O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 256

— 256 —

N.º 16.

SESSÃO DE 20 DE ABRIL.

1853.

PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 79 srs. deputados.

Abertura: — Ao meio dia.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Declaração. — Do sr. Francisco Damazio, de que o sr. Roussado Gorjão não comparece A sessão de hoje por incommodo de saude. — inteirada.

Officios. 1.º Do sr. Faustino da Gama, participando que não póde comparecer na camara, por alguns dias, por isso que tem de ir ao districto de Leiria, em consequencia do fallecimento de um seu proximo parente. — Inteirada.

2.º Do sr. Antonio Emilio, participando que por motivo justificado, não póde comparecer á sessão de hoje. — inteirada.

3.º Do ministerio do reino, acompanhando as actas originaes, cadernos, e mais papeis relativos á eleição de 3 deputados ás côrtes, a que se procedeu no districto de Ponta Delgada. — Á commissão de poderes.

4.º Do mesmo ministerio, acompanhando as relações dos cidadãos habilitados para serem eleitos deputados ás côrtes nos concelhos do circulo eleitoral de Ponta Delgada, fallando ainda a relação que pertence ao concelho da Villa de Nordeste, por não ter dado entrada naquelle ministerio. — Á commissão de poderes.

Deu-se pela mesa destino ao seguinte

Requerimento. — «Requeiro que se exija do governo, pelo ministerio do reino, informação das causas que teem demorado a eleição de deputados pelo circulo da ilha da Madeira, e das que explicam não ter ainda chegado ao conhecimento e apreciação da camara o processo eleitoral respectivo á eleição de deputados pelo circulo da Horta, onde todavia consta que as assembleas eleitoraes se reuniram no dia 9 de janeiro proximo passado.» — Correa Caldeira.

Foi remettido ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS.

1.ª Proposta. — «Proponho que se reforme o regimento interno desta camara, e que não possa alterar-se, ao menos, dentro de uma legislatura.» — J. Tavares.

Foi admittida.

O sr. Nogueira Soares: — Parece-me que o caminho que ha a seguir a respeito dessa proposta, é remette-la á commissão do regimento: porque não é possivel entrar já na sua discussão, sem meditação nem estudo. Proponho pois que a proposta seja enviada á commissão do regimento para sobre ella dar o seu parecer.

O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Quanto a remetter-se a proposta á commissão do regimento nada tenho que dizer. Mas talvez não seja muito conveniente estabelecer-se que o regimento não se poderá alterar dentro de uma legislatura...

O sr. Presidente: — Perdoe me o sr. deputado. Agora não se tracta senão de uma questão de adiamento, ou previa, que se reduz a saber — se a proposta ha de, ou não ir á commissão do regimento para sobre ella dar o seu parecer.

O Orador: — Então, sr. presidente, eu pedia que se convidassem alguns dos membros que foram da commissão do regimento na sessão passada, e que sobre o regimento lenham trabalhos feitos, a manda-los á commissão, para tomar delles conhecimento e da proposta do sr. Jacinto Tavares.

O sr. José Estêvão: — Sobre esta questão não póde haver duas opiniões. Em quanto á proposta do sr. deputado — que se reforme o regimento — a commissão póde mesmo dar o seu voto sobre a necessidade on desnecessidade de o reformar. O regimento acha-se sempre em estado de reforma: todas quantas commissões de regimento lemos aqui tido, trabalharam em reformar o regimento; agora não sei se a actual se occupa disso. Quasi sempre, em se apresentando alguma proposta para dispensar o regimento, a camara partindo (e parte bem) do principio de que o regimento não é perfeito, approva esta proposta. Sou de voto, que essa moção vá á commissão do regimento.

O sr. Rivara: — Parece-me que é inutil ir a proposta á commissão; que o regimento precisa de emendas prova-se pela nomeação constante da commissão. A commissão é que ha de tractar d'isso. O illustre auctor da proposta diz só que o regimento carece de reforma, e não apresenta os pontos em que é necessario que ella se faça; a commissão ha de fazer a esse respeito o mesmo que tem feito desde que está nomeada, porque a proposta nada adianta, e seria melhor recommendar á commissão que apressasse as reformas que tem a fazer-se no regimento. Quanto á segunda parte da proposta, parece-me que nós devemos reformar o regimento cada vez que acharmos conveniente; sujeitarmo-nos a um regimento que ainda conserve defeitos, infallivelmente em uma legislatura....

O sr. Presidente: — Agora não disputamos isso.

O Orador: — Então limito as minhas reflexões no

Página 257

257

que disse; e, em resumo, a proposta nada adianta, porque está nomeada uma commissão com intuito de reformar o regimento; e só quando ella apresentar um parecer, na discussão e que se hão de fazer as emendas.

O sr. Avila: — Pedi a palavra quando o sr. deputado D. Rodrigo fez uma referencia aos membros da commissão do regimento na sessão passada. Eu creio que sou o unico membro daquella commissão nesta camara. (Uma voz: — Ha tambem o sr. Mello Soares.) Tem rasão. Creio que os outros membros eram o sr. Vaz Preto, presidente; o sr. Pestana, o sr. Leonel, o sr. Visconde de Azevedo, e o sr. Ottolini. (O sr. Mello Soares: — É verdade.) Esta commissão (e estimo ter uma testimunha presencial) tinha os seus trabalhos muito adiantados; (O sr. Mello Soares: — É verdade, apoiado.) e linha tomado por base o regimento desta casa: linha discutido as alterações feitas, por exemplo, o trabalho do sr. Derramado relativo ás secções já estava muito reformado pela commissão, para evitar os inconvenientes que se tinham encontrado na practica; mas hoje não sei onde param estes trabalhos; quem poderá dar noticia delles será o sr. Vaz Prelo, ou o sr. Pestana, que era secretario da commissão... (O sr. Mello Soares: — O sr. visconde de Azevedo e que os arrecadou.)

Quanto ao destino desta proposta, que é verdadeiramente o objecto da discussão, peço perdão ao sr. Rivara, para dizer-lhe que a proposta tem duas partes: uma é o pedido da reforma do regimento, o que effectivamente não ha necessidade de discutir, desde que para isso foi nomeada uma commissão; a segunda parte da proposta é em que o seu auctor quer negar á camara o direito de alterar, quando o julgar conveniente, qualquer disposição do regimento...

O sr. Presidente: — Agora a questão é simplesmente, se ha de ir a proposta do sr. Jacinto Tavares á commissão do regimento.

O Orador: — Permitta-me v. ex.ª, que fez a honra de nomear-me para membro da commissão, que por meu interesse não desejo que ella vá. A camara tem a decidir se esta segunda parte da proposta, isto é, se a camara ha de privar-se do direito de reformar qualquer artigo do regimento durante uma legislatura, quando o julgar conveniente; se a camara ha de tomar já uma resolução a este respeito, ou se a camara ha de ouvir previamente a commissão do regimento.

O sr. Jacinto Tavares: — Sr. presidente, o que acaba de dizer o sr. Avila abona a minha pertenção — de se reformar o regimento — Não sabia se disto já s tinha tractado na sessão passada; e como o não sabia, pareceu-me que estava no meu direito, á vista de tanta necessidade e de tantas rasões, para termos um regimento vigoroso, em fazer esta proposta.

Tenho agora a responder a alguns illustres deputados, que disseram que eu queria tirar o direito á camara de emendar o regimento sempre que lhe parecesse preciso em menor espaço de tempo. Não é essa a minha mente; e tanto não quiz eu detrahir cousa alguma do seu poder nesta occasião, que a lei que fizessem, saia delles mesmos. O que eu pertendo e uma lei constante, porque se acaso tivesse muita elasticidade o regimento, é o mesmo que não o haver.

O sr. Presidente: — Mas perdôe: por ora tracta-se só do destino que ha de ter a sua proposta.

O Orador: — Ao menos seja n'uma sessão, se não em toda a legislatura; seja n'uma sessão que dure, e não se possa alterar o regimento. — Eu confio nos illustres membros da commissão, na sua grande intelligencia e que hão de estabelecer as providencias necessarias para evitar os grandissimos males, que todos os dias estamos observando.

O sr. Nogueira Soares: — Peço a v. ex. que pergunte á camara se a materia está discutida.

O sr. Presidente: — Escuso de perguntar, porque não ha mais ninguem inscripto.

Decidiu-se que a proposta fosse á commissão do regimento.

O sr. Jacinto Tavares: — Eu peço que me seja permittido fazer uma substituição a essa segunda parte da proposta, e vem a ser que em logar = de uma legislatura = se diga = durante uma sessão =.

O sr. Presidente: — Já está votado, o melhor e o sr. deputado inlender-se com a commissão.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — O sr. deputado Cyrillo Machado mandou para a mesa os diplomas dos srs. João Soares de Albergaria, e Antonio Bonifacio Julio Guerra, deputados eleitos pelo circulo de S. Miguel; e o sr. Maia acaba tambem de mandar para a mesa o diploma do sr. Carlos da Silva Maia, deputado eleito pelo mesmo circulo. Vão á commissão de poderes.

Continuaram as segundas leituras.

2.º Proposta. — a Proponho que no ponto mais conveniente desta camara se colloque uma tribuna para os oradores.» — J. J. Tavares.

Foi admittida.

O sr. Rivara: — Parece-me que essa proposta tambem deve ir á commissão do regimento para a tomar em consideração. (Apoiados) Proponho que do mesmo modo seja enviada á commissão do regimento.

Assim se resolveu.

3. Projecto de lei. — Senhores: — Nas carregações dos vinhos do Douro das adegas dos lavradores para os cáes, em que embarcam para o Porto, tem-se introduzido abusos mui prejudiciaes ao commercio e á lavoura.

Os carreiros abrem as pipas, bebem, e dão de beber a quem querem, durante o transito da adega para o Douro, roubam muitas vezes, e adulteram os vinhos, e desfalcam sempre as quantidades, sem que o lavrador, nem o commerciante, lhes possam impor responsabilidade, que elles não acceitam pela abusiva practica que se conserva ha longos annos.

No» cáes de carregação suscitam-se rixas, de que frequentemente resultam mortes, por motivo de alia ou baixa nos preços de conducção, e questões de preferencia de arrumação nas praias, e de carregação entre barqueiros e carreiros; estas e outras occorrencias exigem providencias, que estabeleçam a boa ordem neste importante ramo de operações commerciaes do Douro; para o que tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Serão nomeados um juiz e um escrivão para cada um dos cáes principaes do Douro, dentro das demarcações de feitoria e ramo.

§ 1.º Estes juizes exercerão jurisdicção sobre todos os objectos relativos ás carregações nos cáes e districtos que lhes forem designados, vencerão ordenado ou emolumento, e serão obrigados a residir nos seus districtos.

2.º Tanto os juizes como os respectivos escrivães

Página 258

— 258 —

serão nomeados pelo governo, sobre proposta da commissão reguladora, a qual exercerá sobre os mesmos a acção fiscalisadora.

Art. 2.º A commissão reguladora dividirá o litoral do Douro em tres ou quatro districtos dos cáes principaes, aos quaes marcará a extensão litoral, e o numero de freguezias, que pertencem ao districto, regulando-se pela practica das carregações.

Art. 3.º É o governo auctorisado para estabelecer ordenados, ou emolumentos aos juizes e seus escrivães, sobre proposta da commissão reguladora, impor multas, marcar as attribuições dos juizes, e suas relações com as camaras municipaes dos districtos, e fazer os regulamentos necessarios para a execução desta lei.

Art. 4.º As multas que forem impostas aos infractores, serão cobradas executivamente, e o seu producto entrará em um cofre, e applicadas aos concertos das estradas do Douro.

Casa das sessões dos srs. deputados, 19 de abril de 1853. = Affonso Botelho de Sampaio e Sousa.

Foi admittido — E remetteu se á commissão dos vinhos.

O Sr. Pegado — Mando para a mesa o seguinte parecer da commissão do ultramar.

Ficou para se lhe dar destino amanhã. O sr. Santos Monteiro — Pedi a palavra para chamar a attenção dos illustres membros da commissão de commercio e artes ácerca de um requerimento, que, creio, foi remettido á mesma commissão, dos fabricantes de sola pedindo providencias que obstem á exportação prohibida até 31 de dezembro do anno passado, de casca de sobre e de cal valho necessaria o indispensavel para as nossas fabricas de cortumes (Apoiados) sem duvida, entre os differentes ramos da nossa industria, um daquelles que mais tem prosperado. (Apoiados) Eu creio que a apprehensão dos fabricantes de certo modo é exaggerada, se considerarmos que o direito consignado na tabella junta á pauta é superior talvez ao valor da casca, porem não obstante isso, este objecto e necessario que seja tomado em consideração: não porque eu lenha medo que sáia a casca para fóra sendo comprada, porque o direito é quasi prohibitivo; mas deve ser considerada a materia debaixo de outro ponto de vista, que vem a ser o seguinte:

Infelizmente temos muitas leis escriptas a respeito de plantações de arvoredo, mas muito poucas se cumprem; e ainda mais infelizmente grande parte dos montados que são aquelles onde ha as duas especies de arvoredos, cuja casca é applicada para o fabrico da sola, estão em mãos de individuos que não tem duvida muitas vezes de sacrificar ao momento a fortuna futura; e eu sei de algum facto que prova que se tem vendido arvoredos que gastaram seculos a fazer, e que valiam muito dinheiro, por bagatela; (Apoiados) de fórma que havendo agora mais esta incitação para desbastar as nossas mattas em pouco tempo leremos de vêr arruinada esta industria, que occupa já mais de 3:000 pessoas, e que tem sido da maior vantagem para o paiz. Eu reconheço que o direito da pauta é quasi prohibitivo: não permitte que se exporte a casca se ella for comprada, mas póde ser exportada se fôr dada, e póde ser dada muitas vezes, e eu sei de factos muito recentes, os que se vendem uma quantidade enorme de arvores, que gastaram seculos a fazer, por 100 moedas, e que

valiam alguns contos de íeis. Chamo a attenção da illusttre commissão de commercio e artes sobre este objecto que tem feito crear gravissimas apprehensões a estes fabricantes.

