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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sessão de 19 de agosto, pag. 271, col. 1.ª

O sr. Dias Ferreira (na tribuna): — Ainda que não é muito o tempo que me resta para concluir o meu discurso, hei de circumscrever quanto possivel as minhas observa-

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ções, porque realmente já cansa a quem falla e a quem ouve, um discurso seguido durante quatro dias, sobre o mesmo assumpto, comquanto sobre acontecimentos graves, mas cuja exposição, se as circumstancias parlamentares fossem outras, e outra a direcção dos trabalhos, poderia ter acabado no primeiro dia.

Depois dos factos que eu expuz e fundamentei em face dos documentos fornecidos pelos delegados do governo, e em vista de outros documentos authenticos, era chegada já a occasião de apreciar a responsabilidade politica e a cumplicidade criminosa dos srs. ministros nos mesmos acontecimentos, para me desempenhar completamente do meu compromisso.

O governo não tem documentos para contradictar as minhas observações; vem armado unicamente das informações das auctoridades, informações que poderão servir para os srs. ministros, mas que não podem servir de prova contra a parte contraria. O governo tem só os documentos emanados dos seus delegados para argumentar contra as gravissimas accusações que pesam sobre os srs. ministros.

Mas eu quero ir mais longe; quero destruir uma por uma mesmo as affirmativas que vém nos officios dos delegados do governo. Hei de destruir cada uma das suas affirmativas com documentos authenticos, e com documentos officiaes, isto é, com documentos de cuja authenticidade a ninguem é licito duvidar. Nem esse reducto lhes hei de deixar.

Depois das proporções que esta questão tomou, toda a clareza é necessaria, não se póde occultar nem uma circumstancia, nem um facto qualquer que resulte dos documentos, ou os documentos sejam dos mandados para a camara pelo governo, ou sejam documentos que constém dos archivos publicos de um modo permanente, e que a nossa legislação considera como documentos authenticos.

Permitta-me, pois, v. ex.ª que eu, antes de chegar ás conclusões do meu discurso, vá desfazer uma por uma as informações dadas ao governo pelos seus delegados, porque nem esse recurso lhe ha de ficar. Nem o recurso d'esses officios, que aliás poderiam servir de informação para elle, lhe ha de valer.

Começo pelo deploravel officio do governador civil de Coimbra, de 20 de julho de 1871, officio que contém informações enviadas ao sr. ministro do reino pelo seu delegado em Coimbra, as quaes todas são destruidas e desfeitas por documentos authenticos, e que não admittem resposta.

Primeiro periodo:

«Só depois da syndicancia poderei informar a v. ex.ª com mais minuciosidade ácerca do procedimento do administrador do concelho de Arganil, nas suas relações officiaes com as auctoridades judiciaes da comarca; mas por algumas das accusações que o juiz de direito faz aquelle magistrado, já eu posso asseverar a v. ex.ª, que ha da parte do juiz de direito um proposito formado contra o administrador, o que me não surprehende, porque o delegado da comarca, Botelho Palma, disse publicamente, que ou havia de perder o administrador do concelho de Arganil, ou deixar de ser delegado do procurador regio.»

Os agentes do governo, vendo-se perdidos no terreno que tinham escolhido, julgaram que podiam ir buscar uma attenuante, lançando insinuações a todas as auctoridades judiciaes. Julgaram que os crimes de outros podiam justificar os seus crimes, que os erros alheios podiam justificar os seus proprios erros; quizeram ir buscar attenuante para elles, o que é inadmissivel (apoiados).

Diz o officio: «Mas por algumas accusações».

Note v. ex.ª que o governador civil diz no seu officio: «já eu posso asseverar a v. ex.ª, que ha da parte do juiz um proposito formado contra o administrador». Faz-se esta declaração com respeito a um administrador de concelho, que sem a mais pequena resistencia ou provocação da parte do juiz, desacatou a lei, que não obedeceu aos mandados judiciaes, e que não respeitou mesmo as leis do decoro pessoal que deve sempre guardar a auctoridade publica (apoiados).

Quer a camara apreciar a verdade da asserção do governador civil. É examinar o documento n.º 3, que contém, os seguintes factos. O administrador do concelho foi referido n'um processo de querela publica pela quinta testemunha do summario. Como testemunha referida tinha de ser inquerido o administrador, não sobre o auto de querela, mas simplesmente a respeito da referencia. Por consequencia n'um quarto de hora ou em meia hora podia fazer o seu depoimento.

O juiz de direito mandou-o intimar para depor como testemunha, nos seguintes termos: «Intime-se e officie-se á testemunha, bacharel Manuel da Cruz Aguiar, administrador d'este concelho (Arganil), referida pela quinta testemunha do summario a fl. 157 v. para comparecer na minha residencia no dia 15 do corrente ás onze horas, a fim de depor sobre a referencia. Arganil, 13 de junho de 1871. = Leão.» Foi este o despacho do juiz. No mesmo dia fez o official de diligencias a seguinte intimação:

«Certifico em como n'esta villa intimei a testemunha o ill.mo sr. dr. Manuel da Cruz Aguiar, administrador d'este concelho, para todo o conteudo no mandado retrò, que elle leu, e disse que ficava bem sciente de todo o conteudo do presente mandado, e commigo assigna, e sua identidade reconheço. Arganil, 13 de junho de 1871, de manhã. = Manuel da Cruz Aguiar. = O official de diligencias, José Agostinho Alves.»

Agora quer a camara saber como o administrador do concelho obedeceu ao mandado da justiça, á intimação judicial, a que todos os cidadãos têem obrigação de obedecer? (Apoiados.) Eu lh'o digo. Respondeu do modo seguinte:

«Ill.mo e ex.mo sr. — Tenho a participar a v. ex.ª, que ámanhã 15 do corrente, não posso comparecer diante de v. ex.ª em virtude de serviço publico, que me obriga a estar ausente d'esta villa, o que communico a v. ex.ª para os devidos effeitos. Deus guarde a v. ex.ª Arganil, 14 de junho do 1871. — Ill.mo e ex.mo sr. dr. juiz de direito da comarca de Arganil. = O administrador do concelho, Manuel da Cruz Aguiar.»

Ora, a camara sabe que desde que uma testemunha é intimada para comparecer em juizo e não comparece, o juiz póde mandar os autos com vista ao ministerio publico, para este requerer que a testemunhei venha á presença do juiz debaixo de custodia. Esta é a disposição da lei. Pois o juiz de direito de Arganil, apesar de ter o proposito formado contra o administrador do concelho, no dizer do officio do ex-governador civil de Coimbra, não o mandou vir á sua presença debaixo de custodia. Pelo contrario. O despacho do juiz de direito de Arganil, depois d'esta desconsideração ao seu mandato, foi o seguinte: «Junte aos autos (o officio do administrador), intime-se novamente para o dia 17 do corrente ás dez horas, na minha residencia, e officie-se. Arganil, 14 de junho de 1871. = Leão.» O official intimou-o nos seguintes termos:

«E dos mesmos autos mais se vê a fl. 173 v. a seguinte certidão de intimação: Certifico em como, em sua propria pessoa e morada, intimei o dr. Manuel da Cruz Aguiar, administrador d'este concelho, para todo o conteudo no mandato retrò, que elle leu, e declarou que ficava bem sciente de todo o conteudo no presente mandado, e do dia, hora e local para seu cumprimento; e para constar passo a presente, que o intimado assigna commigo official. Arganil, 16 de junho de 1871, de tarde. = Manuel da Cruz Aguiar. = O official de diligencias, José Agostinho Alves.»

Quer a camara saber como o administrador do concelho cumpriu á segunda intimação o mandato judicial? Foi do seguinte modo:

«Ill.mo e ex.mo sr. — Tenho a participar a v. ex.ª, que não posso comparecer hoje na sua presença, como devia, pelo mandato de intimação que me foi feita pelo official d'este juizo José Agostinho Alves, em virtude do serviço

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publico de que estou encarregado, e que hoje tenho de desempenhar. — Deus guarde a v. ex.ª Arganil, 17 de junho de 1871. — Ill.mo e ex.mo sr. juiz de direito da comarca de Arganil. = O administrador do concelho, Manuel da Cruz Aguiar.»

O administrador do concelho, Manuel da Cruz Aguiar, é o proprio administrador que reconhece que devia comparecer. Ora, depois d'este ludibrio á segunda intimação judicial, qual foi o procedimento do juiz de direito? Qual foi o despacho do juiz que tinha o proposito formado contra o administrador? Foi o seguinte:

« Junte-se aos autos (officio do administrador), intime-se novamente para o dia 19, ás dez horas, no tribunal. Arganil, 16 de junho de 1871. = Leão.»

Não foi intimado em vista da seguinte certidão:

«E dos ditos autos a fl. 170 se mostra a certidão de não intimação seguinte:

«Certifico em como vim ás moradas da habitação do dr. Manuel da Cruz Aguiar, administrador d'este concelho, a fim de o intimar para todo o conteudo no mandado retrò, e não o intimei pelo não encontrar, nem na casa de sua habitação nem na administração d'este mesmo concelho, aonde foi igualmente perguntado por mim official, na presença das testemunhas abaixo declaradas e assignadas: n'este acto fui informado que tinha saído hontem, 18 do corrente, para fóra d'esta villa; e para constar passo a presente, de que são testemunhas: Emygdio Nunes Pinto e Antonio Mendes, ambos casados, este latoeiro e aquelle serralheiro, que assigna commigo, e não assigna a outra testemunha por dizer que não sabe escrever. Arganil, 19 de junho de 1871, de manhã. — Emygdio Nunes Pinto. = De Antonio Mendes uma cruz. = Official de diligencias, José Agostinho Alves.»

Na certidão da intimação declara-se que o dr. Manuel da Cruz Aguiar não póde ser intimado para comparecer no dia 19 no tribunal, por não ser encontrado nem na casa de sua habitação, nem na administração do concelho, e por constar que tinha saído no dia 18 para fóra da villa.

Em presença d'estes factos proferiu o juiz de direito o seguinte despacho:

«Intime-se novamente a testemunha para o primeiro dia em que for encontrada, ou para aquelle que ella no acto da intimação declarar achar-se desempedida do serviço publico que tem obstado á sua inquirição, segundo ella declara nos officio de fl.... e fl.... Arganil, data supra. = Leão.»

Quer a camara saber, para cumulo de ludibrio, qual foi a resposta a esta ultima e extremamente condescendente intimação? Foi a seguinte, que consta da respectiva certidão:

«E dos mesmos autos mais se vê e mostra a fl. 177 v. a seguinte certidão de intimação e declaração do citado referido administrador d'este oncelho: «Certifico em como vim ás moradas do dr. Manuel da Cruz Aguiar, administrador d'este concelho, e aqui o intimei para todo o conteudo no mandato retrò que lhe li, e elle leu, e n'este acto o mesmo declarou que está desembaraçado, como suppõe, no dia 11 do proximo mez de julho pelas duas horas da tarde, e que escolhia este dia em virtude de urgencias de serviço que tem até o dia acima declarado; e para constar passo a presente que o intimado commigo vae assignar depois d'esta por mim, official do juizo de direito, lhe ser lida, e sua identidade reconheço. Arganil, 22 de junho de 1871, de tarde. = Manuel da Cruz Aguiar. = Official, José Agostinho Alves.»

Esta demora de tantos dias, com a obrigação de fechar o summario dentro de trinta dias, collocava o juiz em posição difficil, a ponto que teve de dar parte do facto ao presidente da relação. O juiz, ou havia de deixar de fechar o summario dentro do praso marcado nas leis, ou proceder contra o delegado do governo, que por esta fórma ludibriava o poder judicial (apoiados). Deixou de encerrar o summario para não crear conflictos com a auctoridade administrativa. Ora, quando o juiz de direito procede do modo que acabo de expor á assembléa, não póde vir dizer-se ao ministro, que o juiz de direito tinha proposito formado contra o administrador do concelho (apoiados). Não póde dizer-se (apoiados), porque é contradizer a verdade conhecida por tal.

Mas não ficam só por aqui as desconsiderações e ludibrios do administrador de Arganil contra os mandatos e auctoridades judiciaes.

Exponho á camara mais alguns factos, para que a assembléa saiba a fundo a que estado tinha chegado a audacia da auctoridade administrativa no concelho de Arganil, nos negocios judiciaes.

Eu tenho aqui documentos authenticos, que mando para a mesa, que todos podem ver, que todos podem examinar, e que dão noticia de factos que eu não podia acreditar emquanto me foram communicados particularmente.

Pois eu podia acreditar que o administrador do concelho de Arganil tinha feito um officio ao juiz de direito para assistir aos interrogatorios no summario de um preso, interrogatorios que são acto secreto, a que nem o agente do ministerio publico póde assistir?!... Pois eu podia acreditar similhante facto sem ver os documentos authenticos que o comprovassem?

