar ao effeito, mas arranjadas para servir os interesses pessoaes que lucram com a guerra ou com a ameaça d'ella.
Em todo o caso creio que, se o sr. ministro da fazenda nos poder dar algumas informações, ou se quizer convidar algum dos seus collegas que o possa fazer a vir a dal as, fará com isso um bom serviço ao paiz, porque acalmará a anciedade que o parlamento não pôde deixar de sentir por ver ameaçada a segurança do uma parte importantissima das nossas colonias.
V. ex.ª vê perfeitamente que eu não estou fazendo accusações ao governo nem tomando a responsabilidade d'estas noticias.
Eu peço só ao governo que dê informações á camara a respeito da situação da Zambezia.
Peço-lhe só que diga se estas noticias são ou não verdadeiras, o n'este caso se está disposto a acudir com providencias promptas aquella provincia, para que depois não nos custe tanto a vencer as difficuldades como nos custou em outra epocha.
E o que tenho a dizer a este respeito.
Agora peço que o sr. ministro da fazenda haja por bem exhortar o sr. ministro das obras publicas a que haja por bem mandar a esta camara alguns documentos que eu já pedi -a respeito das obras publicas no Algarve, e principalmente a respeito da celebre estrada de Tavira a Martim-Longo, e ácerca dos caminhos de ferro do norte e lesto.
Desde que a camara se constituiu, eu pedi a s. ex.ª esclarecimentos ácerca da estrada de Tavira a Martim-Longo, esclarecimentos que existem necessariamente no ministerio das obras publicas, mas estamos no fim do abril ainda não appareceram esses esclarecimentos.
Pedi tambem esclarecimentos que s. ex.ª não podia ter duvida em mandar, porque já mandou outros, e são as participações dos fiscaes do governo, junto da companhia dos caminhos de ferro do norte e lesto, sobre o estado d'aquella linha.
Todos sabem que o anno passado foi assignalado por um desastre, quasi sem exemplo na historia da exploração das linhas ferreas portuguezas, que teve logar n'aquella linha. E preciso revelar perante o paiz, tanto a responsabilidade do governo como a da companhia a respeito da situação em que se acha a linha, mas para isso é indispensavel que o sr. ministro das obras publicas mande os documentos que são necessarios. São documentos originaes, é verdade, mas poucos dias se podem demorar na camara. Seguramente o governo e o paiz não podem querer que esta sessão legislativa se encerre sem que se averigue o que ha de verdade ácerca do estado d'aquella linha ferrea, e ácerca da responsabilidade do governo o da companhia n'um negocio que diz respeito, não só aos interesses, más á vida dos cidadãos. (Apoiados.)
E assumpto que não póde ser descurado; mas para poder ser tratado é necessario que o sr. ministro das obras publicas mande 03 documentos.
Peço, pois, ao sr. ministro da fazenda, nos melhores termos possiveis, que se digne recommendar ao seu collega das obras publicas que mande os documentos, que são essenciaes para podermos cumprir o nosso dever e desempenhar o nosso mandato.
O sr. Ministro da Fazenda: — O que posso dizer ao illustre deputado é que até hontem á noite não havia nenhuma noticia official a respeito do alteração de ordem publica na provincia do Moçambique. Mais que isso, havia um officio do governador d'aquella provincia dando-a em completo socego.
E a unica informação que posso dar ao illustre deputado.
Darei parte ao meu collega das obras publicas dos desejos do illustre deputado de que sejam mandados os documentos a que se referiu.
O sr. Mariano de Carvalho: — O sr. ministro da fazenda não póde saber do todas as minúcias dos negocios do ultramar, porque não correm pelo seu ministerio.
Os jornaes a que me referi não dizem que se tinha perturbado a ordem publica em Moçambique, ou mesmo em qualquer ponto d'aquella provincia; dizem que um homem, que já nos causou serios embaraços n'aquella provincia, se prepara com fortificações, armas e corpo militar para mais dia menos dia nos causar seriíssimos embaraços.
E sobre isso que desejo saber se o governo tem algumas informações.
Que a ordem publica se tenha perturbado não consta dos jornaes, mas parece que dizem que se preparam poderosos elementos perturbadores da ordem publica.
Eu unicamente desejo que s. ex.ª recommende ao sr. ministro da marinha, que n'um dia proximo appareça n'esta camara e dê a este respeito as explicações que julgar convenientes.
O sr. Ministro da Fazenda: — O officio que eu vi do governador d'aquella possessão, não se referindo em cousa nenhuma ao que o illustre deputado acaba do dizer, e dizendo que havia socego em toda a provincia, faz-me crer que, pelo menos n'aquella occasião, não existiam ali receios do perturbação da ordem publica.
O sr. Alves Passos: — Mando para a mesa uma representação da commissão recenseadora do concelho de Amares, pedindo que sejam alongados os prasos para se verificar o recenseamento eleitoral, porque pelo modo por que estão estabelecidos não é possivel aquella commissão desempenhar as suas funcções.
Pede que a eleição da commissão tenha logar em 20 de dezembro, e a sua installação em 2 do janeiro.
Peço a V. ex.ª que dê o destino competente a esta representação, o que se sirva mandal-a publicar no Diario da camara. É muito resumida.
Já apresentei outra representação no mesmo sentido, e não pedi que fosse publicada no Diario da camara; mas, como posteriormente têem sido publicadas outras, peço que tambem esta o seja,
O sr. J. J. Alves: — Mando para a mesa um requerimento dos escripturarios de fazenda dos tres bairros de Lisboa, que mais uma vez recorrem ao parlamento, tomando como exemplo o que se procede com os amanuenses da camara municipal do Lisboa, a cargo de quem está o pagamento dos ordenados, requerem que os vencimentos que
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actualmente têem de 180$000 réis sejam elevados a réis 300$000.
Os supplicantes adduzem n'este requerimento varias considerações, e apresentam ao mesmo tempo um mappa demonstrativo, pelo qual elles pretendem corroborar a justiça que assisto ao seu pedido.
Peço á illustre commissão, a quem vae ser submettido este requerimento, o tome na devida consideração, e bem assim uma outra petição, que tambem aqui foi apresentada, dos empregados da repartição de fazenda do districto do Porto, que desejam ser equiparados aos do governo civil da mesma cidade.
Conheço a difficuldade que a camara tem em attender a tantos pedidos d'esta natureza; mas V. ex.ª, e a camara, tambem não ignoram que nenhum deputado póde eximir-se ao cumprimento de um dever, qual é de pugnar n'este logar pelo interesso d'aquelles que são menos favorecidos da fortuna, o que desejam por consequencia que se lhes melhore o seu futuro, o a que lêem direito como membros da familia portugueza.
O sr. Diogo de Macedo: — Mando para a mesa o seguinte requerimento:
(Leu.)
Se estivesse presente o sr. ministro das obras publicas chamaria a sua attenção para o estado lastimoso em que se acha a estrada da Regua a Villa Real, que não offerece a minima condição de viação regular; por isso seria muito conveniente que o sr. ministro providenciasse com brevidade no sentido de a melhorar.
Leu-se na mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, sejam enviadas a esta camara:
1.° Uma nota da despeza feita com a construcção da 5.ª secção do caminho de ferro do Douro.
2.º Uma relação dos ordenados e de todas as gratificações concedidas aos engenheiros chefes de secção do mesmo caminho de ferro. — Diogo de Macedo.
Mandou-se expedir.
O sr. Costa Pinto: — Mando para a mesa este requerimento. (Leu.)
Aproveito a occasião para declarar a V. ex.ª, que não pude comparecer a algumas sessões por motivo de doença gravissima de pessoa de familia.
Leu-se na mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada a esta casa nota circumstanciada da maneira como o imposto do pescado é cobrado nos districtos de Aveiro e de Lisboa. = Jayme Arthur da Costa Pinto.
Foi mandado expedir.
O sr. Emygdio Navarro: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Ponte do Sor, em que pede a revogação do artigo 32.° da lei de 2 de julho de 1867, ou que, de accordo com o artigo 127.°, n.° 6.°, do codigo administrativo, se torne despeza obrigatoria dos concelhos capitães dos districtos a sustentação dos corpos de policia civil.
Por esta occasião permitta-me V. ex.ª que chame a attenção do governo sobre este assumpto.
Parece-me de maxima urgencia que se trate quanto antes de regular este serviço. (Apoiados.)
O sr. Ferreira de Mesquita: — Poderia parecer estranho, tendo eu a honra de representar n'esta casa a provincia de Moçambique, ficar silencioso, quando se allude a factos como áquelles a que se referiu o illustre deputado, o sr. Mariano de Carvalho.
A mim, mais do que a ninguem, corria o dever de inquerir do assumpto, e de conhecel-o, portanto, já, ou ignorando-o ainda, perguntar por elle agora.
Eu li tambem o que s. ex.ª acaba de ler á camara; mas não me fez a desagradavel impressão que causou de certo no espirito do sr. deputado, porque anteriormente já tinha recebido informações particulares, que julgo fidedignas e que contradizem completamente o que n'aquelle jornal se assevera.
Estava, pois, tranquillo a tal respeito.
Sei tambem que officialmente vieram informações n'este mesmo sentido, mas ao sr. ministro da marinha compete communical-as á camara.
É quanto julgo sufficiente dizer para socegar o espirito, naturalmente sobresaltado, do illustre deputado, que tão solicitamente se interessa pelos acontecimentos de Moçambique.
