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SESSÃO NOCTURNA DE 12 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Leu-se um officio do ministerio do reino, acompanhando uma representação da junta de parochia de S. João da Pesqueira. - Dá-se conta da ultima redacção do projecto de lei n.° 165.
Na ordem da noite continua em discussão o projecto do bill de indemnidade, e usa em primeiro logar da palavra o sr. ministro do reino para concluir o seu discurso, começado na sessão diurna, em resposta ao sr. Vilhena. - Segue-se o sr. Novaes, que combate diversos actos da dictadura, e especialmente do novo codigo administrativo e da reforma judicial. - O sr. Carrilho apresenta dois pareceres da commissão de fazenda. - O sr. Baptista de Sousa manda para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre uma emenda votada na camara dos dignos pares a um artigo do projecto de lei, relativo á contribuição de renda de casas e sumptuaria. Dispensado o regimento, é o parecer approvado sem discussão. - E nomeada pela presidencia a deputação que ha de apresentar a Sua Magestade um autographo das côrtes. - O sr. ministro da justiça, querendo responder ao sr. Amorim Novaes, e estando a dar a hora, pede para ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.

Abertura da sessão - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada 63 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Mazziotti, Pereira Carrilho, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Francisco Matoso, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Frederico Arouca, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Alves de Moura, Avellar Machado, Pereira e Matos, Dias Ferreira, Abreu Castello Branco, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Marçal Pacheco, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Estrella Braga. Visconde de Monsaraz e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Mendes da Silva, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Jalles, Lobo d'Avila, Eduardo de Abreu, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Castro Monteiro, Lucena e Faro, Soares de Moura, Guilherme de Abreu, Candido da Silva, Santiago Gouveia, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Alves Matheus, Oliveira Martins, Amorim Novaes, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Santos Reis, Lopo Vaz, Vieira. Lisboa, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marianno de Carvalho, Pedro Victor, Sebastião Nobrega e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Anselmo de Andrade, Campos Valdez, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Feliciano Teixeira, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Firmino Lopes, Fernandes Vaz, Francisco Ravasco, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Scarnichia, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, João Arroyo, Sousa Machado, Joaquim da Veiga, Joaquim Maria Leite, Jorge O'Neill, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, José de Nápoles, Ferreira Freire, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Abreu e Sousa, Mancellos Ferraz, Bandeira Coelho, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Pedro Diniz, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio do reino, acompanhando uma representação que a junta de parochia de S. João da Pesqueira dirige á camara dos senhores deputados, pedindo a concessão da casa que serviu de residencia parochial do abbade, para n'ella estabelecer a escola do sexo feminino.
O officio foi enviado á secretaria e a representação ás commissões de administração publica e de fazenda.
Deu-se conta da ultima redacção do projecto de lei n.° 165, sendo logo enviado á camara dos dignos pares.

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 138 relativo ao «bill» de indemnidade

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Sr. presidente, vou concluir a resposta que na sessão diurna tinha começado a dar ao meu amigo e antagonista n'esta questão, o sr. Julio de Vilhena; mas direi, antes de tudo, que se eu tivesse sabido que havia hoje sessão nocturna, teria sem duvida pedido á camara me concedesse mais alguns momentos para concluir esta tarde mesmo as observações que estava fazendo, porque, infelizmente, não disponho de forças physicas bastantes para sustentar, com tão pequeno intervallo, uma discussão d'esta ora em. Já vê portanto a camara que, fatigado, como na verdade estou, não poderei entreter a sua attenção por muito tempo. Simplesmente farei os esforços necessarios para não deixar sem resposta algumas das observações do sr. Julio de Vilhena, desempenhando-me assim do dever que me cabe, como ministro do reino e presidente de conselho.
Tinha eu concluido, na ordem das considerações que estava fazendo á camara, a resposta á parte do discurso de s. exa. que se referia á contabilidade e finanças municipaes e districtaes, estabelecidas pelo novo codigo, e a este respeito não alongarei mais as minhas respostas porque julgo ter, senão cabalmente, pelos menos como o permittem as minhas forças, respondido ás observações e aos argumentos que o meu amigo o sr. Julio de Vilhena tinha formulado contra o projecto.
E se não satisfiz a todas as arguições, resta-me pelo menos a consciencia de ter exposto lealmente perante a

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camara as considerações e fundamentos que me levaram a reformar a legislação que vigorava á data da publicação do codigo de 1886, na parte relativa a finanças municipaes e districtaes.
Em todo o caso tenho a convicção de que fiz algum serviço ao paiz, procurando pôr termo á anarchia e desordem em que se achavam a fazenda local, e de que diligenciei, pela maneira que me era possivel e tanto quanto m'o permittiam as minhas modestas faculdades, concorrer para a organisação das finanças do estado.
S. exa. mesmo reconheceu que era impossivel lançar as bases d'uma larga e profunda organisação financeira, sem primeiro assentar os fundamentos d'uma larga e profunda organisação financeira, municipal e districtal.
Não era possivel permittir que as corporações municipaes e districtaes continuassem com o direito amplissimo de lançar impostos e contribuições sobre a mesma materia collectavel que o estado tem de ir procurar como fontes das suas receitas.
Se continuassemos a permittir esta confusão, esta anarchia, esta desordem de faculdades tributarias, estou convencido de que dentro em pouco tempo, seriamos forçados a vir propor ao parlamento providencias mais violentas do que aquellas que inseri na reforma administrativa.
Sr. presidente, ponho aqui termo ás minhas observações sobre este ponto, e vou referir-me rapidamente ás considerações apresentadas pelo illustre deputado no tocante á feição demasiadamente centralisadora que s. exa. procurou descobrir no codigo administrativo que tive a honra de referendar.
Achou s. exa. que o codigo administrativo de 1886 restringia demasiadamente as faculdades das corporações administrativas, e que as attribuições d'essas corporações ficavam por de mais dependentes dos agentes do governo ou da acção do poder central.
Ainda n'este ponto, confrontando a legislação que vigorava ao tempo em que vigorava o codigo a que o sr. Julio de Vilhena tinha vinculado a sua responsabilidade e a sua gloria, o codigo de 1878, não posso deixar de dizer que, sob o ponto de vista da restricção das faculdades e attribuições concedidas ás corporações administrativas, o codigo de 1878 não é superior ao que publiquei.
Qual é o systema do codigo de 1878?
O codigo de 1878 estabelecia para as corporações administrativas uma certa ordem de attribuições que só dependiam da sua resolução; outras, porém, que eram as mais importantes, tanto das camaras municipaes, como das juntas geraes, ficavam inteiramente sujeitas ao arbitrio do governo, porque as respectivas deliberações não podiam executar-se emquanto não fossem superiormente confirmadas.
Eu acabei com esta tutela indefinida sobre as corporações administrativas. Hoje não ha deliberação alguma, quer definitiva, quer provisoria, por mais importante que seja, que fique indefinidamente dependente do arbitrio, quer do governo, quer dos seus delegados.
Para esse fim dividi as deliberações das camaras municipaes e as das juntas geraes em provisorias, que são as que versam sobre os mais importantes assumptos, e em definitivas.
Inclui nas deliberações definitivas todos os assumptas que, a meu ver, o interesse geral do estado nunca póde ser prejudicado, quaesquer que sejam as resoluções adaptadas; e considerei como deliberações provisorias aquellas que, no meu entender, podiam effectivamente atacar, mais ou menos gravemente, os interesses geraes do estado.
N'esta ultima hypothese entendi que devia conceder ao governo, ou aos seus agentes, o direito de interferir nas deliberações que tivessem esse caracter, podendo suspendel-as no praso de trinta ou quarenta dias. (Apoiados.)
Se esse praso caducar sem que o governo ou seus agentes tenham usado do seu direito de suspensão, as deliberações executam-se independentemente de resolução superior.
Já vê, pois, o illustre deputado como eu rodeei de cautelas o exercicio d'essa faculdade.
Mesmo nos assumptos em que essas deliberações podem offender o interesse geral do estado, o governo não as pode suspender sem expor claramente os fundamentos que o inspiraram, e sem apresentar ás côrtes, na primeira sessão, um resumo ou copia das deliberações que foram suspensas e dos motivos que determinaram a suspensão.
São as côrtes, é a representação nacional, quem julga se o governo usou bem do direito de suspender, que julga se o interesse geral do estado foi bem defendido, isto é, se foram interesses partidarios que determinaram o governo ou se foi o interesse publico que o inspirou. (Apoiados.)
Das deliberações das camaras municipaes, umas são suspensas pelas juntas geraes de districto, que são corporações de eleição popular; e outras são suspensas pelos governadores civis, mas mediante parecer do tribunal administrativo, composto de magistrados independentes que dão todas as garantias do exacto cumprimento do seu dever e da fiel execução da lei.