Ainda que pessoas do maior credito me communicassem este facto, ainda que por ellas eu tivesse as mais precisas informações de que o administrador do concelho de Arganil tinha dirigido ao juiz de direito um officio, que tenho por certidão, extrahida dos autos, para assistir aos interrogatorios de um preso, que é um acto do processo preparatorio a que nem o agente do ministerio publico póde assistir, não podia eu acredita-lo senão em face de documento authentico.

Pois saiba v. ex.ª que chegou até ahi o arrojo ou a inepcia do administrador do concelho.

O officio consta do seguinte documento:

« Certidão. — José Joaquim de Campos, escrivão e tabellião do segundo officio de ante o juizo de direito da comarca de Arganil, e interinamente encarregado do terceiro officio de ante o mesmo, etc.

«Em cumprimento do despacho retrò, certifico em como pelo cartorio do terceiro officio de que estou encarregado, se procedeu a uns autos de querella a requerimento do ministerio publico, contra Francisco da Cunha Rufino, e seu irmão José da Cunha Rufino, do logar das Fronhas, freguezia de S. Martinho, a que allude a petição retrò, e n'elles a fl. 6, se acha o officio do administrador d'este concelho, que se pede por certidão, o qual é do teor seguinte:

«Ill.mo e ex.mo sr. administrador do concelho de Arganil. — N.° 57. — Ponho á disposição de v. ex.ª Francisco da Cunha Rufino, que hontem capturei por haver, senão certeza, suspeita de ter assassinado sua mulher Thereza de Jesus, ou Thereza Rodrigues, devendo declarar a v. ex.ª que as suspeitas recaem igualmente sobre o irmão d'este, por nome José, o qual não póde ser capturado por se ter evadido.

«Outrosim, participo a v. ex.ª que posto que não haja testemunhas de vista, por ser logar ermo, pela vistoria a que procedi no local do assassinato, duvida nenhuma me resta de que a referida Thereza de Jesus foi assassinada, como se deduz do auto de investigação que envio a v. ex.ª

«Capturei tambem para averiguações Maria, filha de Antonio Pinto Ladeira, do logar das Fronhas, com quem o capturado vivia em mancebia escandalosa,

dizendo-se que o pae d'esta dissera: Tão depressa ella morra (a assassinada), como elle casa com a minha filha, o marido da assassinada, o qual tambem ponho á disposição de v. ex.ª

«Seria conveniente a minha presença ao interrogatorio, por estar conhecedor do local do assassinato. Podem depor sobre este facto Antonio José Coelho Junior, viuvo, carcereiro d'esta villa, Antonio Francisco, soldado n.º 58 da

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3.ª companhia do regimento de infanteria n.º 14, destacado n'esta villa, e Joaquim Carvalho, solteiro, trabalhador, do logar das Fronhas, freguezia de S. Martinho, por terem ouvido as ultimas declarações do capturado Francisco da Cunha Rufino.

«Deus guarde a v. ex.ª Arganil, 29 de abril de 1871. — Ill.mo e ex.mo sr. dr. juiz de direito da comarca de Arganil. = O administrador do concelho, Manuel da Cruz Aguiar.»

Ora, realmente, quando o administrador do concelho officía ao juiz de direito para assistir aos interrogatorios de um preso, quando elle desobedece aos mandatos judiciaes, quando o juiz dá tantos documentos de paciencia a respeito d'elle, não póde vir dizer-se que havia da parte d'esse juiz um proposito formado contra o administrador do concelho.

O que eu creio é que effectivamente o administrador do concelho empregava todos estes meios, e fazia de proposito todas estas resistencias ás intimações judiciaes, a fim de que o juiz o mandasse buscar debaixo de custodia, e começasse a desordem que se preparava.

Não quero tirar agora mais illações d'estes factos. Não quero offender ninguem; apresento os documentos, e a assembléa naturalmente tira as illações convenientes de tudo quanto está escripto em documentos tão authenticos.

Já v. ex.ª e a camara vêem que a informação a respeito do proposito formado pelo juiz contra o administrador, está totalmente destruida. O juiz não podia ser mais paciente. Viu ludibriados os seus mandados, desprezadas as suas ordens, e teve ainda todas as condescendencias, todas as attenções, e todas as contemplações com a auctoridade administrativa, que parecia apostada a provocar só conflictos e desordens.

É notavel que intimado tantas vezes o administrador do concelho de Arganil, declare a final em 22 de junho que suppõe que em 11 de julho poderia estar desembaraçado para cumprir o mandato judicial!

Estes documentos não careciam de syndicancia para os confirmar ou esclarecer. Estavam ha muito tempo na secretaria.

A syndicancia não podia desculpar estes factos. A syndicancia, como mostrarei a v. ex.ª, foi uma desgraça para os proprios que a promoveram. Portanto, o sr. presidente do conselho, não providenciando de prompto, identificou-se som o proceder dos seus delegados.

Está pois destruida a primeira asseveração do officio do governador civil, a do proposito formado pelo juiz de direito contra o administrador.

No mesmo periodo assevera o governador civil que o delegado Palma declarára que havia de perder o administrador do concelho.

Esta proposição, com mais ou menos modificações de redacção, foi transcripta dos n.ºs 7, 13 e 14 do Trovão da Beira; e portanto não me demoro a aprecia-la.

Porém o sr. ministro da justiça já transferiu o delegado para outra comarca. Este anno já Arganil conta quatro delegados do procurador regio, entre effectivos e interinos. E eu não vejo meio de acabar com estas instabilidades senão sendo nomeado delegado o actual administrador do concelho, que está envolvido n'estes acontecimentos, e dando-se-lhe poderes discricionarios (riso).

Continua o governador civil no seu officio:

«Diz o juiz no seu officio de 27 de junho ultimo, que o administrador cortou as suas relações officiaes com o delegado, e que tendo-lhe o mesmo administrador participado em 10 de maio ultimo, que havia sido preso em Portalegre um individuo suspeito do crime de morte, e respondendo-lhe elle juiz, que logo que o preso chegasse lh'o apresentasse, ainda na data do referido officio o não tinha feito. Vou explicar a v. ex.ª como as cousas se passaram, para poder apreciar a boa fé do juiz n'esta arguição.

«No dia 27 de abril participou o regedor da freguezia de S. Martinho ao administrador do concelho de Arganil, que Francisco da Cunha Rufino havia assassinado sua propria mulher, sendo auxiliado no crime por seu irmão. O administrador participou o facto ao juiz, porque o delegado não estava na terra, e partiu logo para o logar do delicto, esperando que o juiz fosse proceder ao exame de corpo de delicto. O delegado queixou-se de ter o administrador participado o crime ao juiz e não a elle, e d'aqui concluiu que o administrador tinha interrompido as relações officiaes com o agente do ministerio publico, e assim o participou ao seu chefe, omittindo provavelmente as circumstancias que se deram, para elle não fazer saber que no dia em que se praticou o crime que o administrador participou ao juiz, estava o agente do ministerio publico fóra da villa e freguezia de Arganil, sem ser em serviço publico.

«Como disse, o administrador partiu para S. Martinho logo que teve noticia do crime, e capturou o assassino, e não podendo capturar o irmão, por se ter ausentado, procedeu ás necessarias indagações, e soube no concelho de Groes era 4 de maio, que aquelle individuo, por nome José da Cunha Rufino, tinha sido para Hespanha no dia 1 do mesmo mez, e devia chegar a Portalegre no dia 6, e a Campo Maior no dia 7, e officiou logo mesmo de Goes para este governo civil, participando isto, e o primeiro foi preso em Portalegre a requisição d'este governo civil. Logo que tive participação da prisão, communiquei-a ao administrador do concelho, mas o preso só veiu de cadeia em cadeia e só chegou a esta cidade no principio de junho, e tendo chegado doente, aponto de não poder seguir jornada, só em 29 do junho ultimo póde ser conduzido para Arganil. O juiz accusa o administrador do concelho de lhe não ter entregado um preso que não tinha á sua disposição, sabendo muito bem esta circumstancia. Da maneira que o administrador, que n'esta diligencia procedeu com um zêlo e energia digno de louvor, mereceu ainda a censura do juiz, porque, fazendo tudo quanto estava ao seu alcance, não venceu o espaço para prender um criminoso e leva-lo logo á presença do mesmo juiz.»

Esta informação tem por objecto um facto gravissimo, e é completamente desmentida por um documento importantissimo que vou ter á camara.

Tinha-se commettido um assassinato no concelho de Arganil no mez de abril, e eram accusados do crime o marido da assassinada e um irmão do marido. Um dos réus conseguiu fugir, mas foi preso em Portalegre no dia 10 de maio.

Como não havia testemunhas de vista, o juiz insistia por que lhe fosse entregue o preso com promptidão, não só para os interrogatorios, mas tambem para as acareações, e para poder encerrar o summario com mais estes elementos de prova, visto que tinha a noticia de que o réu havia sido capturado a 10 de maio, e era chegado o dia 27 de junho sem lhe ter sido entregue.

Queixou-se o juiz nos officios, que mandou ao governo, de ser decorrido tanto tempo sem lhe ter sido ainda entregue aquelle preso.

Qual é a resposta do magistrado superior do districto para o governo? E que esse preso veio de cadeia em cadeia, e que chegou a Coimbra no principio de junho, vindo doente, e em termos de não poder fazer jornada, de modo que só póde ser remettido para Arganil em 30 de junho. E aproveita o governador civil este facto para fazer graves insinuações ao juiz de direito.

Vou desmentir esta informação com um documento autentico passado pelo carcereiro da cadeia de Coimbra, que declara que foi em 26 de maio e não em principios de junho, que o preso entrou nas cadeias de Coimbra, e que nunca ali estivera doente!

Uma voz: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — O documento diz o seguinte:

«Ex.mo sr. — Diz Joaquim Dias da Conceição, d'esta cidade, que precisa por certidão, extrahida dos respectivos assentos da cadeia d'esta cidade, e do livro da enfermaria,

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ou de quaesquer outros documentos, se o preso José da Cunha Rufino, vindo de Portalegre, solteiro, natural de S. Martinho, de Arganil, que ali deu entrada nos fins de maio ou principios de junho ultimo, ali esteve doente a ponto de não poder fazer jornada para Arganil; a data da sua entrada na cadeia e a data da sua saída; bem como se esteve doente durante todo o tempo que se conservou n'aquella prisão. Por isso pede a v. ex.ª se digne mandar passar a certidão pedida.

«Coimbra, 14 de agosto de 1871. = Joaquim Dias da Conceição.

«Deferido. — Cadeia, 14 de agosto de 1871. = Trigueiros.»

«Sebastião José Luiz de Matos, carcereiro da cadeia de Santar, districto de Coimbra, por Sua Magestade El-Rei, que Deus guarde, etc.

«Certifico que o preso constante a que allude a petição retrò, deu entrada n'esta cadeia á ordem do ex.mo governador civil d'este districto, em 26 de maio de 1871, e em 30 de junho do mesmo anno foi removido para Arganil á ordem do mesmo ex.mo senhor, e bem assim certefico que durante o tempo que esteve n'estas cadeias, nunca esteve doente, como consta dos livros do registo e mappas do rancho, aos quaes ma reporto em meu poder e cartorio.

«Coimbra, 14 de agosto de 1871. = O carcereiro, Sebastião José Luiz de Matos. — (Segue o reconhecimento.)»

Eu leio tudo, não quero offender ninguem, mas quero tirar todas as illações que naturalmente se deduzem dos documentos.

Estava o preso envolvido n'um crime de morte; não havia testemunhas de vista, e por isso era preciso entrega-lo quanto antes ao juiz para elle communicar com o menor numero de pessoas, e poder ser acareado com a possivel promptidão. Esteve trinta e quatro dias na cadeia de Coimbra sem ser remettido ao juiz de Arganil. Queixa-se o juiz de direito de ser decorrido tanto tempo sem lhe ter sido entregue o preso. Affirma o magistrado superior do districto ao governo que não fôra entregue mais cedo porque estava doente. Vem o carcereiro e desmente completamente o governador civil. Declara que o preso não entrára na cadeia de Coimbra nos principios de junho, mas sim em 26 de maio, e que elle não estivera doente, mas sim de saude!

Outro periodo do officio do governador civil:

«E a proposito devo ponderar a v. ex a, que seria conveniente averiguar se as auctoridades judiciaes de Arganil procederam n'este negocio com a mesma diligencia e zêlo que mostrou o administrador do concelho, pois consta officialmente n'este governo civil, que o juiz eleito da freguezia não fizera o exame de corpo de delicto com o devido cuidado, porque nem ao menos despiram o cadaver para o examinar; e como o assassino allega que encontrou a mulher enforcada, póde esta deficiencia ou irregularidade do corpo da delicto fornecer a defeza do criminoso, que provavelmente fica impune.