Posso assegurar a V. ex.ª e á camara que as informações particulares que recebi, o a que me refiro, são de todo o ponto dignas do credito, e affirmam inclusivamente que Antonio Vicente da Cruz, o Bonga, ao contrario do que narra o jornal, se acha actualmente pobríssimo e desamparado de todo o auxilio, que podia tornai-o incommodo para nós.
Por isto se vê que as noticias que tenho são absolutamente em desmentido ás que s. ex.ª acaba do ler á camara.
Nada mais me parece necessario dizer, esporando que o sr. ministro da marinha, quando esteja presente, o leia um officio que lhe foi dirigido, mostrará que o sr. deputado Mariano de Carvalho não tem, felizmente, rasão de tremer pela sorte da provincia que eu represento.
O sr. Scarnichia: — Mando para a mesa um requerimento, o peço a V. ex.ª que o mande expedir com a possivel brevidade.
E o seguinte:
Requerimento
Requeiro que seja enviado á commissão de guerra o requerimento, com os documentos que o acompanham, do major Bernardo Celestino da Costa Pimentel, commandante do 3.° batalhão do regimento do ultramar, apresentado na sessão de 1878 pelo sr. deputado Palma. = João Eduardo Scarnichia.
Mandou-se expedir.
ORDEM DO DIA
Continua a discussão do orçamento — capitulo 2.° da junta do credito publico
O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia. Continua a discussão do artigo 1.° do capitulo 2.° do orçamento geral do estado, e tem a palavra, para continuar o seu discurso interrompido na sessão do hontem, o sr. Rodrigues do Freitas.
O sr. Rodrigues de Freitas: — No breve relatorio do projecto que hontem li á camara fallava eu das deploraveis circumstancias em que se acha o paiz; sem querer repetir o que foi dito por varios oradores, desejo apresentar mais alguns argumentos para mostrar que, com effeito, o estado da nação' é tal que reclama dos srs. deputados e do governo o maior cuidado, a maior attenção.
Ha uns poucos de factos que me levam a consideral-o assim; não é sómente a grandeza do deficit o da divida fluctuante que me inspira cuidados; vejo tambem pela estatistica dos bancos, que em 1875 era de cerca de réis 28.000:000$000 réis o desconto de letras, e que em 31 de dezembro do 1878 estava unicamente em 18.000:000$000 réis.
Tinha havido uma diminuição de 10.000:000$000 réis! As notas em circulação diminuiram tambem consideravelmente; passaram do 4.767:000$000 réis que representavam em 1875, a 4.095:000$000 réis em 1878; isto é, houve uma contracção, n'esta expressão do credito, de réis 672:000$000.
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Não quero dizer que estes factos denotem que a crise se aggrava; ninguem ainda póde asseverar, examinando as estatisticas dos bancos, se proximamente uma crise devastará o paiz, ou se, pelo contrario, estamos no fim da liquidação d’ella.
E certo que os movimentos de credito obedecem a uma lei, como todos os phenomenos da vida social; porém, apesar das investigações numerosas a este respeito, ainda se não sabe até onde o decrescimento do desconto das letras, o augmento da reserva, e, ás vezes, o decrescimento das notas, deverão ir, para que a crise se liquido; comtudo é certo que o desconto das letras e a circulação baixaram muito do que oram em 1875.
E se passando d'estes factos, que já por si são importantes, a examinar as estatisticas dos caminhos do ferro não só n'estes tres ultimos mezes, mas tambem em todo o anuo anterior, veremos que tem havido diminuição não só no numero de passageiros, mas no peso das mercadorias transportadas por essas vias do communicação.
Quanto a importação e exportação, a camara já sabe que o desiquelibrio d'ella não é menos para nos inspirar cuidados. E não é preciso pertencer á escola chamada do systema mercantil para que esses cuidados nasçam. A escola mercantil, embora fosse refutada nos seus principios fundamentaes conforme ella os estabelecia, tom uma parte de verdade quando posta á luz da theoria do commercio dos metaes preciosos.
Ora, examinando a estatistica da importação e exportação, e escuso de expor á camara os factos, acho tambem signaes de que com effeito o nosso commercio tem declinado. E se passarmos para um phenomeno que está em intima relação com a corrente do entrada o saída do mercadorias, as transacções cambiaes, temos a confirmação do que. disse ácerca do mau estado do paiz.
E verdade que o governo nos affirmou que já no anno economico findo a receita do estado cresceu, porém o mais importante acrescimo tem sido nos impostos indirectos; infelizmente, a entrada dos cereaes explica, em grande parto, o augmento da receita,
Ha alfandega municipal do Lisboa no anno do 1878 o rendimento foi.
(Leu.)
No relatorio do sr. ministro da fazenda diz-se, que o «augmento do imposto indirecto é do seiscentos e tantos contos; vê-se, pois, que só pela alfandega de Lisboa se cobrou a maior n'um anno civil, um terço d'essa somma por entrada de cereaes.
Ora, este anno não vão melhor, creio eu, para a agricultura, do que o anno anterior. Todos estes phenomenos reunidos contribuem para me parecer que o estado da fazenda é gravo, gravissimo. (Apoiados.)
Está questão não é do ministerio; está questão nem é exclusivamente do partido constituinte, nem do partido progressista nem do partido regenerador, que hão sei se ainda existe, não é do partido republicano; não é do nenhum partido.
(Interrupção.)
Eu acredito que existo um partido fontista, mas não o regenerador. (Interrupção.)
Certamente. Mas os partidos organisam-se segundo idéas; e eu dizendo á camara que acredito que existo um partido fontista, mostro o respeito que tenho pelas altas qualidades do sr. Fontes. Mas s. ex.ª não pôde arrogar a si as glorias do partido regenerador.
Sejamos francos.
Onde está a voz eloquente de José Estevão, que foi de certo um dos membros mais notaveis do partido regenerador?
Onde estão duas espadas brilhantes que militaram n'esse partido; a espada do duque da Terceira, é a do duque de Saldanha?
Onde está Joaquim Antonio de Aguiar? Onde Rodrigo da Fonseca? Ainda mais.
Sabemos que o sr. Mártens Ferrão, um dos mais distinctissimos jurisconsultos d'este paiz, fez na camara alta declarações taes, que não se pôde dizer que s. ex.ª pertença hoje a um determinado partido.
A camara sabe tambem que um dos mais notaveis talentos d'este paiz, um dos oradores parlamentares mais distinctos, um homem que mostrou no poder as suas grandes qualidades de estadista, o sr. conde do Casal Ribeiro, saíu do partido que se diz regenerador.
Por consequencia eu entendo que o chamado partido regenerador já não pôde ter este nome.
Nem sei se ainda outro grande parlamentar, cujo nome escuso dizer, é inteiramente ministerial.
Em vista d'estes factos, alheiados todos estes individuos, cuja alta consideração, cujos altos talentos a camara não desconhece, cuido que me assiste o direito do dizer que hoje não existe, o partido regenerador, o que existe apenas o partido fontista.
Poderão objectar-me que não basta a perda do membros muito notaveis para que um partido morra; dir-me-hão que é necessario mostrar tambem que os principios defendidos são taes, que não podem ser de per si programma de um partido.
Ora o regenerador considera-se como aquelle que especialmente cuida dos melhoramentos materiaes; ainda recentemente na camara alta, o sr. Fontes, occupando-se d'isto, considerou como sua principal gloria os melhoramentos materiaes; e até, comparando se a Colombo, disso que não tinha feito mais do que collocar o ovo. S. ex.ª foi muito modesto; considerou menor, do que realmente é, a influencia que tem tido no desenvolvimento material do paiz; eu não nego que o sr. Fontes tenha contribuido poderosamente, por exemplo, para a realisação dos caminhos do ferro em Portugal; mas hoje allegar os melhoramentos materiaes como servindo para programma de partido, allegar esses melhoramentos como sendo o facto mais importante d'elle; eis o que não se póde admittir, porque não ha partido algum que não lenha como artigo do seu programma os melhoramentos materiaes; não ha partido algum que os não tenha realisado. (Apoiados.)
Quando ouço elogiar tanto esses melhoramentos realisados pelo governo actual, attribuo,.por causa d'elles, tanta importancia ao gabinete, como poderia attribuir ao chimico que quizesse apresentar-se como notavel só por acceitar as primeiras conquistas que Lavoisier fez para a chimica moderna; ou ao astrónomo que dissesse: sou distincto dos outros sabios, porque acceito as leis de Kepler; ou ao que, por não admittir como presidindo aos phenomenos da vida uma serie de seres occultos, quizesse ser biólogo distincto.
Não creio, pois, que haja rasão para dizer que o partido regenerador ainda existe.
E já que fallei de melhoramentos materiaes, provocado por um áparte do meu antigo condiscípulo e amigo, o sr. Pereira Leite, devo dizer á camara que estranho tambem que se haja attribuido tão grande importancia aos caminhos de ferro mandados construir pelo partido fontista. Não só provam má administração, não só provam que a despeza foi muito maior do que podia ser, não só provara que se levantou dinheiro de um modo illegal, mas tambem que se não obedeceu a um bom plano geral. E tudo isto pôde concorrer para que n'este paiz se crie novamente, não uma opinião completamente contraria aos caminhos de ferro, mas um pouco contraria a elles; é possivel que muitas pessoas, não distinguindo bem entre os erros. d'este ministerio e as vantagens que se tiram das linhas ferreas, venham a ser adversas ao que tanto pôde contribuir para engrandecimento do paiz, como são as vias de communicação accelerada; e cumpro ainda notar que a media annual de kilometros de via ferrea, construidos por este ministerio, é
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muitissimo inferior à dos construidos pela companhia real dos caminhos de ferro portuguezes desde 1860 até 1864.