Ora, o que prescrevia, n'este assumpto, o codigo administrativo de 1878? Em logar d'estas garantias, estabelecia apenas que algumas das mais importantes deliberações das camaras municipaes e das juntas geraes do districto careciam de confirmação superior; de modo que, emquanto se lhes não dava essa confirmação, ficavam indefinidamente suspensas; não se podiam executar, não tinham nenhum valor legal.
Parece-me que o confrontro entre um e outro codigo não é desfavoravel ao actual. (Apoiados.)
Disse mais o sr. Julio de Vilhena que o codigo de 1886 tinha alterado uma das disposições mais liberaes do codigo de 1878, qual era a que conferira ás juntas geraes de districto o direito de verificarem os poderes dos seus membros.
Oh! sr. presidente, a quantos abusos deu logar o exercicio d'essa faculdade!... (Apoiados.)
Quem póde ser bom juiz em causa propria?
Não foi o parlamento obrigado, em vista dos abusos a que no seio da representação nacional dava logar aquella faculdade, a entregar pela lei de 24 de maio de 1884 a um tribunal independente a verificação dos poderes dos membros da camara dos senhores deputados, quando fossem contestadas as respectivas eleições? (Apoiados.)
Não sabemos nós que os corpos collectivos são os peiores tribunaes para julgarem da validade dos poderes dos seus membros?
Não nego a differença de doutrina estabelecida pelo codigo do 1886 n'esta parte; mas foi bastante esta differença para acabar com os abusos que se davam na verificação dos poderes dos membros das juntas geraes do districto. E parece-me que o sr. Julio de Vilhena, não tem rasão quando censura o codigo de 1886, por ter alterado o codigo de 1878, tirando ás juntas geraes de districto a faculdade de verificarem os poderes dos seus membros, entregando-a a um tribunal independente, com recurso para os tribunaes superiores.
Disse tambem o illustre deputado que o codigo de 1878 é a photographia do partido regenerador, como o codigo do 1886 é a photographia do partido progressista.
Acceito e registo essa declaração do illustre deputado.
S. exa. disse mais que tinham sido acceitas algumas das suas indicações, o que não podia deixar de applaudir.
Sr. presidente, eu não posso, nem devo, nem quero crer que o sr. Julio de Vilhena tivesse vindo defender no parlamento as suas opiniões, se não julgasse que ellas eram favoraveis ao interesse publico e consentaneas ás conveniencias geraes do paiz. (Apoiados.)
Eu caso affirmar, sr. presidente, que o codigo de 1880 foi um grande progresso. Digo-o, pondo de parto toda a idéa de falsa modestia.

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E permitta-me a camara que eu n'esta occasião, em que devo fazer justiça a todos, não reivindique para mim só a responsabilidade que me possa caber n'este trabalho.
Devo dizer perante o parlamento que tive em toda a longa elaboração d'este codigo a collaboração dedicada, assidua e desvelada de dois cavalheiros a quem me honro de prestar aqui um publico testemunho da justiça a que têem direito pela quasi devoção com que me acompanharam durante tão longo trabalho. (Muitos apoiados.)
Refiro-me ao sr. dr. Bernardo de Albuquerque e Amaral, lente da faculdade de direito, e ao sr. Taibner de Moraes, secretario do governo civil do Porto, ambos os quaes me prestaram durante mezes a collaboração efficacissima do seu elevado talento, da sua culta intelligencia e da sua larga experiencia dos negocios. (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, estes trabalhos não se fazem, estas obras não se escrevem como os romances; (Apoiados) escrevem-se copiando da pratica as indicações que ella suggere a quem sabe ler no livro dos factos. (Apoiados.)
Estes livros não os escreve um homem só. (Apoiados.) Ha um que dita o pensamento, que dá a inspiração; mas para a realização d'esse pensamento, para traduzir em factos a sua inspiração precisa auxiliar-se do trabalho e da cooperação d'aquelles que têem aprendido na lição dos factos e da experiencia o que d'esses factos e d'essa experiencia se póde aproveitar. (Muitos apoiados.)
Não deixo, portanto, de prestar aqui a sincera homenagem do meu reconhecimento áquelles dois cavalheiros que se me associaram n'esta obra verdadeiramente patriotica, que me prestaram um auxilio valiosissimo, uma cooperação dedicada de que eu tirei largo e importante proveito. ( Vozes: - Muito bem.)
Mas diga-me o illustre deputado: que reclamações se tem levantado contra o novo codigo administrativo? (Apoiados.) Diga-o sincera e lealmente. Eu appello para a sua consciencia.
Este codigo tem uma parte que não se vê, que não é espectaculosa, mas que a percebem e entendem os homens que na pratica estão costumados a compulsar os negocios, e a resolvel-os.
Este codigo acabou muitas difficuldades e duvidas em cuja solução se hesitava, e poz termo a muitas controversias que ha muito pendiam das resoluções das auctoridades e dos tribunaes competentes.
O serviço que veiu prestar o novo codigo, n'esta parte, ao menos, permitta-me a camara que lh'o diga, não é menos importante do que outros que resultam de umas certas reformas que dão mais na vista e que são sem duvida muito proveitosas para o paiz, mas que não devem deixar escurecer outras reformas menos ostentosas, mas não menos importantes. (Apoiados.)
Perdoe-me v. exa., sr. presidente, e perdoe-me a camara, se eu, no ardor da palavra, me deixei enthusiasmar um pouco pela obra a que liguei o meu nome. Mas, sinceramente, tenho verdadeiro prazer, quando vejo que depois de todas as criticas com que se tem procurado fulminal-a, apesar de tudo quanto disse o illustre deputado sr. Julio de Vilhena, a verdade é que o paiz acceitou bem este trabalho. (Apoiados.) A reforma administrativa está em pratica em toda a parte. Posso mesmo dizer, que não se tem levantado na sua execução duvidas e difficuldades alem d'aquellas que sempre se levantam na execução de quaesquer reformas.
Desculpe-me tambem a camara de ter-me espraiado em tão longas considerações a respeito d'este trabalho. Se o fiz foi porque a isso me forçou a critica, por vezes severa, que o sr. Julio de Vilhena procurou fazer das suas principaes disposições.
A auctoridade de s. exa., como eximio e eminente jurisconsulto, justamente considerado em todo o paiz, é tal, que a camara de certo me desculpará de me ter alongado um pouco mais, para rebater as considerações de s. exa., que porventura poderiam fazer perder no conceito publico, a auctoridade e o prestigio da obra, a que eu liguei o meu nome e a minha responsabilidade. (Apoiados.)
Uma das duvidas para que o illustre deputado mais chamou a minha attenção; uma das perguntas, que s. exa. fez com mais instancia, foi: que havendo no codigo administrativo uma disposição, que revoga todos os codigos anteriores, como era que, nos casos omissos, eu queria que fossem resolvidas as duvidas que occorressem?
Respondo ao illustre deputado, que uma das disposições mais vantajosas do codigo, e precisamente esta.
Era necessario acabar com a hesitação, e com a incerteza da jurisprudencia administrativa. Era preciso, que não se estivessem a exhumar do repositorio da antiga legislação as leis, decretos e portarias favoraveis a cada caso. (Apoiados.) Por isso eu procurei occorrer a estes inconvenientes com aquella disposição do codigo. Por isso eu tentei compilar, com todo o cuidado, com o disvello de quem procura acertar, todas as disposições que deviam considerar-se em vigor.
Para esse fim empregaram-se as possiveis diligencias. Empenharam-se sinceros esforços para fazer completa a compilação, para expungir de uma vez para sempre as antigas leis. disposições, regulamentos e portarias. Declarou-se, depois que do novo codigo só eram applicaveis as disposições n'elle contidas, e que não era licito interpretar, nem sophismar, nem alterar, nem modificar de qualquer maneira os seus preceitos, invocando uma legislação obsoleta, e uns regulamentos ou portarias, que deviam ser consideradas revogadas. (Apoiados.)
Foi isto o que eu fiz. Mas, como se hão de resolver as duvidas? Se, porventura, apesar do cuidado que houve na compilação, a que se procedeu, ainda houver alguns casos ommissos, hão de resolver-se segundo os principies geraes da jurisprudencia, segundo os casos análogos do mesmo codigo, por aquelle principio geral que está no artigo 16.° do codigo civil, e que por estar ali não se segue que seja só applicavel a materia civil. É um principio de jurisprudencia universal, que se ha de applicar do mesmo modo ao direito administrativo.
É esta a resposta que tenho a dar á pergunta que o illustre deputado por mais de uma vez me dirigiu.
Mas deixemos o codigo administrativo, e vamos a outro assumpto.
O sr. Julio de Vilhena fallou tambem largamente sobre a reforma da instrucção secundaria; e a esse proposito eu não tenho que me defender; não tenho que responder ás suas censuras ou reparos; antes me cumpre agradecer as eloquentes e benevolas palavras do illustre deputado.