O sr. Bordallo: — Mando para a mesa um requerimento assignado por alguns empregados das classes inactivas com exercicio no archivo da Torre do Tombo, que pedem ser equiparados a outros empregados de igual cathegoria dos differentes ministerios. Requeiro a v. ex. que seja remettido á commissão competente para dar o seu parecer sobre este objecto, e concluo pedindo a v. ex.ª que me inscreva para apresentar um projecto de lei.

Ficou inscripto — e o requerimento para se lhe A ar destino amanhã.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do projecto n.º 7. (Vide Sessão de 29 de março, vol. 3.º pag. 213.)

O sr. Alves Martins: — Sr. presidente, eu tinha hontem principiado a justificar o parecer da commissão, e sinto bastante que a sessão se não demorasse por mais quinze minutos para acabar o que tinha a dizer, porque não levaria hoje tempo á camara.

A commissão considerou a situação politica em que nós nos achamos, e reconhecendo que não podia descer á analyse de cada um dos decretos que se lhe apresentaram, porque a camara tendo-lhe remettido 235 decretos dictatoriaes, já se vê que não era possivel sujeitar cada um desses decretos aos tramites ordinarios, viu que não tinha senão dois meios a seguir; ou rejeitar in limine todos esses decretos attendendo á illegalidade com que foram promulgados, ou acceitar o facto consummado e esperar que depois pela iniciativa ordinaria fossem emendadas as fallas que nesses decretos por ventura houvesse. Depois da commissão vêr que não tinha senão estes dois caminhos a seguir, restava-lhe considerar quaes eram as consequencias que se seguiam de qualquer delles. Se por ventura a commissão rejeitasse in limine os decretos dictatoriaes, quaes eram as consequencias para o paiz??... A impossibilidade absoluta de todo o governo. Consequencia mais faial do que a propria dictadura, que se fulminava.

Sendo pois isto de simples intuição, nós não podiamos seguir similhante estrada, e, abandonada esta, só restava a outra ponta do dilemma. A commissão acceitou o facto consummado, e qualquer homem que se achasse na mesma crise, havia de considerar o facto como ella considerou. A commissão bem sabia o que se lhe podia dizer, não ignorava o que se tinha escripto contra ella. Bem sabia que a situação em que se achava a primeira dictadura, não era a mesma da segunda Mas tambem sabia que se reprovasse os actos desta segunda dictadura, a camara havia de encontrar-se em uma difficuldade peor do que a camara de 1852, e a camara não havia de morrer diante desta difficuldade. A commissão pois ou havia de acceitar o facto consummado, e approvar todos os actos da dictadura, ou havia de censurar é poder, e este tinha de retirar-se diante de nós. E se a commissão fizesse isto, quaes seriam as consequencias? Era o poder retirar-se; não era o poder dissolver a camara, e irem para suas casas. O governo não dissolvia a camara, porque não ha governo nenhum

Página 259

259

que resista a duas dissoluções continuadas. Podia dissolvel-a, mas havia de morrer comnosco. Por conseguinte o medo da dissolução não devia entrar nos nossos calculos.

Ora agora retirando-se o poder diante de nós, morriam tambem os actos da dictadura. E que actos eram esses? Eram O annos da nossa vida social perdida. Mas qual era então o partido, ou quaes eram os homens que haviam de governar o paiz declarando-se nullos os actos da dictadura? Porque sem isto não podiam governar outros homens? Quem havia de querer governar com taes condições? Appello para a consciencia dos inimigos mais figadaes da situação; não era possivel; ninguem queria encarregar-se desse poder. E se não era possivel, a camara devia seguir outro caminho. Os amigos dos principios veem dizer-nos e argumentar com aquillo que todos nós sabemos — as dictaduras são más, são caminho para o despotismo — Era escusado ler-se gasto tanto tempo em querer-se provar que as dictaduras são más, são illegaes, são contra a caria, e qual o caminho a que conduzem. Todos nós estamos de accôrdo nisto. Mas nós aqui não tractamos senão de remediar os males que existem por não se saber, se são ou não approvados os actos da dictadura, e se concluissemos da maneira que os nobres deputados querem, iamos causar maior mal ao paiz. Esta é que é a questão. Póde haver um ou outro escrupuloso que venha dizer — a minha consciencia obriga-me a respeitar o principio, e eu intendo que todo o homem que se agarrar ao principio, ha-de estar isolado, porque a marcha dos negocios não se liga a um principio absoluto; varia como variam os homens; e o verdadeiro principio é aquelle que applica o justo e o honesto ás diversas transformações que a sociedade soffre.

Mas disse-se — esses 235 decretos serão todos bons, serão todos uteis ao paiz? Uns mais, outros menos. Nestes 235 decretos ha por exemplo meia duzia delles que influem mais no bem estar social, que leiu mais ou menos gravidade. Ora estes já estão julgados; algum está até em grande parte cumprido e produzindo o seu effeito. A opinião publica tem-se occupado da sua bondade ou maldade Mas diz-se — melhorassem aquelles que se podem melhorar. E verdade: mas como isto não era possivel fazer-se sem se passarem pela fieira da discussão, e isto levaria muito tempo, talvez 3 ou 4 annos, o que fazemos? Adiamos a sua reforma para a sessão seguinte, mas entre tanto é necessario ungi-los com a sancção do parlamento; é preciso que o paiz saiba que são leis do estado, e que tem inteira obrigação de as cumprir, para que não venha um juiz dizer que reconhece, outro que não reconhece lai disposição; em summa tirar todo o pretexto de desobediencia. E necessario acabar este mal, e como acaba, é approvando e votando estes decretos como um facto consumado. As consequencias disto é soffrer por algum tempo essas fallas que podem haver n'um ou n'outro decreto que nós lemos na mão remediar, depois que a experiencia nos tenha mostrado qual o remedio que devemos applicar-lhe.

Eu bem sei que ha de haver quem vote contra isto; sei que ha de haver quem rejeite in limine todos os decretos da dictadura; mas esses que assim votarem, eu appello para a sua consciencia. Collocados na situação em que nós estamos, o que fariam elles? O que haviamos nós fazer? Que diria historia? Ora supponhamos que destruiamos a nossa propria obra, o que acontecia, e que o poder passava para os nossos contrarios, haviamos de largar a nossa herança, e no fim de tudo renegavamos a nossa situação politica, porque nós não podemos ignorar, que a situação actual tem lido muitas difficuldades, que está rodeada dellas, mas a gloria é vencer estas difficuldades e não morrer diante dellas; a gloria é approvar os factos consummados, evitando o maior mal que da sua não approvação póde resultar ao paiz. Demais o ministerio já declarou que havia a respeito do codigo penal nomear commissões, e que estava prompto a revelo neste ou naquelle ponto, em que carecesse de ser emendado. Do mesmo modo a respeito de outras medidas tambem hão-de ser convenientemente adoptadas as nossas idéas; lemos tempo para remediar todas as fallas, e não havemos de aggravar os males da patria com unia decisão, que se no momento nos podia saciar um capricho ou amor proprio com os louros da heroicidade, depressa esses louros murchariam, na presença dos males, que acarretariamos sobre o nosso tão, mui fadado paiz.

A vista disto creio que está justificado o parecer da commissão, não resta mais nada a dizer neste sentido; esta ceara, para assim dizer, está ceifada de todo, e mesmo se a quizerem respigar não se achará uma espiga para consolar o nosso trabalho.

São 4 ou 5 os decretos sobre que tem versado a discussão; um delles é o decreto que extinguiu a roda do sal, vou dar sobre elle a minha opinião para que a camara saiba o modo por que considero a questão.

O decreto que extinguiu a roda do sal, era uma necessidade; a roda do sal era um absurdo economico. É verdade que eu tenho lido, já na sessão passada li tudo quanto se escreveu a respeito da roda do sal, muito se disse a favor della; mas eu vi que as paixões se misturavam nesta questão. Na minha humilde opinião a roda do sal era, repito, um absurdo economico; tinha a seu favor a antiguidade, mas a antiguidade não canonisa os erros. O governo que a extinguiu, prestou homenagem aos principios, e em quanto a mim o tempo mostrará que elle fez beneficio aos proprios que reagiram contra a medida.

O decreto que tirou ao banco o fundo de amortisação é outro dos que têem sido combatidos, tem-se discutido largamente, e o meu illustre amigo o sr. Avila é quem se tem occupado mais seriamente delle, e deste lado (Apoiados) o sr. Casal Ribeiro. Tem-se dito tudo o que ha a dizer sobre elle. O juizo que formo a respeito deste decreto, é o seguinte — Nesta questão do banco ha uma parte de legalidade e uma parte de justa compensação; o banco possui certos fundos e bens nacionaes para certos encargos, não entro na questão se essa posse era em consequencia de um contracto ou não, porque realmente a questão não merece a pena de se tractar; era um ajuste com o governo que se devia manter; tudo aquillo a que uma parte e outra se obrigam deve-se manter. Este arranjo foi feito por uma dictadura tão illegal como esta, por conseguinte o banco que ajustou com essa dictadura, que acceitou direitos e obrigações vindos desse poder illegal, e geriu o fundo de amortisação por 4 annos, é por que não tinha escrupulo nenhum de tractar com

Página 260

— 260 —

dictaduras; logo se elle tractou com essa dictadura e reconheceu a sua illegalidade, não póde contestar a legalidade a esta dictadura que lho tirou; póde outro estabelecimento, e quem quizer questionar a legalidade desta dictadura, mas o banco que tratou com a outra dictadura, não póde. Em quanto ajusta compensação, o governo tirou-lhe o fundo e deu-lhe outra dotação, póde dizer o banco — essa dotação não é equivalente, effectivamente o banco queixa-se della, e ahi póde ter justiça e queixar-se com razão, e póde não ter. Não entro na questão da justa compensação, o sr. ministro da fazenda que afazia; e o banco reagir contra ella não é prova sufficiente de que não é justa a compensação; dou por testimunha de que isto não é prova, o sr. Avila que foi meu companheiro na opposição de 42 a 45. S. ex. hade lembrar-se de uma questão igual a esta que houve com a junta do credito publico; esta junta tinha uma dotação estabelecida por lei, e o governo tirou-lha, nesta dotação entravam alguns tributos e entravam os bens nacionaes que constituem fundo de amortisação, porque eu noto uma circumstancia — este fundo de amortisação é desgraçado, todos o querem e todos têem grandes brigas por amor delle! A junta tinha este fundo de amortisação na sua dotação, e o governo tirou-lhe essa dotação, e em logar della concedeu-lhe consignações do contracto do tabaco, e das alfandegas. Sabe a camara o que fez a junta? A junta fez uma insurreição igual á que houve no banco; juntaram-se os accionistas, representaram á Rainha, representaram á camara e só o que lhes faltou, foi representarem aos inglezes como fez_ agora o banco. Fizeram uma representação á camara com 600 assignaturas, esta representação foi aqui trazida pelo sr. Faustino da Gama, as galerias desta casa encheram-se com 600 accionistas ou possuidores das inscripções, gritou-se aqui horrivelmente, e o sr. Avila arrostou com tudo isso e eu tambem, o sr. Avila achou tão justa e rasoavel a medida do governo, que votou a favor della, e eu votei com o sr. Avila. E o sr. Avila então fez uma profecia e disse — Calai-vos, não tendes razão nenhuma, a compensação é justa, e a prova está em que o valor das inscripções ha de subir, e com effeito realisou-se a profecia; passou a lei, as inscripções subiram, e acabaram-se as queixas da junta. Logo porque o banco grita que a compensação que lhe dá o governo, não é equitativa, não é igual ao fundo, nem por isso tem razão. O sr. Avila agora está em campo diverso, mas se estivesse ao nosso lado, se as circunstancias politicas o trouxessem a este campo, e a sua convicção o levasse a defender esta mesma doutrina, e fizesse Igual profecia ao banco, elle havia de accommodar-se. E talvez se realise hoje o mesmo; e até estou persuadido que os fundos do banco, as suas acções, nem por isso que se lhe troca o fundo de amortisação pela compensação que lhe dá o governo, hão de descer, porque o facto é que as acções do banco não teem abatido do seu valor. Ainda que os argumentos de analogia muitas vezes não colham, neste caso ha toda a paridade, e por isso o argumento que eu trouxe do que aconteceu com a junta, neste caso colhe.