Aqui tem a camara como eu não posso deixar de considerar o partido, hoje chamado regenerador, como sendo só o partido fontista.
E, sem querer desenvolver mais o que tenho dito, direi ao illustre deputado que a altitude tomada, por esta camara parece mostrar que não ha grande intimidade entro o governo o a maioria, como era conveniente que houvesse; eu estimo mais uma politica definida o franca, ainda que seja má, do que estimo o estado actual do governo.
Agora, depois de responder aos ápartes que me foram dirigidos, e parecendo me que mostrei, ainda que muito resumidamente, que o estado do paiz é grave, gravissimo, que merece todas as nossas attenções, como não hei de julgar conveniente que se realisem tantas quantas economias for possivel?
E quando se trata de economisar convem que o exemplo venha do alto.
Vejamos quanto recebe a casa real.
Se olharmos só para este capitulo da dotação, pôde se pensar que despendemos unicamente 572:000$000 réis; mas se examinarmos miudamente o orçamento, e os resultados de diversas leis, vemos que o que nos gasta a familia real é quantia muito superior a esta.
Assim lemos:
Dotação da familia real 572:000$000 réis; juros das inscripções da corôa de Portugal 52:000$000 réis.
E n'esta occasião devo declarar a rasão por que pedi o inventario dos bens da corôa, que são fruidos pelo Rei de Portugal, mas que pertencem á nação. As leis são expressas a esse respeito, porque fallam de fruição, e não de propriedade; fique bem assente o que acabo do dizer.
No inventario dos bens da corôa de Portugal devem estar inventariados, não só os bens immoveis, mas todos os diamantes da corôa, todos os bens moveis.
Não ha, todavia, inventario; é lastimavel o facto, e dizendo que é lastimavel, eu faria mal se não acrescentasse que a casa real tem um administrador (o só quando eu poder dizer alguma cousa em honra de individuos que estão ausentes, é que fallarei n'elles); a casa real tem um administrador actualmente, que no desempenho de variados cargos tem dado provas de grande probidade, de grande actividade e intelligencia; (Apoiados.) mas não se traia de apreciar a probidade do ninguem; os proprios réis são inferiores á lei; trata-se do saber se a lei foi cumprida; não o foi.
A camara sabe que um facto recente, noticiado pelos jornaes, podia levar a suppor que, contra a vontade da melhor administração d'estes bens, que são nacionaes, qualquer objecto se perdesse; e passo a narrar á camara um facto da administração da casa de Bragança, o qual prova que qualquer que seja a boa vontade de administrar, ás vezes se perdem objectos preciosos, ou se faz d’elles um uso indevido; e para serenar V. ex.ª, que de certo quer dar ao meu discurso a maior attenção, a fim do que eu não profira palavra alguma que não deva ser pronunciada n'este recinto, assevero que as palavras que vou ler são de um documento publico, do um documento saído ha poucos annos do ministerio do reino.
Vou mostrar o que se fez das armaduras dos duques de Bragança:
«Ha tempo, a pretexto do economia de uma gratificação do 240 réis, que se dava a um guarda no palacio de Villa Viçosa, se tinham vendido em hasta publica as riquissimas e formosas armaduras dos duques do Bragança, a titulo de ferro de sucata, e a preço de 10 réis o kilogramma (!), comprando as melhores um serralheiro, para uso do seu mister, e recolhendo se o resto como cousa inutil, e na maior dosordem, a armazens do estação publica.»—(Acta n.° 2 da commissão nomeada por decreto de 10 de novembro de 1875 para propôr a reforma do ensino artístico e organisação do serviço dos museu?, monumentos historicos e archeologia.
Tendo-se dado este facto com armaduras preciosas, que eram objectos de arte, quanto cuidado não deve haver no inventario dos bens da corôa de Portugal? E mais estranhavel é que esse inventario não se tivesse feito, quando á certo que, segundo varias leis, se venderam muitos diamantes da corôa, e se inverteram em inscripções, que deviam ser substituidas no inventario a esses diamantes.
Ha quem diga que a dotação real não póde ser augmentada, nem diminuída; pois foi já acrescentada, por isso que as inscripções, em que se inverteram os diamantes da corôa, dão 52:000$000 réis, que são recebidos por El-Rei.
Por estas rasões é que eu disse que á dotação da familia real não é sómente a que vem no respectivo artigo do orçamento, mas sim muito maior.
Com a guarda real dos archeiros gastam-se 3:500$000, réis; com officiaes ás ordens do El-Rei, pelo ministerio da guerra, 9:400$000 réis; com officiaes ás ordens, pelo ministerio da marinha, 3:000$000 réis.
Tudo isto excede 640:000$000 réis, quantia que me parece demaziada para o alto, o importante, e grave officio de reinar.
Eu pedi ha muitos dias que fosse mandada a esta camara uma conta das despezas feitas com os paços reaes; e assim como não tem sido mandados outros documentos por mim pedidos, tambem aquelle não foi remettido á camara.
Não posso, portanto, saber a quantia que tem sido gasta nos paços reaes; ha annos a verba de 6:000$000 réis tem sido sempre entregue á casa real para, segundo uma lei vigente, serem reparados e melhorados os paços; mas entregando-se d'este modo, parece-me que não se satisfaz aos preceitos legaes, nem ao que se encontra em um dos artigos da carta constitucional; e tem-se gasto ás vezes mais do que os 6:000$000 réis, não sei porque lei.
O sr. Fontes Pereira do Mello já disse n'esta casa, que a contabilidade, qual existe no nosso paiz, não é de modo que possamos bem averiguar o que se gasta; applico ás despezas com os paços a observação feita por s. ex.ª
Sr. presidente, o officio de reinar é gravo o importantissimo, mas por ser grave e importantissimo não deixa do ser um cargo cuja remuneração está sujeita a considerações analogas ás que se podem fazer quanto ao pagamento do qualquer outro trabalho.
Não espere a camara de mim, que sou republicano, allusões que possam melindrar qualquer pessoa ausente. Não espero da minha parte nenhuma d'aquellas declamações vãs que compromettem a causa da republica em vez do servirem para beneficio d'ella; nenhuma d'aquellas declamações que, evocando mal os factos historicos, pretendem pintar todos os actos dos réis com negras côres.
Tem havido bons e maus réis, assim como tem havido bons e maus republicanos.
Eu trato esta questão do mesmo modo que no meu gabinete, a sós commigo, trataria uma questão scientifica.
Em primeiro logar examinemos a hereditariedade, porque o exame d'ella importa á boa analyse do qual devei ser a remuneração do importantissimo officio de reinar.
Investiguemos isto como estudaríamos um problema de biologia, ou do anthropologia.
Ha duas forças importantes que determinam as qualidades de cada individuo.
Essas duas forças são as que correspondem á herança dos caracteres dos seus predecessores, e á variação que se dá no individuo por causa do meio em que existe.
Mas se em geral os caracteres predominantes são transmitidos, se herdam, é sabido que a hereditariedade se dá sob diversas formas. E continua, quando umas poucas de gerações vem com os mesmos caracteres; é interrompida quando se herdam os caracteres do avô ou da avô; é collateral quando se transmittem os de tios; e finalmente, ha outra especie, o atavismo, quando apparecera qualidades
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que, não se tendo manifestado em duas. ou tres gerações, se manifestam comtudo na seguinte.
Estas considerações servem-me para tratar da questão da hereditariedade, o mostrar que não convem que a sorte de um paiz esteja entregue a esse principio, por isso que não assegura aos primogénitos n'uma serio de gerações a qualidade propria para bem desempenhar o officio de reinar.
A variabilidade torna ainda mais perigosa a hereditariedade, por isso que a variação pôde ser tão grande, que os melhores caracteres quasi desappareçam e os maus se desenvolvam.
Do tudo isto resulta que pôde um individuo procedente de bons progenitores ser fatalmente de más qualidades.
Estas considerações, que hoje são vulgares em anthropologia, estão de accordo com factos da vida quotidiana.
Quantas vezes não observamos que differem muito entro si os membros da mesma familia?
Eu sei que existem familias tão privilegiadas, que grande numero dos membros dellas manifestam, através de umas poucas de gerações, as mesmas qualidades para uma determinada profissão. Mas deveremos só por isto, que é excepcional, entregar ao que, por ora, se pôde dizer acaso de herança a missão do governar? Parece-me que não; e demais, no caso sujeito, fóra preciso provar em primeiro logar a manutenção do grandes qualidades nos descendentes de uma dada familia; em segundo logar, no primogenito; e em terceiro logar, a de uma determinada vocação, como a de reinar.
Referir-me-hei ainda á variação que se pôde dar no caracter com que um individuo nasce, variação proveniente do meio em que vive.
A camara sabe que a educação do uma familia fóra da lucta da, vida não é a mais propria, a não ser em casos excepcionaes, para formar o caracter dos individuos.
Segundo a phrase de um dos maiores poetas, o talento fórma se no silencio, mas o caracter fórma se nas tempestades do mundo; muitas familias reaes procuram dar excellente educação, põem á disposição da sua infancia os maiores carinhos, as maiores intelligencias, as maiores dedicações; ainda assim o que é certo, o que é inevitavel, é que em geral se os membros d'essa familia não forem educados do modo como o são áquelles que procedem do tratado proprio, não podem servir para governar bem as nações que querem progredir.