S. exa. não teve duvida em confessar que a reforma da instrucção secundaria era um progresso. Queria s. exa. mais; o seu ideal iria mais longe, as suas aspirações seriam, mais largas, mais rasgadas; mas, ainda assim, s. exa. teve a franqueza de confessar que a reforma de instrucção secundaria representa um melhoramento com relação á situação anterior. Agradeço a s. exa. este testemunho, que rendeu á verdade, como s. exa. a entendeu, e á justiça como eu a comprehendo.
Com as considerações que s. exa. fez, posso eu dizer que estou de accordo.
O illustre deputado espraiou-se em demoradas considerações em relação aos programmas adoptados para o ensino dos lyceus, e approvados pelo conselho superior de instrucção publica. N'este ponto eu digo a s. exa. que o serviço que eu fiz, já publicando a reforma de instrucção secundaria, já publicando depois os programmas do ensino secundario, se não é relevante, devia, pelo menos, merecer os applausos do illustre deputado, porque esses programmas foram muito simplificados.
Compare s. exa. os programmas publicados depois da ultima reforma de instrucção secundaria, com os que foram

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publicados em 1880, e verá o notabilissimo progresso que houve debaixo do ponto de vista da simplificação.
Depois, eu devo dizer a s. exa. uma cousa. Não sou eu que faço os programmas. Quem os faz é o conselho superior de instrucção publica. Tambem não fui eu que organisei o conselho superior de instrucção publica. Achei-o creado e instituido, e não tenho senão que louvar-me da cooperação que aquella illustrada corporação me tem prestado até hoje. Mas a verdade é que não fui eu que o organisei; foram os amigos do illustre deputado. Até hoje não tive sequer occasião de nomear para ali um só dos meus amigos politicos.
Não fiz, portanto, mais do que mandar ao conselho superior do instrucção publica que, na conformidade da sua lei organica, fizesse os programmas do ensino secundario dos lyceus.
O concelho fez os programmas, e eu approvei-os; e estou convencido que fiz um bom serviço, porque esses programmas representam, como já disse, um grande progresso, no sentido de simplicação, em relação aos anteriores. Isto não quer dizer que não continuemos a empregar esforços para que sejam ainda mais simplificados; mesmo porque, segundo a lei, os programmas devem ser reformados de cinco em cinco annos.
É necessario que aproveitemos as lições da experiencia, para irmos reformando pouco a pouco; o que não podemos é estar a reformar os programmas todos os dias. (Apoiados.)
Fallou tambem s. exa. na suppressão da cadeira de legislação, feita pela ultima reforma, e attribuiu essa suppressão aos defeitos do respectivo programma.
Devo dizer ao illustre deputado que em 1880, encarreguei o digno professor da universidade o sr. Fernandes Vaz, de me organisar o programma d'essa cadeira, e elle fel-o, dando-lhe talvez demasiada amplidão.
Depois eu proprio tomei o encargo de o simplificar, estabelecendo só as disciplinas que me pareceram necessarias para o ensino dos alumnos a que a cadeira era destinada.
E quem cotejar o programma da cadeira de legislação de 1880, com o programma de igual cadeira em França, ha de reconhecer que o de lá ainda é mais carregado, do que o foi organizado entre nós em 1880, e ao qual s. exa. attribuiu a suppressão da cadeira.
Se eu supprimi a cadeira de legislação, não foi por considerai a inutil, mas sim por ter de organisar o ensino secundario dentro de seis annos. Tive portanto necessidade do supprimir algumas cadeiras, monos indispensaveis ao ensino secundario, e entre essas a de legislação.
O conselho superior de instrucção publica era de opinião que se elevasse o tempo de ensino a oito annos; mas eu confesso que não tive coragem para o fazer; não quiz sobrecarregar os paes de familia com um pesado imposto, alargando o ensino secundario por mais dois annos. (Apoiados.)
Entendi que não podia alongar o curso do ensino secundario, por isso julguei necessario, para simplificar o curso, supprimir algumas cadeiras, e assim o fiz, supprimindo aquellas que me pareceram menos necessarias.
Se o ensino da cadeira de legislação podia ser util para um certo numero de alumnos, por certo que não se dava o mesmo em relação á maioria.
Assim, os alumnos que vão para a universidade para frequentar a faculdade do direito, lá encontram mais desenvolvido o ensino da cadeira de legislação; e para os que que vão para as sciencias naturaes, esse ensino não é sufficiente.
Fallou tambem s. exa. dos compendios; e a este respeito exerceu a sua critica, com grande felicidade, sobre alguns trechos de compendios, approvados pelo conselho superior que nos leu; e devo confessar que não fui dos que menos se riram com a leitura d'esses excerptos, que s. exa. submetteu á apreciação alegre e festiva da camara.
Mas que culpa tenho eu d'isso? (Apoiados.)
Que culpa tenho eu de que o conselho superior de instrucção publica tenha approvado, se é que approvou, alguns compendios em que é injuriada não só a nossa patria, mas até a grammatica? (Riso. - Apoiados)
É ao conselho superior de instrucção publica que cumpre approvar esses compendios, é não fui eu que organisei este conselho; acheio-o constituido e organisado quando entrei para o ministerio.
Tenho eu porventura alguma responsabilidade em que o conselho, talvez mais superficialmente do que devia, prestasse a sua approvação a taes compendios?
Por certo que não. (Apoiados.) Acho todavia que s. exa. fez um grande serviço chamando a attenção do governo para esses compendios tão incorrectos que, se não envergonham as repartições publicas, por onde passaram, pelo menos não devem servir para levantar um pedestal áquelles que tão levianamente lhes pozeram o sêllo da sua auctoridade. (Apoiados.)
Acompanho-o na iniciativa vigorosa que tomou a este respeito, e hei de fazer pela minha parte quanto poder para evitar que de hoje em diante sejam approvadas pelas estacões officiaes publicações que envergonhem a nossa lingua e o paiz. (Apoiados.)
Partilho completamente da opinião de s. exa. a respeito da necessidade de pôr a concurso os compendios para o ensino dos lyceus.
Essa idéa não é uma vaga aspiração minha; é já uma disposição que está sanccionada no artigo 73.° da lei de 14 de junho de 1880, referendada por mim, e que não está revogada, embora os cavalheiros que me substituiram na pasta do reino entendessem que não deviam executal-a como não executaram muitas outras que faziam parte d'aquella reforma, e que se tornaram letra morta, apenas sai do ministerio.
A reforma de 1880 continha principios luminosos em materia de ensino; (Apoiados.) estabelecia regras, que se fossem severa e lealmente praticadas, estou convencido que produziriam uma revolução salutar no ensino secundario. (Apoiados.) Mas o que aconteceu? Depois que saí do ministerio do reino, a má vontade dos paes de familia, e as resistencias dos directores dos collegios levantaram-se n'um só impulso contra a lei que fôra votada pelo parlamento, não deixando que se cumprisse nenhuma das suas mais importantes disposições. Entre estas foi incluida a do artigo 73.°, que estabelecia a concessão de um premio aos auctores dos melhores compendios para uso dos lyceus. Esta disposição, como muitas outras, ficou tambem letra morta. Hei de executal-a agora. (Vozes: - Muito bem.) Desde que a camara confirme a nova reforma de instrucção secundaria, dando a sua approvação ao respectivo decerto dictatorial, corre-me o dever de empenhar todos os esforços para fazer executar pontualmente, não só esta reforma, mas todas as disposições da legislação anterior, e entre essas a do citado artigo 73.° da reforma de 1880, que me parece ha de produzir na pratica os melhores resultados. Esteja s. exa. certo que não descurarei este assumpto, logo que as cêrtes tenham dado o seu voto á reforma dictatorial de 29 de julho de 1886.
Alludiu tambem s. exa. á creação do ministerio de instrucção publica. Já tive occasião de dizer que eu não faço a menor opposição á creação d'este ministerio; mas digo tambem que só o julgo necessario quando se tratar de uma reforma mais ampla dos serviços do ministerio do reino.
A crear-se o ministerio de instrucção publica, devem reunir-se-lhe todos os actuaes serviços de instrucção, e será portanto necessario dar ao ministerio do reino alguma compensação, porque, a meu ver, ficando elle reduzido só ao serviço de administração, com a sua actual organisação,

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não será isso bastante para um ministro laborioso empregar a sua actividade e o seu trabalho.
Por emquanto, não me parece que da creação do ministerio da instrucção publica dependa o grande impulso que o sr. Julio de Vilhena quer que se dê á instrucção secundaria.
Tenho procurado dar provas de que. á falta, de capacidade, emprego todos os esforços de que uma sincera vontade póde dispor, para bem desempenhar o meu logar em relação ao serviço da instrucção publica (Apoiados.)