O governo applicou o fundo de amortisação para uma estrada de ferro, e fez bem. Este fundo está sujeito ás dictaduras; os bens que o constituem, eram a maior parte delles dos frades, eram dotação das ordens religiosas a quem foram tirados; e estes senhores do banco gritam agora — espoliação e violação de propriedade, caria constitucional; não ha nada que não tragam a seu favor sobre o direito de propriedade. Todos teem ouvido aqui na camara e fóra della como elles gritam em toda a parte, que foi uma espoliação completa. Ora pergunto eu — de que época data aposse destes bens pelo banco? Data de 46. E donde lhe vieram elles? Da junta. E donde foram elles para a junta? Das ordens religiosas a quem foram tirados pelo decreto de 30 de maio de 1834. Quando esses senhores do banco andavam, para assim dizer, ás esmolas, os donos desses bens estavam senhores delles havia seculos; esses bens tinham-lhes sido dados como legados pios, e o decreto de 30 de maio de 1834 acabou com a propriedade de muitos seculos, porque havia muitos seculos que os frades eram seus donos. Estes bens nacionaes venderam-se quasi todos por ahi sabe Deus como! E de todo esse grande naufragio os despojos quaes são? São o fundo de amortisação na importancia de 3 ou 4:000 contos. E vejam as brigas que ha por causa dos restos desse grande naufragio! Todos querem o fundo de amortisação!

Eu apoio o governo nesta expropriação, a rasão é, porque dizendo-se no decreto de 30 de maio de 1834, que os bens das ordens religiosas passarão para a nação, estes que ainda restam, vão agora para a nação, não podem ir todos, porque a maior parte, por essas transacções que por ahi se fizeram, foram para outras mãos, mas estes vão, e vão para a verdadeira nação, que é a estrada de ferro, a estrada de ferro é o verdadeiro bem, a melhor applicação que os bens nacionaes podiam ter é esta. As estradas de ferro vão-nos compensar de muitos males que temos soffrido com esses naufragios por que temos passado, e é esta uma das feições mais salientes desta situação politica, é ir agora aproveitar aquillo que se não tem aproveitado em muitos annos de existencia publica, é principiar agora a seguir o verdadeiro caminho, que não temos seguido até aqui.

Em quanto ao decreto da conversão o sr. Avila argumentou contra a violencia delle, e disse que não tinha achado exemplo na historia. O sr Avila apresentou aqui como se fazem as conversões em Inglaterra, e em toda a parte. Todos nós sabemos que as conversões se devem fazer na alta, e que os governos offerecem dinheiro, ou contrahem emprestimos, quando o não têem, e depois dizem aos interessados — acceitar ou dinheiro, ou conversão — mas pergunto ao sr. Avila, estaria o governo portuguez nessas circumstancias? Não estava, estava em circumstancias excepcionaes, verdadeiramente anormaes, num caso extraordinario, n'um caso de necessidade; ora quando a necessidade actua, queria então o sr Avila que a sua medida fosse ordinaria? Queria que achando-se o governo em uma situação extraordinaria a sua medida fosse ordinaria? Não era possivel, havia de ser medida extraordinaria, como era a situação forçada em que o governo se achava. Mas declaro ao sr. Avila (e faço uma profecia) que a violencia que houve na medida, não ha de destruir o effeito della, os fundos publicos, depois de restabelecido o credito, hão de subir, como tem acontecido em épocas analogas. Os panicos nos fundos publicos em todos os paizes podem assimilhar-se nos meteoros, que no momento da apparição atterram os povos, e não ha mal de que não sejam presagios; mas pas-

Página 261

— 261 —

sado pouco tempo tornam as cousas ao seu estado normal.

É verdade que ficam algumas fortunas compromettidas, alguns jogadores enganam-se em suas arriscadas especulações; porém, como sempre outros lucram, ficam equilibradas as consequencias funestas; e neste rir e chorar reciproco é que consiste a admiravel harmonia social.

Fiquem certos que a reducção dos 3 por cento não lia de destruir o credito do paiz; por causa desta medida não havemos de perder o credito. O credito não depende só da fé dos contractos; depende essencialmente destas duas condições — querer, e puder — pouco imporia que se prometta fé aos contractos, se não se puder ou quizer satisfazer a elles. (Apoiados) Nesta parte é que eu intendo que lera errado todos os financeiros que tem havido até agora. Quando se tractou do emprestimo dos 4:000 contos, que figuram hoje como divida do governo ao banco, e contra o qual eu votei, disse-se então — votai este emprestimo, que as finanças do estado ficam salvas — mas vejam como ellas se salvaram... (Riso) Eu respeito muito os homens publicos que têem gerido até agora as finanças deste paiz; mas permitta-se-me que diga, que os seus esforços têem sido baldados e inuteis; fieis aos contractos foram elles, mas a verdade é que não podiam satisfazer a elles; então dizia-se que havia credito, mas effectivamente não o havia. (Uma voz: — E agora?) Agora não sei; mas tenho a esperança de que, se continuarmos daqui por diante no caminho financeiro em que entrámos, o credito se ha de restabelecer; e a rasão forte que tenho para assim esperar, é ver que o governo se tem desviado da rotina passada; isto é já uma probabilidade que temos para se poder conseguir o restabelecimento do credito.

Agora direi algumas palavras sobre o decreto de 11 de outubro, o qual foi tractado pelo sr. Cunha Sotto-Maior com aquella innocencia que tanto o caracterisa; mas lendo o sr. Nogueira Soares fallado sobre este decreto, e por consequencia sobre a questão do Douro, por isso pouco me demorarei sobre este ponto, e apenas farei algumas considerações para satisfazer ao programma que prometti, e para que a camara conheça como eu julgo esta medida. Declaro que não tenho parte alguma no decreto de 11 de outubro, e que só tive conhecimento delle já depois de publicado; porém considero este decreto um trabalho bem elaborado; participa da escóla de liberdade de commercio, e da escóla restrictiva; póde ser considerado como uma transição para um outro systema. Não tractarei de examinar agora, se havia ou não um contracto com a companhia dos vinhos do Alto Douro, porque não vem para o caso; mas houvesse ou não condado, houvesse ou não privilegio, o que eu intendo é, que os contractos feitos com o governo estão sujeitos á influencia do bem geral do paiz; quando o bem geral do paiz pedir que se alterem esses contractos, devem alterar-se, porque o bem geral prefere ao particular; o que póde e deve haver, é uma justa compensação. Por consequencia em quanto á companhia dos vinhos do Alto Douro, independentemente desta consideraçao — de ficar sempre salvo em todos os contractos o bem geral do paiz — o governo podia rescindir o contracto, porque a companhia não executou os tres ultimos artigos da lei de 21 de abril de 1843, que mandam estabelecer os bancos ruraes. Quando aqui se discutiu a lei de 21 de abril de 43, eu votei contra os 150 contos, e approvei o exclusivo das agoas-ardentes, que eram as duas bases que então se offereceram. Nessa occasião levantaram se aqui dois campos, um de deputados do norte, e outro de deputados do sul, e combateram fortemente; porém o governo de então não se metteu na questão, nem deu a sua opinião sobre se era mais conveniente, ou o exclusivo das agoas-ardentes, ou os 150 contos; mas agora não aconteceu assim, o governo tornou a iniciativa sobre a questão, deitou abaixo a companhia, e organisou uma cousa por um novo plano, parte da escóla de liberdade de commercio, e parte da escóla restrictiva. Eu intendo que o maior absurdo economico que se tem commettido desde 34 para cá, foi a lei de 21 de abril de 43, pela qual se deu á companhia dos vinhos do Alto Douro 150 contos de réis. Esta lei fóra um contrasenso, porque repugnava ás duas escólas liberal e restrictiva. Eu votei pelo exclusivo, não porque me parecesse melhor, mas porque o achei mais logico e efficaz, na hypothese das duas bases que se discutiam então. O meu credo economico é — Laissez faire, laissez passer.

Se dependesse só do meu voto a medida que alterasse a legislação ácerca do commercio dos vinhos do Porto, essa medida reduzil-a-hia a um só artigo, fica extincta a companhia) ficando o commercio em completa liberdade; se a companhia quizesse viver, que se associasse para esse fim, como aconteceu a respeito da roda do sal; a legislação do sal foi abolida, se os individuos interessados na roda do sal quizerem que ella vigore em algumas das suas partes, associem-se para isso, ninguem lho impede. Assim a respeito do commercio dos vinhos do Porto, se a companhia quer continuar a viver e a commerciar, póde fazel-o, ninguem lho prohibe; agora o que não podia ser permittido era o que se estava practicando. Eu cada vez estou mais radicado pela liberdade do commercio. Eu diria, fica extincta a companhia para todos os effeitos. £ se o estado não podesse prescindir de alguns tributos lançados sobre os vinhos, lançava esses tributos muito modicamente, e estabeleceria quanto ao mais a ampla liberdade de commercio. Nada de restricções. Que me imporia, por exemplo, e isto é, em referencia ao que ha pouco ouvi nesta casa, que o carvão de sobre tenha grande saída?... Pois se os inglezes dão bom preço por elle, porque não ha de saír?... Se os nossos compradores internos querem ler a materia prima para os cortumes, estabeleçam-lhe um melhor preço que aquelles que os compradores externos dão, e verão como elle não vai para fóra; mas quando ha quem compre bem qualquer dos nossos generos, é deixal-os saír, é absurdo impôr direitos para não sairem.

Eu approvo o pensamento do governo ácerca do decreto de 11 de outubro de 1852; o pensamento politico do governo foi não provocar reacções, não irritar as paixões, foi um meio termo entre o principio restricto e a ampla liberdade do commercio; e este meio a respeito de todas as comas, é o que está na cabeça e no coração do ministerio, especialmente do sr ministro do reino; e com quanto eu approve a medida por esta consideração, estou persuadido que ella não basta, e que passado alguns annos se virá a adoptar o systema da ampla liberdade do commercio, e acabar-se com as provas, arrolamentos, manifestos, guias, em fim tudo isso que não servo senão para absorver dinheiro, sem proveito algum, nem para a

Página 262

262

agricultura, nem para o commercio tios vinhos do Domo.

Eu bem sei que no Douro pensa-se de outra maneira; as massas não pensam assim, mas a razão é porque, em qualquer individuo illudindo uma idéa cresce n'uma noute, e amadurece na noute seguinte, mas nas massas populares não é assim; custa sempre muito fazer lhe crear e amadurecer qualquer idéa.

No Douro, quer-se a companhia com os 150 coutos, mas isto é instigada por certos empregados e certos lavradores; mas eu espero que a seu tempo as massas se hão de convencer do contrario, e bem dizer das providencias que o actual ministerio adoptou.

Tambem ouvi elogiar muito a legislação do marquez de Pombal. Pois eh digo, que a legislação do marquez de Pombal era absurda e a prova de que era absurda, é que em 1750 creou-se a companhia dos vinhos do Alto Douro com certos privilegios e com 660 contos de fundo, para dar protecção á agricultura e commercio dos vinhos do Douro, e fazer augmentar a producção dos vinhos; ora a producção de vinho que até alli era annnualmente de 15.000 pipas, aconteceu que passados 17 annos depois do estabelecimento da companhia, e tendo-se ai rançado os sobreiros, e as oliveiras para plantar cepas porque se pertendia proteger uma industria nascente, digo que passados esses 17 annos, aconteceu que a novidade que até alli era annualmente de 15:000 pipas, passou a 45:000, isto é, augmentou a producção em 30.000 pipas. Ora como o vinho era muito, e os consumidores eram poucos, barateou-se o genero, porque em havendo abundancia de um genero diminue o preço, e havendo escacez augmenta o preço; o marquez de Pombal que primeiro tinha creado a companhia para dar desenvolvimento e protecção á agricultura e commercio dos vinhos do Porto, e vendo que em 17 annos a producção tinha sido levada a um ponto maior ou superior áquelle do consumo; que fez, apezar de terem creado aldêas e arroteado montes para plantar bacellos tudo á sombra da protecção que se dava a esta industria?... Mandou cortar as vinhas, e arrasar as aldêas!... E aquelles que resistiram a arrancar as vinhas e a lançar fogo ás casas, mandou fuzilar uns e outros, enviou-os para a costa de Africa!... Era o mesmo que se ordenassem a construcção de uma fabrica para tecidos de seda porque não os tinhamos, e sufficientes para o consumo; fez-se a fabrica, os tecidos de seda augmentaram, havia passado 10 annos, mais tecidos de seda que os precisos para o consumo, destrua-se a fabrica, mate-se o proprietario, e mandem-se para a costa de Africa os que resistirem... Eis a bella obra do marquez de Pombal!!!

Ora a respeito de se dizer aqui que o governo ha de caír, eu direi que o governo não ha decair; o governo é uma auctoridade moral, os homens é que são contingentes; mas a politica do actual ministerio é que já não póde deixar de estar alli com pena de andarmos de revoluções em revoluções. O proposito do actual ministerio é aproveitar-se de todas as intelligencias, sem lhe importar a que pai tido pertencem, esquecer completamente o passado, dar liberdade á leira, e ao pensamento, governar a nação pela nação, e não governar partidos por partidos, é por isso que hei de morrer ao pé delle; o pensamento politico do actual ministerio é hoje o unico possivel, estou convencido que não ha de haver outra politica, e aquelle governo que quizer governar só com os sacerdotes de certo pagode, com os principios de Certa religião, só com certos homens, considerando lodosos outros como réprobos, esse governo com tal pensamento ha decair. Qual ha de ser O governo que exista com tal exclusivismo...