O trabalho, esta grande lei social que tem permittido a tantos homens o elevarem-se desde os logares mais humildes até aos pontos mais altos da sociedade; o trabalho não é, como no ideal antigo, não é, como no ideal bíblico, não pôde ser, como no ideal dos conventos, uma condemnação.
Não. O trabalho não é uma condemnação; o trabalho faz bem; o trabalho é indispensavel para o desenvolvimento dos dotes que a natureza deu a cada individuo; não o trabalho isolado do tumulto da sociedade, mas o trabalho n'esse mesmo tumulto.
Quem, afastado da vida social, for por largos annos conservado n'uma atmosphera de ficções, não sairá d'ella como pertencendo ao seu tempo; será condemnado, porventura, a ficar inferior á sua epocha, ou só poderia pertencer, na concorrencia vital, a um periodo que ha de vir mais tarde.
O meio em que vivem as familias reaes contribuo para que ellas não se desenvolvam, como convem áquelles que teem de governar as nações.
Eu pergunto aos srs. deputados: quando qualquer de nós procura inspiração em exemplos sublimes; quando qualquer de nós procura nas contrariedades, que outros soffreram, como que uma força para combater as contrariedades proprias, é, porventura, á vasta galeria dos réis, e principalmente dos réis modernos, que vae buscar esses exemplos, essa inspiração, essa força?
Não, meus senhores; nós vamos buscar os exemplos que nos animem o que nos confortem, principalmente á vida do operario honesto, do operario virtuoso, do operario que se instruiu, e que chegou a conquistar alguns beneficios para a humanidade.
E da propria realeza, das proprias casas que actualmente reinam na Europa, nós sabemos mais do um facto que prova que nem todas ellas crêem no principio da hereditariedade do poder, o que, acima d'essa hereditariedade, contemplam respeitosas o principio da associação nacional, direito de modificar a sociedade em harmonia com as necessidades da epocha.
A camara sabe que um dos mais notaveis réis d'este seculo, Leopoldo, da Belgica, não tinha duvida em deixar o throno, se a patria precisasse da republica para ser feliz; e o pae da Senhora D. Maria Pia, o pae de Sua Magestade a Rainha de Portugal, Victor Manuel, disse uma vez que se, porventura, a republica era precisa para a realisação da unidade da Italia, elle teria grande gloria em ser coronel de um regimento d'essa republica; do certo, se os réis actuaes estivessem convencidos da doutrina da hereditariedade; se estivessem convencidos de que ella era, com effeito, necessaria para o bem estar das nações, e não só necessaria, mas tambem essencial, esses dois grandes réis, Leopoldo da Belgica o Victor Manuel não teriam proferido aquellas palavras.
Do que acabo do dizer conclue-se que a hereditariedade, não só não é necessaria para o bom regimen das nações, mas tambem que devo contribuir, na maioria dos casos, para o seu mal estar; merece, pois, remuneração menor o poder hereditario, pelo que respeita á qualidade do serviço que póde prestar.
Notei hontem á camara qual era a despeza que fazia a França com o seu presidente da republica; mas não a disse com toda a correcção; estava fechada uma secção da bibliotheca d'esta casa; só hoje pude consultar de novo o orçamento da França; emendei, pois, n'este ponto, o relatorio do projecto.
De passagem direi á camara, que foi só esta a correcção que fiz no projecto; e digo isto, porque um dos membros á esta casa, o sr. primeiro secretario Carrilho, n'um artigo que creio ser da penna de s. ex.ª, attribue-me uma phrase que não é minha; refiro-me a isto, porque sendo s. ex.ª o primeiro secretario, tendo talvez muitas pessoas lido que no meu relatorio havia uma phrase que lá não estava, podia entender-se que s. ex.ª o lêra.
Esta phrase era — que entre nós os réis nascem principes sem o saberem.
O sr. Carrilho: — S. ex.ª dá me licença? O illustre deputado sabe perfeitamente que eu não podia dizer o que continha o seu relatorio, senão de outiva, porque s. ex.ª ficou com elle na sua gaveta e não o mandou para a mesa. Todos viram isso.
Em segundo logar, o que me pareceu que s. ex.ª tinha dito era que, entro nós, os principes nasciam principes sem o saberem, e alguns dos meus collegas podem dizer se ouviram ou não isto mesmo.
O Orador: — Pôde ser que eu o dissesse, mas não está escripto no projecto.
O sr. Carrilho: — Mas como s. ex.ª estava lendo, parecia-me que dizia o que estava escripto; entretanto, isto não é assumpto para ser discutido aqui, porque as questões de imprensa discutem se na imprensa. (Apoiados.)
O Orador: — Peço perdão. O reparo que fiz creio ser dos que se podem fazer aqui; eu não censurava o sr. secretario; se fosse censura, não me atrevia a fazel-a agora, ainda que não seja essa doutrina tão clara para mim, que eu a acceite desde já. E sobre isto acrescentarei: não me pareço bem que, quando se trata de factos (c digo isto á camara com toda a franqueza e sinceridade), que deviam ser
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vistos pela mesa, não me parece bem que qualquer dos membros d'ella diga na imprensa cousas differentes das que se passam aqui; se eu fosse secretario, não o fazia.
Podendo deprehender-se, do que o sr. secretario escreveu, que, com effeito, eu tinha pronunciado taes palavras, era-me agradavel que s. ex.ª fizesse a declaração que acaba de fazer, o que eu lhe agradeço. Respeito a liberdade de escrever; e as palavras que agora proferi não deixam de a respeitar..
Dizia eu que não tinha notado bem hontem á camara qual era a dotação total do presidente da republica franceza. São 240:000$000 réis, se não me engano; a despeza com a familia real portugueza é muito maior; de mais de 640:000$000 réis! É mais do que o gasto feito com a instrucção primaria, mais a instrucção secundaria, mais a instrucção industrial e mais a instrucção de bellas artes! Este facto parece incrivel; mas este facto é exacto.
Não penso que seja mais difficil governar Portugal, do que governar a França. Quer me parecer que uma dotação, qual a apresento no projecto, de 480:000$000 réis, já basta para condigna manutenção da casa real.
Demais, se tomo a França como termo de comparação, é facil ainda provar que em favor da despeza feita na França milita uma rasão que não devo occultar; é a seguinte:
Os presidentes das republicas são, em geral, chefes de uma familia que elles tem educado com o producto do seu trabalho, ou do que herdaram; procedera a seu turno de uma familia que á sua custa os creou; a nação não contribuiu com dotações para os instruir; no systema monarchico, em geral, a educação dos filhos dos réis é paga pela nação.
Na analyse da remuneração dos réis, este facto influe para que esta deva ser diminuída. Comtudo estando n'uma assembléa formada, não digo na sua totalidade, mas na sua grande maioria, de deputados monarchicos, tive de formular um projecto que possa ser por ella discutido; entendi que bastava á familia real uma dotação do réis 480:000$000. Circumstancias especiaes, que eu agora não quero referir á camara, contribuiram para que, apesar de ter contestado uma vez a dotação dada a Sua Magestade El Rei o Senhor D. Fernando, eu a deixe n'este projecto tal qual é actualmente.
Ao serenissimo infante D. Augusto não posso attribuir a mesma dotação que Sua Alteza tem tido até agora; n'outra sessão, creio que ha cinco annos, expuz os motivos por que ella me parece illegal. Não repetirei agora os argumentos que então produzi.
Dir-se-ha que a realeza precisa de grande esplendor, e que por isso é necessario que a nação contribua para a manutenção d'ella com mais do que a propria monarchia valo; quer-se, portanto, não por um principio economico, mas por um principio politico, ir alem do que seria necessario para a manutenção da casa real.
Desde que eu proponho, para a manutenção e para a representação do monarcha, somma não inferior á que se vota em França para o presidente da republica, parece-me que até os proprios monarchicos podiam adherir ao meu projecto. E digo a rasão porquê; é por me parecer que as despezas do esplendor monarchico não tem hoje vantagem alguma.
O que quer dizer o esplendor da monarchia? De certo nada tem elle com a missão de reinar. Se é unicamente para deslumbrar a nação, é absurdo que se peça aos contribuintes dinheiro, a fim de que elles sejam deslumbrados com o esplendor de uma instituição que pagam.
Julgar-se-ha que é necessario para sustentar a monarchia?!
Eu ainda que fosse monarchico, responderia negativamente; e se me perguntassem qual era melhor, se haver esplendor ou não o haver, eu diria que era melhor a modestia do que o luxo.
O sr. Adriano Machado: — Apoiado.
O Orador: — E declaro que, sobretudo, para os paizes pequenos, como o nosso, essa modestia será com effeito muito melhor do que a ostentação.
A camara sabe que a crise de 1876, não foi unicamente uma crise proveniente das operações dos bancos e da bolsa, parece-me que houve n'ella um pouco do crise moral. (Apoiados.) O esplendor do luxo perverteu muita gente.
O fausto que muitas familias desejam ter, as pretensões da burguezia a ser aristocrata, tem contribuido poderosamente para que tantas pessoas gastem muito mais do que podem»gastar; e este facto, que seria importante em todas as nações, torna-se mais importante aqui, onde as instituições economicas populares, são tão poucas, tão raras, que podemos bem dizer, que não temos fundo de reserva, para as grandes crises. (Apoiados.)
Quando na Inglaterra tantos soffrimentos houve por causa da crise algodoeira (e então o algodão tambem tinha o nome de rei); n'esse tempo, um dos grandes, elementos para combater o mal foram os depositos que muitos operarios haviam feito nas caixas economicas de Inglaterra; nós, se vier uma crise maior do que a de 1876, não temos esse benefico recurso.