Mas se quizermos organisar o serviço da instrucção quer superior, quer secundaria, primaria ou especial, em qualquer dos seus ramos, havemos de gastar mais do que actualmente se gasta, porque a verba destinada para a instrucção é pobrissima em relação ao que se despende com outros ramos de serviço publico.
Agora mesmo, que difficuldades não tenho eu tido para fazer approvar pela commissao de fazenda d'esta camara o projecto que augmenta a retribuição dos professores de ensino superior!
Não sabe s. exa. que a todos os augmentos de despeza se oppõe á nossa, não direi triste, mas difficil situação da fazenda publica? E esta a rasão principal do atrazo em que está a instrucção publica.
Devo dizer a v. exa. e á camara, sem orgulho nem vaidade, que na gerencia da minha pasta tenho procurado administrar com a maior parcimonia, adiando todas as reformas que podem trazer augmento de despeza. Tenho levado o meu escrupulo a ponto de que, precisando mandar ao estrangeiro, em missão scientifica, alguns homens illustrados para estudarem o progresso de certos ramos de serviço publico que em Portugal estão muito atrazados, não tenho duvidado pedir-lhes que vão a expensas suas fazer esse serviço. E felizmente, até hoje, assim o tenho conseguido; porque os que têem ido lá fóra, têem-n'o feito sem despeza alguma para o thesouro e unicamente por consideração ao serviço publico e por obsequio a mim.
Até agora nem um só, dos que têem sido mandados por mim, recebeu do governo qualquer remuneração.
Mas se, por deferencia para commigo, e por dedicação pelo serviço publico, é possivel conseguir que sem remuneração se pratiquem d'estes actos patrioticos, não é todavia possivel ampliar-se esse principio a todos os ramos da administração publica.
Sem dinheiro é absolutamente impossivel reformar a instrucção em qualquer dos seus ramos, em harmonia com os desejos e aspirações de s. exa.
Não quero dizer com isto que renunciemos ao nosso progresso scientifico. Pelo contrario, espero que dentro em pouco tempo, continuando a manter-se uma administração regrada e economica, chegaremos ao equilibrio da receita com a despeza, e então poderemos levantar mais alto o nosso pensamento reformador, ter aspirações mais radicaes e fazer reformas mais profundas em todos os ramos do ensino. Até lá convém ir adiando os melhoramentos de que possam resultar despezas immnediatas que vão aggravar a nossa situação financeira. É a este criterio que tenho sujeitado as minhas reformas.
Está pendente da resolução da camara um projecto tendente a crear ensino secundario especial, que existe em todas as nações civilisadas da Europa; creação moderna que tem dado utilissimos resultados para os alumnos que não podem, ou não querem por qualquer motivo, frequentar o ensino superior.
Se este projecto, como eu espero, vier á discussão, verá a camara a pobreza com que eu o dotei. É um ensino timido, modestissimo.; mas tenho a esperança, se a camara lhe der o seu voto, que, sendo tão importantes, como são, as vantagens d'esse ensino, mais tarde, quando porventura esteja consideravelmente melhorada e desembaraçada a situação da fazenda publica, possamos alargar os recursos de que elle carece, de modo a poder fructificar com desafogo. (Apoiados.)
Por isso eu direi que não é a creação do ministerio da instrucção publica, n'uma condenação n'elle de algum dos meus amigos politicos, mais importantes, como s. exa. disse, o que poderá fazer florescer o serviço da instrucção secundaria e superior. Não é isso. Boa vontade, asseguro eu ao illustre deputado que a tenho; como v. exa. era tambem capaz de a ter, se estivesse n'este logar. O que não tenho é meios, por ora. Mas creia s. exa. que, quanto for compativel com os recursos de que possa dispor, não desaproveitarei o menor ensejo de melhorar todos os ramos do ensino, e na sessão próxima, se ainda viver physica e politicamente, tenciono apresentar á camara um projecto de lei n'esse sentido.
Depois de tratar da reforma da instrucção secundaria, referiu-se s. exa. a diversos trabalhos da dictadura sobre os quaes nada direi, porque essas materias pertencem aos meus collegas, o sr. ministro da justiça, no que diz respeito á reforma judicial, e ao sr. ministro das obras publicas, no que toca á engenheria; e como elles estavam presentes quando s. exa. fallou, não deixarão de responder aos reparos que s. exa. fez áquelles trabalhos.
Em seguida s. exa. introduziu n'esta discussão a questão entre Arruda e Sobral de Monte Agraço! Tenho pena de que o sr. Vilhena, depois de ter tratado a questão que está pendente ela discussão da camara, com toda a proficiencia, com toda a lucidez, e com tanto desprendimento de considerações publicas e partidarias, viesse enxertar n'este debate a pobre questão de mudança da séde do concelho da Arruda para o Sobral de Monte Agraço.
Limitar-me-hei, pois, a dizer a s. exa. que o que eu fiz, fal-o-ía seguramente s. exa. se estivesse no meu logar. Ouvi todas as corporações interessadas, e não ouvi as juntas de parochia, porque me parece que, com respeito á mudança da séde de um concelho para outra povoação, as corporações que tinha de ouvir eram as camaras municipaes e ajunta geral do districto, que tinham immediato interesse n'essa mudança; e como não estavam ainda constituida a secção consultiva do supremo tribunal administrativo, entendi dever tambem ouvir o procurador geral da corôa em conferencia com os seus ajudantes.
Já mandei a esta camara o processo original com todas as informações e s. exa. teria occasião de verificar que a procuradoria geral da corôa foi, como todas as corporações e auctoridades consultadas, de opinião que se devia fazer aquella mudança.
A mudança da séde do concelho da Arruda para o Sobral de Monte Agraço foi feita a aprazimento da grande maioria do concelho (Apoiados.)
Bem sei que duas freguezias não lucraram com a mudança e manifestaram-se abertamente contra; mas se a grande maioria do concelho pedia que ella se fizesse e se a propria camara municipal da Arruda era de parecer, que devia ser mudada a séde do concelho para o Sobral de Monte Agraço, eu, conformando me com o parecer de todas as estações ouvidas áquelle respeito, não podia deixar de decretar essa mudança.
Direi tambem a s. exas. que tive verdadeiro sentimento quando li a representação, que com mais de 100 assignaturas dirigiram ao governo os povos da Arruda, mas conforme eu declarei a uma commissão que me procurou em casa, desde que a maioria do concelho me pedia uma cousa que me parecia justa, e a minoria se oppunha, em nome dos seus interesses locaes ou particulares, eu não podia deixar de resolver, conforme a lei, em favor da maioria do concelho. (Apoiados.)
Eis-aqui o que tenho a dizer no tocante á questão da Arruda.
O illustre deputado tambem se occupou do decreto que limitou o subsidio dos deputados, e procurou tirar grandes argumentos contra a sua doutrina de algumas disposições

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d'este decreto e do periodo do relatorio onde se mostrava que, durante o tempo em que estivera em vigor o decreto de 1869, a despeza com a camara dos deputados tinha sido muito interior á que se tinha feito durante o tempo em que vigorou o decreto de 1878, que tinha modificado o subsidio dos deputados.
Eu li e reli o relatorio e o decreto e não achei lá uma só palavra de desfavor para a representação nacional. (Apoiados.)
São apenas expostos os factos em toda a sua nudez, mas sem se fazer o mais leve commentario, a mais inoffensiva apreciação. Como póde, pois, s. exa. deduzir de uma simples exposição dos factos, que os considerandos do relatorio do decreto contém a exautoração da representação nacional? (Apoiados.) Onde se diz n'esse relatorio que o ter-se feito maior despeza n'uma epocha e menor n'outra é o resultado de trabalharem os deputados mais ou menos, segundo lhes pagavam de uma maneira ou de outra? (Apoiados.)
Sr. presidente, tenho concluido as observações que tinha a fazer em resposta ao illustre deputado, e quer-me parecer que durante a minha desataviada oração, mantive sempre o tom sereno e desapaixonado que s. exa. procurou imprimir a esto debate. (Apoiados.)
Não disse, que me lembre, uma só palavra que podesse levantar n'esta camara as iras da opposição, ou perturbar a tranquillidado com que vae correndo a discussão. (Apoiados.) E comtudo estamos discutindo a dictadura, o acto mais grave e mais importante da vida do actual governo; e comtudo era esta a occasião em que parece que mais ferozes deviam caír sobre nós as arguições e as censuras dos illustres deputados da opposição. Pelo contrario, aqui estamos discutindo mansamente, socegadamente, tranquillamente, como homens que se querem bem, como pessoas que se respeitam, como quem sabe comprehender perfeitamente, que as grandes discussões politicas podem ter logar placidamente á luz serena da, rasão, sem invectivas e sem insultos que só servem para deshonrar a tribuna e macular quem recorre a essas armas, suppondo que se levantam ás maiores alturas da eloquencia. (Muitos apoiados.)