A theoria do exclusivismo deixou de existir, e só póde ter cabimento ainda em certos homens, cujo valor intrinseco não passa de um fanatismo politico, com que se apresentam ás massas, perante as quaes querem passar por santões: Nós não cuidamos de homens, mas de principios; Os homens podem retirar-se porque não estão collados naquellas cadeiras, mas a politica que elles teem seguido ha dous annos, essa ha de ficar, ha de ser mais duradoura. Quando o paiz chega a levantar a cabeça para derribar uma politica esteril e irritante, deve receiar-se que elle tome um caminho menos conforme á ordem publica. — Foi nestas circumstancias que o governo actual, no meio da ondulação de paixões de que o paiz era victima, no meio da excitação cansada por uma politica de pressão de 8 a 10 annos, sé metteu de per meio como um março de bronze, para não deixar levantar-se a vingança e a desordem; o governo conservou-se no meio termo para assim poder acalmar essa excitação, accommodar os partidos, e reunir n'um só centro todas as intelligencias do paiz; o grande intuito do governo foi não provocar reacções. (Apoiados)

Por consequencia estou intimamente convencido, que unia politica firmada nestes principios ha de vingar, e ha de com o tempo produzir resultados fecundos para a prosperidade publica. Eu fallando particularmente com o sr. ministro do reino sobre o pensamento politico do governo actual, e sobre as difficuldades delle se pôr em pratica, disse s. ex.ª — para que os principios adoptados pelo governo possam produzir os seus resultados, só precisa de tempo; fóra destes principios e desta politica, não ha salvação; hei de morrer abraçado com estes principios; podem as paixões ruins levantar embaraços e difficuldades contra elles, e nós não podermos vencer essas difficuldades, neste caso retiro-me, mas deixo o principio

E é assim, sr. presidente, a base da boa politica — é esquecer o Passado — não me imporia se este ou aquelle votou pela lei das rolhas, se foi ou não contra Os Cabraes: a verdadeira politica, e que é aquella que o actual governo segue, consiste em esquecer o passado, e marchar no caminho dos bons principios.

O sr. José Estevão fazendo uma profissão de fé a respeito da sua situação, profissão que eu estimei que elle fizesse, por que expoz completamente as suas idéas, disse: que elle e o partido que apoia o governo, comprehendem perfeitamente as conveniencias politicas da situação actual; que o partido progressista não temia a lucta; mas para que luctar; com quem, em que tempo, e com que fim? Nestas tres proposições comprehende-se toda a politica actual. Pois nós havemos de luctar contra o governo que não nos faz guerra, e que nos abraça? Isto seria uma tyrannia...

(O sr. Corrêa Caldeira: — É verdade, é unia tyrannia!...

O Orador: — Sim sr. é verdade; e declaro ao nobre deputado que, apezar dos combales politicos que temos tido, eu tinha muita satisfação em vêr o illustre deputado ao meu lado; podia estar certo que se viesse tocar a mão, eu acceitava-a; (O sr. Corrêa Caldeira: — Muito obrigado) O Orador: — Eu es-

Página 263

— 263 —

queço depressa o passado, não sou homem de reserva; as minhas impressões são de momento. Ólho para o lado direito, vejo homens cartistas meus amigos; olho para o esquerdo, acontece o mesmo. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Tambem sou cartista?) O sr. Cunha é cartista? (Riso) Ainda agora o sei.

Foi tanto eu não tracto de defender nem cartistas, nem progressistas; o que defendo é a politica de bons principios. Mas disse o sr. José Estevão — Eu apoio o governo por que põe em practica principios que eram nossos — nisto não concordo eu, por que intendo que os principios não são de partido nenhum; Os principios são cosmopolitas, como é a rasão; os principios de liberdade de commercio que o governo ensaiou na reducção das pautas, na extincção da roda do sal, na extincção do monopolio da companhia dos vinhos do Douro, e outras maximas que pôz em pratica, são de todo o homem que os quizer ensaiar; a verdade não pertence á nação a, nem a nação b, é de todos os partidos, e de todos os povos.

Disse o sr. Avila que o governo publicara o decreto de 30 de agosto para attrahir o apoio de certos homens.... (O sr. Avila: — Não e verdade.) Por isso mesmo e que eu digo que sendo amigo particular de s. ex.ª, sinto que da sua bocca saisse uma palavra desta ordem. O sr. Avila, que eu considero um verdadeiro homem de estado, não podia, nem devia lançar a esmo, e sem reflexão sobre seus adversarios uma allusão tão pungente, ião immerecida, e de tanto alcance politico.

Era a maior deshonra que podia imaginar-se tanto para o governo, como para os cavalheiros, que tão notaveis se tornam pelas suas eminentes qualidades no partido progressista. Nada havia que auctorisasse o sr. Avila a soltar uma allusão tão amarga, e que tanto rebaixa o seu decoro.

O sr. Avila: — Peço perdão ao illustre deputado. Eu disse que esse decreto pareceu antes um acto politico para attrahir ao governo o apoio de certos cavalheiros: o sr. ministro da fazenda, respondendo a esse argumento, reproduziu-o desta propria maneira, que foi como eu o disse.

O Orador: — Eu intendi que isso que s. ex.ª disse, era a sua opinião; agora vejo que s. ex.ª não despoza esta idea, e não a acceitando esta acabada a minha questão. Mas um homem de governo não diz isso. Quando um governo practica um acto, deve destina-lo para o fim que elle e destinado. O governo actual tem uma característica e é essa característica que lhe grangeia apoio, não precisa mendigar forças aos arraiaes contrarios, tem muito quem o apoie pela sua marcha politica regrada e liberal: quando os principios liberaes, quando o systema parlamentar está em tortura em toda a parte... Estamos a ouvir os gemidos aqui ao pe de nós, em Hespanha, e nem ao menos attendem aos esforços do governo para atravessar pelo meio desta crise, e não tocar nem de leve em uma só das nossas liberdades! (Apoiados) Ao menos por isto merecia um voto de agradecimento de todos os cidadãos.

Tenho expendido as minhas ideas. Intendo que nós na situação em que nos achamos, devemos approvar as leis da dictadura; a commissão e a camara mesmo ficariam inferiores á situação se votassem contra. Nas circumstancias actuaes esta questão é eminentemente politica, e de existir ou de deixar de existir não só este governo com os homens que adoptai nu a sua politica, mas aa ideas que o dominam. A questão não e o artigo a ou 6 do decreto de lai e tal que não está bem feito, que precisa modificação; estou persuadido que de 100 deputados nem um só deixaria de propôr alguma alteração sobre este e aquelle amigo, apresentando-se os decretos aqui para passarem pela fieira de uma discussão especial; cada um de nós havia de apresentar a sua alteração; mas a questão na altura em que está, não se apresenta neste caso; temos tempo de remediar esses defeitos, actualmente o que se precisa é dar força ao governo com a sancção destes actos da dictadura, é dar força á situação, e abraçaram-nos com ella, é compenetrarmo-nos com ella; depois remediaremos os defeitos de accôrdo com o proprio governo.

Nós não nos podemos lisonjear de que toda a nação abraça solidariamente estas idéas, nem de que todos são amigos do governo; porque o coração humano leva-se por muitas causas, que não são as mesmas em todos; os homens não veem as cousas pelo mesmo prisma, não ha um prima geral; ha motivos e razões que fazem com que uns vejam as cousas de uma maneira, e outros de maneira diversa. Uns intendem que esta marcha politica é boa, outros intendem que não é esta a marcha politica que se deve seguir. A direita quer em practica as suas aspirações politicas, que ião oppostas ás do partido progressista; ha uma parte do partido progressista que quer ir mais adiante, não se póde censurar isto; mas se elles refletirem comsigo na situação em que nos achamos, e na situação em que se acha a Europa, hão-de confessar que mais adiante não se póde ir, e quer mais adiante e arriscarmo-nos a morrer na rocha Tarpeia: para a direita, para traz tambem não podemos ir. Quereis ressuscitar o conde de Thomar? Quereis isso? (Dirigindo-se d direita) Quem o quer? Sois vós?.'.. Eu creio que os maiores amigos do conde de Thomar não hão-de querer isso. O homem a quem as revoluções expelliram para o ostracismo por duas vezes, está inhabilitado para ser poder outra vez. Querem o exclusivo com que elle governou? Querem as idéas delle? Tambem não; porque foram já tambem destruidas por umas poucas de revoluções. Logo os homens que o seguiram, que o apoiaram, podem apoiar este governo, podem seguir outra politica, podem, estão no seu direito, devem-no fazer. Por consequencia qual é o caminho entre os dois exilemos que não bons? O caminho, a politica que nos póde levar a porto e salvamento, o pensamento que nos póde levar a melhorarmos a nossa situação moral e materia), não póde ser senão o pensamento do governo actual.

Por isso é que eu voto pelo parecer da commissão e apoio o governo. (Vozes — Apoiado — muito bem, muito bem).

O sr. Basilio Alberto. — Sr. presidente, sinto que a palavra me chegasse tão tarde, porque entrando na discussão quando a materia já se acha esgotada pelos oradores que me precederam, terei de fazer passar esta camara pelo martyrio de me ouvir repetir em lingoagem rude e singela, aquillo mesmo que já ouviu a outros em discursos polidos e eloquentes. Estas considerações deveriam talvez fazer-me ceder da palavra; porém, sou ainda daquelles que tem a simpleza de acreditar na força da verdade, e por isso confiado nella, e só nella, espero merecer á camara, não direi attenção, mas a paciencia de me escutar por alguns momentos.

Página 264

— 264 —

Quando esta camara me fez a honra de me nomear para a commissão encarregada da resposta ao discurso da corôa, declarei logo, que não podia approvar indistinctamente os actos da dictadura, e que leria de passar pelo desgosto de fazer voto separado, se a commissão no seu quizesse interpôr algum juizo, no sentido daquella approvação. A commissão tomou o expediente de deferir a apreciação daquelles actos, para quando fossem apresentados a camara pelo governo; e como este arbitrio me pareceu rasoavel, conformei-me com elle, e assignei a resposta, formulada neste sentido. Agora é chegado o momento daquella apreciação; e como a illustre commissão a quem fôra encarregada, propõe no seu parecer a approvação indistincta dos actos da dictadura, vejo-me na necessidade de votar contra elle, e por isso quero dar a razão do meu voto, para que, quando seja errado, se conheça ao menos que é de boa fe'.

Sr. presidente, a illustre commissão declara no seu parecer, que na apreciação que fez daquelles actos, attendera mais aos seus effeitos economicos e á utilidade que nelles suppõe, do que á sua legalidade; que tivera mais em vista os factos consummados, e as conveniencias politicas, do que os principios: e assim arvorou a bandeira do systema utilitario, no campo da politica. Um dos seus illustres membros, desenvolvendo este systema, elevou as conveniencias politicas á consideração de dogmas, e excommungou da communhão politica todos os que descressem dellas; sou um dos excommungados; porém, vendo inscripto o emãlema da justiça na bandeira da regeneração, acolho-me a ella, e poderia dalli chamar com mais razão excommungados aos que desertaram com armas e bagagens para a da utilidade: se m'o não vedasse o decoro desta casa, e o espirito de tolerancia e de conciliação. Já disse aqui, e não me cançarei de o repetir, que não acredito em regeneração politica, que mo seja acompanhada da moral; e por isso em quanto a actual quizer seguir o programma de justiça, liberdade e fraternidade, com que acenou aos povos, póde contar nas suas fileiras um soldado fraco mas hei; se o quizer substituir pelo da utilidade, quero ser conhecido como desertor della, mas fiel ao da justiça. Aqui está bem definido o meu partido, e a minha politica; não comprehendo outra; a contraria, essa é que é vaga, indefinida e de furta-côres. Serve tanto á liberdade como ao despotismo, porque tem elasticidade para tudo. E a politica das consciencias largas, aonde cabe o evangelho e o alcorão. (Muitos apoiados.)

No meu systema, sr. presidente, não póde a politica separar-se da justiça; tenho por util sómente o justo; intendo que os principios devem dominar os factos, e não os factos os principios (Muitos apoiados) e que o empyrismo deve ceder o seu logar á sciencia, e não a sciencia ao empyrismo. (Vozes. — Muito bem) Não se pense, porem, que considero a justiça como um principio abstracto, especulativo e esteril, nem como um catonianismo inflexivel, ou uma Nemesis inexoravel. Intendo, que a justiça sendo feita para os homens e para a sociedade, se accommoda ás circumstancias de uns e ás vicissitudes da outra; que sendo uma só no principio donde se deriva, soffre, com tudo, varias modificações na sua applicação, segundo a natureza dos negocios, a que se applica; e que é nos politicos principalmente que se verifica a regra — Summum jus, summa injuria. Portanto, tambem reconheço o imperio dos factos, e tambem dou valor ás conveniencias politicas; mas sómente para modificar a justiça e não para a contrariar, sómente para modificar os principios, mas não para os annullar nem calcar, porque os principios não se calcam impunemente. São como as sementes, que lançadas ã terra, ainda que se calquem, cedo ou tarde germinam, e se são boas dão fructo de benção, se são ruins dão fructo de maldição.