E lembro á camara um facto, que pôde contribuir muito para que uma crise em Portugal seja muito maior do que a de 1876.
Não digo isto para aterrar, nem tenho auctoridade para aterrar ninguem; mas vou dizer o que penso a este respeito.
Qualquer que seja a apreciação dos actos do governo, é evidente, é claro, é incontestavel, que o ministerio realisou operações muito mais importantes, o em condições mais vantajosas para o paiz, do que realisaram varios governos anteriores; mas este facto, que tão allegado é pelo gabinete, como sendo altamente encomiástico para á sua politica; este facto, repito, lastimo o eu, desde certo tempo.
O sr. Adriano Machado: — Apoiado.
O Orador: — E lastimo-o pelo seguinte. Ha como que uma especie de concentração de credito no catado; a desconfiança lavra no paiz em relação a quasi todas as emprezas particulares.
Os relatorios de todos os bancos, não só logo depois da crise do 1876, mas ainda os relatorios do ultimo anno, provam claramente que as transacções, não só são em menor escala, mas tambem difficillimas; que ha receio de entregar dinheiro, o esse receio provém, não só da crise propriamente bancaria e da crise da bolsa, mas d'aquella a que me referi ha pouco da crise moral.
Ora, havendo a centralisação do credito no estado, explica-se, até certo ponto, a alta que conservam as inscripções. Veja a camara qual seria a crise por que passaria este paiz se, porventura, houvesse a menor desconfiança ácerca do thesouro; se a houvesse (e nós não estamos completamente livres d'ella, embora não haja portuguez que a deseje), pergunto — quaes seriam as consequencias de se abalar o credito do thesouro? Por isso mais necessario se torna que no nosso paiz a economia particular seja grande, o a economia particular será tanto mais pequena quanto maior for o luxo que se não possa bem sustentar.
Melhor é cada um levar a vida domestica segundo lhe dão direito os seus recursos, do que manter hoje grandezas, para ámanhã entrar em decadencia.
Ora, infelizmente, é grande o numero de familias com deficit; e os exemplos de luxo não lhes fazem bem; aggravam-lhes o mal.
E sobre isto recordarei alguns factos historicos.
A mãe dos Grachos visitara uma amiga; mostrou-lhe esta as suas brilhantes joias; e, pagando á visita, desejou ver as de Cornelio; respondeu-lhe ella mostrando-lhe os filhos, que eram as suas verdadeiras joias; eram os Grachos; eram os futuros defensores do povo romano.
Outro facto, e este do seculo VIII. Quando Franklin
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veiu vá França, para bem da independencia dos Estados Unidos, n'aquelle tempo em que as despezas da realeza eram enormes, notavelmente maiores que as do hoje, n'esse tempo em que as despezas da corte eram escandalosas, Franklin vestido com a maior modestia, contrastando com o luxo da aristocracia, era ainda por isso mesmo admirado; e com effeito Franklin valia mais do que ella, pela elevação do seu caracter e pelas descobertas que fez a bem da humanidade.
Outro facto ainda; e concluo.
Algum tempo depois reuniram-se os tres estados; tratava se de ver se era possivel á monarchia franceza, harmonisar-se com o povo; apesar da gravidade das circumstancias, houve grande questão a respeito dos vestidos que deviam ter os membros de cada uma das ordens; e na phrase do um dos historiadores d'esse tempo, que foi tambem um economista distincto e um homem de bem, as proprias modistas serviram a fins politicos.
Os nobres appareceram com chapéus á Henrique IV, espada ao lado, mantos longos e dourados; entendeu-se que o esplendor da aristocracia, reunido ao esplendor da realeza, servia para deslumbrar o povo. Iam tambem 03 prelados com os seus esplendidos roquetes, com as suas longas vestes de côr. Havia, emfim, os representantes do povo, trajando simplesmente.
Mas o que é certo é que o povo não se importou nem com os chapéus á Henrique IV, nem com a espada ao lado; o que é certo é que o povo não se importou sequer com os longos mantos dourados. O povo fixou principalmente a sua attenção nos representantes do terceiro estado.
Não é com effeito o esplendor que póde salvar a monarchia; não é mantendo a grande dotação da familia real que se contribue sequer para que a monarchia viva muitos mais annos.
Sr. presidente, parece-me que em tudo quanto disse dei prova á camara de que não desejava fazer a menor allusão a pessoas ausentes d'esta casa; de que não desejava fallar a quaesquer paixões que fossem más, nem contribuir para que se espere da republica mais do que ella póde dar. Seria grande loucura imaginar ou fazer antever esperanças que não sejam realisaveis. Tratei a questão conforme entendo que ella se deve tratar: rigorosamente, scientificamente.
Nem sequer me referi ao podei' moderador; nem sequer me referi ao exercicio das funcções d'elle; nem sequer me referi a um só acto politico do augusto chefe da familia real.
Não trato de investigar até onde vão a este respeito os direitos do deputado; não investigo como deve ser entendida a inviolabilidade o a responsabilidade do rei, e como o deve ser a inviolabilidade do deputado; não preciso tratar hoje d'esta questão.
Continue o poder moderador na região que habita, na região legal, e que os partidos governamentaes o opposicionistas não gravitem para elle; gravitem sim para os principios.
E o poder moderador deixemol-o por emquanto na região em que a lei o collocou, irresponsavel, inviolavel, como que o sobrehumano; deixemol-o assim; basta que o som das ondas da democracia vá chegando a essa região; ellas são tão fortes, o som que vem d'ellas ouve-se tão bem, que é impossivel que não seja ouvido no throno. E as ondas da democracia não sobem unicamente para destruir; sobem para destruir e edificar.
O sr. Ministro da Fazenda: — V. ex.ª acaba de dizer que o projecto de lei, mandado para a mesa, fica para segunda leitura; esta camara não pôde discutir um projecto de lei sem ser admittido á discussão, sem ter parecer de uma commissão; portanto não discutirei o projecto. Mas, direi apenas ao illustre deputado que acabou de fallar, que na verdade seria difficil a posição de discutir com o illustre deputado, não só por parte do governo, da maioria da camara, mas mesmo por parte da minoria, ou pelo menos, por parte da grande maioria da minoria.
Nós partimos de principios tão oppostos, que seria muito difficil discutir.
Emquanto a nós monarchicos, emquanto a nós os que entendemos que a monarchia, e não só a monarchia, mas a dynastia é uma garantia da liberdade e independencia do paiz, (Apoiados.) não podemos, a dizer a verdade, convencer com 'os nossos argumentos o illustre deputado, que, partindo de outros principios, entende que uma economia de 90:000$000 réis, na dotação da casa real e importante em relação ás nossas finanças.
Para mim a liberdade e independencia do paiz não tem valor por onde se afira; (Apoiados) não se pôde contar em especie, em dinheiro: a liberdade e a independencia não se fixa em oitenta, noventa, cem ou milhares de contos. (Apoiados)
Para se discutir é necessario partir de um lado e do outro de principios communs; e n'este ponto não pôde haver principios communs entro nós monarchicos e áquelles que o não são. (Apoiados)
Outro ponto tocou o illustre deputado, que é impossivel tambem discutir, porque não está em discussão a reforma da carta constitucional é a hereditariedade.
Nós não podemos discutir a reforma da carta, sem ser pelos tramites que a mesma lei marca.
Por consequencia não podemos discutir n'este momento.
No capitulo em que discutimos a dotação da familia real não podemos discutir a hereditariedade da monarchia; o como V. ex.ª declarou que o projecto ficava para segunda leitura, nada mais tenho a dizer.
O sr. Mariano de Carvalho: — E verdade que pedi a palavra quando este capitulo foi posto em discussão, mas declaro que me enganei, porque julgava que se tratava do capitulo que diz respeito aos juros e amortisações a cargo do thesouro, e por isso desisto da palavra, para a pedir em occasião opportuna.
O sr. Barros e Cunha: — inscrevi-me, julgando que a proposta que o sr. deputado Rodrigues de Freitas offereceu á discussão, tinha por fim alterar, desde já, a verba descripta no orçamento para a delação da familia real, e inscrevi-me para combater essa proposta, se a camara a tivesse admittido á discussão; e declaro já que quando for submettida á camara, para ser admittida á discussão, hei de votar contra ella, isto é, contra a sua admissão á discussão, por uma rasão muito simples, porque a dotação do Rei estabelece-se no principio do reinado, conforme está determinado nos artigos 80.° e 81.°, capitulo 3.° da carta constitucional, que dizem:
«Art. 80.° As côrtes geraes logo que o Rei succeder no reino, lhe assignarão, e á Rainha sua esposa, uma dotação correspondente ao decoro da sua alta dignidade.
«Art. 81.º As côrtes assignarão tambem alimentos ao principe real e aos infantes desde que nascerem.»
Portanto a carta, quando estabeleceu este preceito, foi exactamente para que o primeiro magistrado do paiz não estivesse sujeito todos os annos a discussões, sobre se o serviço que elle presta n'aquelle elevadíssimo cargo é igual, equivale o merece a remuneração estabelecida pelas côrtes geraes.
Emquanto aos outros assumptos, creio que nem a camara deseja, mas mesmo que o desejasse, eu não concordaria com ella, porque entendo que faria grande desserviço á discussão do orçamento, para a qual devem convergir n'este momento todas as attenções dos representantes da camara electiva, e seria deslocar essa importantissima discussão para um terreno que não pôde deixar de concentrar as nossas attenções, mas que nos desviaria de assumptos que o nosso principal dever nos ordena que discutamos agora.