Mas porque será esta serenidade? Porque é que se não altera esta placidez, esta quietação nos nossos debates? Será o cansaço da lucta, a fadiga dos combatentes? Não póde ser. Quando lanço os olhos para as fileiras da opposição e vejo tão valentes luctudores, que uns e outros podem revesar-se sem faltarem combatentes, não posso crer que seja o cansaço que lhes tenha dictado o seu procedimento sereno e tranquiüo. Na opposição ha luctadores para todos os dias, ha combatentes para todas as horas. O seu numero e qualidade é tal, que se quizessem, nós não teriamos uma hora de descanso.
Não póde, portanto, ser essa a rasão. Será a desordem que, segundo consta, vae lavrando no partido regenerador, a causa d'esta attitude dos nossos adversarios. Se assim é, ninguém mais do que eu a lamenta. (Apoiados.) Ninguem mais do que eu porque sou inimigo declarado de todas as patrulhas. Desejo os partidos organizados, honrados, serios e na altura de comprehenderem a gravidade das suas responsabilidades, quando se trata de gerir a fortuna publica (Apoiados.) Lamento essa causa,; creia o illustre deputado que sinceramente a lamento. Vou mais longe. E tenho fé que ainda os meus mais implacaveis adversarios, acreditam que as minhas palavras são sinceras e Ienes. Faço votos para que se mantenham unidos; digo-o com a consciencia tão inteira e tão pura como ella é. (Vozes:- Muito bem.)
Creiam que não lhes dou concelhos porque m'os não pedem, nem eu feria auctoridade para os dar. Auxilio, sim; esse só lh'o não daria se não o podesse dar. Tomem as declarações que faço no sentido elevado que ellas têem.
Eu não lenho direito de me insinuar na economia interna de nenhum partido, e muito menos no seio do partido regenerador, que combato, e que combate a situação que represento no poder; mas tambem não lucro nada com a desordem politica. Nem lucro eu, nem lucrará o paiz. Portanto, fazendo justiça aos desejos de todos os illustres deputados e ás suas boas intenções, e acreditando que s. exas. fazem igual justiça ás minhas, termino, formulando os mais ardentes e sinceros votos no sentido de se unir e congregar a opposição parlamentar em um só esforço, para que os homens que estão hoje no poder, quando se sintam cansados, na hora em que tiverem de resignar as suas funcções, achem dentro da orbita constitucional quem, honrada, digna e lealmente os possa substituir. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. José Novaes (sobre a ordem): - Mando para a mesa a minha moção de ordem.
«A camara, considerando que a dictadura representa a não observancia das promessas feitas pelo governo ao parlamento; a contradicção dos principios sustentados e defendidos pelo partido progressista e cerceamento dos principios liberaes escriptos na nossa legislação, e uma desorganisação completa dos serviços publicos, com augmento de despeza, passa á ordem do dia. = José Novaes.»
Como v. exa. e a camara acabam de ouvir, são quatro as affirmações d'esta moção.
O governo não cumpriu as promessas feitas ao parlamento; contradisse, com as suas medidas legislativas, os principios que defendera e sustentára na opposição; riscou dos nossos codigos os principios liberaes que a sciencia defende; e desorganisou os serviços publicos, aggravando extraordinariamente a despeza. (Apoiados.)
São estes os topicos do meu discurso; são estas as asserções que me cumpre demonstrar.
Mas antes de o fazer, e a proposito das palavras do nobre presidente do. conselho, quando ainda ha pouco affirmava que ninguem o podia accusar de que elle, assumindo a dictadura, o fizera com intuitos menos dignos, ou tendo em vista fins menos escrupulosos, permitta-se-me que eu aproveite o ensejo para aqui dar a s. exa. o testemunho da minha admiração pela intelligencia levantada e talento provado do nobre presidente do conselho, e da minha muita consideração pelas primorosas qualidades que adornam o seu caracter cavalheiroso. (Vozes:- Muito bem.)
Não representam estas palavras um cumprimento lisonjeiro; são o dever de cortezia e o preito de justiça que um adversario que se preza, dirige ao distincto parlamentar, e illustre estadista, a quem n'esta hora me cabe a honra de responder. (Vozes: - Muito bem.)
Dito isto, corre-me o dever de demonstrar os pontos que constituem a minha moção.
Mas não cuide a camara, nem pense o governo, que eu não empregarei o vigor de que sou capaz pelo meu temperamento, e todo o rigor dos argumentos que a minha convicção me suggerir, para combater os actos de dictadura emanados do governo, e muito especialmente a reforma administrativa e judiciaria, que mais desenvolvidamente me proponho analysar.
É necessario que mesmo na aresta d'esse abysmo em que o parlamentarismo parece estar de todo a sumir-se para ceder o altar ao cesarismo dos dictadores, é necessario e urgente tambem, que a opposição d'esta casa affirme aqui os seus principios e lavre, em voz alta, o seu protesto a favor das liberdades offendidas. (Apoiados.)
Como defende o governo a dictadura?
É que os parlamentos serão incapazes de fazer alguma cousa de proveitoso e util, de discutir e votar alguma providencia legislativa de largo alcance para o paiz?
Assim o li na imprensa ministerial; mas, se assim o pensam, o melhor seria então acabar de uma vez com o systema parlamentar; que julgam anachronico e maninho.

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Condemnassem-n'o tambem em dictadura, que era melhor do que humilhal-o, desacreditando-o, que era, isso mais digno do que lançar uma suspeita sobre a sua maioria, a quem agora lisonjeiam para que lhes sanccione os seus actos dictatoriaes. (Apoiados.)
Foi a dictadura para montar a machina eleitoral?
Assim o declaram no relatorio que precede a reforma administrativa!
E é esta, sr. presidente, a differença entre a dictadura que se discute e todas as outras dictaduras. (Apoiados.)
É necessario ir muito longe para declarar ao Rei que um governo lhe pede a dictadura porque precisa de condições de vida para o seu partido! (Apoiados.)
Não poderiam eleger os seus pares sem os votos dos delegados dos corpos administrativos?
Creio que sim; mas, se assim o pensam, então reformassem a lei eleitoral do pariato, e evitariam por esse modo a dissolução, sempre violenta, dos corpos administrativos, e não imitariam os povo selvagens que, para colher um fructo, lançam por terra a arvore.
Haverá ainda alguma outra rasão com que o governo justifique a dictadura?
Em fevereiro de 1886 dizia o sr. presidente do conselho á camara:
«O governo não póde adivinhar, não póde previnir as circumstancias que podem occorrer. Não pode, portanto, prometter se ha de ou não fazer dictadura; isso excede a sua previsão.»
Vejamos, sr. presidente, se de então para cá appareceu alguma circumstancia imprevista ou extraordinaria que aconselhasse o governo a assumir a dictadura.
Principiemos pelas rasões exportas no relatorio da reforma administrativa.
Dizem:
«É urgente a reforma do actual codigo administrativo. Convergem n'essa idéa as opiniões das mais oppostas escolas politicas, e os interesses dos partidos mais contrarios.»
Contra esta asserção, sr. presidente, faço eu lembrar os protestos de quasi todas as juntas geraes e camaras municipaes, de centenas de juntas de parochia, e os da população das duas provincias do norte que se fizeram representar em dois meetings na cidade do Porto, o ultimo dos quaes foi dissolvido violentamente por ordem dos delegados do governo, a quem não convinha então que se fizesse publicamente a critica dos seus actos, e que se lembrasse ao povo que, na occasião em que Sua Magestade El-Rei partia para o estrangeiro, ficavam os seus ministros em Portugal a rasgar a constituição do estado. (Apoiados.)
E era assim a que se achavam, confundidas todas as dissonancias em um só parecer!»
Dizem ainda: «a todos chegou o desengano de que a legislação que vigora nem é consoante ás necessidades de administração, nem adequada ao progresso o desenvolvimento do paiz».
E mais abaixo escrevem: «que o codigo de 1878 concebido sem duvida sob a inspiração dos mais elevados propositos por tal modo exagerou as liberdades concedidas aos corpos administrativos...».
Depois de ler isto, sr. presidente, tive uma explicação que desejava.
Em 1880 o sr. presidente do conselho chamava centralisador ao codigo de 1878, e em 1881 no relatorio do projecto que então se discutia classificou o sr. Emygdio Navarro aquelle codigo como «perigosamente centralisador».
E eu, francamente, não comprehendia como se podesse acoimar de «perigosamente centralisador» o codigo de 1878 apresentado ao parlamento pelo velho patriarcha das nossas liberdades, o nunca esquecido Antonio Rodrigues Sampaio, e largamente discutido e approvado pelos representantes do paiz. (Apoiados.)
Agora já temos a explicação.
Elle era «perigosamente centralisador» porque «exagerava as liberdades concedidas às corporações administrativas»! (Riso.)
É esta a explicação que nos dá o relatorio.