«O administrador verificou com o parecer de peritos, que se não podia dar a circumstancia allegada pelo criminoso, e isso se declarou no auto, que foi entregue com o preso ao poder judicial; mas, apesar d'isso, seria ter-se reformado o corpo de delicto, se não estava regular, como determina o artigo 213.° da novissima reforma judicial.»

Chegou o desaforo da auctoridade administrativa a ponto de ir syndicar se o corpo de delicto feito pelo poder judicial estava bem feito, quando o governo tem ao lado do juiz o agente do ministerio publico, para requerer o que for de direito! (Apoiados).

Chegámos a este estado de usurpação pela auctoridade administrativa de todas as funcções judiciaes.

Nem nas dictaduras bc usurpam as attribuições do poder judicial. Podem os dictadores assumir provisoriamente o poder legislativo. Mas com o poder judicial nunca ninguem entendeu (apoiados).

Pois, sr. presidente, a auctoridade administrativa cuida até de verificar se o corpo de delicto feito pelo juiz de direito, onde está presente o agente do ministerio publico, delegado do governo, estava feito nos termos da lei!

A mulher tinha sido morta por estrangulação; e o administrador do concelho declara que não despiram o cadaver para fazerem um exame perfeito.

Eu leio já um documento autheotico onde vem a declaração do medico, que procedeu ao exame, e que desmente tambem a informação do governador civil. O documento é o seguinte:

«Certidão. — José Joaquim de Campos, escrivão e tabellião do segundo officio, e interinamente encarregado do terceiro officio de ante o juiz de direito da comarca de Arganil, etc.

«Em cumprimento do despacho retrò certifico que, pelo cartorio do terceira officio de que estou actualmente encarregado, se processaram e pendem uns autos de querela a requerimento do ministerio publico, contra Francisco da Cunha Rufino e José da Cunha Rufino, ambos do logar das Fronhas, da freguezia de S. Martinho da Cortiça d'este julgado de Arganil, e nos mesmos autos a fl. 27 se acha um auto de exame e corpo de delicto feito no cadaver de Thereza de Jesus Rodrigues, mulher do primeiro dos querelados, em cujo exame pelo facultativo d'este partido de Arganil o dr. José Joaquim Jorge foi declarado o seguinte: Que ella tinha as unhas todas das mãos de côr denegrida, assim como tambem tinha de côr denegrida as palpebras de ambos os olhos, assim como tambem tinha denegridos ambos os lados da bôca; que mais tinha dois pequenos ferimentos em qualquer dos lados do pescoço, que só interessam a pelle e tegumentos, e que pela sua profundidade e extenção mostravam terem sido feitos com as unhas; e que mais tinha no pescoço, principalmente na sua parte anterior, una deporção e escariação que mostrava ter sido feita com alguma corda, de que devia ter-lhe resultado asphixia a que seguiu a morte; e que nada mais achou de notavel no cadaver, e que por isso que nada mais tinha a declarar debaixo do juramento que havia recebido. Certifico mais, que a fl. 34 dos referidos aut03 de querela se acha tambem um auto de declarações supplementares a que se procedeu n'esta villa com assistencia do ministerio publico, pelo perito dr. José Joaquim Jorge, medico do partido municipal d'este concelho de Arganil, nos quaes o dr. João José Botelho Palma, delegado do procurador regio n'esta comarca, propoz os seguintes quesitos: Primeiro, qual era o sexo, idade e robustez do cadaver que examinou. Segundo, qual a expressão que apresentava a physionomia, se o do soffrimento, ou de intorpecimento; se os olhos se mostravam abertos, scintillantes e como querendo saír das orbitas; qual a posição da lingua em relação as maxillas e qual d'estas se achava mais prolongada; se na bôca se notavam contorsões e se as mãos se achavam abertas ou fechadas, e n'este ultimo caso, se notava ter havido fortes contracções musculares. Terceiro, qual a côr da face, se lívida, rosada ou violacea. Quarto, quantos os sulcos que se achavam no pescoço, e qual a sua direcção obliqua ou transversal, e n'este ultimo caso, se perfeitamente circular ou se sómente abrangia e interessava parte dos tegumentos do pescoço, e se anterior ou posteriormente, e se o sulco ou sulcos examinados se notaram acima ou abaixo da larynge, e se tinha observado haver-se dado a fractura do osso hyode e cartilagens da larynge; finalmente, se havia notado que nos orgãos genitaes, ou na roupa correspondente á altura dos mesmos, existia signal ou signaes da ejaculação do esperma. Ao que pelo dito facultativo perito n'este acto foi respondido e declarado o seguinte. Emquanto ao primeiro, que o individuo cujo cadaver examinou, e que consta do auto a que procedeu o juiz eleito da freguezia de S. Martinho, feito no dia 28 de abril proximo findo, é do sexo feminino, mostrando ter trinta annos de idade pouco mais ou menos, estatura alguma cousa menos que regular, e de constituição robusta. Ao segundo, que a physionomia

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do mesmo individuo apresentava a expressão do intorpecimento, tendo os olhos e os dentes cerrados, com a lingua contida dentro das maxillas, e estas na posição normal sem contorções na bôca, e as mãos abertas com os dedos um pouco fechados e contrahidos, sem notar, comtudo, fortes contracções musculares. Ao terceiro, que a face apresentava côr livida. Ao quarto, que no pescoço se notava um sulco transversal com dois pequenos rebordos que interessava a parte interior do pescoço, e os tegumentos, havendo n'estes dois pequenos ferimentos um de cada lado, digo, década um dos lados do pescoço que interessavam a pelle e tegumentos, que pareciam ter sido feitos com as unhas; que o referido sulco exiatia pela parte superior da larynge, sem que se notasse fractura do hyoide e cartilagem da larynge; que não observou no cadaver nem na roupa correspondente, por isso que já o cadaver se achava amortalhado, signaes alguns, ou liquidos proprios dos orgâos sensuaes, mas que foi informado na occasião do exame, que o cadaver tinha expulsado materias fecaes em abundancia; que em todo o cadaver que mandou despir e examinou se não encontravam nodoas, ferimentos ou contusões, ou outros alguns vestigios, a não ser os supra referidos; que pelos symptomas apresentados, a morte foi necessariamente causada por asphixia, por estrangulação, e não por suspensão, sendo sua opinião que alguem com uma corda praticou a dita estrangulação, segurando a dita corda pelo lado detraz do pescoço, e que em attenção á ausencia de indicios que mostrassem fortes contracções musculares e soffrimento prolongado, é sua opinião que a morte se seguiu rapidamente á applicação do instrumento que a causou. E perguntado se pela exhumação de cadaver e autopsia poderia verificar-se algumas outras circumstancias relativas á causa da morte, respondeu o mesmo perito que não, porque a mesma morte se acha bem determinada pelo que deixa declarado; e que nada mais tinha a declarar.»

Realmente custa a crer que seja inexacto tudo quanto o governador civil informou ao governo, e que nem ao menos uma verdade lhe dissesse! Já é desgraça o não se encontrar ao menos um periodo que resista ao desmentido. Foi tão infeliz o agente do governo, que todas as suas informações são destruidas, e caem radicalmente diante dos documentos authenticos! (Apoiados.)

A insinuação feita ao juiz, de que tinha sido feito o corpo de delicto pelo juiz eleito, tambem não resisto aos documentos.

Em primeiro logar a freguezia onde se fez o assassinato dista mais de duas leguas de Arganil. Mas alem d'isto tinha o juiz n'esse dia audiencia geral. Provam este facto os dois seguintes documentos:

«José Ignacio de Abreu Moniz Serrão, escrivão e tabellião de um dos officios do ante o juiz de direito da comarca de Arganil, por Sua Magestade Fidelissima, que Deus guarde, etc.

«Certifico que em meu poder e cartorio existem uns au tos crimes de querela, em que é auctor o ministerio publico e réus Francisco da Cunha Rufino e José da Cunha Rufino, das Fronhaa, e nos mesmos autos a fl. 27 se acha o auto do corpo de delicto, feito no cadaver de Thereza de Jesus Rodrigues, a que allude a petição retrò, o qual foi feito aos 28 dias do mez da abril do corrente anno de 1871. Por ser verdade mandei passar o presente que assigno. E eu, José Ignacio de Abreu Moniz Serrão, escrivão, que o subscrevi.

«Arganil, 21 de agosto de 1871. = José Ignacio de Abreu Moniz Serrão.»

«Diz Antonio José Simões, solteiro, negociante n'esta villa, que, para fins convenientes, precisa que o escrivão Campos, como escrivão da audiencia geral, do 1.° semestre do corrente anno, lhe certifique se, no dia 28 de abril ultimo, foi julgado em audiencia geral algum réu — Por isso pede a v. s.ª sr. juiz de direito substituto, se digne mandar se lhe passe. — E. R. M.cê = Antonio José Simões.»

«Passe. — Arganil, 14 de agosto de 1871. = Jorge.

«Certidão. — José Joaquim de Campos, escrivão e tabellião do 2.° officio, e interinamente encarregado do 3.° officio de ante o juizo de direito d'esta comarca de Arganil, etc.

«Em cumprimento do despacho supra, que é do dr. José Joaquim Jorge, primeiro substituto do juiz de direito d'esta comarca no impedimento do proprietario, certifico e faço certo que é verdade ter havido no dia 28 de abril ultimo, a que allude á petição retrò, audiencia geral n'esta comarca.

«E para constar fiz passar o presente que assigno.

«Arganil, 14 de agosto de 1871. — E eu, José Joaquim de Campos, escrivão, que o subscrevi e assigno. — José Joaquim de Campos.»

Ficam assim desmentidas não só as asseverações e informações, mas até as insinuações do magistrado superior do districto.

Outro officio do governador civil:

«Agora permitta-me v. ex.ª umas breves considerações sobre o estado do concelho de Arganil, depois que o juiz Ferreira Leão se tornou protector de um dos partidos politicos que se batera n'aquelle concelho. A excitação começou o anno passado depois da eleição de setembro. A eleição correu pacifica e regularmente, e apesar d'isso foram pronunciados uns poucos de individuos por crimes eleitoraes, denunciados e testemunhados em juizo unicamente pelas pessoas mais importantes do partido contrario.

«É de crer que o juiz lançasse o despacho de pronuncia em harmonia com os depoimentos das testemunhas, e por isso não discuto o seu procedimento; mas é certo que a opinião sensata reprovou o fato, porque não ha nada mais facil do que um partido culpar uma parte do outro, quando para provar crimes eleitoraes se não admittirem como testemunhas senão 03 homens d'esse partido.»

Não sei do quem o juiz Leão é protector no concelho de Arganil, porque elle não é ali conhecido senão pelas sentenças e despachos que tem proferido, tendo-lhe sido confirmados na relação todos aquelles, de que tem havido recurso.

Na eleição do anno passado o juiz Leão não estava era Arganil, estava nas caldas de Guimarães com licença, e foi tal a sua intervenção n'estes processos, que os corpos de delicto não foram feitos por elle (apoiados), nem foi ella quem recebeu as querelas. Era minha obrigação, era meu dever tornar estes factos bem salientes (apoiados).

Entendo que o sr. ministro da justiça mesmo não deve deixar encerrar o debate sem desaggravar o magistrado (apoiados), já que o não desaggravou no momento era que aquelle officio inqualificavel, que o offende na sua honra de magistrado, entrou na secretaria d'estado, e que devia ter uma resposta frisante na volta do correio (apoiados). Devia desaggravar, não o juiz de direito de Arganil, mas a magestade do poder judicial e a independencia de um dos poderes politicos do estado.

O documento que, desmentindo a informação do governador civil, prova que o juiz Leão não estava em Arganil na eleição de setembro passado, nem assistiu ao começo dos processos, é o seguinte:

«Diz Antonio José Simões, solteiro, de maioridade, negociante, d'esta villa de Arganil, que, para fins convenientes, precisa se lhe passe, por certidão de narrativa, por quem foram requeridos os corpos de delicto por violencias eleitoraes, praticadas em setembro ultimo pelo regedor e cabos de policia da freguezia de Coja, Cesar Marques de Oliveira e outros, quem presidiu aos ditos corpos de delicto, quem recebeu a querela, se os réus foram indiciados com fiança, e se o juiz de direito da comarca, dr. João Vasco Ferreira Leão, se achava n'essa occasião na comarca, ou se estava ausente com licença, e por isso — Pede a v. s.ª, ill.mo sr. juiz de direito, se digne mandar se lhe passe. —

E. R. M.cê = Antonio José Simões.

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«P. — Arganil, 5 de agosto de 1871. = Jorge.»

«José Joaquim de Campos, escrivão e tabellião de um dos officios de ante o juizo de direito da comarca de Arganil, por Sua Magestade, etc.