O sr. Rodrigues de Freitas; —... (O sr. deputado.
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não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Luciano de Castro: — Poucas palavras tenho a dizer á camara, mas julguei que era necessario proferil-as para que ao meu voto não podesse dar-se significação differente daquella que na realidade tem.
Só por isso tomei a palavra, e não com o proposito de entrar largamente na discussão levantada pelo meu illustre amigo o sr. Rodrigues de Freitas.
A questão que se discute, a meu ver, está resolvida pelo artigo 80.° da carta constitucional.
Este artigo diz:
«As côrtes geraes, logo que o rei succeder no reino, lho consignarão, e á rainha sua esposa, uma dotação correspondente ao decoro de sua alta dignidade».
Em vista do tão terminante o claro preceito só podem usar as camaras d'esta attribuição no principio de cada reinado.
O pensamento da lei foi sem duvida collocar o primeiro magistrado do paiz em situação tão levantada, em região tão superior a favores o dependencias, que as côrtes geraes, no decurso do seu reinado, nunca mais tivessem direito de augmentar-lhe ou cercear-lhe a dotação.
"Uma vez exercida essa attribiução, a dotação do rei está acima das nossas prerogativas. Desde que se votou essa dotação, emquanto este artigo da carta constitucional não for revogado ou modificado, não podemos alterai-a nem para mais, nem para menos.
E assim que eu entendo o pensamento e a disposição da carta.
Já V. ex.ª vê que penso que a proposta do meu illustre amigo, o sr. Rodrigues de Freitas, está evidentemente condemnada pela lei que nos rege, e que temos obrigação do respeitar o cumprir emquanto for lei do reino.
Mas, posta de lado a questão da legalidade, consinta o sr. Rodrigues de Freitas, consinta a maioria e a opposição á minha fé o ás minhas crenças profundamente monarchicas, que eu não deixe passar sem reparo os principios e as palavras proferidas por aquelle illustre deputado, e sobre tudo alguns considerandos do relatorio da sua proposta, nos quaes vejo o sincero e manifesto proposito de concitar a indignação publica, o de fazer propaganda contra o systema que actualmente nos rege.
S. ex.ª referiu factos, citou nomes de varões illustres, que têem presidido ao governo de grandes nações, nomes respeitaveis para todos nós, sobre tudo para a historia que os ha de apreciar como merecem, e d'ahi quiz concluir contra a cegueira da sorte que chama ao exercicio da primeira magistratura do estado quem pôde muitas vezes não ler aptidão, nem condições necessarias para o bom desempenho desse elevado cargo.
Permita-me s. ex.ª que eu lhe responda, com a mão sobre a consciencia, em nome das minhas profundas convicções, que ahi, n'esse grave senão, d'esse enorme defeito que s. ex.ª assaca á monarchia constitucional, é que eu vejo exactamente a sua maior vantagem o a sua grande excellencia; qual é a de estar o chefe do estado collocado na posição superior, independente, desassombrada e livre, a que a constituição o elevou. (Apoiados.)
É preciso que o primeiro magistrado do paiz não esteja sujeito nem a dependencias, nem a favores. (Apoiados.)
A eleição de um chefe de partido nunca nos dará um arbitro imparcial entre todas as opiniões e um juiz desapaixonado entre todos os partidos. (Apoiados.)
Se fizermos do chefe do estado o representante de um partido, poderemos ter n'elle uma opinião, ou uma escola politica triumphante, mas não a elevação de pensamento e de vistas, a despreoccupação de intuitos partidarios, a isenção e desassombro de paixões e interesses que nos deve o pôde dar o systema que actualmente nos rege. (Muitos apoiados.)
Por isso digo francamente, quando vejo de um lado a Belgica monarchica e do outro lado a França republicana, eu, com a mais intima o sincera convicção, não hesito um momento. Entro a Belgica monarchica, com a sua liberalissima constituição, que tem assegurado cincoenta annos do paz, de prosperidade, de civilisação e do progresso aquelle laborioso o modesto paiz, e as promettedoras e auspiciosas esperanças da democracia franceza, prefiro a Belgica á França. (Muitos apoiados.)
Quererá o illustre deputado, e poderá dizer-me, que os monarchas constitucionaes commettem erros, e praticam faltas gravissimas. É certo. E inquestionavel. A propria historia contemporanea está certificando a verdade d'este asserto.
E verdade. São sujeitos a errar os réis, como os outros homens. E condição da natureza humana. Mas nos paizes regidos por este systema, em que ha opinião, em que ha imprensa, em que sobretudo ha eleições livres, o povo, que é o verdadeiro soberano, tem sempre nas suas mãos o remedio contra esse mal, o correctivo d'esses erros. Das deliberações da corôa, dos erros do monarcha póde appellar-se para as discussões da imprensa, para os comícios, para as eleições livres, para o grande fórum da opinião, que acaba sempre por fazer justiça severa de todos os que esquecem os seus deveres, ou offendem os interesses nacionaes.
Sr. presidente, quer o illustre deputado discutir a fórma monarchica, e reptar-nos para esse debate? Entende que é conveniente discutir ou mostrar a preferencia das crenças republicanas sobre os principios monarchicos? Acceitamos o repto. (Muitos apoiados.)
Mas o illustre deputado ha do apresentar um projecto de lei, e, depois de observados os devidos tramites, creia s. ex.ª que não ha n'esta casa ninguem, nem maioria, nem opposição, que receie o debate. (Muitos apoiados de todos os lados da camara.)
E folgo que, n'este momento, a minha voz exprima o sentimento e a convicção de todos os partidos, (Apoiados.) porque creio que para todos nós a monarchia é não só garantia de liberdade, mas garantia e penhor de independencia nacional. (Vozes: — Muito bem.)
O partido progressista tem ou pôde ter aggravos do representante do poder moderador; pôde ter e tem a esse respeito as suas opiniões claramente formuladas. Nem eu nem nenhum dos meus amigos politicos declinámos as nossas responsabilidades. Acceitamol-as hoje inteiras, como as acceitámos hontem.
Não venho aqui cortejar a monarchia, nem adular o monarcha.
Tenho a convicção profunda de que a monarchia constitucional representativa, é, como já disse, garantia da liberdade e penhor da nossa independencia, e de que pensam do mesmo modo todos os meus amigos.
E no dia em que uma divergencia n'este ponto nos obrigasse a professar opiniões diversas; quando se desse tal divergencia, eu com muito sentimento separar-me-ia d'elles, e teria de abandonar a bandeira do partido a que pertenço e que é o symbolo das minhas crenças o a esperança da minha vida publica.
Sr. presidente, a nação votou por meio de seus representantes legaes a dotação da familia real. As nações não regateiam como os mercadores. O que uma vez deram, está dado. A nação votou-a porque entendeu que era justa o necessaria. (Apoiados.) Como é, pois, que o illustre deputado vem propor-nos que retiremos á familia real a dotação que espontaneamente lho demos, a dotação que lhe é devida, e que não queremos, nem podemos retirar? (Muitos apoiados.)
Quer discutir a preferencia da fórma do governo republicano sobre a fórma monarchico-representativa? Vamos a isso; mas, emquanto existir a monarchia constitucional, não queira obrigar-nos a passar por cima das nossas convicções, violando ao mesmo tempo as leis do paiz, o per-
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suiadir-nos a praticar feias o ruins acções, que não podemos nem desejámos praticar. (Apoiados.)
Permitta-me agora o illustre deputado que lhe dirija um podido e lhe faça uma supplica; s. ex.ª tem direito a que seja acatada a sua fé republicana. Esta camara tem-lhe dado provas sobejas da sua larga tolerancia, o V. ex.ª, estou certo d'isso, ha de continuar a permittir que o illustre deputado entre tão ampla, desassombrada o liberrimamente nas discussões, como até agora o tem feito.
O sr. Rodrigues de Feitas está só n'esta camara, porque se se perguntar se mais alguem o acompanha, estou certo de que ninguem se levanta. Está só. É minoria, embora respeitavel. E preciso que a maioria monarchica tenha com elle as considerações que deve ao seu isolamento, á sua incontestavel honradez, á sua aptidão scientifica e ao seu relevante merecimento; mas é justo que elle tenha iguaes contemplações com as nossas crenças, (Apoiados.) que respeite tambem a nossa fé monarchica, (Apoiados.) como nós acatamos o respeitámos as suas idéas republicanas, o que nos não obrigue a discutir a dotação da familia real, que não podemos legalmente discutir nem os principios, dogmas e doutrinas que constituem o nosso evangelho politico.
Vozes: — Muito bem.
(O orador foi muito comprimentado por deputados de todos os lados da camara.)
O sr. Ministro da Fazenda: — Folguei extraordinariamente ao ouvir o pequeno, mas brilhante discurso que acaba do pronunciar o illustre deputado, porque consubstancia a opinião de nós todos; (Apoiados.) mas senti que n’esta occasião o illustre deputado acceitasse o repto, discutindo a monarchia e a republica.
Nós, monarchicos, estamos sempre promptos a discutir com áquelles que têem opiniões contrarias; mas o que entendo é que esta não é a occasião em que nos seja permittido tratar d'esta questão. (Apoiados.) Não podemos discutir aqui a questão do saber se haverá monarchia ou republica. (Apoiados)
Nós, todos monarchicos, estamos promptos a discutir sempre que for occasião opportuna, por isso que sustentámos o que é o resultado das nossas convicções; mas agora não é occasião para isso, e é essa a rasão por que a camara se não levantou toda a impugnar as doutrinas apresentadas pelo sr. Rodrigues de Freitas. (Apoiados.)