E assim, sr. presidente, o partido progressista foi coherente.
Perigosamente centralisador é, segundo o sr. presidente do conselho, o codigo que exagera as liberdades dos corpos administrativos; logo, eminentemente descentralisador é o codigo que restringir essas liberdades.
Mas, como o partido progressista escreveu no seu programma a descentralisação administrativa, claro está que nos devia dar um codigo que rouba ás corporações locaes os principios liberaes já radicados nos nossos organismos administrativos e já implantados em o codigo de 1878.
É evidente: o progresso dos progressistas consiste em rasgar o codigo de 1878 «concebido sem duvida sob a aspiração dos mais elevados propositos e em que as liberdades foram exageradas» para declarar que elle «nem é consoante ás necessidades de administração, nem adequado ao progresso e desenvolvimento do paiz» que, em principios de administração, deve voltar aos tempos anteriores a 1842!
Continúa ainda o relatorio: «E quando por tal maneira se acha amadurecida uma idéa e confundidas todas as dissonancias num só parecer, aconselha o bom senso, e reclama o interesse do grande numero que se não demore indefinidamente, nem ainda sob color de dar satisfação a honrosos escrupulos de legalidade...».
É extraordinario, sr. presidente. Eu que sou opposição ao governo não tinha animo para o dizer; mas... o sr. presidente do conselho é quem o diz. (Apoiados.)
Ficâmos sabendo que quando os interesses do partido progressista se fizerem valer, os escrupulos honrosos de legalidade não têem cotação official, nem ha operação, ainda a mais bem combinada, que lhes dê entrada nos gabinetes dos srs. ministros.
É um cumulo de... franqueza; nem ao menos ha a hypocrisia, que, ás vezes, representa uma homenagem á virtude. (Apoiados.)
Serão muito nobres, serão muito honrosos esses escrupulos de legalidade, mas... é interesse do grande numero (este «grande numero» é o partido progressista) (Riso.) reclamava «o que a todos se afigura indispensavel remedio dos males publicos»!
Mas era urgentemente reclamada a reforma?
Seria necessario prover com remedio, tão de prompto, aos males publicos?
Então porque o não disseram ao parlamento quando alguns srs. deputados lhes perguntaram se tencionavam assumir a dictadura? (Apoiados.)
Foi de então para cá «que appareceram as queixas dos povos» que ninguem ouviu, «que se multiplicaram as reclamações na imprensa» que ninguem leu, e que se fez ouvir a voz dos representantes do paiz na tribuna parlamentar, que esteve fechada?
Foi de então para cá que «se ergueram clamores contra o estado presente e se formularam votos em favor da reforma»?
Sendo assim deviam ser presentes ao parlamento. (Apoiadas.)
Mas ninguem deu por isso; creio mesmo que nem a Anadia representou. (Riso.)
Quando diziam a verdade. No parlamento, em 1886, onde o governo declarava que não tinha tenção de pedir ao Rei qualquer acto de dictadura, ou depois no relatorio, e agora na sua defeza, quando dizem que as reclamações para a dictadura eram unanimes, apresentando-se a reforma como que para favorecer os interesses dos partidos mais contrarios?!
Pois se os interesses dos partidos pediam a reforma, se as reclamações se multiplicavam, se as dissonancias se

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achavam confundidas em um só parecer, que receio poderia ter o governo do parlamento, aonde os interesses dos partidos se acham representados, aonde as reclamações seriam presentes, aonde a voz dos adversarios e dos amigos seria unicamente a conselheira prudente, mas sempre interessada em tão ambicionada reforma?
Mas, sr. presidente, a verdade é que a reforma foi apenas para que o partido progressista contradissesse, mais uma vez, os principios do seu programma.
Senão vejamos.
Mas, antes d'isso, deixe-me v. exa. levantar uma affirmação do sr. presidente do conselho.
Defendia s. exa. as suas contradicções: lembrava que todos os estadistas podiam ser accusados por contradicções, e repetia-nos a resposta de Bismark dada a um membro do parlamento allemão: «só se não contradiz quem não progride».
A este respeito, sr. presidente, declaro a v. exa. que eu sou tambem dos que pensam que só se não contradiz quem não progride. Hoje posso eu ter, em qualquer ramo de administração, idéas e opiniões arreigadas, que amanhã veja condemnadas pela sciencia, ou que tenha de abandonar pelos seus resultados.
N'estas condições, quem muda de opinião certamente progride; mas o progresso deve ser sempre de harmonia com os principios positivos da sciencia moderna. (Apoiados.)
Mudar de opinião, não para traduzir na legislação uma idea que a sciencia defenda, ou que as nações mais adiantadas escrevessem nos seus codigos; não para conservar o que ha de melhor, mas para traduzir em leis idéus de escolas já esquecidas, principios bolorentos já condemnados, não é saudar a luz, é fugir para as trevas. Quem assim procede não progride, retrograda. (Vozes: - Muito bem.)
E veja s. exa., o nobre presidente do conselho, que o seu argumento prova de mais.
Se a contradicção fosse sempre defensavel, então para que serviriam os programmas dos partidos aonde se inscrevem, como pontos cardeaes, os principios que esses partidos se propõem traduzir em leis?
Os programmas são a sua bandeira: traduzem a orientação d'esse partido e resumem os principios que elle apresenta á critica da opinião publica.
Com as idéas do sr. presidente do conselho, esse partido, ao subir ao poder, poderia enrolar a sua bandeira, pôr de parte a sua orientação, esquecer os seus principios, ludibriar emfim, a opinião publica que, julgando ter conquistado o momento de ver traduzidos em leis os principios que a seduziram, vê apenas, em sua substituição, aquelles que de nodadamente combateu, contra os quaes continuadamente reagiu. (Apoiados.)
Então os programmas seriam uma illusão, bem similhante aos reclames dos jocryses em barracão de feira.
Então, as contradicções seriam sempre uma virtude, e, se assim fosse, eu teria de propor a canonisação do actual ministerio. (Riso.)
Escreveu o partido progressista no seu programma: «Reforma administrativa, concedendo ás parochias, municipios e districtos a faculdade de proverem a todos os assumptos de interesse peculiar das respectivas circumscripções independentemente de previa auctorisação.»
Era a descentralisação administrativa.
Os parlamentos, sr. presidente, não são academias. Dispenso-me, portanto, de expor aqui os principios de descentralisação defendidos desde Benjamin Constant, Royer Collard e Tocqueville até Charles Dolphus, Simiot e Henrion Pansey; desde Florent Lafebre e Chevillard até Vivien e Odilon Barrot. Não mostrarei, tambem, percorrendo a historia das nações, os pessimos effeitos da centralisação administrativa.
Todos os publicistas, raras são as excepções, sustentam a descentralisação; todos os partidos a defendem e o partido progressista tambem fez a apotheose da descentralisação administrativa no seu programma.
Eu não sei se ainda se póde fallar no programma da Granja; mas, em 1878, quando n'esta casa se discutia o codigo administrativo, o sr. presidente do conselho, em um discurso em que declarava aproveitar aquella occasião para sustentar os principios do programma do partido progressista que s. exa. entendia que deviam ainda concorrer efficazmente para a prosperidade de paiz, dizia o seguinte:
«A questão da reforma administrativa é importante quando se trata de corrigir, aperfeiçoar e melhorar o serviço da administração publica nos seus differentes ramos; mas ha outra questão que talvez sobreleve esta. E a questão politica eleitoral. É a questão do cerceamento das attribuições e faculdades concedidas pela legislação vigente ás auctoridades administrativas, a empregados de confiança do governo, que d'ellas usam e abusam, em detrimento da liberdade do suffragio.»
Depois, dizia s. exa. ainda:
«Quer-me parecer, sr. presidente, que a tutela das corporações municipaes devia pertencer ás juntas geraes, que são as suas superiores immediatas, assim como a tutela das juntas geraes devia pertencer ao parlamento; e só em casos excepcionaes, quando as côrtes estivessem fechadas, poderia confiar se ao governo, mas então ao menos com a condição de ser ouvido o parecer do conselho d'estado ou do supremo tribunal administrativo.»
E tal era a convicção de s. exa., que referindo-se ao codigo de 1878, acrescentava:
«Os administradores de concelho, os governadores civis, e em geral os empregados de confiança do governo, tambem têem pelo projecto mais largas attribuições do que eu desejaria dar-lhes. Em duas palavras direi a minha opinião a tal respeito.
«Entendo que os governadores civis e os administradores de concelho devem ser apenas empregados de segurança e de policia, e representantes do poder central junto das corporações administrativas, com o direito de reclamarem contra a violação das leis, e de requererem o que julgarem conveniente no interesse da administração.»
Vejamos como s. exa. traduziu estas idéas na sua reforma.
Pelo codigo de 1878, artigo 56.°, em tres casos estavam as resoluções da junta geral sujeitas á approvação do governo.