São estas as doutrinas e os principios que tenho professado na minha longa e já cançada vida academica; e, por isso, seria altamente contradictorio, se viesse agora desmentir na tribuna as doutrinas que tenho ensinado nas cadeiras, e renegar na pratica, os principios que tenho seguido na theoria. Se ao menos a experiencia tivesse convencido de erroneas e perigosas estas doutrinas e estes principios, ainda a minha apostasia teria desculpa, porque o homem não ha de estar toda a vida preso ao erro, em que uma ou muitas vezes cahiu, como o escravo á corrente; mas se a experiencia de todos os dias nos convence de que os males de que nos queixamos, provém da falla de justiça, do despreso dos principios; senão ha ninguem tão cego que deixe de vêr esta triste verdade, para que se ha de teimar em seguir o caminho das conveniencias politicas, em que outros tropeçaram e que nos leva ao abysmo?

Sr. presidente, não se pense que no que deixo dicto, e no mais que possa continuar a dizer, quero fazer a mais leve referencia ás intenções dos illustres membros da commissão, nem ás de ninguem: tracto de doutrinas e de factos, e não de intenções, nem de consciencias: essas deixo-as para Deos, que as conhece melhor do que eu. Se me podesse persuadir, de que a felicidade publica podia estar dependente das intenções de alguem, declaro sem a mais leve sombra de lisonja, que a daria por segura nas dos srs. ministros; porém intendo que sómente o póde estar em instituições religiosamente observadas (O sr. Corrêa Caldeira: — Muito bem, apoiado), as quaes permanecem, em quanto as intenções passam com os homens. (Apoiados) Este pensamento não é meu, é de pessoa mais auctorisada do que eu. Quando m.me Staeel, querendo lisonjear o imperador Alexandre, lhe disse: Que os povos eram felizes debaixo do seu governo paternal — respondeu elle: Ainda quando assim fosse, m.me, não seria eu senão um accidente feliz: porém a felicidade dos povos sómente póde estar segura em instituições permanentes e religiosamente observadas. (Muitos apoiados) Era um déspota a dar lições de liberalismo, mas um despota illustrado, e liberal como todos o fossem.

E estarão por ventura as nossas instituições religiosamente observadas? Estará a caria guardada, e o systema constitucional respeitado? (Apoiados na direita) A illustre commissão no seu parecer reconhece que não, e que pelos actos da dictadura se acha offendida a curia, e feridos os principios: assim o reconhece tambem o governo no relatorio dê que acompanhou aquelles actos; e o reconhecem todos aqui e lá fóra. Então se a ferida é profunda, se o mal é grande e geralmente reconhecido, precisa de remedio prompto e energico; porque para grandes inales, grandes remedios. E qual é o que a illustre commissão propõe? Que se approvem todos aquelles actos!! Quer dizer, que se aggrave o mal em logar de se curar; que se approvem todas as violações, e que ás do governo se

Página 265

265

accrescente ainda outra mais flagrante feita pelas coites. (O sr. Corrêa Caldeira: — Muito bem) No artigo 15.º da carta acha-se imposta ás côrtes a obrigação de — velar na guarda da constituição; mas nem nesse artigo, nem em algum outro se lhes confere poder para auctorisar e confirmar as infracções della. No mesmo artigo se concede ás côrtes poder para fazerem leis; mas nem nelle, nem em outro algum se lhes dá faculdade para delegar esse poder, nem para approvar em montão as leis feitas pelo governo, Esta approvação illegal e monstruosa, sem poder dar a essas leis o vigor, que não tem, sómente poderá servir para desacreditar esta camara, por deixar de cumprir o seu dever, por abdicar as suas prerogativas, e por abnegar a sua intelligencia, para se tornar um cego instrumento e uma chancellaria do governo. (Apoiados) E quando é, sr. presidente, que se exige de nós este sacrificio?... Quando o systema constitucional se acha ameaçado por toda a parte, dentro e fóra de Portugal, quando por toda a parte se tem espalhado as apprehensões mais terriveis sobre a sua existencia, quando contra as côrtes e contra o governo se tem divulgado as calumnias mais atrozes, e quando por isso mesmo o governo e as côrtes deviam aproveitar a occasião de dar uma prova irrefragavel da sua adhesão á carta, e um exemplo de moralidade constitucional, tão forte, que podesse desvanecer aquellas apprehensões, desmentir estas calumnias, e levantar o systema representativo do abatimento e descredito em que se acha! (Apoiados na direita)

Diz-se que para se levantar esse descredito e sustentar o systema representativo é que se assumiam as dictaduras, supprindo com ellas a sua insufficiencia. Que nós estamos muito atrasados das outras nações em melhoramentos materiaes, e por isso para chegar ao ponto em que ellas se acham, não bastava correr, era preciso saltar, e como o systema representativo obstava a estes saltos, era preciso saltar por cima delle, e por cima das formulas, porque seria absurdo deixar perecer á sombra delle os fóros e liberdades do povo, que se deviam garantir.

Sr. presidente, se este argumento fosse produzido antes do acto addicional á carta, ainda poderia servir, não de fundamento, mas de pretexto para as dictaduras; mas depois delle, nem como pretexto póde ter desculpa. (Apoiados) Pois se o systema constitucional é insufficiente para satisfazer as necessidades publicas, porque se não reformou naquelle acto? E se não admittia reforma, porque se não propoz a sua extincção? Sou um dos que concorreram para o estabelecimento do systema constitucional entre nós: sou quem creou na Universidade a cadeira em que se ensina o mesmo direito, e soffri por elle um desterro de 6 annos; e por isso tenho por elle o amor, que um pai tem pelo filho (.Muitos apoiados) e um martyr pela sua religião; mas apezar destes amores, se a sciencia ou a experiencia me tivessem feito conhecer a sua insufficiencia para acudir ás necessidades publicas, em logar de o sofismar, teria a coragem de propôr a sua extincção, porque um governo insufficiente é um traste inutil, que mais vale deital-o á rua, do que ler a casa embaraçada com elle.

Não avalio a legitimidade dos governos pela sua fórma, nem pela sua antiguidade, por muito respeitavel que seja, mas pela sua capacidade para satisfazer ás necessidades dos povos, para que são estabelecidos. Se a tem, e em quanto a tem, são legitimos; se a não tem, ou deixam de a ter, deixam de ser legitimos; porque os governos devem ser o reflexo do estado da sociedade. O governo feudal que hoje parece absurdo, tambem teve sua época de legitimidade em quanto satisfez á necessidade que os povos tinham de saír do cahos da barbaridade. Satisfeita esta necessidade, e sobrevindo aos povos outras, que elle não podia satisfazer, deixou de ser legitimo. O governo absoluto foi legitimo em quanto satisfez á necessidade que os povos tinham de saír da anarchia feudal, concentrar o poder, e formar a unidade nacional. Satisfeita esta missão, e não podendo satisfazer as necessidades da sociedade actual, deixou de ser legitimo.

Nesta sociedade, depois das transformações que tem soffrido, fluctuam ainda os tres elementos = monarchico, aristocratico, e democratico, = e prendem-se nelles muitos interesses, muitas idéas, e muitos habitos inveterados. Por tanto, o governo constitucional, que concilia esses elementos, e da representação a esses interesses, idéas, e habitos, é legitimo, porque satisfaz ás necessidades da sociedade actual. Tambem a sua hora ha-de soar; porém marcar a época, e o que o ha-de substituir, deixo isso para as profecias de Chaleaubriand, e d'outros politicos que teem no futuro melhor do que eu, que tracto sómente do presente: e como acho o systema representativo accommodado as circumstancias delle, desejava que fosse religiosamente observado, para que se lhe não attribuam defeitos de quem o executa, e não pague o justo pelo peccador.

Tambem quero melhoramentos materiaes; e quem haverá que os não queira? Quem haverá que deixe de reconhecer a utilidade, a necessidade delles? Para isso seria preciso ser destituido não só de intelligencia senão tambem de bom senso. Mas em que impede o systema constitucional esses melhoramentos, esse progresso? Em obstar a saltos e golpes do estado? Esse defeito é, na minha opinião, a melhor belleza delle, e o melhor meio de promover os melhoramentos materiaes, os fóros, e liberdades publicas; porque receio os saltos, e detesto os golpes de estado. Receio os saltos porque trazem o perigo das quedas, e diz o nosso rifão, que mais vale um anno á volta do que nunca chegar a casa, (Riso) e porque observo que a natureza na sua marcha, tanto na ardem moral, como na física, procede gradualmente, e por isso quero o progresso gradual, e não por saltos.

E este o progresso que julgo mais seguro para promover os interesses materiaes, o que não só não é embaraçado, senão muito favorecido pelo systema constitucional. Para levar a effeito os melhoramentos materiaes, de modo que não fiquem sómente em palavras, e nem mesmo em projecto, não basta querer, é preciso poder; porque suspender o poder com o querer seria um dicto muito esperituoso; mas não deixa por isso de ser um grande paradoxo, quando se vê tanto querer impotente, e tanta vontade malograda. O poder não se compõe sómente de forças fysicas, senão tambem das moraes; ou antes para haver força fysica é preciso que a haja tambem moral, porque faltando esta, aquella escapa-se. A força fysica do governo, para promover os interesses materiaes, sómente lhe póde provir dos povos, e para a conseguir sómente o póde fazer pela força moral desta camara, que é a representante desses povos, e que merece a sua confiança: a demora que nisso empregar, longe de retardar os melhoramentos materiaes, apressa-os.

Página 266

— 266 —

Mas esta dictadura não foi a de Mario nem Sylla nem de Cicero; não matou, não proscreveu, não deportou ninguem: não suspendeu as garantias individuaes, respeitou a casa do cidadão, a liberdade, a propriedade, a segurança, e todos os direitos.; e suspendeu sómente as garantias politicas para promover os fóros e liberdades do povo, acabando com restricções e monopolios, e procurando-lhe as commodidades e gosos materiaes.

Não serei eu que negue á dictadura a gloria da sua moderação, antes me comprazo em lh'a reconhecer; mas apesar dessa moderação para por isso a considero mais legal, nem menos perigosa. A suspensão das garantias individuaes, por mais terrivel que seja, acha-se admittida no artigo 125 da carta: tambem o é em Inglaterra na suspensão do habeas corpus, e já o era em Roma na fórmula caveant consules, com que o senado conferia poderes extraordinarios áquelles magistrados. Pelo contrario a suspensão das garantias politicas não se acha admittida na carta, nem em constituição alguma dos povos livres, porque é a negação de todas as garantias, e de todas as liberdades.

Que importa que se não suspendam as garantias individuaes, se suspensas as politicas, basta um rasgo de penna para ellas desapparecerem?! Não suspendeu a dictadura as garantias individuaes, é verdade: no entanto publicou o codigo penal, e são os seus mesmos defensores que arguem neste offensas á liberdade de consciencia, á liberdade de imprensa, á liberdade de associação, ele. E porque succede assim? É porque fallando a divisão dos poderes, e a representação nacional, que as dictaduras annullam, não ha liberdade possivel. Destas duas garantias digo o que Mirabeau dizia da publicidade dos juizes. Dai-me um juiz ignorante,» dizia elle, «venal, perverso, meu inimigo mesmo, se quizerdes, com tanto que me julgue em publico, não o temo. Dai-me um juiz instruido, probo, e mesmo meu amigo: se me julgar em segredo, tremo delle.» Dai-me um governo qualquer, digo eu, conservada a divisão dos poderes e a representação nacional, não o temo: confundidos aquelles, e annullada esta, qualquer me faz medo.

Sr. presidente, as dictaduras de Mario e Sylla, das prescripções e deportações, por mais ferozes que fossem, com essa mesma ferocidade da perlavam a desconfiança do povo, que era a sentinella da liberdade, e o qual morria affogado no sangue que derramava. As dictaduras mansas de Augusto adormeciam essa desconfiança, e degradando e aviltando o povo, preparavam-no para soffrer como escravo as dos Tiberios, dos Neros, e dos Caligulas, (Apoiados) mais ferozes de todas. Eram tão perigosas as dictaduras mansas, que adormeciam os mesmos que as exerciam, cuidando que faziam grandes serviços á liberdade com aquelles mesmos actos com que lhe cavavam a sepultura.

Reprovada a dictadura, ou mesmo alguns dos seus actos, ficam desconceituados os ministros, e tem de dar a sua demissão; quando este ministerio é o unico possivel nas circumstancias actuaes, e merece toda a confiança pela sua tendencia para a moderação e melhoramentos materiaes.» E isto o que accrescentam os defensores da dictadura.

Sr. presidente, tenho tanta confiança nas boas intenções dos srs. ministros, que, se para salvar o systema constitucional fosse preciso que elles resignassem as pastas, não duvido affirmar que não hesitariam um momento em fazer esse sacrificio; não digo bem, em procurar esse allivio, porque o sacrificio não está em resignar as pastas, mas em as conservar. Porém não lhes queria dar esse allivio; queria que continuassem no sacrificio. Talvez que por ser pouco versado em negocios ministeriaes, e nas suas ceremonias e mysterios, esteja enganado sobre as consequencias do meu voto, porém direi o que intendo, segundo a minha razão, e os mais practicos nessas liturgias emendarão os meus erros.