«Certifico que, revendo o cartorio do 3.° officio, de que estou encarregado, n'elle encontrei uns autos de querela publica, por delictos eleitoraes, contra Cesar Marques de Oliveira, regedor de Coja, e outros, d'este logar e do Pisão de Coja, e d'elles se vê que, em virtude de participação de Antonio Luiz, José Rosa, Manuel Ferreira, Antonio Gomes, José Madeira e Manuel Joaquim da Cunha, o dr. José Maria Pestana de Vasconcellos, delegado do procurador regio que foi n'esta comarca, requereu corpo de delicto indirecto, ao qual presidiu o dr. João Correia de Mendonça Taborda, primeiro substituto do juiz de direito em exercicio, o qual, em 10 de outubro ultimo, distribuiu a querela requerida pelo já dito delegado, e que tambem assignou os mandados para a intimação das testemunhas do summario. Mais certifico que o referido Cesar Marques de Oliveira e mais réus pronunciados, o foram com fiança arbitrada em. 5$000 réis. E finalmente certifico que o meritissimo dr. João Vasco Ferreira Leão se achava ausente, com licença, na occasião em que se requereu e procedeu aos corpos de delicto já referidos. É o quanto posso certificar em face dos proprios autos, a que me reporto havendo duvida.

«Passada em Arganil, aos 5 de agosto de 1871. — E eu, José Joaquim de Campos, escrivão, que o subscrevi e assigno. = José Joaquim de Campos.»

É facil forjar estes officios no remanso do gabinete; mas desde o momento em que vem á tela do debate, é preciso tornar bem claro o modo como se procedeu não só em relação aos actos eleitoraes, mas em relação aos actos da administração no concelho de Arganil. É necessario que a assembléa veja no fundo de tudo isto ainda o pensamento reservado de provocar, como desafogo pela derrota, vinganças contra alguns funccionarios que cumpriram o seu dever (apoiados).

Os documentos relativos ao facto da pronuncia de José Albano de Oliveira, pelos crimes praticados na eleição de setembro do anno passado, são as actas do respectivo processo eleitoral. Não as leio para não cansar a camara. Porém conto o facto, e quem quizer verifica-lo, e examinar os documentos, póde faze-lo, porque as actas respectivas estão sobre a mesa.

O facto é o seguinte.

O actual administrador do concelho de Arganil foi nomeado para aquelle concelho em setembro passado, porque n'esta eleição as influencias do governo eram quasi as mesmas que tinham actuado na eleição antecedente. Um dos réus importantes, que muito figura n'estes decumentos como amigo do governo, foi nomeado administrador do concelho quatro dias antes da eleição. Apesar do actual administrador estar nomeado pelo governo ao tempo da eleição, como era necessario não o inutilisar desde logo, e não era possivel vencer senão pelos meios agora empregados, porque essa tambem a perderam, nomeiou-se interinamente administrador do concelho para Arganil um individuo que está agora pronunciado sem fiança, e que já teve duas pronuncias por dois crimes differentes. Foi este administrador assistir á assembléa de Pombeiro, na qual se não achava recenseado.

Quando acabavam as duas horas de espera, disse elle ao presidente da assembléa que queria votar. O presidente respondeu lhe que não podia admitti-lo a votar, porque não estava o seu nome nos cadernos do recenseamento; e que, á excepção dos presidentes das mesas, ninguem podia votar sem ter o seu nome inscripto nos cadernos do recenseamento da respectiva assembléa; mas que ía consultar a mesa. Quando o presidente declarou que ía consultar a mesa, o addministrador levantou a tampa da uma e metteu a lista dentro á força.

Procedeu assim, porque tinha tambem á sua disposição trinta bayonetas; e a opposição empregava todos os esforços para que não houvesse o mais pequeno motivo de desordem.

A mesa não póde obstar á violencia, e a lista ficou dentro da urna.

O homem, reflectindo, reconheceu maÍ8 tarde que o facto era de muita gravidade, de modo que, demorando-se o escrutinio para o outro dia, elle abandonou a eleição; o no outro dia, quando se procedeu ao escrutinio, requereu o redactor do Trovão da Beira, que lá ficou como seu delegado, que se descontasse um voto ao candidato ministerial, que era o do administrador do concelho.

A mesa mandou uma copia da acta ao delegado do procurador regio, este querelou, e o homem foi pronunciado. Não foi, pois, indiciado pelos depoimentos das testemunhas do partido contrario, como inexactamente informa o governador civil, mas por documentos authenticos, como são as actas das assembléas eleitoraes (apoiados).

Vamos á eleição d'este anno.

Não sei quem a auctoridade judicial protegia; o que sei é que o delegado não estava na comarca, que nem o juiz de direito, nem o conservador votaram, e que dos empregados do juizo apenas votara um escrivão. Isto consta das actas.

Tenho-as aqui.

Eu quero destruir estas informações do governador civil, não com documentos meus particulares, mas com documentos authenticos. Eu comprometti-me com a camara a não usar na minha argumentação senão dos documentos mandados pelos delegados do governo, e de algum outro documento authentico; e tenho cumprido pontualmente (apoiados).

Em vista d'estas circumstancias não posso saber a quem a auctoridade judicial protegia; o que sei é que o delegado não estava na comarca, e que o proprio administrador do concelho affirma, que o juiz não pedia votos, e que ficava em casa a idear culpas, que de certo, segundo os documentos, não passaram da idéa do administrador.

Outro periodo do officio do governador civil:

«Mais tarde participou o regedor da freguezia de Cerdeira ao administrador differentes crimes e abusos praticados pelo recebedor e escrivão de fazenda do concelho, e o administrador, procedendo ao competente auto de investigação, remetteu-o com differentes documentos ao agente do ministerio publico. Passou-se muito tempo sem se instaurar o processo judicial, e por fim declarou o juiz que não havia motivo para pronuncia. Não posso apreciar o despacho do juiz, porque não vi o processo, mas tornou-se muito suspeita a imparcialidade das auctoridades judiciaes: 1.°, porque das testemunhas que depozeram no auto de investigação só uma foi inquirida no summario e a um artigo sobre que nada podia jurar; e 2.°, porque o juiz convidou os empregados arguidos para as suas reuniões, e aceitava o convite para as que elles davam em sua casa, sem se interromperem estes obsequios reciprocos durante o summario aberto contra elles. São factos publicos até pela imprensa, que ainda não vi contestados».

Vou explicar este facto.

O recebedor da comarca de Arganil está ali ha mais de vinte annos, e a camara comprehende que, se elle fosse homem eleitoral, alguma vez havia de ter soffrido algum incommodo.

O escrivão de fazenda está ali ha doze annos. Foi uma vez transferido pelo sr. marquez d'Avila; creio que em 1861.

Em 1869, quando começaram a ter força no governo civil os elementos que actuaram n'esta eleição, fizeram logo a partilha dos logares de recebedor da comarca e de escrivão de fazenda. Desde essa epocha a cada mudança de delegado do thesouro, de delegados do procurador regio, e ministro da fazenda, ha logo uma queixa contra aquelles dignos empregados. Acontece com elles o mesmo que em Lisboa com certos pretendentes, que á entrada de cada

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ministro renovam as suas pretensões de longos annos. Este systema applica-se em Arganil com igual perfeição aos empregados de fazenda.

O delegado Palma chegou a Arganil, quando já era presidente do conselho o sr. marquez d'Avila, em 24 de dezembro; e a primeira cousa, que lhe apresentaram, foi um auto de investigação contra os dois empregados fiscaes por crimes por elles praticados.

O maior crime, que se imputava ao recebedor da comarca, era ter distrahido fundos para o escrivão de fazenda fazer um lagar. Posta a questão n'este terreno a primeira cousa, que o delegado do procurador regio fez, foi perguntar ao delegado do thesouro se o empregado estava em alcance. A resposta foi que o recebedor da comarca estava em dia com a fazenda, e então o delegado do procurador regio, em vista d'este documento e de depoimentos de testemunhas insuspeitas, desistiu de proceder criminalmente contra os denunciados.

Mas não o entendeu assim só o delegado do procurador regio. Este benemerito funccionario dirigiu-se ao procurador regio a dar-lhe parte do seu procedimento; esse officio não está aqui, porque não vieram todos os documentos que se pediram, mas nos documentos vem um que prova sufficientemente este facto, que é o officio do delegado de 20 de maio.

Leio á camara o documento d'onde se mostram as rasões por que o delegado deixou de querelar contra os denunciados e querelou contra os denunciantes.

É o seguinte:

«José Joaquim de Campos, escrivão e tabellião de um dos officios, e actualmente encarregado do terceiro, d'ante o juizo de direito da comarca de Arganil, por Sua Magestade Fidelissima, que Deus guarde, etc.

«Certifico que em meu poder e cartorio existem os autos de querela do ministerio publico, contra José Alves da Eufemia, da Cerdeira, por denuncia calumniosa contra o escrivão de fazenda d'este concelho, dada directamente por escripto por elle assignado ao administrador d'este mesmo concelho, e dos mesmos a fl. 73 se vê que em 8 de março ultimo, pelo doutor delegado foi requerida uma declaração do participante, ao que o juiz de direito deferiu por despacho de 9 do mesmo mez; e a fl. 88 se vê que o mesmo delegado em 23 do referido mez requereu se procedesse a corpo de delicto directo e indirecto contra o escrivão de fazenda, ao que o sobredito juiz, dr. João Vasco Ferreira Leão, deferiu no mesmo dia, procedendo-se ao corpo de delicto directo em 28 do sobredito mez, e ao indirecto em 26 de abril ultimo, não havendo querela contra o referido escrivão de fazenda.

«Mais certifico que a fl. 108 se acha a promoção do teor seguinte:

«Tendo José Alves da Eufemia, residente na Cerdeira, em 3 de janeiro do corrente anno, apresentado na administração d'este concelho de Arganil uma denuncia em que declarou á auctoridade administrativa que o escrivão de fazenda d'este concelho, Francisco Antonio Maria da Veiga, falsificava a matriz para collectar quem lhe aprazia, como aconteceu com elle denunciante, que na ultima distribuição dos gremios, não estando inscripto na matriz como tosquiador de animaes, appareceu collectado por exercer tal industria, e que o mesmo empregado, mancommunado com o recebedor da comarca, desviava dos cofres do estado avultadas sommas, já para uso seu, já para o de ambos, factos estes que são mencionados nos artigos 12.° e 13.° da sua denuncia, declaração esta que o dito Eufemia ratificou perante o juiz de direito d'esta comarca, como se vê a fl. 75 e seguintes d'estes autos, declarando ahi que fôra elle quem mandára escrever quanto se achava na denuncia, e que elle proprio apresentou ao administrador d'este concelho, e é a que se lê de fl. 2 a 4, sendo d'elle denunciante a assignatura da mesma, bem como que fôra elle quem apresentára os documentos que á mesma denuncia foram juntos, e que da verdade dos factos ali mencionados e sua prova tomava a responsabilidade, acrescentando que o documento a fl. 6 e 7 lhe fôra fornecido pelo bacharel João da Cunha Vasconcellos Delgado, residente na Cerdeira, o qual lhe declarára que tal carta lhe fôra a elle dirigida pelo escrivão de fazenda, sendo comtudo certo que o bacharel não é sacerdote como se mostra do seu depoimento a fl. 68 e seguintes d'estes autos, mostrando-se da mesma denuncia que ella se acha datada de 3 de janeiro do corrente anno, e assignada e reconhecida a assignatura em 2 do mesmo mez e anno, foi escripta posteriormente a ser assignada, mostrando-se mais do auto de exame directo, feito nas matrizes e cadernos das sessões das juntas de repartidores da contribuição industrial, que a falsificação mencionada no artigo 12.° da denuncia ou qualquer outra, não existia, mostrando-se pelo contrario que o denunciante se achava na mesma matriz inscripto como exercendo a industria de tosquiador de animaes, classificação de que não reclamou, por cuja rasão se não acha constatado o facto da falsificação de que o mencionado escrivão de fazenda é, pelo denunciante, accusado; verificando-se por isso que tal declaração feita tanto á auctoridade administrativa como á judicial é falsa, e por todas as circumstancias mencionadas, que alem de falsa é calumniosa, e só feita com o fim de encommodar e desacreditar similhante empregado.

«Sendo tambem certo que os desvios dos fundos publicos dos cofres do estado só se podem verificar por meio de um balanço dado na recebedoria da comarca, sem o qual não póde por tal motivo haver procedimento judicial, visto que a base d'este é á conta corrente do alcance, e constando do officio do delegado do thesouro do districto, que agora junto por certidão, que o referido recebedor não tem alcance algum para com a fazenda, e portanto se mostra que não houve extravio de fundos da parte d'este, e muito menos do escrivão de fazenda, que não tem a seu cargo a conservação e guarda de dinheiros publicos; o que igualmente se mostra dos depoimentos das testemunhas inquiridas, pois que a unica que em extravio falla, não affirma tal facto, e apenas se refere ao actual escrivão da camara Francisco Garcia de Carvalho, como o fazem as demais inquiridas no auto de investigação, o qual escrivão nega dissesse o que a testemunha padre José Joaquim Marques de Oliveira affirmára quando inquirido pelo administrador do concelho, e já não affirma no corpo de delicto, o que torna de maior importancia o depoimento do referido escrivão da camara, negando as demais testemunhas inquiridas, e todas de reconhecida probidade, a existencia do crime de que trata o artigo 13.° da mencionada denuncia.