O actual codigo, artigo 55.°, estabelece dezesete deliberações provisorias, as quaes ficam dependentes da approvação do governo (Apoiados.)
Pelo codigo de 1878 em onze casos era necessario a approvação de junta geral para que ás deliberações das camaras se tornassem executorias.
O actual codigo eleva a vinte seis os casos em que as camaras deliberam provisoriamente, e, d'estes vinte seis casos, tres ficam sujeitos á approvação do governador civil! (Apoiados.)
Aqui está a sua descentralisação: tres deliberações sujeitas á approvação do governador civil, quando pelo codigo de 1878 nem uma só estava sujeita á sua approvação! (Apoiados.)
Pelo codigo de 1878, artigo 168.°, em quatro casos deliberavam provisoriamente as juntas de parochia, ficando as suas deliberações dependentes da approvação da junta geral.
O actual codigo, artigo 193.°, menciona dezoito casos, ficando dez sujeitos á approvação das camaras, e oito á approvação dos governadores civis! (Apoiados.)
É assim, sr. presidente, que foram cerceadas as attribuições das auctoridades delegadas do governo: é assim que o sr. presidente do conselho reduziu as attribuições que competiam aos administradores de concelho e aos go-

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vernadores civis, como s. exa. sustentava em 1878! (Apoiados.)
E, já que s. exa. então folgava em estar de harmonia com as idéas do sr. conde de Valbom, eu vou mostrar agora a s. exa. como aquelle distincto homem d'estado, nos seus estudos de administração, apreciava as doutrinas que o sr. presidente do conselho agora poz em pratica.
«Que liberdade municipal é esta que a annulla o governo central com o poder de suspender e annullar todos os seus actos, invocando o principio de que é necessario tornar effectiva a sua responsabilidade, como se não houvesse outro meio mais conveniente e racional de conseguir este fim?
«Pois não será preferivel alargar as attribuições effectivas dos municipios, emancipando-os d'essa tutela absorvente e exhorbitante do poder central, e confiar á corporação electiva superior do districto o cuidado de velar mais de perto pela boa gerencia municipal?»
Tambem assim o entendia o sr. presidente do conselho em 1878; em 1886, porém, fez s. exa. uma reforma em que as juntas geraes, as camaras municipaes e as juntas de parochia ficam completamente tuteladas pelo governo ou pelos governadores civis. (Apoiados.)
Disse hoje no seu discurso o sr. presidente do conselho, mas disse-o de fórma que a sua palavra trahia evidentemente a sua consciencia, que o codigo em vigor é mais descentralisador do que o codigo de 1878, porque, por este, exigia-se a confirmação previa, emquanto que hoje ha unicamente o direito de suspensão ou não suspensão, e esse apenas dentro de um certo praso.
Não tem valor o argumento. (Apoiados.)
Pelo codigo de 1878 nem uma só das deliberações das camaras ou das juntas de parochia estava dependente do governador civil, e as poucas que eram provisorias dependiam apenas da confirmação da junta geral, que é tambem uma corporação electiva, composta de representantes dos diversos concelhos, e que melhor do que os governadores civis estavam ao facto das necessidades dos mesmos concelhos. Demais, sr. presidente, o argumento nada prova; os resultados são os mesmos.
Pelo codigo de 1878, para que as deliberações d'aquelles corpos administrativos se podessem tornar executorias, era necessária a confirmação: se a junta geral as confirmava podiam executar-se, se as não confirmava não podiam executar-se.
Pelo codigo de 1886, para que as resoluções provisorias se convertam em definitivas, é necessario que os governadores civis ou as juntas geraes as não suspendam: se não suspendem podem executar-se, se suspendem não se podem pôr em pratica.
O resultado é o mesmo; (Apoiados.) confirmação e não suspensão são duas formulas e uma só idéa. (Apoiados.)
É uma pura questão de logomachia; com a differença, porém, sr. presidente, que eu, como formula, prefiro a confirmação do codigo de 1878, porque a confirmação indica a analyse da deliberação que se confirma, emquanto que a não suspensão póde deixar duvidas se a deliberação provisoria não foi suspensa, por ter decorrido o praso sem se fazer a analyse.
A confirmação é um acto positivo, a não suspensão é um acto negativo.
E que esta rasão tem fundamento, collige-se de um artigo do actual codigo.
Diz o artigo 122.°: «Tanto as deliberações definitivas, como as provisorias depois de tornadas definitivas, podem ser suspensas ou revogadas pelos meios contenciosos, nos casos de nullidade enumerados no artigo 30.° e nos de offensa de direitos fundados nas leis ou regulamentos de administração publica».
Ora, se examinarmos os casos enumerados no artigo 30.°, concluiremos que o governador civil, ou a junta geral, deveriam ter conhecimento d'elles, quando não suspenderam a deliberação que lhes foi presente e que ía ferida de nulidade.
Mas de duas uma: ou o, artigo não tem rasão de ser, ou então indica uma prevenção contra a falta de confiança na analyse que aquellas auctoridades devem fazer, quando não suspendem.
É por isso que eu prefiro a confirmação, que torna mais efficaz a interferencia da auctoridade que tem de approvar qualquer deliberação provisoria.
Isto posto, sr. presidente, pergunto eu: porque é que o governo se contradiz, traduzindo em leis e defendendo agora os principios centralisadores do seu codigo?
De então para cá alguma nação culta escreveria principies identicos na sua legislação, ou algum publicista notavel traria á publicidade uma obra de merecimento incontestavel, que justificasse a mudança de opiniões do nobre presidente do conselho?
Não me consta; a não ser a affirmação do illustre deputado, o sr. dr. Laranjo, que ultimamente nos disse que os povos de raça latina precisavam de mais ordem e menos liberdade. (Riso.)
Estas é que são as contradições que eu condemno. Mudar de opinião, n'estas condições, é retrogradar, não é progredir. (Apoiados.)
Mas... passemos a analysar outras contradicções.
Ha dias um illustre deputado procurava na bibliotheca da camara um Diario das sessões.
Como não apparecesse, disse-lhe alguem que visse o do anno anterior.
«Isso não; (respondeu o illustre deputado a quem me refiro) corre-se o risco de no Diario do anno anterior, não encontrar as mesmas idéas.» (Riso.)
Se se referia ao partido progressista, o seu dito, alem de espirituoso, era verdadeiro.
V. exa. e a camara querem ver?
No relatorio do projecto de 1880 dizia o sr. presidente do conselho:
«Tambem me pareceu conveniente propor a suppressão dos substitutos dos corpos administrativos. A experiencia, embora recente, ha evidenciado sobejamente a inutilidade de similhante disposição.
«É uma complicação inutil e uma pura phantasmagoria.
«Afigura-se-me, pois, que, sem grave inconveniente, antes com reconhecido proveito, poderá ser derogado n'esta parte o codigo administrativo em vigor.»
Em 1881 dizia o sr. Emygdio Navarro a pag. 489 do Diario das sessões:
«Admittindo o principio da representação das minorias, não se póde admittir a renovação parcial dos corpos administrativos. O mesmo succede a respeito da eleição de substitutos para os cargos administrativos, que é incompativel com aquelle systema.»
Dizia o sr. Beirão a pag. 504:
«O capitulo I do titulo II do projecto de lei de administração, que estamos discutindo, apresenta modificações muito importantes com respeito ao codigo administrativo actualmente em vigor.
«Estas modificações são, no meu entender, principalmente tres: a maneira de prover a substituição dos vogaes dos corpos administrativos; ...»
E depois de tudo isto, sr. presidente, eu leio o artigo 5.° do codigo em vigor e encontro:
«Artigo 5.° Para cada corpo administrativo serão eleitos tantos substitutos quantos forem os vogaes effectivos.»
Ahi fica sem mais commentarios.
Mas, ha mais.
Dizia o sr. presidente do conselho em 1878:
«Ha na reforma administrativa um assumpto que eu não desejaria ver ali incluido. São as disposições relativas aos cabos de policia.
«É necessario organisar a policia em harmonia com os exemplos das nações civilisadas, supprimindo esse tributo

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desigual e vexatorio que pesa sobre os cidadãos, e os obriga a grandes sacrificios e incommodos, sem nenhuma compensação.
«Excepcionalmente póde desculpar-se a existencia de tal vexame: mas, normalmente, em circumstancias ordinarias, declarar-se que os cidadãos podem ser obrigados a fazer serviço pessoal e gratuito, nem póde, nem deve ser.
«Os cabos de policia devem desapparecer da nossa organisação administrativa.»
V. exa. e a camara vão ficar admirados. Todos esperavam a não existencia dos cabos de policia. Todos desejavam seguir os exemplos das nações civilisadas; mas lá está o
Artigo 266.° onde se diz: «O regedor de parochia é coadjuvado no exercicio das suas funcções pelos cabos de policia».