Intendo bem, como estando o governo em desharmonia com as camaras sobre o pensamento governativo, um delles ha de ceder, porque duas forças e dois movimentos oppostos annullam-se, e a machina do estado não póde estar parada. Mas qual e o pensamento do governo? Offender a carta, annullar o systema representativo, substituir-se ás côrtes? De certo não; porque se o fosse, ninguem nesta casa o consentiria. O pensamento do governo é a moderação, os melhoramentos materiaes do paiz, e o desinvolvimento da civilisação em todos os sentidos. E por ventura haverá aqui, não digo uma maioria, mas um só deputado, não digo que contrarie, mas que deixe de apoiar esse pensamento? estou certo que não. Então aonde está a desharmonia entre os dois poderes? Sómente póde existir nos meios; mas então se isso fôr motivo para demissões, não haverá ministerio possivel, porque a não ser uma camara nulla e subserviente, é impossivel que esteja conforme em todos os meios com o governo. (Apoiados)

Sr. presidente, todos os meus escrupulos sobre os actos da dictadura consistem sómente na falla do baptismo parlamentar, que julgo indispensavel para credito desta camara, do systema representativo, do mesmo ministerio, e para dar força moral áquelles actos; mas submettidos elles a esse baptismo, como iniciativas de leis, hei-de ser o primeiro a approvados, se não em tudo, pelo menos no essencial, e em tudo aquillo que fôr para bem do progresso moral e material. O ministerio é o primeiro a reconhecer aquella falta, e o mais interessado em a reparar: então que duvida po le haver em dar o passo necessario para isso? Essa duvida não póde ser senão um melindre, um capricho mal intendido. (Apoiados) Ainda que nisso houvesse a confissão de um erro, o erro não desacredita; o que desacredita e a má fé no erro e a pertinencia em o sustentar, e essa má fé não a poso attribuir, nem julgo que ninguem a possa attribuir ao governo; e portanto o emendal-o, longe de desacreditar o governo, confirma o seu credito, e ha de lhe ganhar nesta camara e fóra della uma confiança sincera e não forçada.

Não se diga que o governo lendo submettido ás côrtes as leis da dictadura satisfez esse baptismo, porque o baptismo illegal não lava as maculas do peccado original. Uma discussão de 200 e tantas leis em globo não passa de uma illusão sem a mais leve sombra de realidade, nem de utilidade (Apoiados) não ganha a confiança, perde-a. Os corpos collectivos tem duas qualidades a cuja força não podem resistir, susceptibilidade e generosidade; impellidos pela primeira, quando se lhes quer extorquir o que não devem, negam aquillo mesmo que devem; levados da segunda, quando se lhes pede só o que devem, prodigalizam aquillo mesmo que não devem. Se o governo e limitasse a exigir das côrtes sómente a verdade, havia de acha-las generosas na declaração della; exi-

Página 267

267

girido uma illusão, encontra repugnancias que poderia vencer pela força, mas o triunfo seria peior do que uma derrota, porque em politica sómente aproveitam os triunfos moraes.

Mas se os actos da dictadura tiverem de passar por uma discussão regular das côrtes, nunca terão effeito, e ainda que o tivessem, seria moroso; e no entretanto, estariamos privados dos melhoramentos materiaes, e do codigo penal, sujeitos á ordenação do livro 5.º escripta com sangue, e da qual dizia Frederico II que não sahia como com tal legislação penal ainda houvesse folgo vivo em Portugal.»

Sr. presidente, bem longe de se receiar morosidade nas côrtes, e o fazerem poucas leis, o maior defeito dellas é a precipitação, os urgentes e urgentissimos, e o prurido de fazer leis, porque é natural a todo o official o querer fazer valer o seu officio. (Riso) As côrtes tornam-se morosas quando, saíndo do campo largo dos interesses geraes, que é o seu proprio, se desvairam nas encrusilhadas dos interesses pessoaes, a que as affeições, os odios, as vinganças, as susceptibilidades, os caprichos não lhes deixam achar saída entre o governo na estrada constitucional, e procure dirigi-las por ella e não receie morosidades senão as necessarias para o acerto das deliberações, ás côrtes não pertence o entrar nas particularidades dos negocios; mas resolver sómente os pontos e bases capitaes, deixando para o governo o seu desinvolvimento em regulamentos especiaes. Limitem-se ellas a este terreno, que as suas discussões hão-de ser graves, as suas deliberações acertadas, e hão-de ter tempo para tudo. Muitos dos actos da dictadura não tem uma execução prompta, soffrem maior demora, e por isso podem ir entrando successivamente em discussão, segundo a sua maior ou menor urgencia. (Apoiados)

Em quanto ao codigo penal, a suspensão delle não traz os inconvenientes que se tem receiado. Já se disse que a nossa legislação criminal antes delle, não era a ordenação do livro 5.º, mas a jurisprudencia: e ainda que se tem querido espalhar tenores sobre os males do arbitrio della, não partilho delles, porque me parecem exaggerados. Sem querer reproduzir as questões da codificação suscitadas entre as duas escólas racionalista e historica: sem querer partilhar a opinião de um nosso acreditado magistrado, o sr. José Joaquim de Santa Anna, que nos seus principios de processo criminal segue o de que não deve haver codigo penal, direi sómente, que a melhor parte da jurisprudencia romana, porque é a mais filosófica, não foi collegida de leis, mas das respostas dos jurisconsultos. Na Inglaterra é o arbitrio da jurisprudencia, que suppre os defeitos, e corrige os absurdos da legislação criminal ingleza; e se a jurisprudencia produz a arbitrariedade, os codigos defeituosos não só produzem a arbitrariedade, senão a impunidade; porque quando os crimes são mal definidos, ou as penas desproporcionadas, a consciencia publica revolta-se contra ellas; e o juiz, os jurados e as testimunhas combinam-se para absolverem o culpado.

Não se pense que quero assim fazer a censura do novo codigo penal. Seria preciso que desconhecesse a gravidade da materia para n'uma discussão desta ordem arriscar a um juizo de leve sobre ella, andando a caçar defeitos no codigo, como se caçam perdizes atirando-lhes ao ar. (Hilaridade) Se o codigo entrar n'uma discussão regular, então direi sobre elle o que intender; por agora limito-me a dizer que me não parece obra de que o seu auctor se deva envergonhar, antes que lhe faz muita honra; porém elle mesmo lhe tem reconhecido defeitos, que tem tenção de emendar, como lhe ouvi dizer; e então se o codigo tem defeitos reconhecidos pelo seu auctor; se a suspensão delle não traz grande mal; se lhe falla o baptismo parlamentar, porque se lhe não ha de dar pelos meio» legaes? (O sr. Passos (Manoel): — Apoiado)

Lembrem-se os que impugnam esta idéa que ainda retumbam nas abobadas desta casa os clamores, que se aqui levantaram contra a legitimidade da pena de morte, e que se a esses clamores e duvidas accrescerem outras sobre a legitimidade do codigo que a ordena, não haverá juiz a quem não trema a mão quando tiver de assignar uma sentença, em que ella seja imposta; porque a morte sem todos os sacramentos não se póde encarar sem horror. (Apoiados)

E concluo, sr. presidente, reduzindo o meu voto ao do meu illustre amigo o sr. Mello e Carvalho, porque intendo que salva a dignidade da caria, do systema constitucional, e desta camara, sem prejudicar a do ministerio, nem a sua continuação no poder, e que longe de embaraçar O progresso material o facilita, acompanhando-o do moral, sem o qual se não póde realisar.

Se tenho eirado no que disse, espero que a camara me fará a justiça de acreditar, que o erro é de intelligencia e não de vontade. (Vozes: — Muito bem, muito bem. — O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados de ambos os lados da camara.)

O sr. Ministro do Reino (Fonseca Magalhães); — A camara não perde, deixar de considerar a difficil situação em que estou, tendo de fallar depois de um illustre deputado, cujo discurso além de muito bem elaborado, e estudado com muita premeditação, tem ainda maior valôr sendo pronunciado por um homem cuja carreira brilhante no magisterio, o torna um dos ornamentos da nossa primeira academia. (Muitos apoiados)

É pois difficil a situação em que estou, e não tenho remedio senão confessar desde já que não posso hombrear, e combater no campo com tal adversario; comtudo sem lastimar a minha queda, e sem a ter por uma deshonra, procurarei, despido de todas as pretenções defender a politica do governo, as suas medidas e providencias, e mostrar que nessas medidas e providencias o governo obrára com tanto amor pelo systema constitucional, e pelas liberdades do paiz, como aquelles que o combatem por ter aberrado da sua execução.

O illustre deputado começou fulminando aquillo a que chama systema utilitario, porque está em contraposição com as regras da justiça. Acho metafísica esta distincção, e parece-me que falta uma definição ao systema utilitario.

A politica está na justiçai assim é, mas não conheço que haja justiça sem utilidade: o resultado da justiça não póde deixar de ser a utilidade da nação. (Apoiados) Isto mesmo o illustre deputado confessou quando admittiu que no rigor dos principios da politica póde haver modificações, reclamadas pelo bem publico.

Agradeço ao nobre deputado a lição que me deu sobre theorias constitucionaes, mas quizera que elle se dignasse de avaliar as circumstancias em que o governo se achou collocado, quando começou a gerir os negocios publicos, depois da ultima revolução, isto

Página 268

268

e, depois de um grande acontecimento que teve logar neste paiz; quando os animos estavam desaccordes, as paixões excitadas, os partidos movendo-se mais ou menos fortemente; quando em fim tudo se agitava, e o governo achando-se com a missão de acalmar as paixões, e de restabelecer a ordem e a tranquilidade do paiz; procurando ao mesmo tempo chamar a si todas as intelligencias da nação, e toda a benevolencia daquelles que amam esta terra, que amam a liberdade, e as instituições portuguezas. Peço ao nobre deputado, que por um momento traga á memoria os acontecimentos de maio até setembro de 1851.

No tempo desta effervescencia das paixões, e depois de tamanho abalo como houve no paiz, levantaram-se grandes exigencias. As que se apresentaram ao governo, declaro solemnemente, que não foram mesquinhas; ninguem veiu pedir a restituição de um homem pela substituição de outro; ninguem quiz que se expulsasse individuo algum para se collocar em seu logar. Tudo o que se tem feito n'outra época, restituições, demissões e substituições de empregados uns por outros; tudo esqueceu. Se um ou outro individuo, mas raro, fez alguma vez menção de taes medidas, sempre ellas foram rejeitadas. Os homens que se propuzeram ajudar o governo no seu empenho, tinham aspirações mais nobres; pediram medidas para consolidar a liberdade; para cuidar em nossos progressos; dar todo o impulso aos nossos melhoramentos materiaes; aperfeiçoar a nossa condição corrigindo os defeitos da legislação do paiz, tanto civil como penal: em summa tudo quanto se intendeu util e necessario para melhorar a sorte do povo portuguez, foi o que se pediu ao governo.

O governo intendeu que devia sacrificar-se, que devia offerecer a cabeça ao cutello, e apresentar-se perante a representação nacional, embora criminoso, para receber a sua sentença; mas era de grande necessidade, de maxima necessidade para a nação o satisfazer essas exigencias; exigencias de todos os portuguezes: mas violou a lei; o governo ainda não disse que não, sem duvida fechou os olhos aos dictames da carta constitucional; assim foi.

O nobre deputado declarou que não bastavam as boas intenções do governo para o tornarem digno de louvor, e que com taes intenções se não salvam os estados. Ha mais alguma cousa do que intenções da parte do governo. O illustre deputado não desceu á analyse de nenhuma das medidas que formam o complexo das leis da dictadura, antes, a respeito de algumas dellas, tomou as accusações que lhes foram feitas como argumentos para sua defeza; ainda que depois pareceu ler aggravado estas accusações injustas com a imputação, que fez ao codigo penal.

O systema constitucional (e já disse por mais de uma vez) tem em si os meios de governar e reger em casos ordinarios; mas regendo o systema constitucional acontecem as sublevações, e todos os grandes factos a que me refiro, assim como sob qualquer outra fórma de governo. Não attribuo aos defeitos do systema constitucional todas estas sublevações, e movimentos, que teem havido no paiz, porque vejo que tudo isto tambem tem acontecido nos outros paizes, aonde não ha systema constitucional. E quando taes successos apparecem, taes alterações na ordem estabelecida, é inevitavel recorrer a meios extraordinarios para voltar a ella. Isto sempre se reconheceu, e sempre se practicou; e assim, e para tal effeito se crearam os dictadores, e se inventou a formula do — cavednt consules, de que o illustre deputado mesmo se lembrou em alguma parte do seu discurso.

Póde muito bem ser que eu tenha feito, o que o nobre deputado fez agora; mas não me dei como isento de contradicções; não me inculquei por homem em cujo coração nunca penetraram as paixões: o que sei é, que ainda se não viu esse ente privilegiado; e não pasmo, porque a pasmar devia ser dos ataques daquelles, que teem hoje por um grande crime lançar o governo mão de medidas extraordinarias, quando em circumstancias iguaes tiveram isso por uma grande virtude.

O sr. Bazilio Alberto: — Se v. ex.ª me dá licença, declaro que nunca aconselhei, nunca defendi, e nunca approvei dictadura nenhuma; e por tanto em mim não ha contradicção.