«Em vista pois da declaração do delegado do thesouro e depoimento das testemunhas inquiridas, é fóra de duvida que a accusação feita no citado artigo 13.° é calumniosa, e a participação dada pelo denunciante ao administrador do concelho e rectificada n'este juizo, é falsa.

«Mostra-se portanto que não se tendo constatado algum dos dois unicos factos, de que o poder judicial podia e devia tomar conhecimento, e antes pela fórma da denuncia e differentes circumstancias apontadas, se verificou a má vontade que o denunciante tem ao denunciado, é evidente que José Alves da Eufemia, residente na Cerdeira, fazendo a participação que se lê a fl. e que ratificou pelo auto de fl. denunciou calumniosa e directamente á auctoridade publica, que o dito escrivão de fazenda Francisco Antonio Maria da Veiga havia praticado os crimes constantes da denuncia por elle assignada e mencionada nos artigos 12.° e 13.°; e porque tal facto seja um crime publico, previsto e punido pelos artigos 242.° e 245.° do codigo penal, requeiro que, julgado com relação a tal facto, constituido com estes autos o corpo de delicto, se me tome querela contra o dito José Alves da Eufemia, e contra quem mais do summario se mostrar auctor ou cumplice no referido crime.

«Protesto nomear no auto as testemunhas a inquirir no summario.

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«Arganil, 8 de maio de 1871. = O delegado, João José Botelho Palma.

«Outrosim certifico que em seguida, pelo dr. juiz de direito João Vasco Ferreira Leão foi proferido o despacho doteor seguinte:

«Distribuído ao segundo officio. = Campos.»

«Julgo constituido o corpo de delicto pelos factos a que se refere a promoção retrò. Junte-se a certidão que se apre senta, e tome-se a querela requerida. Arganil, 9 de maio de 1871. = Leão.

«Mais certifico que em meu poder e pelo cartorio do 3.° officio existem e pendem uns autos de querela do ministerio publico contra José Alves da Eufemia, da Cerdeira, por denuncias calumniosas, dadas directamente ao administrador d'este concelho, por escripto, por elle assignado, contra o recebedor da comarca e thesoureiro da camara, Bernardo José Simões, e n'ellas a fl. 42 v. se vê que o delegado do procurador regio na comarca, João José Botelho Palma, em 8 de março ultimo requereu uma diligencia contra o recebedor e thesoureiro já referido, ao que o juiz de direito da comarca, João Vasco Ferreira Leão, referiu, como se vê do seu despacho com data de 9 do mesmo mez e anno, e em 18 de abril o referido delegado requereu corpo de delicto indirecto contra o sobredito recebedor e thesoureiro, ao qual o mesmo juiz mandou proceder por despacho da mesma data, e teve logar esse auto em 25 de abril findo.

«Mais certifico, que em 28 do mesmo mez de abril o já referido delegado, em additamento ao corpo de delicto, requereu se inquirissem mais testemunhas, que na sua promoção apontou, ao que o dito juiz deferiu por despacho de

1 de maio, tendo logar esse auto de additamento ao corpo de delicto em 9 do referido mez de maio.

«Mais certifico, que a fl. 71 v. se acha a promoção do doutor delegado, que é do teor seguinte:

«Mostra-se d'estes autos, que em 24 de dezembro de 1870 foi feita directamente á auctoridade administrativa por José Alves da Eufemia, residente na Cerdeira, participação escripta e pelo participante assignada, de que o recebedor d'esta comarca, Bernardo José Simões, tinha commettido os factos criminosos constantes da referida participação ou denuncia de fl. 12 d'estes autos.

«Mostra-se que pelo mesmo denunciante foi declarado perante este juizo, como consta do auto da declaração a fl. 45, que a referida denuncia era sua, que fôra elle quem a mandára escrever, e que tomava a responsabilidade de tudo quanto na mesma affirmára.

«Mostra se da mesma declaração, que não obstante a affirmativa do que mandára escrever e que havia participado á auctoridade, declara, com relação á incriminação feita no artigo 3.° da denuncia, que ignora quem seja o individuo que no mesmo falla, o qual, falsificando os talões, rouba os contribuintes, bem como que não tem nem sabe quem tenha alguns dos talões ou recibos falsificados.

«Mostra-se que a declaração ou denuncia consignada no artigo 2.° da participação é falsa e calumniosa, pois pelo officio do delegado do thesouro do districto, junto a fl. 52, consta que o denunciado não tem alcance nenhum para com a fazenda publica, o que verificou por um balanço que, por empregado especial, mandou dar á recebedoria da comarca.

«Mostra-se tambem pelo depoimento de oito testemunhas das mais conspicuas e que melhor podiam depor sobre o facto de que trata o artigo 5.° da mencionada participação, que o denunciado Bernardo José Simões nunca negociou com as prestações pagas pela camara ás amas dos expostos, provando pelo contrario que pelo denunciado, como thesoureiro da camara, sempre foi paga integralmente a importancia das guias que as amas apresentavam na occasião dos pagamentos, como o declararam as testemunhas de fl. 59 a 66, e d'estes autos, sendo para notar que as duas ultimas testemunhas inquiridas de fl. 70 e 71, sendo as que, em sua qualidade de parochos, mais conhecimento devem ler das queixas feitas por seus parochianos, declararam que nunca lhes constou que alguem, inclusivamente as proprias amas dos expostos, se queixassem que o denunciado negociasse com ellas sobre as prestações ou vencimentos que em tal qualidade de amas tinham a receber da camara.

«Mostra-se pois que o referido José Alves da Eufemia, vindo, perante a auctoridade administrativa e judicial, participar que o actual recebedor d'esta comarca, igualmente thesoureiro do municipio, tinha praticado os factos criminosos que da sua participação constam, deu perante a auctoridade publica e directamente falsas o calumniosas declarações; e porque este facto seja um crime publico, previsto e punido pelos artigos 242.° e 245.° do codigo penal, requeiro que, havendo-se com o processado n'estes autos, por constituido o corpo de delicto, pelo facto incriminado nos citados artigos 242.º e 245.° do referido codigo, se tome querela contra o supramencionado José Alves da Eufemia, residente na Cerdeira, e contra quem mais do summario se mostrar culpado como auctor ou cumplice no referido crime. Protesto nomear no auto as testemunhas a inquirir. Arganil, 10 de maio de 1871. = O delegado, João José Botelho Palma.

«Outrosim certifico que, em seguida, pelo dr. juiz de direito, João Vasco Ferreira Leão, foi proferido o despacho que adianto se vê, o qual é do teor seguinte:

«Distribuido ao terceiro officio, escrivão encarregado, Campos. Julgo constituido o corpo de delicto pelos factos de que trata a promoção retrò. — Tome-se a querela requerida. Arganil, 11 de maio de 1871. = Leão.

«É o quanto se continha nas ditas peças aqui transcriptas, o que tudo passei por certidão, que conferi e concertei com outro empregado de justiça ao concerto assignado. Passada em Arganil, 7 de agosto de 1871. E eu, José Joaquim de Campos, a subscrevi e assigno. = José Joaquim de Campos.»

O delegado do procurador regio, vendo que a denuncia era calumniosa, que o que se queria era fazer dos tribunaes uns instrumento de perseguição contra os empregados, e não querendo tomar sobre si a responsabilidade do facto, deu parte ao seu superior, o respectivo procurador regio.

Terá o delegado alguma responsabilidade depois que levou o negocio ao conhecimento do procurador regio? Não procedeu senão em harmonia com as instrucções do seu superior.

Como os delegados de Arganil estavam acostumados a serem transferidos sobre requisição do administrador do concelho, que tinha superiormente todo o apoio, já nenhum delegado se atrevia a requerer contra as indicações d'elle sem o participar ao procurador regio. Agora mesmo lendo o administrador do concelho tirado um criminoso das mãos da justiça, e mettido na cadeia o official de diligencia, que o acompanhava, o delegado não procedeu sem consultar o procurador regio; de modo que é necessario lançar tambem sobre este digno funccionario a responsabilidade da ter sido desagradavel ao administrador de Arganil.

Ha n'estes documentos um muito importante que é o officio, que vem a pag. 14, do administrador do concelho para o governador civil era que faz uma denuncia falsa contra os empregados de fazenda, como se vê do seguinte periodo:

«O escrivão de fazenda e recebedor promovem execuções contra os contribuintes, que logo sustam, uma vez que estes lhes promettam votar no candidato da opposição, commettendo, para conseguirem o voto, os maiores abusos, ainda com prejuizo da real fazenda.»

Vou desmentir esta denuncia com o seguinte documento:

«Diz Antonio Nogueira Soares Junior, d'esta villa de Arganil, que para fins convenientes precisa se lhe passe por certidão se do archivo da repartição de fazenda d'este concelho consta que desde o dia 3 de junho até 9 de julho do anno corrente, fosse promo vidas algumas execuções por

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dividas á fazenda publica, e no caso affirmativo o nome dos contribuintes contra quem foram promovidas e se das promovidas antes do dito dia 3 de junho, alguma se achava pendente no dia 9 do referido julho; e por isso — Pede a v. s.ª sr. administrador d'este concelho de Arganil se digne mandar se lhe passe. —

E. R. M.cê

«Arganil, 15 de agosto de 1871. = Antonio Nogueira Soares Junior.

«Francisco Antonio Maria da Veiga, escrivão de fazenda do concelho de Arganil, por Sua Magestade El-Rei D. Luiz, que Deus guarde, etc.

«Certifico, em virtude do despacho retrò, que dos documentos existentes na repartição a meu cargo não consta que desde o dia 3 de junho até 9 de julho do corrente anno fosse promovida execução alguma contra os devedores á fazenda publica, assim como que das promovidas anteriormente ao referido dia 3 de junho, nenhuma se achava pándente no dia 9 do referido mez de julho.

«E por verdade passo a presente que assigno. Arganil, 16 de agosto de 1871. = Francisco Antonio Maria da Veiga. — Certidão 120 réis. = Recebedor, Veiga.»

Aqui está desmentida com documento authentico o denuncia dada pelo administrador do concelho ao governador civil. Se esta denuncia fosse levada ao conhecimento do delegado do procurador regio, havia de este funccionario cruzar os braços diante de accusação tão grave? Não deveria elle, no cumprimento dos seus deveres, proceder contra o denunciante falso, poupando os denunciados innocentes? (Apoiados.)

Quem cruzou os braços foi o sr. ministro do reino, que não averiguou immediatamente, como lhe cumpria, se era verdadeira ou não a accusação para castigar os delinquentes ou impor a responsabilidade ao falso denunciante. Mas não podia fazer o mesmo o agente do ministerio publico, desde que lhe chegavam á noticia accusações, que elle verificou serem falsas e calumniosas.

Sr. presidente, se a honra do um individuo vale muito, a honra do funccionario publico não vale menos, vale mais, porque interessa ao individuo e á sociedade (apoiados).

Aqui tem a camara como ali tem corrido a administração e como se fazem perseguições, por motivos politicos, a empregados honrados. Felizmente documentos authenticos desmentem todas essas denuncias, que são infamantes do caracter dos funccionarios.

A camara não póde deixar de tomar conta d'estes factos para impor a responsabilidade a quem de direito for. E o responsavel perante nós é só o governo, porque são os ministros que respondem pelos funccionarios dependentes do poder executivo (apoiados).

«Passou-se muito tempo sem se instaurar o processo judicial, como já disse, e por fim declarou o juiz que não havia motivo para a pronuncia», diz o relatorio do governador civil.

Nova inexactidão. Acabo de ler um documento para provar que o juiz não declarou similhante cousa, e não declarou que não havia motivo para pronuncia, porque nem houve querela. O agente do ministerio publico não querelou contra os empregados, mas sim contra os documentos falsos, e portanto é inexacto que o juiz decidisse o que se lhe attribue.

Pois se o delegado do governo não querelou contra os empregados denunciados, que havia de fazer o juiz? Pois o ministerio publico declara que não querela contra os empregados, declara que não acha criminalidade nos factos por que elles são acensados, e querela pelo contrario contra os denunciantes falsos, o que havia de fazer o juiz? Havia de querelar e pronunciar ao mesmo tempo? Não era possivel (apoiados). Seria inverter as funcções judiciaes e invadir o juiz as attribuições do ministerio publico (apoiados).

«Não posso apreciar o despacho do juiz, porque não vi o processo; mas torna-se-me muito suspeita a imparcialidade das auctoridades judiciaes, porque associavam ou passavam com os accusados», diz o officio do governador civil.

A proposito do procedimento do governador civil, n'esta parte do seu officio, está-me a lembrar agora um facto curioso, passado creio eu em 1842, n'uma situação que póde considerar-se parecida com a de 1845 e com a de 1871 (apoiados).