Pedi a palavra para dizer a este illustre deputado e meu amigo; meu amigo, digo, apesar d’esta profunda divergencia de opiniões, para lhe affirmar que eu não disse, nem podia dizer, que não podiamos discutir sómente porque partíamos de principios oppostos; isto seria o mesmo que dizer que não podem discutir áquelles que, em qualquer assumpto, têem opiniões diversas. Disse que, partindo de opiniões tão oppostas, quanto a principios fundamentaes, não podiamos facilmente discutir a questão da lista civil. Entre dois monarchicos é facil discutir a questão de saber se a lista civil deve ser esta ou aquella, maior ou menor. Entro um monarchico e um republicano, a questão do mais ou do menos era prejudicada pela questão principal, pela questão dos principios, sobre as quaes não poderia haver accordo.
Foi debaixo d'este ponto de vista que eu disse que, partindo nós de principios tão oppostos, a questão se não devia discutir. (Apoiados)
O sr. Presidente: — Creio que a camara se convencerá de que foi sómente em attenção á posição especial que n'esta assembléa occupa o sr. deputado Rodrigues de Freitas, que a presidencia entendeu dever proceder com a maxima tolerancia, deixando-o discutir pelo modo por que o sr. deputado o fez. (Apoiados.) Entretanto, esta questão não pôde continuar. (Apoiados.)
O que se discute é o capitulo 1.° do orçamento do ministerio da fazenda, e a camara de certo approvará que eu não consinta divagações.
Passo a dar a palavra ao orador que se segue, mas desde já lho peço que se resuma á questão, porque as divagações não são permittidas pelo nosso regimento, e podem causar transtorno ao bom andamento dos trabalhos parlamentares.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Era de esperar que, seguindo-me eu a fallar, V. ex.ª se apressasse a estabelecer uma restricção que, devidamente cumprida, quasi me obrigaria a ficar calado.
Seja-mo licito lamentar esta coincidencia, ainda que a repute completamente casual. Sempre que tenho do tomar a palavra, de certo V. ex.ª não se assusta; mas, parecendo julgar indispensavel fazer uma advertencia, ou estabelecer uma restricção, involuntariamente previno a assembléa contra a possibilidade de um discurso perigoso ou excessivo.
O sr. Presidente: — Tenho a observar ao sr. deputado que, quando fiz a advertencia, não tinha reparado para a inscripção, e só depois do dizer as palavras, que acabei ha pouco de proferir, é que vi o nome do sr. deputado, a quem dei a palavra, inscripto no logar competente.
O Orador: — E acaso, já eu disse, mas é triste, (Riso.) porque se repete, e esta é a segunda vez a seguir que tenho de reclamar contra a distincção que o acaso me confere.
Eu espero que V. ex.ª me deixará expor livremente ás minhas idéas, as quaes não podem provocar reclamação, nem perturbar a serenidade da assembléa. Eu declaro desde já, que não direi nem metade do que sinto, e, por grande que seja o esforço, hei de fazel-o para reprimir quanto possivel a impressão que experimento.
O sr. deputado Rodrigues de Freitas, na qualidade de representante, unico e isolado, do systema republicano, pôde, pela rainha parte, apresentar e defender n'esta casa todos os projectos que entender, em harmonia com os principios que segue, porque eu sou bastante liberal para ouvir, não só cem attenção e respeito, mas ainda com prazer, todos os seus discursos.
As idéas do meu illustre collega, quanto a fórma de governo, são contrarias, e mesmo diametralmente oppostas ás minhas.
Todavia, ouço com prazer os seus discursos, assisto sem reclamar ás suas propostas. Eu combaterei livremente o que livremente for aqui proposto e defendido.
Mas o que eu não esperava, o que nunca podia esperar no systema monarchico-representativo, em uma camara em que a quasi unanimidade professa estes principios, com um governo que tanto se orgulha o tanto alardeia a confiança da corôa, era que fosse preciso o governo receber exemplo de um deputado da opposição para responder, como lhe cumpria, como é dever indeclinavel do seu cargo, ás idéas apresentadas aqui por um illustre deputado, que combate a fórma de governo, que todos nós desejámos e protestámos manter.
O governo tem deveres e obrigações, a que não póde fugir, e um d'elles é defender as prerogativas da corôa, e o systema de governo, em virtude do qual os ministros estão nas cadeiras do poder.
Que fez o governo? Não impugnou as idéas expostas por um deputado republicano; não protestou contra ellas; reduziu-se ao silencio, declarando apenas que não era occasião de discutir.
Mas se não é occasião de discutir é sempre occasião de protestar contra propostas que são a negação formal do systema politico em que vivemos e em que queremos continuar a viver. (Apoiados.)
Eu não esperava, ou, se o esperava, lamento que tão depressa a esperança se realisasse, que o governo procedesse por tal fórma o declinasse para os deputados da opposição a iniciativa de se opporem á proposta apresentada por um membro d'esta casa que, embora de idéas distinctas, milita tambem na opposição, iniciativa de que o go-
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verno tinha obrigação de usar em primeiro logar. (Apoiados.)
Não penso, como o sr. Luciano de Castro, que o artigo que trata da dotação do rei e da familia real, seja um artigo a tal ponto constitucional, ou mais do que constitucional, que o parlamento não possa alteral-o.
Eu affirmo que a representação nacional, que póde alterar tudo o que é constitucional, segundo os tramites legaes estabelecidos no codigo fundamental da monarchia, pôde alterar essa dotação, mesmo sem as formalidades estabelecidas para as garantias constitucionaes. A dotação depende do orçamento, e é tão constitucional como tudo o mais que no orçamento se descreve.
Entendo que posso reduzir a dotação, mas não quero; e prefiro dizer que posso o não quero, a deixar pensar que não resolvo, porque me falta jurisdicção para resolver. Eu entendo, e da minha opinião tomo inteira responsabilidade, que a dotação do rei não póde ser reduzida, não deve sel-o, por isso que não a reputo excessiva para o logar que occupa o representante da nação portugueza.
Não quero dar maior desenvolvimento a este ponto nem discutir ou trazer para este campo a analyse do idéas, de propostas ou de diversos systemas do governo, porque conheço o paiz, o posso aliançar a V. ex.ª, sem receio algum de que os factos me desmintam, que elle é essencialmente monarchico; (Apoiados.) e tanto que os differentes partidos politicos que estabelecem, mantécm o augmentam a sua influencia não o têem feito até hoje senão á sombra da monarchia. (Apoiados.) Se algum dos que se reputa mais popular, com mais affectos é com mais sympathias no paiz, se quizesse submetter á experiencia o avaliar quaes seriam os effeitos do uma declaração do monarcha, que acintosa ou não acintosamente protestasse excluil-o do poder, ver-se-ia com que influencia ficava aquelle que mais influente se considerasse.
Aquelle partido que actualmente tem apresentado hostes mais numerosas e aguerridas e exercitos mais disciplinados, aquelle que mais se gloria da confiança do paiz é exactamente aquelle que mais devo á confiança da corôa e ao favor da monarchia.
Se a declaração se fizesse, se a exclusão se declarasse em relação ao chefe do partido regenerador, acontecia exactamente o que eu acabo de referir. A falta da confiança da corôa seguir-se-ía a desconfiança do paiz.
Como eu não quero arriscar a dotação da familia real nem outros capitulos do orçamento, não posso deixar de dizer que o risco provém, não das propostas do sr. Rodrigues de Freitas, não da nossa discussão nem do nosso voto, mas do procedimento do governo, que, para pagar integralmente a dotação da familia real, a dotação da junta do credito publico e outras despezas indeclinaveis, pede menos 3.000:000$000 réis do que a somma em que essas despezas importam.
O risco de não se pagarem integralmente certas despezas provém do procedimento do governo, que pretendo realisar o absurdo, o impossivel, de pagar integralmente todas as despezas com 3.000:000$000 réis menos do que a sua importancia. (Apoiados.)
Agora, sr. presidente, eu não posso deixar de por esta occasião expor a V. ex.ª, ainda em relação a esta ordem de idéas, que o modo por que nós lemos cumprido, ou antes temos constantemente sophismado, o systema monarchico representativo, tem desgostado n'este paiz muitos cidadãos.
Muitas pessoas, das que representam maiores interesses e das que têem maior auctoridade e maior prestigio n'este paiz, queixam-se do systema actual, não porque elle seja mau, mas pelo modo por que nós o temos adulterado e deixado sophismar.
Desertam, porém, poucas d'essas pessoas importantes para as fileiras republicanas. As que infelizmente a descrença separa, inclinam-se geralmente no sentido opposto.
A maior parte da gente, que se desgosta do systema actual, pretende mais força na auctoridade, mais prestigio no governo, execução e respeito das leis, e mais seriedade no poder.
Deseja menos discursos, menos liberdades escriptas, menos ficções de direitos apregoados em papel e em palavriado. Mais obras o menos palavras. Para a declamação vae o menor numero, felizmente para o futuro d'este paiz.
Tenho concluido; e V. ex.ª vê quanto me abstenho, n'este momento, de desenvolver idéas que, na minha opinião, demandam grande desenvolvimento, e em breve não o poderão talvez dispensar, infelizmente para o paiz, se progredirmos n'este caminho que do mais tenros seguido.