O Orador: — (Continuando) Só me occupo dos argumentos, e nunca das pessoas que os empregam.

Repito, pois, que ainda se não practicou, agora nem nunca, em governos antigos, nem modernos, e em nenhuma dessas republicas que se teem citado (já que é belleza ir folhear Tito Livro e Tacito); nunca se achou meio algum senão o extraordinario para restabelecer a ordem, quando o paiz está em desordem. E foi isto o que se tem feito. E o governo sabia que havia de apresentar-se perante a representação nacional, para receber a censura do seu procedimento; que por ella seria avaliado quanto fizera transpondo as barreiras da legalidade —.que as côrtes avaliariam as intenções e as tendencias do governo, não em abstracto, mas sim pela natureza e indole dos seus actos, segundo parecesse que elles tinham ou não tinham por fim o promover o bem geral, e não as vantagens de taes e taes individuos á custa da sociedade.

Todavia uma grande parte destas medidas merecem a approvação do nobre deputado, que assim o declarou, quando não poz dúvida em relevar o governo da dictadura, no caso de as apresentar á camara como projectos de lei, para serem discutidas: o que o illustre deputado intende poder fazer-se em pouco tempo. A esta reflexão não offereço como argumento contrario senão a discussão desta mesma camara na presente sessão. (Apoiados) Embora o nobre deputado tenha essa fortuna de ser isento de paixões, mas como testimunha irrecusavel lhe peço que diga se tem visto nesta discussão a tranquillidade de animo que suppõe necessaria, ou se as paixões dos homens estão sujeitas ao mando de um Neptuno mais prudente, que dome estas tempestades quando se levantam? (Apoiados)

Eu não tenho visto aqui a sustentação dos principios a que o nobre deputado chama consciencia larga. Do que se tracta agora, como outras vezes se tem Iniciado em iguaes circumstancias, é de saber se estas leis da dictadura devem ser approvadas já, sem que comtudo se invalide o proposito de emenda-las, corrigi-las, e mesmo revogar aquellas que não convem, e em todo ou em parte. — Reduzam-se a projectos de lei agora.» (dizem) — Uma grande parte destas medidas, a maior parte dellas, em virtude das circumstancias porque temos passado, estão reduzidas a fados, e por isso em execução. Como é que no meio desta execução se ha de dizer — não prossigais; suspendam-se os interesses immensos que estão unidos a uma grande parte destas medidas! E um mal

Página 269

— 269 —

supponhamos o que existe; mas seria muito maior mal suspender-se para o emendar. O facto está consummado, as circumstancias que delle derivam não podem deixar de existir, porque são parte desse mesmo facto. O que resta hoje? Ter prudencia. Pois qual será mais conveniente — suspender immediatamente todos os decretos da dictadura, para se reduzirem a projectos de lei, ou approva-los, e sancciona-los como leis, esperando que a experiencia mostre os seus defeitos e imperfeições, e então emenda-los a tempo e pausadamente? Agora haviamos dever levantar contra algumas dessas leis na sua discussão a mesma resistencia e as mesmas paixões, que se lêem levantado contra todas. (Apoiados)

E justo que se acredite no systema constitucional; mas isto não manda que se vá lançar a confusão na execução das leis da dictadura, reduzindo-as agora a projectos. Desejo que se consulte bem a opinião do paiz, porque quero e amo os principios, e tanto que se me fossem propôr agora, que os violasse resistiria, mas propôr que se emende o que aconteceu ha 2 annos, e que leve consequencias inevitaveis, seria querer peior que o mesmo mal que está feito.

O nobre deputado intende que a camara se desacredita, ou que profere a sentença do sou descredito se approvar os actos da dictadura. Permitta-se-me o divergir desta opinião, e dizer, que a camara, depois do que se tem passado desde o principio da discussão até agora, sobre as leis da dictadura, se não approvar essas leis, se desacredita; por que então mostra que não conhece os verdadeiros interesses do paiz, que menospresa as suas necessidades, e todas as exigencias de momento, e a utilidade das medidas que se propõem á sua approvação. Poder-se-ha fazer isto sem um grande abalo no paiz? Ninguem póde por em duvida que não. (Apoiados)

E justo emendar-se, e não é pequena a lição, que recebe o governo por ter passado os limites da constituição do paiz, mas tem a consciencia de que, o que se ha feito, é em bem e muito bem do mesmo paiz. (Apoiados) Sei que em algumas das medidas que se adoptaram, ha defeitos, e grandes defeitos; mas tambem é certo que na maxima parte dellas ha provisões muito uteis, muito importantes, por que o paiz almejava. (Apoiados) Por consequencia parece-me que á sombra do bem de urnas, se podia tolerar o defeito das outras. Em todo ocaso o maior mal será suspende-las como se propõe; por que não podem suspender-se urnas sem as outras. É que havia de dizer o governo, vindo á camara expor que ficavam suspensas taes e taes medidas, quando todas formam, ou a maior parte dellas, um conjuncto de providencias tendentes a melhorar a administração em geral? Por ventura um objecto de utilidade para o ramo commercial será menos importante e interessante, que um objecto tendente a melhorar a agricultura do paiz? Pois uma medida financeira será menos importante ou mais do que uma medida administrativa? Não merecerá do governo a mesma attenção? Não são partes do mesmo todo, quando se tocam e «e auxiliam umas ás outras? Como pois separa-las? Não e só para advogar principios politicos restrictos, que a camara se ajunta.

O nobre deputado disse que na camara está a força moral, e no povo a força fysica. Se assim é, pronuncie-se a camara, porque se a força fysica do paiz há de seguir a aspiração da força moral da camara, pronuncie-se esta, e se reprovar os actos da dictadura o ministerio sairá das suas cadeiras, como deve sair todas as vezes que a sua politica não agradar á camara. Os ministerios não sáem de outro modo, e Deos me livrasse de cair por uma intriga. Mas cair diante da representação nacional, porque teve uma opinião que o governo tinha....

O sr. Cunha: — Dissolveu a camara o anno passado....

O Orador: — Para que está o nobre deputado a matar-se com a dissolução da camara o anno passado! Já se explicou por vinte ou trinta vezes o motivo que deu logar á dissolução, e o nobre deputado sabe-o, porque é um facto que sabe toda a gente.

O sr. Cunha: — Eu não estava cá.

O Orador: — E que importa que cá não estivesse; desgraçado seria o nobre deputado, se a sua frase, se a sua imaginação, se a sua eloquencia ficasse aqui; pequena galeria para tamanha pintura! (Riso).

A camara não se desacredita, e ella tem a consciencia que se não desacredita, porque não esta aqui para exprimir em geral quaes são os principios da economia politica e da administração: a camara tem uma missão mais elevada a de considerar as medidas que são uteis ao paiz; avaliar as suas necessidades; e apresentar e requerer para ellas todas as medidas necessarias e adequadas. E para que seria uma camara, a não ser para isto? Se fosse unicamente o seu objecto explicar os principios e as doutrinas, bastaria para os estudarem que os seus membros frequentassem uma academia, ou se ajuntassem para ouvir as prelecções dos sabios. Ha outra missão que a camara tem a cumprir — é a missão administrativa e a missão politica. E assim que a camara póde fazer justiça a si, ao paiz, e ao governo. A camara deve considerar os factos que occorreram; a origem donde viamos; pelo que lemos passado; aonde estamos: e que será de nós para o futuro. Tudo isto pertence á previsão dos homens politicos desta casa.

Que necessidade linha a camara de ouvir da minha bocca a confissão de que se violaram os principios? Já antes do governo se apresentar diante do parlamento, ella o sabia, e sabia-o todo o paiz, ainda antes das eleições. Digam os nobres deputados, que escandalo pezou no paiz com o exercicio da dictadura pelo governo? Quaes foram as condições que os eleitores lhes puzeram contra as medidas do governo — quaes foram — porque lhas podiam pôr livremente, porque não havia nem um só signal de coacção! E escusado ir buscar, ou trazer, para exemplo de coacção, o facto de uma ou de duas assembléas onde houve uma desordem. Não se queira comparar o passado anterior com o futuro mais longinquo!...

O governo intendeu, e intende ainda hoje, que neste excesso que commetteu, não acarretara contra si a animadversão do paiz, e se n'um ou dois districtos, ou outros mais, algum dos illustres deputados acceitou compromissos, ou se lhos offereceram, desempenhe a sua missão, que faz bem; é justo que se cumpra aquillo que se promette. Mas a maior parte dos nobres deputados que aqui se assentam, não têem esses compromissos; têem a consciencia larga para votar como intenderem (Muitos apoiados).

Disse o nobre deputado, que não eram as dicta-

Página 270

— 270 —

duras que emendavam os defeitos do syssema constitucional; ninguem o disse que eram: as dictuduras são um remedio doloroso, não para emendar os defeitos do systema constitucional, mas para emendar os males publicos, ou desordens que, independentemente do systema constitucional, mais bem ou mais mal observado, acontecem muitas vezes. A este ponto desejava chegar, e saber se acaso os factos occorridos têem provindo da maldade daquelles cidadãos que, apear das virtudes do governo, apesar da rigorosa execução dos principios, apesar de todos os actos mais dignos de todas as auctoridades administrativas, em todos os sentidos; da boa fé, da tolerancia, do amplo estadio aberto á liberdade do paiz, sem haver unia só violencia, ou uma só coacção, appareceram esses homens máos, cidadãos turbulentos, caracteres discolos que perturbaram a ordem publica, e destruiram o systema constitucional.

Já tenho dicto n'outra parte, e não estou arrependido de o dizer — a maior parte das perturbações, e transtornos dessa ordem publica, em regra, provém do mão governo, onde isso acontece — (Apoiados).

Esta regra tem excepções, mas estou persuadido que no geral não são os defeitos do systema constitucional que produzem a necessidade das dictaduras, mas que estes occorrem necessariamente para emendar os males causados pelas administrações que falsearam esse systema, produzindo assim muitos males ao paiz. Não direi que o remedio seja sem inconvenientes. É um grande mal, considero-o assim (Apoiados).

O systema constitucional está sujeito a estas eventualidades. Feliz o governo e feliz a nação, cujos representantes se unem para emendar esses defeitos. E é o que se está fazendo, se se approvarem as leis da dictadura. Sim: devem ser approvadas todas, não porque o governo julgue perfeito o que fez, mas porque assim se evita um mal maior: e eu em meu nome, e no de meus collegas, protesto que nunca mais tomarei sobre mim o comprometter-me do modo por que me comprometti, cuidando que fazia um grande serviço ao paiz naquillo que por muitos individuos sou considerado auctor de grande desserviço.

Não ha remedio senão ou approvar os decretos da dictadura, ou dispensar os serviços do ministerio. Sei quem folgaria com isso, e a até lho agradeço: (O sr. Cunha: — É comigo?) não porque deixe de considerar que o nobre deputado a quem me refiro, ama o seu paiz como outro qualquer; não lhe faço essa injustiça, que se está fazendo todos os dias ao governo, não lha faço, antes intendo que tem a peito o bem do paiz, como eu tenho.

O sr. Cunha: — Apoiado.

O Orador: — Mas se esse apoiado é assim, por que rasão... nada (Hilaridade).

O nobre deputado que acabou de fallar, tem por longo tempo ensinado na Universidade com proveito do paiz, e honra da nossa leira, o direito constitucional. Sem duvida, e a nação lhe deu um testimunho amplo de consideração. Seria temeridade em mim juntar o meu voto a este testemunho, mas receba o illustre deputado a homenagem de respeito e consideração tanto quanto póde recebe-la de um amigo.

Sei de certo segundo as theorias apresentadas pelo nobre deputado, que não ha fórma de governo constituido eternamente; mas as suas theorias a respeito do governo applicadas ás fazes e alternativas do mesmo governo serão justas? Disse o illustre deputado — o systema feudal houve um tempo que convinha á nação — acredito que convinha, porque as nações o abraçaram, e não julgo que durante dois ou tres seculos as nações houvessem de o acceitar, se não lhes conviesse; hoje considerando-o pelo que os livros nos ensinam, parece um absurdo, porque era exactamente o systema da escravidão; são os servos da gleba, os pagamentos de impostos violentos, a ausencia completa da liberdade, os senhores dos castellos dictando as leis, e outras muitas cousas agradaveis, só a quem as gozava. Parece impossivel que as populações mais numerosas que os seus tyrannos, se não reunissem, se não congregassem para deitarem por terra esses senhores dos castellos.

Este tempo passou, e veiu o poder absoluto; e o nobre deputado melhor sabe, como dois reis, Luiz XI na França, e D. João n em Portugal opprimindo os grandes com o apoio dos povos, sujeitaram tambem estes ao seu mando absoluto. E diz-se que os povos quizeram antes obedecer aos reis do que aos srs. feudaes — nem tanto — Quando experimentaram as suas tyrannias, sublevaram-se; se foram vencidos durante muito tempo, nem por isso devemos esquecer os esforços que fizeram nos tempos de Isabel e de Carlos V. etc. O governo absoluto tornou-se insupportavel pela sua intolerancia, e não será absurdo affirmar-se que o systema feudal não era mais deshumano e cruel.