Foi preso no Porto pelo governador civil um individuo, que, se bem me recordo, era o sr. Sebastião de Almeida e Brito, accusado tambem de entrar nas revoluções d'aquella epocha, e por isso considerado como anarchista (riso). Aquelles tempos mesmo assim eram melhores para o despotismo; e, se o poder judicial na 1.ª instancia valeu muitas vezes aos anarchistas, tambem outras vezes, porque não estava tão garantida como hoje a independencia dos juizes, só nas relações é que os anarchistas iam encontrar a defeza dos seus direitos.

Vendo-se o homem preso, começou por pedir fiança. Quasi todos os individuos que são presos, a primeira cousa que pretendem é vir passear ao ar livre (riso). Como então não estava bem regulado o processo das fianças, o juiz indeferiu. Recorreu o preso para a relação, e esta deu-lhe fiança. Mas quando baixou o aggravo com a fiança, já o governador civil tinha mandado outro processo para o poder judicial, e já o anarchista estava pronunciado por outra culpa.

Requereu tambem fiança por esta culpa. Foi-lhe indeferido o requerimento. Recorreu para a relação; e, como o governo receiasse que a relação lh'a desse, o agente do ministerio publico averbou de suspeitos tantos juizes, que não restassem os precisos para se julgar o aggravo. Nos artigos de suspeição o facto mais grave e mais inaudito que se imputava aos juizes, era serem elles tão facciosos, que até tinham ido visitar o réu á cadeia! (Riso.)

Continua o governador civil no seu officio: «Logo que foi dissolvida a camara dos deputados começaram as querelas contra os amigos do candidato governamental.»

Note v. ex.ª, desde 24 de abril ha apenas duas querelas. O delegado do governo declara que, logo que foram dissolvidas as côrtes, então é que começaram as querelas. Vou ter o documento authentico que prova que isto é inexacto!

Diz o documento:

«Ill.mo sr. — Diz Antonio José Simões, d'esta villa, que precisa, para o que lhe convier, que os srs. escrivães d'este juizo lhe declarem e certifiquem se desde 9 de maio até 9 de julho ultimo houve n'este juizo alguma querela, e porque crime. E por isso pedem a v. s.ª, sr. juiz de direito, se digno mandar

passar-lhe o requerido. — E R. M.cê = Antonio José Simões.»

«Certidão. — Antonio Nunes Franco Machado, escrivão e tabellião do primeiro officio d'ante o juizo de direito da comarca de Arganil, por Sua Magestade, etc.

«Certifico que em 9 de maio d'este anno lavrei um auto de querela publica contra Christiano Baptista, solteiro, ferreiro, de Arganil, por crime de furto, cuja querela me foi distribuida no dia 8 do dito mez.

«Outrosim certifico que no dia 13 do referido mez e anno me foi distribuida uma querela publica contra Francisco Dias Ferreira, da Roda do Pombeiro, que segue seus termos por crime de tentativa de furto de uma lista no recenseamento militar do anno de 1869.

«Outrosim certifico que contra o referido Christiano Baptista, durante o periodo de 9 de maio á 9 de julho, correu tambem uma querela publica por tentativa de furto com arrombamento, a qual prosegue, mas que foi distribuida em 24 de abril d'este mesmo anno.

«E para constar passo a presente, que assigno.

«Arganil, em 14 de agosto de 1871. = Antonio Nunes Franco Machado. — D'esta gratis.»

«José Joaquim de Campos, escrivão e tabellião de um dos officios d'ante o juizo de direito da comarca de Arganil, por Sua Magestade Fidelissima, que Deus guarde, etc.

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«Certifico que ao meu cartorio não foi distribuida querela alguma desde o dia 9 de maio a 9 de julho, ultimo. É o quanto posso certificar em vista do cartorio a meu cargo.

«Arganil, 14 de agosto de 1871. E eu, José Joaquim de Campos, escrivão, que o subscrevi e assigno. = José Joaquim de Campos. — D'esta gratis.»

«Mais certifico que pelo cartorio do terceiro officio de que estou encarregado apenas foi distribuida uma querela por denuncias falsas, que foi requerida em 10 de maio ultimo.

«Arganil, 14 de agosto de 1871. E eu, José Joaquim de Campos, o subscrevi e assigno. = José Joaquim de Campos. — D'esta gratis.»

Demais o processo contra estes dois homens, que foram pronunciados por denuncia falsa, teve a sua origem nas queixas feitas no mez de janeiro.

Uma voz: — Nunca se viu isto.

O Orador: — Nunca se viu isto, não; e isto mesmo não se veria se não tivessemos aberta a representação nacional.

Desde que se não lêem jornaes, desde que só se vê pelos olhos dos agentes da administração, não vinha nenhum d'estes documentos a lume nem podia vir (apoiados).

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — E não vinham senão fossem as exigencias de alguns partidos (apoiados).

O Orador: — Não quero irritar o debate; prometti a v. ex.ª e á camara que havia de desmentir completamente as noticias que se tinham espalhado, de que teriamos n'este assumpto algumas sessões tumultuosas. Eu pela minha parte declaro a v. ex.ª que leio de uma parte o officio do delegado do governo, e da outra parte os documentos authenticos que destroem as suas asseverações, e tiro as illações que naturalmente resultam da comparação dos documentos.

Mas estes processos não começaram senão depois da dissolução da camara, diz o governador civil. É inexacto. Estes processos tiveram origem nos autos de investigação que vem juntos á syndicancia, e que foram fabricados no mez de janeiro!

E, a proposito da syndicancia, ainda tenho de ficar obrigado ao sr. presidente do conselho.

(Deram quatro horas no relogio da sala.)

Peço licença para continuar por mais alguns instantes, por isso que desejo concluir hoje o meu discurso.

Vozes: — falle, falle.

O Orador: — Como dizia, tenho ainda de ficar obrigado ao sr. presidente do conselho, pelas palavras que pronunciou n'uma das sessões anteriores, dizendo que tinha sido escolhido para syndicancia um individuo que não podia ser-me suspeito. Eu não tenho relações nenhumas com o cavalheiro encarregado da syndicancia, nem me importa com as escolhas feitas pelo governo para informação sua propria. Devo porém declarar, como agradecimento ao favor do sr. presidente do conselho, que este administrador foi por mim demittido em 2 de julho de 1870! (Riso.) Mais duas palavras quanto á syndicancia. Como ella era destinada unicamente a salvar o administrador do concelho de Arganil, entenderam os seus protectores que um dos meios de salvar o administrador, era comprometter os dois empregados de fazenda, e por isso ajuntaram ao processo da syndicancia os autos de investigação, que o acompanham, sem se lembrarem que elles estavam já prejudicados.

Os autos de investigação são curiosissimos. Entre as testemunhas que depõem ha tres mulheres, e diz-se que vivem da sua agencia (riso).

Estão a rir-se?! Vem nos autos que Maria Estalagem, Thereza de Jesus Andrade e Maria Joaquina da Fonte vivem da sua agencia. Todas estas testemunhas depozeram contra os empregados de fazenda, e agora o syndicante ficou muito contente, suppondo que com a remessa d'este auto de investigação, em que juram testemunhas tão qualificados (riso), defendia o administrador do concelho, e compromettia os empregados de fazenda; mas não se lembrou de que este auto tinha ido parar ao poder judicial, e que ahi, a requerimento do delegado do procurador regio, tinha sido julgado improcedente. De modo que este documento serviu apenas para v. ex.ªs se rirem, quando eu li os nomes das testemunhas (riso).

Á syndicancia ajuntou se ainda outro documento importantissimo, e é o seguinte:

«(Copia.) — Administração do concelho de Arganil. — Confidencial. — Ill.mo e ex.mo sr. — Tenho a honra de participar a v. ex.ª, que os empregados de fazenda continuam a percorrer os povos pedindo votos a favor da opposição, fazendo promessas que, realisadas, prejudicarão a real fazenda. É por isso conveniente, para bem da fazenda, retira-los da luta eleitoral aqui travada. Para que elles obedeçam ás ordens que d'ahi forem enviadas, era conveniente que eu, por ordem de seus superiores, os intime a que marchem para essa cidade.

«Deus guarde a v. ex.ª Arganil, 5 de julho de 1871. — Ill.mo e ex.mo sr. conselheiro governador civil do districto de Coimbra. = O administrador do concelho, Manuel da Cruz Aguiar.»

O administrador indicou a necessidade de impor aos empregados do fazenda a pena de desterro para fóra do comarca, que é reconhecida no nosso codigo penal, mas que não póde ser imposta senão por sentença judicial. Vejo pois d'este documento que nem os empregados fiscaes foram poupados nas ordens dadas para as eleições.

Mas o mais curioso de tudo era pretender o administrador do concelho impor-lhes a pena de desterro para fóra da comarca! E n'este caso a pena, mesmo como medida eleitoral, era escusada, porque os empregados de fazenda tiveram nos dias anteriores á eleição, e até esta se concluir, um syndicante á vista, que os estava vigiando e syndicando dos seus actos. Por isso era escusado o novo vexame, tanto mais inadmissivel quanto que o administrador do concelho pedia para elles serem desterrados para Coimbra, comarca a grande distancia de Arganil, e não para as comarcas mais vizinhas, que são as de Louzã e de Tábua (riso).

Note a camara que os dois individuos querelados por denunciantes falsos foram pronunciados ambos com fiança, o que prova que nem havia idéa de os inhabilitar para os trabalhos eleitoraes, nem elles ficaram effectivamente inhabilitados para este serviço.

Ficam pois desmentidas as informações que ao sr. ministro do reino davam os seus delegados de ter havido pronuncias na vespera das eleições.

E fica de mais provado por documentos authenticos que as querelas foram dadas nos principios de maio, e que estes processos começaram em dezembro e janeiro, sendo promovidos por iniciativa da auctoridade administrativa.

Os dois amigos do governo, pois, querelados por denuncias falsas, foram pronunciados com fiança, é por consequencia podiam trabalhar do mesmo modo na eleição (apoiados).

Eu supponho que não só se póde trabalhar nas eleições estando-se pronunciado com fiança, mas que até se póde ser eleito deputado (apoiados), se a pronuncia não passou em julgado. São estes os preceitos consignados na legislação eleitoral, e eu desejo que a lei seja igual para todos (apoiados). Portanto os dois amigos do governo, pronunciados por denunciantes com falsidade, não só podiam trabalhar nas eleições, mas podiam propor-se candidatos (apoiados). Estavam no seu direito. Eram cidadãos eleitores, e a pronuncia não tinha passado em julgado. Deixando-a elles passar em julgado por não aggravarem do respectivo despacho, reconheceram a justiça da indiciação; e desde que a parte interessada a reconheceu, mal podem terceiros, ainda que sejam delegados administrativos do governo, vir impugna-la (apoiados).

Mas para v. ex.ªs fazerem idéa completa da moralidade da auctoridade administrativa no concelho de Arganil, sempre quero ler á camara um documento para provar quem

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são ali os abonadores e fiadores dos criminosos, e quaes as casas que elles escolhem para domicilio por via das intimações nos processos crimes. Diz o documento o seguinte:

«Ill.mo sr. — Diz Antonio José Simões, solteiro, negociante d'esta villa, que precisa para o que lhe convier se lhe passe por certidão de narrativa: 1.°, quem fez o requerimento para a fiança do padre José Joaquim Marques de Oliveira, vulgo o Boi de Coja, nos autos de querela do ministerio publico contra o mesmo e José Alves da Eufemia, da Cerdeira, pelas denuncias falsas e calumniosas dadas ao administrador do concelho contra o escrivão de fazenda d'este concelho; 2.°, se o fiador é filho do regedor de Arganil; 3.º, se uma das testemunhas abonatorias é o administrador substituto; 4.°, se a residencia que o réu padre José Joaquim Marques de Oliveira escolheu, foi a casa do administrador do concelho Cruz Aguiar; 5.°, quem foi o fiador do réu José Alves da Eufemia; 6.°, e qual a residencia que este escolheu; 7.°, se o despacho de pronuncia contra os réus passou em julgado, por isso. — P. a v. s.ª sr. juiz de direito se digne mandar-lh'a passar. E. R. M.cê = Antonio José Simões.»

«José Joaquim de Campos, escrivão tabellião de um dos officios ante o juiz de direito da comarca de Arganil, por Sua Magestade Fidelissima, etc.

«Certifico, em cumprimento do despacho supra, que em meu poder e cartorio existem os autos a que allude a petição retrò e a elles se acham juntos, por appenso, uns autos de fiança do réu José Joaquim Marques de Oliveira (padre), por alcunha o Boi de Coja, dos quaes se vê e mostra que o requerimento para a mesma foi feito pelo bacharel Manuel da Cruz Aguiar, administrador d'este concelho; que o fiador do mesmo foi José Augusto de Carvalho, filho do regedor d'esta villa; que José Luciano da Maia Xavier Annes, administrador substituto d'este concelho foi, uma das testemunhas abonatorias; que o mesmo réu padre Boi escolheu para receber qualquer intimação do juizo a residencia do dito administrador Cruz Aguiar.