O sr. Ministro da Fazenda: — O illustre deputado,
que acaba de fallar, no seu furor de aggredir o governo, arguiu o por não ter respondido ao illustre deputado, o sr. Rodrigues de Freitas, ou pelo menos por não ter protestado contra as idéas de s. ex.ª
O governo, e pelo menos eu pela minha parte, não respondi, como disse, e senti até que o illustre deputado, o sr. José Luciano de Castro, respondesse ás considerações do sr. Rodrigues do Freitas, porque entendo que nós não podemos estar aqui a discutir a questão da monarchia e da republica. (Apoiados.)
Foi por isto que eu não respondi, e senti que o illustre deputado, no seu aliás brilhante discurso, respondesse.
Mas o sr. visconde de Moreira de Rey, que arguiu o governo por não ter respondido, parece ter sentido ainda mais que s. ex.ª respondesse. (Apoiados.)
O motivo d'isso é que eu não sei.
Diz o illustre deputado, que eu devia responder ou pelo menos protestar.
Não conheço em jurisprudencia parlamentar o que é protestar, nem sei que seja aqui admittido que se proteste contra alguma cousa.
O que disse foi que para nós os monarchicos, para mim pelo menos, não só a monarchia, mas a dynastia era uma garantia de liberdade o de independencia do paiz, (Muitos apoiados.) que não tinha preço; e que, por consequencia, não podia avaliar, em relação ao principio, a questão dos 90:000$000 ou 100:000$000 réis a mais ou a menos na lista civil.
O que disse foi que, lendo partido de principios tão oppostos, não podiamos chegar facilmente a uma base para discussão.
Aqui tom o que n'esse momento declarei, e agora direi mais que se sou radicalmente contrario ás opiniões fundamentaes apresentadas pelo sr. Rodrigues de Freitas, o sou tambem ás idéas de outra natureza que me parece vinham envolvidas em algumas palavras do illustre deputado que acaba do fallar.
Vozes: — Muito bem.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Peço a palavra.
O sr. Sá Carneiro: — Nunca me passou pela mente que havia de entrar n'esta questão, mas como no discurso do sr. Rodrigues de Freitas ha uma phrase que precisa ser rectificada por s, ex.ª, por isso pedi a palavra.
Disse s. ex.ª «que em 1846 andavam de um lado os homens que defendiam a liberdade e do outro lado os seus adversários».
Depois de s. ex.ª pronunciar estas palavras não podia de modo algum ficar silencioso.
Pois o lado em que andavam os Tabordas, os Saldanhas, os Cabreiras, os Ovares, os Carlos de Mascarenhas, o muitos outros que a historia bem conhece, bem como o duque da Terceira, esses homens póde dizer-se que eram adversarios da liberdade? (Muitos apoiados.)
S. ex.ª ou não conhece a historia, ou se esqueceu d'ella.
Sabe s. ex.ª quem fomentou a revolução de 1846? Foram aquelles que em França nos diziam, quando íamos
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para a ilha Terceira, que não nos fossemos metter na ratoeira.
Pois d'essa ratoeira é que saíu a liberdade. (Apoiados.)
Não refiro nomes, porque se tivesse de os referir eram de pessoas que já não existem, e que eu respeito e que todos nós devemos respeitar.
Entendi que devia dizer estas poucas palavras á camara, para não deixar passar esta asserção sem reparo.
Este reparo era um dever de gratidão e de justiça á memoria d’aquelles que já não existem, e por outra parto aquelles que ainda existem.
Se deixasse passar tal asserção, permitta-se-me dizer, um tão grande absurdo, seria da minha parto um procedimento pouco digno.
E preciso que s. ex.ª saiba mais, que os individuos que estavam em França escrevendo pamphletos pozeram em visco o nucleo da força com que dos Açores viemos a Portugal.
Saiba a camara, que na ilha Terceira havia um pequeno numero de corpos, que os pamphletos preparavam para se baterem uns contra os outros!
Sr. presidente, foram os do Porto que defendiam a liberdade, que armavam e chamavam ás armas os inimigos das instituições liberaes! Comtudo, com relação á imprensa antes quero a tolerancia do que a repressão; e o que s. ex.ª devo ficar sabendo é que os homens do partido da Rainha eram liberaes que á liberdade tinham prestado grandes serviços.
O sr. A. J. Teixeira: — Por parto das commissões de obras publicas e fazenda, reunidas, mando para a mesa o parecer sobre a continuação do caminho do ferro do Douro, desde o Pinhão á Barca de Alva, em direcção a Salamanca.
O sr. Neves Carneiro: — Requeiro a V. ex.ª que consulto a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.
O sr. Rodrigues de Freitas: — V. ex.ª deu-me a palavra para uma explicação?
O sr Presidente: — Não posso agora fazer outra cousa que não seja por á votação o requerimento do sr. deputado Neves Carneiro. (Apoiados.>
O sr. Rodrigues de Freitas: — Então peço a palavra sobre o modo de propôr.
O sr. Presidente: — Tom o illustre deputado a palavra sobre o modo do propôr.
O sr. Rodrigues de Freitas: — Desejava que a camara me permittisse, não que tratasse da questão da dotação do Sua Magestade, mas para dar uma breve explicação, antes de se votar o artigo, ácerca do que disse o illustre deputado o sr. Sá Carneiro.
O sr. Presidente: — Darei a palavra ao sr. deputado n'uma prorogação de sessão, que é o que manda o regimento. Agora ha um requerimento que vou pôr á votação da camara.
Vozes: — Falle, falle.
Posto á votação o requerimento do sr. Neves Carneiro, foi approvado por 64 votos contra 29, e, portanto, julgada a materia discutida.
Posto em seguida á votação o capitulo 1.°, foi approvado.
Entrou em discussão.
Capitulo 2.° — Côrtes.................. 92:147$900
Foi approvado.
Capitulo 3.° — Juros e amortisações a cargo
do thesouro.........1.909:351$250
O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Presidente: — O sr. ministro da marinha pediu a palavra para antes de se fechar a sessão. Tem a palavra.
O sr. Ministro da Marinha (Thomas Ribeiro): — Tomo muito pouco tempo á camara.
Pedi a palavra unicamente para corresponder a um convite feito pelo illustre deputado o meu amigo, o sr. Mariano de Carvalho, que no principio da sessão perguntou pelos negocios de Moçambique, relativamente a um antigo adversario nosso, que, no dizer de alguns jornaes, se apresenta agora como preparando-se para nos mover novas hostilidades.
O sr. deputado Ferreira do Mesquita, segundo me consta, já a este respeito deu explicações que devem haver tranquillisado a camara; mas como agora tenho presente o ultimo officio que recebi do Moçambique, officio que respondo completamento ás apprehensões da capital, o que tiveram echo, como deviam ter, n'esta casa, peço licença para o ler á camara.
Este officio é do governador geral, e diz assim:
«Governo geral da provincia de Moçambique, 26 de fevereiro de 1879. — 2.ª repartição. — N.° 53.
«Ill.mo e Ex.mo Sr. — Dando-mo conta do resultado da commissão desempenhada pelo secretario do governo do districto de Tete, e de que dei conta a V. ex.ª em meu officio n.° 1 (confidencial, A) da presente serie, participa-me o referido governador que o dito secretario fóra bem recebido pelo sargento mór de Massangano (Bonga), o qual o auctorisou a desmanchar a aringa no sitio de Nhaburpur, caso ella esteja levantada em terra pertencente ao governo.
«Depois do conhecida esta resposta pelo governador, conseguiu elle apurar que o sitio em que está construida a aringa não póde com certeza dizer-se que pertença ao praro de Nhaburpur, por isso que não se acha bem delimitado com aquelle de que é emphyteuta o dito Bonga; e que, alem d'isso, a aringa é de tão pouca importancia pela sua construcção o posição, que não vale a pena suscitar questões que interrompem a boa harmonia em que o dito sargento mór vive actualmente comnosco.
«Informa tambem o mesmo governador, que pelo supradito secretario soubera, que está completamente destruída a aringa de Massangano, e que o Bonga transferira definitivamente o seu domicilio para um luane, que tem no Inhaquari, onde vive sem fortificação alguma na mais completa miseria; colligindo-se d'estas circumstancias que deseja viver pacificamente.
«Deus guarde a V.'ex.ª Palacio do governo geral da provincia de Moçambique, 26 de fevereiro de 1879. — Ill.mo e ex.mo sr. ministro e secretario d'estado dos negocios da marinha e ultramar. Francisco Maria da Cunha, governador geral de Moçambique.»
Não tenho nenhuma outra informação; mas esta, alem de tranquillisar o espirito publico, deve ser agradavel para todos nós, embora eu não gosto das desgraças de ninguem.
O sr. Presidente: — Eu concederia a palavra para explicações ao sr. Rodrigues de Freitas, depois de satisfazer aos preceitos do artigo 149.° do regimento, se o sr. deputado estivesse presente; mas, como s. ex.ª não está presente, dispenso-me de consultar a camara.
Agora vou ler o artigo do regimento, para a camara ver os motivos por que não concedi ha pouco a palavra para explicações ao sr. Rodrigues do Freitas.
O artigo 149.° diz o seguinte:
«Finda a discussão não poderá o presidente conceder a palavra a nenhum deputado para explicações de facto ou de discurso. Quando, porém, a camara em casos especiaes permitia as explicações, estas só poderão ter logar em hora de prorogação de sessão.»
Creio que está perfeitamente justificado o procedimento da mesa. (Apoiados.)
Previno os srs. deputados do que tenciono dar ámanhã sessão nocturna, alem da diurna.
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A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e meia da tarde.