Fazendo agora a applicação que o nobre deputado faz, ou poderia querer fazer ás circumstancias dos povos: os acontecimentos humanos foram mudando as fórmas do governo de umas para outras, assim como esses acontecimentos produzem as alterações que occorrem ria mesma fórma de governo: eis o que foi causa de que o ministerio se visse obrigado a legislar violando os preceitos da caria, por effeito de necessidade, e por effeito inevitavel dos acontecimentos. Desta fórma se explica mais singelamente o procedimento do governo, e explica-se a verdade. Seria por odio ao systema constitucional que assim se procedeu? Oh! Não de certo. Ninguem fará essa injustiça aos ministros, porque todos elles foram mais ou menos fortes campeões da liberdade. (Apoiados) Um delles, no campo da batalha, foi uma das espadas mais brilhantes do nosso paiz, restaurando a carta e o throno da rainha á nação portugueza. (Apoiados) E ainda depois, que feitos ha desse homem, que não sejam em sustentação do paiz, das suas instituições, e da sua carta constitucional. (Apoiados) Sim cartista é o duque de Saldanha; cartista sou eu e os meus collegas, e cartistas, no verdadeiro sentido da palavra, são todos os membros desta casa. (Muitos apoiados.)

O nobre deputado intendeu, e bem, que não basta para que o governo seja tido na sua opinião como observador sincero, como ministerio consciencioso da carta constitucional, o do systema della, não basta vir ás côrtes apresentar os decretos da dictadura; e pedir que se sanccionem; que para executar em regra o preceito da carta devia trazer antes os projectos de lei. Se assim fosse, para isso não era necessario mais que apresenta-los: estava no seu direito ordinario; discutissem-se ou não, em um ou dois annos, approvassem se ou não se approvassem: emendassem-se ou alterassem-se — mas depois do facto consummado, e das suas conse-

Página 271

— 271 —

quencias, que outro modo linha o governo de render homenagem aos principios senão este? O governo não veiu pedir á camara, que approvasse; o governo veiu apresentar á camara os motivos que tinha para desejar, que desse approvação a essas medidas: ella depende da sua sentença, qualquer que ella seja. O governo, fazendo o que fez, dá o testimunho solemne, e a prova maior, que podia dar, de que rende homenagem aos principios do systema constitucional.

E apesar do illustre deputado ter considerado esta dictadura urra dictadura mansa e suave, ha-de convir, que o governo que a exerceu, não tem sido tractado mansa e suavemente.

A dictadura foi pacifica e mansa porque os ministros que a exerceram, exerceram-na a bem do paiz, e para firmar o systema litteral; e pondo de parte todas as paixões mesquinhas: oxalá que assim se tivesse procedido com relação a outras, que outros homens tem exercido. (Apoiados)

As garantias individuaes não foram suspensas, a liberdade de imprensa foi a mais ampla, a segurança dos cidadãos foi maior que nunca; e apesar do illustre deputado dizer, que, por alguns artigos do codigo penal, tinham sido violadas varias garantias politicas, resta saber em que; porém no meu intender não o foram.

Se o codigo penal em Hespanha foi discutido no parlamento, tambem é certo que esse codigo está soffrendo constantes modificações e alterações, que a experiencia tem mostrado indispensaveis; é o mesmo que ha-de acontecer ao codigo penal publicado pelo governo, e o que tem acontecido em toda a parte e a todos; é mais prudente deixar á experiencia mostrar os defeitos, e depois emenda-los. (Apoiados) E por esta occasião declaro á camara dos srs. deputados — que o governo está resolvido a mandar proceder á revisão do codigo penal, a fazer-lhe todas as modificações, tendo em consideração quanto se ha dicto no parlamento; declaro mais, que estou tractando do codigo do processo, que é o complemento do codigo penal, e que breve trarei á camara a respectiva proposta a este respeito, assim como hei-de trazer á discussão da camara as alterações, que se houverem de fazer ao codigo penal.

O governo, apesar do desvio commettido de decretar medidas legislativas, obrigado pela urgencia das circunstancias como fica dicto, não póde ser tachado de inimigo do systema constitucional e da liberdade dos cidadãos: a prova está no seu procedimento a respeito da imprensa, e das garantias dos cidadãos, que religiosamente foram respeitadas durante a dictadura. (Apoiados.)

Seria longo, e mesmo não posso, faltam-me as forças, para seguir o discurso do illustre deputado; e por isso não indo mais adiante, passarei a dizer duas palavras acêrca de uma observação feita pelo sr. Cunha.

O governo não publicou o decreto de 11 de outubro por subserviencia a uma potencia estrangeira; o sim porque assim o pediam as circumstancias em que linha ficado na Inglaterra o commercio dos vinhos, depois do acabamento do acto de navegação.

Os factos estão provando claramente quanto esta medida foi util ao paiz do Douro, porque a exportação dos seus vinhos de primeira e segunda qualidade, tem augmentado, e o preço dos mesmos vinhos tambem tem subido consideravelmente.

O governo recebeu louvores dos commerciantes do paiz e de fóra delle, pela publicação desta medida; e não admira, que, por exemplo, da parte de alguns lavradores appareçam certas queixas: isto é inevitavel sempre que se tracta de uma medida generica, e que comprehendeu interesses encontrados.

E fóra de duvida, que os 150 contos que a companhia estava recebendo, importavam um gravame para o thesouro publico, sem utilidade para o paiz do Douro; porque o fim para que esses 150 contos foram dados á companhia, não estava sendo preenchido ou satisfeito, por isso mesmo que os vinhos de primeira qualidade estavam tendo mui pequeno valor e saída, especialmente pela circumstancia, que havia, de por meio indirecto fazer entrar nos portos de Inglaterra os vinhos de segunda qualidade.

Se n'outro tempo votei 150 contos para a companhia, foi porque as circumstancias de então assim o pediam, e em presença do estado desgraçado em que estava o Douro, o estado inquieto em que se achava aquella população, que ameaçava o paiz com uma sublevação; para evitar, pois, este e outros inales, votei a lei de 43; mas hoje as circumstancias são diversas, e diversamente o governo devia proceder; assim o fez, publicando o decreto de 11 de outubro, e nisso não seguiu, nem os principios de completa restricção, nem de ampla liberdade de commercio; seguiu o meio termo, combinou a liberdade com a protecção, e é isto o que se tem feito em toda a parte: não se passa de salto de um extremo a outro.

Se o decreto de 11 de outubro não é uma medida completamente perfeita, é uma medida que acabou com uma questão antiga, e que collocou o commercio dos vinhos do Douro em situação mais vantajosa do que tem estado até aqui.

O mesmo premio estabelecido neste decreto a respeito das agoas-ardentes não tem sido necessario; porque o consumo destas é grande, e o preço tem subido. A medida tem defeitos, de certo, mas esses defeitos hão de ser remediados, conforme a experiencia fôr mostrando.

Em resposta ainda ao sr. Cunha, direi que o ministerio não está apoiado e cercado dos máos de todos os partidos, como o sr. deputado affirmou sem rasão — nem sei como isso se póde affirmar publicamente. O partido do ministerio, se assim se póde denominar a politica do gabinete, é chamar os homens de todos os partidos a interessar-se pelo bem publico. Nunca disse aqui, como alguns ministros meus antecessores = o meu partido = o partido do governo =; porque o governo aspira a rodear-se, a auxiliar-se de todos os verdadeiros amigos do paiz. — O ministerio recebe os conselhos de todos, quer a verdade, venha ella donde vier; em fim, o ministerio não tem querido, não quer, nem ha de querer nunca abraçar o exclusivismo: (Apoiados) debalde se procura que elle seja exclusivista, não tem sido, não ha de se-lo. (Apoiados, muito bem.)

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, ainda não deu a hora, e aproveito os poucos minutos que restam para fazer breves reflexões; e como alguns srs. deputados teem antes de mim obtido da benevolencia da camara que lhes seja reservada a palavra para a sessão immediata, espero que esta camara me não recusará igual favor..

Sr. Presidente, E necessario que o meu espirito esteja completamente subjugado pela religião do dever;

Página 272

— 272 —

e necessario que esteja profundamente convencido da grandeza, e da força da obrigação que contrahi, acceitando o diploma que me fez entrar nesta camara, para ousar levantar a minha voz nesta questão, neste debate, depois de ouvir a palavra solemne do illustre deputado, meu antigo mestre, que sempre admirei, que admiro ainda hoje, que respeitei e respeito como professor illustre, como um dos mais antigos soldados da liberdade, portugueza! A camara ouviu, com respeitoso silencio, com attenção fermente a palavra eloquente e austera com que o illustre deputado, um dos homens de 1820, um dos fundadores do systema constitucional nesta terra, lançou um brado de severa reprovação contra a continuada e inexplicavel aberração de principios,,que constitue a vida inteira, e a historia completa deste gabinete desde a sua formação ate agora!

Depois disto, se podesse subtrahir-me á responsabilidade moral, que me cabe como membro da opposição parlamentar, declaro que cederia de muito bom grado da palavra; porque tractando-se a questão na altura a que foi elevada pelo illustre deputado por Coimbra, pouco ou nada poderá dizer-se novo e digno da attenção da camara. — Mas como depois do illustre deputado fallou o sr. ministro do reino, e absolutamente impossivel que eu deixe passar sem correctivo não só o systema em geral da sua defeza, mas em especial algumas das suas asserções.

S. ex.ª sabe prender a attenção da camara pela amenidade do seu estylo, pela correcção da sua frase. S. ex.ª teria feito um bello discurso, se em logar de ministro fosse apenas um orador ministerial; porque então não poderia negar-se-lhe o grande merecimento de ter evitado todas as difficuldades da questão, ou de ter saído dellas por aquellas tangentes, por aquellas evasivas em que s. ex.ª tem tão provada dexteridade,

Debalde, porém, esperei ouvir ao illustre ministro responsavel, uma justificação cabal, uma demonstração rica de rasões, e de factos perante a camara impressionada pela demonstração rigorosa que fizera o sr. Basilio Alberto da completa destruição do systema representativo, feita por este governo! Esperei debalde ouvir a justificação daquella imperiosa necessidade, daquelles elevados motivos de conveniencia publica, pelos quaes o governo julgava poder ser, senão justificada, attenuada ao menos a responsabilidade do seu procedimento, o exercicio de 13 mezes de dictadura no espaço de 2 annos! Esperei debalde, sr. presidente! S. ex.ª contentou-se com vagas asserções.. S. ex.ª contentou-se com respostas, mais ou menos dúbias, com divagações, com episodios, com verdadeiras manobras de estrategia oratoria sobre o thema que lhe déra o sr. Basilio Alberto!

Não é assim, sr. presidente, que eu intendo que o ministerio, depois de factos desta ordem, da natureza e gravidade daquelles que lemos a julgar, deve apresentar-se perante o parlamento, se pertende justificar-se. Pois que! Bastará só dizer, que a sedição militar de abril substituiu uma situação politica por outra, e que desse facto nasceu para o governo a necessidade, e da necessidade o direito de exercer as dictaduras, e de invadir as attribuições do poder legislativo? Não basta, era necessario prova-lo. Pois que? Não seria necessario, indispensavel mesmo á face das regras e principios da fórma do governo representativo, que se diz ser a vossa, que o sr. ministro, separando desse monte de decretos de natureza legislativa, promulgados pelo governo, tres, seis, nove, doze, os principaes em fim, nos dissesse: — «Nestes objectos se resume o que de mais importante o «governo decretou, usurpando as attribuições do poder legislativo, e rasgando ou violando repetidas vezes os dogmas do systema constitucional, e a lei «fundamental, que os estabeleceu e garantiu. — Para «commetter ião criminoso arrojo o governo leve esta «serie de rasões, de fortissimos, indeclinaveis motivos. — O governo espera que em attenção a esses «motivos, a camara o não accusará, e que os actos «decretados serão approvados pela evidente utilidade publica em que são fundados.»!!!....

Todos concordarão comigo, que este devêra ser o procedimento do sr. ministro. — Era harmonia com estas regras de defeza esperava eu as rasões justificativas do gabinete. Esperava — ouvi-las — ouvir algumas.... Não ouvi uma só! — Mas em compensação — ouvi uma confissão que quero registar desde já. O governo e a dictadura combate em retirada perante a opposição desta e da outra camara. A lei da contribuição de repartição já foi adiada. O codigo penal declarou-se hoje que vai ser revisto! A quem se devem estas modificações do mal? Devem-se aos» esforços patrioticos da opposição; deve-se á justa critica, e censura illustrada por ella exercida n'uma e n'outra casa do parlamento! Devem-se as suas observações tão ponderosas, tão cheias de rasão, de justiça, e de direito, que o governo não pôde deixar de curvar a cabeça, e de recuar perante a verdade triunfante!

Mas, sr. presidente, note v. ex. e a camara, que o governo, não obstante estas suas declarações, quer, comtudo, que o parlamento approve o codigo penal; quer fizer o parlamento responsavel pelos defeitos desse codigo, já notados, já conhecidos, já indesculpaveis! O governo quer companhia na responsabilidade das desacertos; e guarda para si o direito de fazer, numa terceira dictadura, as alterações convenientes, indispensaveis no codigo penal!!....

O sr. Ministro do Reino. — Não ha terceira dictadura.

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Deu a hora. Se v. ex. permitte, eu continuarei amanhã.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã é a continuação da discussão dos actos da dictadura. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O 1.º REDACTOR

J. B. Gastão

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×