«Mais certifico que aos mesmos autos de querela se acham juntos uns outros de fiança do réu José Alves da Eufemia, e dos mesmos se vê que foi seu fiador Manuel de Carvalho, regedor d'esta freguezia, e que o referido réu escolheu para residencia a morada do seu, fiador.

«Outrosim certifico que o réu padre José Joaquim Marques de Oliveira requereu termo de aggravo, mas não apresentou as peças a transcrever no instrumento, e sendo intimado para o fazer n'um praso que lhe foi assignado o não fez, em virtude do que se julgou não seguido o aggravo, tendo transitado em julgado as pronuncias de ambos os réus. É o quanto posso certificar em face dos proprios autos em meu poder e cartorio.»

«Passado em Arganil, aos 9 dias de agosto de 1871. — E eu, José Joaquim de Campos, que o subscrevi e assigno. = José Joaquim de Campos.»

Eis aqui como a administração se faz em Arganil!

O povo presenceia estes factos insolitos que não são segredo para ninguem. Similhante procedimento da auctoridade administrativa não só enfraquece o prestigio da auctoridade judicial, mas é um verdadeiro attentado contra a moral publica (apoiados).

Nós não podemos consentir em que a administração publica desça a este estado de abatimento! (Apoiados.) A não estarmos n'um paiz perdido, podem os srs. ministros assistir impassiveis ao espectaculo de serem as auctoridades administrativas que fazem os requerimentos para a fiança dos criminosos, que são os seus fiadores, e testemunhas abonatorias, e que prestam a sua casa para ser escolhida como domicilio pelos criminosos! (Apoiados.) Voltam os agentes administrativos todos os seus odios contra o poder judicial, e ao mesmo tempo não apresentam um só despacho reprehensivel do juizo. Não apparece um despacho do juiz, que seja iniquo; e todavia as queixas dos agentes directos do governo são contra o juiz e contra o delegado!

Pois não seria possivel obter um despacho iniquo para nós o analysarmos?

O poder legislativo não tinha competencia para conhecer dos factos, mas ao menos podiamos apreciar a moralidade d'esse despacho.

Eu vejo que um dos delegados do sr. presidente do conselho chama homem corrupto a um magistrado integerrimo...

O sr. Fortunato das Neves: — Isto é uma infamia! Eu conheço-o não só como juiz, mas como homem (apoiados).

O Orador: — E eu acho coherente que a auctoridade administrativa sem até hoje ter recebido o conveniente correctivo dos seus superiores...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Tem a approvação.

O Orador: — Os delegados administrativos do governo escolheram para victima das suas insinuações e dos seus odios um funccionario benemerito, que depois de uma carreira brilhante como agente do ministerio publico, instaurou, n'esta qualidade, os processos criminaes em Lisboa contra toda a quadrilha do Lucifer, que em seguida foi despachado juiz de direito, e dias depois nomeado para Tábua por occasião do assassinato do padre Portugal, onde processou e pronunciou os malfeitores accusados por aquelle crime, sem nunca alardear os seus serviços, e portando-se sempre com a maior independencia (apoiados). Sr. presidente, tendo o juiz de Arganil uma vida publica tão honrosa, era logico e coherente, pedia a dignidade do administrador de Arganil, que fosse elle quem lhe fizesse accusações infamantes, destituidas de provas e de indicios, sem receber o mais pequeno correctivo da parte dos seus superiores! (Apoiados.)

Deu ha muito a hora. Deixo pois todas as considerações que tinha a fazer sobre os documentos. Vou concluir o meu discurso, com o desempenho da minha promessa mais solemne.

Tem v. ex.ª notado que todas as minhas apreciações se fundam n'estes documentos, que desde 13 de julho pelo menos estavam nas secretarias d'estado, que foram enviados, não sei a que proposito, ao magistrado superior do districto, e que já tinham ido para o procurador geral da corôa. Em todo o caso o governo sabia ha muito de todos estes factos (apoiados). A syndicancia nada veiu acrescentar, e muito menos alterar o que se achava nos documentos. Constava dos documentos que se tinha seguido na eleição de Arganil a jurisprudencia eleitoral e administrativa, consignada na portaria circular de 1845; constava tambem dos documentos que sendo conduzido á presença do magistrado judicial um indiciado por um official de diligencias, que tinha effectuado aquella prisão em virtude de mandado judicial, fôra immediatamente solto o criminoso pelo administrador do concelho, e em acto continuo mettido na enxovia o official de justiça pelo mesmo administrador! Constava igualmente dos documentos que se tinha attentado contra a liberdade da uma, prendendo-se os cidadãos influentes em sua casa, e conservando-se nas enxovias durante cinco dias, sem culpa formada, sem serem entregues ao poder judicial, e sem ao menos se lhes dizer os motivos da prisão. Todos estes factos estavam completamente provados, e por consequencia a cumplicidade politica do governo n'estes acontecimentos, de que teve conhecimento, sem protestar logo contra elles, estava demonstrada de uma maneira evidente (apoiados).

Resta-me desempenhar-me da minha outra promessa de provar que o governo tinha cumplicidade e associação criminosa n'estes acontecimentos; o que farei em breves palavras. Fallando n'este assumpto, extremamente grave, o meu unico intuito é examinar e apreciar os actos da auctoridade sem offender nem de leve o individuo.

Em 14 de junho de 1871 mandava o administrador do concelho de Arganil um officio ao governador civil, que em 17 de junho era por este remettido ao governo, em que dizia o seguinte:

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«É preciso remedio prompto e energico contra taes empregados, que tudo calcam para obterem votos para a opposição; de outra fórma não posso continuar aqui, onde estão todos os empregados de mãos dadas para matar o partido que bostilisa o seu cbefe.

«E não é provavel que, vendo se um partido opprimido, recorra aos meios da forca?

«É grave, ex.mo sr. tal estado, que convem suavisar, sem o que eu não posso continuar á frente d'este concelho, por não querer sacrificar mais amigos, que já ha bastantes sacrificados, sendo que alguns me declaram que não me coadjuvam por não quererem arriscar-se a serem pronunciados.»

O delegado do governo declarou era 14 de junho, na linguagem a mais clara que se podia usar em documento official, que era provavel que o seu partido recorresse aos meios da força.

Em 18 de junho dava o governador civil sem commentarios conhecimento d'este facto ao governo. O que o governo fez para evitar as scenas de violencia, que o administrador do concelho promettia?

O que fez o governo, que tinha dito: «É preciso que as eleições se façam com toda a liberdade. O governo prefere a perda de todas as eleições ao triumpho de uma só por por meios illegaes e violento?!» (Apoiados.) Como é classificado na legislação penal o facto do empregado publico, que tendo conhecimento do um crime, e obrigação de o impedir, em vez de o impedir, facilitou a sua execução? (Apoiados.)

O governo sabia que o administrador de Arganil estava resolvido a recorrer aos meios da força, e em logar de proceder como á gravidade do caso pedia, era vista de uma declaração tão audaciosa, mandou pôr á sua disposição forças militares importantes da divisão da cidade do Porto, para elle poder á sua vontade pôr era perigo as liberdades de um povo independente (apoiados).

Eu não quero responsabilisar os srs. ministros pelos factos de que não podem ter noticia. Comprehendo que muitas vezes os administradores de concelho, e mesmo os magistrados superiores dos districtos, praticam factos de que o governo não póde ter conhecimento immediato, e pelos quaes por isso não é responsavel.

Mas o governo sabia desde 18 de junho que o administrador do concelho de Arganil se preparava para recorrer á força.

O administrador do concelho tinha prevenido os seus superiores, em linguagem bem clara, de que havia de recorrer á força; e o sr. presidente do concelho, longe de obstar a que fosse violada a liberdade da uma e atacados os direitos individuaes, poz á disposição da auctoridade desordeira toda a força armada que ella lhe pediu (apoiados).

Ora supponha v. ex.ª que não era tão moderada e tão prudente a gente da opposição; e que, quando viu chegar preso a Arganil um homem ali estimado de todos, a povoação, que é importante, se levantava em massa para defender os seus direitos? Qual seria o resultado? Caírem centenares de cidadãos diante das balas da força publica, fuzilando em nome da auctoridade, e chamando o povo á desordem que ella para isso tinha provocado (apoiados).

Não defendo excessos. Condemno as revoltas, mas entendo que ellas muitas vezes são justificadas pela oppressão feita a um povo livre, e quando os povos têem necessidade de se desaffrontar (muitos apoiados). Primeiro que a obediencia á auctoridade está a obrigação de defender os direitos individuaes contra os despotismos do poder.

O sr. Barros e Cunha: — Apoiado.

O Orador: — Apoiado. Aceito o apoiado do illustre deputado, e apoio tambem porque eu nunca feri a liberdade individual de pessoa alguma (apoiados).

Fallo na presença de amigos e de adversarios que sabem que eu, como ministro, garantia do mesmo modo a liberdade e a segurança a amigos e inimigos (apoiados).

Não fujo nunca á responsabilidade dos meus actos; e nunca na minha vida publica empreguei um unico meio violento e attentatorio da liberdade individual (apoiados).

O governo por consequencia sabia, desde 18 de junho, que o administrador do concelho de Arganil, para vencer as eleições, havia de recorrer aos meios da força. N'estas circumstancias leia o sr. presidente do conselho o artigo 26.° do codigo penal, que trata da cumplicidade, e lá encontrará o numero do artigo em que está comprehendido. Era presença dos factos apontados, a cumplicidade criminosa do governo n'aquelles acontecimentos é evidente (apoiados).

Ainda ha outro periodo n'aquelle officio, d'onde se deduz a resolução em que estava o administrador do concelho, de Arganil, de empregar a força e provocar a desordem. É o seguinte:

«Não ha segurança nenhuma n'este concelho, podendo de um momento para outro apparecer reacção, a qual não terei força para reprimir».

Queixava-se a auctoridade administrativa do partido da opposição, e declarava que poderia apparecer reacção da parte do grupo d'elle, que elle não teria força para reprimir. E não era bem clara a ameaça de recorrer á desordem?

Por consequencia, o governo, que sabia d'estes factos e das tenções do seu delegado, tinha obrigação de collocar á frente do concelho auctoridades energicas e imparciaes para manterem a liberdade da uma, e não provocarem a desordena (apoiados). Pois ao contrario, o sr. presidente do conselho poz numerosas forças á disposição de uma auctoridade, que lhe havia declarado que teria de recorrer á força para supplantar a opposição. O governo não póde salvar se da responsabilidade d'estes attentados, nem impor por isso responsabilidade ao administrador, que deu conhecimento das suas tenções aos seus superiores; e os srs. ministros, longe de evitarem o mal e o perigo, pozeram á sua disposição as forças que elle pedia! Não sei se se procedia do mesmo modo em 1845. Então as ordens eram enviadas directamente pelo governo. Entretanto a responsabilidade é a mesma. Tanta é a responsabilidade da auctoridade superior, quando ordena o uso da força e da violencia, como quando parte a iniciativa da auctoridade subalterna, com sciencia e consciencia da auctoridade superior, especialmente se, como no caso presente, a auctoridade superior põe á disposição da subalterna a força necessaria para recorrer á desordem (apoiados).

Ha mais. O delegado do procurador regio de Arganil mandou para o governo, por intermedio do procurador regio, em data de 20 de maio um officio, do qual vou ter á camara o seguinte:

«Acrescendo que o denunciante, padre José Joaquim Marques de Oliveira, primo e irmão, como disse, dos pronunciados, é hospede do actual administrador, que em seu depoimento para o corpo de delicto, na subtracção da lista com o n.º 18, se declarou correligionario politico do denunciante e inimigo politico do denunciado, e havendo-se publicado o n.º 3 do Trovão da Beira (que tomo a liberdade de enviar a v. ex.ª), de que o actual administrador, Manuel da Cruz Aguiar, é um dos redactores; que em março ultimo o dito administrador se tinha, com o referido pronunciado José Albano e outros, retinido em Mancellarija, d'este julgado, com o fim de deliberarem sobre a publicação do dito Trovão da Beira, para o custeio do qual o mesmo administrador ofereceu o seu ordenado e proventos como advogado; e mostrando-se dos factos apontados, que, se o mencionado administrador não fez uso dos mandados que lhe enviei em 29 de janeiro ultimo, não foi por impossibilidade, mas sim porque, não tendo em conta os mandatos da auctoridade judicial, entendeu dever dispensar ao mesmo criminoso a sua valiosa protecção, deixando por este modo de auxiliar o poder judicial, a quem lhe cumpre prestar toda a coadjuvação, se tornou evidente o modo de proceder d'este funccionorio.

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«Acresce ainda, que o mesmo administrador cortou commigo suas relações officiaes, deixando de remetter-me os autos de investigação que tem levantado, e mesmo as declarações dos nomes das testemunhas a inquirir, como aconteceu no crime de morte da mulher de Francisco da Cunha Rufino, de que dei conhecimento a v. ex.ª em meu officio n.º 50, com data de 9 do corrente, enviando tudo ao juiz de direito, o que revela a pouca consideração que tal funccionario tem com o agente do ministerio publico n'esta comarca, e sobretudo causa um gravissimo tropeço ao bom e regular andamento dos processos judiciaes, descobrimento dos crimes o punição dos criminosos, alem de desprestigiar a auctoridade, que só vive da força moral dos seus actos, e que carece, para o cumprimento da lei, do auxilio dos demais funccionarios publicos.

«Sendo certo que da interrupção das relações officiaes dos differentes fuuccionarios publicos podem e devem resultar todos os inconvenientes de uma má administração da justiça, sendo sobretudo prejudicialissima para a ordem e tranquillidade publica a manifesta protecção dispensada a criminosos, é fóra de duvida que os factos apontados são um grande mal, que carece de prompto e efficaz remedio.

«Não tenho duvida em affirmar a v. ex.ª, que estes fados, que deixo narrados, não são, nem fadem considerar-se isolados, mas têem de ser aferidos e regulados pelas circumstancias peculiares d'esta comarca, tendo em vista, que as denuncius apresentadas em juizo contra os empregados de fazenda, e protecção dispensada aos já mencionados criminosos, são o resultado de um verdadeiro complot, as tristes consequencias dos odios partidarios, tão acirrados n'este concelho.

«Leva-me ainda mais a acreditar, que a interrupção das relações officiaes de que fallei, são a consequencia de plano politico, a circumstancia do tempo em que teve logar; porque, tendo a auctoridade administrativa dispensado toda a protecção ao ministerio publico, representado por mim n'esta comarca, até á remessa das denuncias de que dei parte a v. ex.ª era meus officios de 20 de fevereiro ultimo, sem numero, e 16 do corrente, com os n.ºs 51 e 52, me foi esta retirada, e interrompidas as relações, quando viram que, cumprindo com os deveres do meu cargo, e procedendo imparcialmente, nada promovi contra os denunciados, contra os quaes, como disse a v. ex.ª, não encontrei criminalidade, entendendo então, como entendo hoje, que o poder judicial não póde nem deve prender-se com considerações politicas, e que ao ministerio publico, não sendo um accusador officioso, só lhe cumpre promover, quando encontra criminalidade, sendo um verdadeiro ultrage ao poder judicial o pretender que este sirva de instrumento a fins politicos.»

O delegado do procurador regio queixava-se porque tendo mandado ao administrador do concelho em 29 de janeiro os mandados de prisão para capturar um criminoso sem fiança, o administrador do concelho, em logar de o capturar, se reunira com elle no mez de março n'uma conferencia para fundarem um jornal, para que o administrador dava o seu ordenado! Queixa-se o delegado de um facto gravissimo ao governo. E qual seria a resposta do ministro? Naturalmente, um governo que respeitasse a lei, os principios e a dignidade do poder, perguntava na volta do correio ao administrador do concelho a data em que tinha recebido os mandados, e se tinha protestado contra a noticia da reunião com um criminoso para fundarem uma empreza litteraria. Pois quer a camara saber o procedimento do governo. Aproveitou-se do facto de ter o delegado pedido a sua transferencia havia muitos mezes, e transferiu-o para a peior comarca do continente!

Que significação tem o procedimento do governo em presença d'estes factos? Pois o governo castigando o empregado zeloso, e continuando a proteger o delinquente, não provocava ao crime, nos termos do codigo penal? (Apoiados).

Pois uma auctoridade, que em logar de prender um criminoso sem fiança, se reune com ella para tratar de certa empreza, e que depois sabe que os seus superiores tiveram conhecimento do facto, e que em vez do a castigarem, nem ao menos lhe censuraram o acto, e que pelo contrario castigaram o delegado que levou ao conhecimento do governo tão grave attentado, não se julga animada pelos seus superiores, não se julga instigada e auctorisada por elles para commetter os maiores crimes e os mais graves attentados? (Apoiados.)

Mas não resulta só d'estes fados a provocação ao crime por parte do sr. presidente dos conselho. Ha outros factos de igual, senão do maior gravidade, para os quaes eu chamo a attenção da assembléa.

Aquella sociedade, em que entrava o administrador do concelho e um pronunciado sem fiança, creou um jornal, fazendo a declaração publica, de que elle era sustentado, entre outros meios, com o ordenado do administrador do concelho. A missão permanente e ininterrompida do jornal tem sido injuriar todos os dias as auctoridades judiciaes, fiscaes e ecclesiasticas de Arganil, e quasi todos os homens honrados e honestos d'aquella terra!

Pois isto tolera-se n'uma sociedade civilisada. Pois será possivel que ámanhã o governador civil de Lisboa annuucie publicamente que vae com o seu ordenado, e de sociedade com qualquer pronunciado sem fiança, que esteja ou não no Limoeiro, fundar um jornal destinado a calumniar o patriarcha, o presidente da relação, o delegado do thesouro, etc.? (Apoiados.) Pois a opinião publica não se revoltaria logo contra similhante escandalo? (Apoiados.) Um particular póde proceder como quizer com relação á imprensa ou com relação a outra qualquer cousa, respondendo apenas pelos seus actos perante os tribunaes. Mas uma auctoridade tem outros deveres de moralidade e de decoro publico a cumprir (apoiados). Uma das cousas de que o syndicante se admira, e para cuja investigação pede até nova syndicancia, é de ter o administrador do concelho cortadas as suas relações pessoaes com todas as auctoridades. É facil adivinhar o motivo. Pois o administrador do concelho publica um jornal que sustenta com o seu ordenado, em que chama todos os dias prevaricadores, corruptores e não sei que mais, ás outras auctoridades, e espera que ellas, sem renunciarem a todos os sentimentos de homens de bem, lhe vão apertar a mão? (Apoiados.)

Pois o administrador do concelho fundou um jornal á custa dos proventos do seu emprego, para injuriar constantemente, e sem treguas, todas as auctoridades do seu concelho e os seus proprios administrados, e ainda ha o duplante de se aconselhar uma syndicancia para descobrir a rasão por que elle tinha as suas relações pessoaes cortadas com todos aquelles funccionarios! Uma das testemunhas inquiridas na syndicancia declarou muito positivamente, que o administrador do concelho tinha as suas relações cortadas com as demais auctoridades desde que se publicou o jornal que as injuriava. Mas a este depoimento nem sequer fez referencia o syndicante!

Eu admiro, louvo e aconselho a todos os meus vizinhos a paciencia e a prudencia com que vêem um jornal de difamação, sustentado com o ordenado do delegado do sr. presidente do conselho, atacar a auctoridade publica, fiscal, judicial e ecclesiastica, que é vendido á propria porta do tribunal onde se fazem as audiencias, á porta do arcipreste, e das repartições de fazenda, e assistem impassiveis e serenos a tamanhos insultos feitos não só ás auctoridades, mas aos proprios habitantes d'aquella terra!

O sr. presidente do con3elho declara que não lê jornaes. Mas com relação a este não lhe aproveita a desculpa, porque o delegado do procurador regio mandou-lhe um officio com o jornal a que me tenho referido, apontando-lhe todos estes factos, e portanto s. ex.ª não póde allegar ignorancia (apoiados).

Eu não discuto aqui jornaes. Mas discuto o procedimento do governo, que consente que um seu delegado levante, á custa do seu ordenado um jornal, para o unico fim de injuriar, e de estabelecer conflictos e incompatibilidades com

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

as outras auctoridades do concelho. Os srs. ministros, que sabiam do íacto, deviam prever que os povos difficilmente assistiriam resignados a tão escandaloso procedimento, e por esta fórma, o governo não tomando providencias, incitava os povos a perderem o respeito á auctoridade, quando o povo d'aquella localidade respeita a auctoridade (apoiados). Mas esse respeito perde-se quando o governo é o primeiro a permittir que os seus subordinados, á custa do seu ordenado, estejam n'um jornal seu injuriando todos os dias todas as auctoridades do concelho e seus administrados (apoiados). Esta acquiescencia do governo não será provocar ao crime, e auctorisar os seus delegados a commetterem toda a especie de atttentados? (Apoiados.)

Nas secretarias d'estado recebeu-se no dia 18 um officio do administrador do concelho de Arganil remettido pelo governo civil de Coimbra em que era accusado de corrupto o juiz.

Recebeu-se este officio no dia 18 de junho. Na volta do correio devia o governo pedir ao magistrado administrativo, que fez esta denuncia, os documentos comprovativos de factos tão graves (apoiados). Pois não procedeu assim o governo. Felizmente que o juiz está superior a todas estas insinuações, e a todas estas denuncias (apoiados). Mas os srs. ministros ficaram com este documento na secretaria d'estado, o qual nunca veria a luz publica, se esta questão não viesse á tela do debate (apoiados); e cruzaram os braços deixando humilhar, não o magistrado calumniado, mas a magestade do poder judicial (apoiados).

E o governo não tem procurado conhecer os actos do representante do ministerio publico em Arganil, porque não tem querido.

Em mandando vir certidões dos processos, via tudo immediatamente (apoiados).

Não tem o ministerio gasto tanto tempo em publicar providencias dentro das faculdades do poder executivo, que não lhe ficasse o preciso para ter uma certidão de um processo (apoiados).

O governo não póde assistir impassivel a estas denuncias dos seus delegados administrativos.

E preciso que os srs. ministros dêem uma satisfação, não ao juiz de direito, mas á magestade da justiça e á independencia do poder judicial (apoiados).

Pelo mappa que o magistrado judicial mandou ao governo, vê-se que a ultima pronuncia lançada n'aquelle juizo foi feita em 11 de junho. Pois o governador civil assevera no seu officio de 17 que já tinha havido outra pronuncia depois do dia 14? Creio que não ha memoria de factos identicos! Escrever o magistrado superior do districto tantos officios ao sr. ministro, e não lhe dizer uma verdade, é inaudito! No entretanto o sr. ministro do reino não condemnou o procedimento inqualificavel do seu delegado, mesmo depois de saber que eram inexactas as suas informações (apoiados).

Vou terminar.

Deixei bem clara a demonstração de que em presença dos dois officios do administrador do concelho, e do delegado do procurador regio, e em face do silencio do governo, consentindo ao seu delegado a publicação de um jornal, que tendia só a provocar conflictos com as outras auctoridades, e com os seus administrados, o governo tinha cumplicidade criminosa nos acontecimentos de Arganil, vistas as disposições do codigo penal.

Fui explicito e claro, quanto o podia ser. Servi-me apenas dos documentos fornecidos pelo governo e de documentos authenticos. Não recorri a uma só informação particular.

A accusação que fiz, foi convenientemente documentada (apoiados).

Não tenho nada, pessoalmente, com as tres pessoas, involvidas n'aquelles graves acontecimentos, nem tratei de apreciar senão os seus actos publicos.

Ao administrador do concelho de Arganil já uma vez tive occasião de ser-lhe agradavel. Com o ex-governador civil de Coimbra tenho tido as melhores relações pessoaes; e a respeito do sr. ministro do reino bastará dizer que ainda hoje me honro de ter sido seu collega no ministerio em 1868. Entretanto podem ser muito boas pessoas estes cavalheiros, sem serem por isso impeccaveis.

Commetteram aquelles delictos pelos quaes são responsaveis perante a lei e perante a opinião publica (apoiados). Poderia perdoar-lhes, mas não podia deixar de tornar bem patentes os seus crimes, não para os aggredir pessoalmente, mas em justa defeza dos direitos dos povos, que lutaram briosamente até á ultima para sustentarem a sua independencia e a sua liberdade, contra as imposições violentas d'essas auctoridades (apoiados).

Concluirei, declarando em primeiro logar, que fui bem explicito em todas as minhas proposições, e que as deduzi todas de documentos authenticos; em segundo logar, que se umas referencias e insinuações vagas, que eu ouvi n'esta casa a proposito do assumpto, que faz objecto do meu discurso, se referem a mim, eu espero do cavalheirismo dos meus adversarios que sejam tão francos, e que formulem uma accusação tão documentada como a que eu acabo de fazer (apoiados).

Não temo, antes detesto e desprezo as armas que me ferem pelas costas (apoiados). Desejo sempre ver face a face os meus adversarios (apoiados). Não tenho empenho em que nenhum d'elles fique mal na contenda. Mas tenho empenho em sustentar o meu direito, a minha opinião, e os direitos dos eleitores que arrostaram com os ultimos sacrificios, e com as maiores prepotencias para sustentarem a sua liberdade, e para fazerem triumphar a causa da justiça e a causa da moralidade (apoiados.)

Disse.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

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