Elles cá estão, sr. presidente, com a differença, porém, que, segundo o codigo de 1878, pediam ser obrigados ao serviço por um anno, emquanto que, pelo codigo de 1886, ha casos em que são obrigados a servir por cinco annos!
É assim que o sr. presidente do conselho supprimiu o vexame que condemnava. (Apoiados.)
Mas, as contradições continúam.
Dizia s. exa.:
«O artigo 186.° da proposta entrega a tutela das corporações de beneficencia e caridade aos governadores civis.
«Não approvo tal disposição. Eu queria que, a exemplo da Belgica, se organisasse a beneficencia publica districtal e local por modo que ás administrações electivas, municipaes e districtaes fosse confiada a tutela d'aquellas corporações.»
Quando me constou que ía ser decretado o novo codigo administrativo, pensei eu para commigo: lá vamos ter a beneficencia publica organisada a exemplo da Belgica. Li primeiro o artigo 228.°, e qual foi a minha decepção, sr. presidente, ao encontrar, com leves alterações, a mesma disposição do codigo de 1878!
Paro aqui: longe iria se me propozesse unicamente apontar á camara as outras contradições.
Passo agora a analysar os pontos da reforma que o relatorio apresenta como mais importantes.
«Classificação dos concelhos em tres ordens segundo a sua população, e o estabelecimento de algumas condições de estabilidade para os administradores de concelhos de primeira ordem.»
Classifica o codigo os concelhos em tres ordens.
Não se encontra no relatorio o motivo d'esta classificação. Minghetti, ministro italiano, tentou realisar esta classificação, mas teve de desistir perante a opposição que contra ella se levantou.
Já hontem o meu illustre amigo, o sr. conselheiro Julio Vilhena condemnou esta classificação por tomar unicamente como base a população, quando se deveria attender tambem á riqueza e superficie d'esses concelhos.
Effectivamente, tomando como base unicamente a população, dá-se o caso de que concelhos de primeira ordem são mais pequenos em superficie e menos ricos que alguns concelhos de segunda e terceira ordem.
Em resposta disse o sr. presidente do conselho, que, se se propozesse organisar um systema tributario, attenderia de certo á riqueza dos concelhos; mas que só teve em vista a classificação para saber se n'esses concelhos existiria pessoal para os differentes cargos administrativos e quaes as habilitações a exigir a esse pessoal.
Logo demonstrarei a s. exa. com as proprias palavras do seu relatorio, que s. exa. ao que mais se refere, quando defende os concelhos autonomos, é ás suas condições de riqueza publica.
A classificação dos concelhos em três ordens que vantagem trouxe á administração?
Seria para a promoção? Comprehendia-se que se fizesse esta classificação para premiar com a promoção os empregados e funccionarios administrativos que em concelhos menos importantes tivessem dado provas de intelligencia, honestidade e aptidão para os serviços a seu cargo. Mas não foi este o fim da classificação. Os administradores de primeira ordem podem ser escolhidos entre os de terceira.
Seria para estabelecer habilitações differentes para os elegiveis em as diversas ordens de concelhos?
Não: o codigo não estabelece differentes condições de elegibilidade para os cargos administrativos; são as mesmas em todos os concelhos.
Ha uma differença apenas emquanto aos administradores de concelho: - os de primeira ordem devem ter um curso superior ou secundario: - os de segunda e terceira basta que saibam ler e escrever. Mas se esta differença serve para justificar a classificação primeira ordem, não existe alguma entre os de segunda e terceira ordem. Para estes, como disse, exige o codigo que saibam ler e escrever!
É a homenagem aos analphabetos. (Apoiados.)
Em 1878 dizia o actual sr. presidente do conselho:
«Eu quizera que s. exa. estabelecesse e fixasse as habilitações litterarias e scientificas necessarias para esses logares, e que para isso procurasse organisar o ensino secundario e superior, de maneira que saíssem dos estabelecimentos, aonde a instrucção se ministra, homens devidamente habilitados, que podessem ser verdadeiros e prestimosos funcionarios administrativos, e não unicamente bachareis formados, que vão acotovellar-se no fôro sem vantagem d'elles nem proveito do paiz.
«Um illustre senador francez, mr. Carnot, propoz ha pouco em França a creação de uma escola especial de administração, e o senado decidiu occupar-se seriamente d'este assumpto.
«Eu quizera organisado o ensino administrativo na universidade, por maneira que d'ella saíssem individuos com habilitações necessarias para bem servir o estado.
«E nós não podemos exigir habilitações sérias emquanto não organisarmos o ensino em harmonia com as differentes profissões e serviços para que elle deve habilitar.»
Isto em 1878: (Apoiados.) em 1886 basta saber ler e escrever para ser administrador do concelho de segunda e terceira ordem, e é sufficiente um curso secundario para ser administrador de primeira ordem! (Apoiados.)
O codigo de 1878 exigia, como regra, para os administradores um curso superior; em 1886, o sr. ministro do reino entendeu que, para os administradores de concelho, melhores que os bacharéis que se acotovellam no fôro sem vantagem para elles e proveito para o paiz, são os individuos que apenas saibam ler e escrever!
Estabelece ainda o codigo condições de estabilidade para os administradores dos concelhos de primeira ordem.
De nada vale esta disposição; a lei deixa a porta aberta para poderem ser demittidos.
Mas, quando valesse, porque não havia ser concedida a mesma estabilidade aos administradores de segunda e terceira ordem?
Não se encontra facilmente a rasão que justifique a differença.
Mas o certo é que os administradores de concelho, como empregados de confiança do governador civil e por cujos actos elles têem responsabilidade, não podem ser vitalicios. (Apoiados.)
Que differença entre um e outro partido!
Os regeneradores, dias antes de uma eleição constituinte, votavam uma lei eleitoral de enormes garantias para a opposição, e, approvando a lei do recrutamento, desarmavam o poder central dos abusos que com aquelle ramo de serviço se praticavam a favor dos governos.
O partido progressista ao subir ao poder prepara, ou julgou preparar, para quando for opposição, os principaes re-

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ductos decretando para os seus galopins a estabilidade em um cargo que é todo de confiança politica! (Apoiados.)
Segundo ponto:
A representação das minorias applicada ás eleições dos corpos administrativos.
Sr. presidente, sympathiso com o systema que dá representação ás minorias: não defendo, porém, o systema adoptado pelo codigo, o do voto limitado.
Por este systema, que se presta a facil sophismação, só a minoria mais numerosa é que tem representação.
Acho melhor o systema da proporcionalidade que o sr. presidente do conselho propunha em 1878.
«Definir de um modo absoluto a minoria, diz Eugene Aubry Vitet, determinar a priori o seu direito, cortar-lhe de antemão o seu quinhão de representação, é fazer um acto arbitrario: é correr forçosamente o risco de cercear esse quinhão ou de o exagerar: é dar ás minorias reaes apenas uma satisfação irrisoria, ou favorecel-as além de toda a justiça.»
Sou portidario fervoroso do systema da proporcionalidade, e já defendi n'esta camara o systema de Andrae, realisado na Dinamarca, e o de Th. Hase, na Inglaterra, perfeitamente exposto e desenvolvido por Ernest Naville, - La reforme electorale en France, - e clara, nitida e habilmente sustentado por Eugene Aubry Vitet, em 1870, na Revista dos dois mundos.
Por este systema o resultado da eleição é proporcional aos seus factores, e o numero de eleitos, adherentes a cada opinião, proporcional ao numero de eleitores que tem a mesma opinião.
Longe iria na exposição d'este systema. Não o farei; mas já que o meu illustre amigo o sr. Antonio Candido é o relator do bill, lembrarei a s. exa. o que s. exa. escreveu em 1878 em a sua obra Principios e questões de philosophia politica.
«No momento actual, dizia s. exa., relanceando os olhos pelas nações mais cultas de todo o mundo, vemos que o principio da representação proporcional domina todos os espiritos mais devotados aos grandes interesses da democracia.»
E, a meu ver, o systema da proporcionalidade poderia sem receio ser applicado ás eleições municipaes.
Dito isto, sr. presidente, eu desejaria ao menos que o systema adoptado pelo codigo para as eleições municipaes e parochiaes fosse tambem applicado ás eleições das juntas geraes. (Apoiados.)
É certo, porém, que o não foi: e continúa assim, para as juntas geraes, o systema, que não permitte a todas as opiniões o direito de se fazerem ouvir e a faculdade de corrigirem, por meio de uma efficaz e diligente fiscalisação, os abusos e incorrecção das administrações locaes. Continúa a omnipotencia das maiorias.
Já vê v. exa. que é sob o peso das proprias palavras do relatorio que fica condemnado o systema em vigor para a eleição dos membros das juntas geraes.
Mas, sr. presidente, o systema da representação das minorias é sophismado na pratica, no que respeita ás camaras municipaes.
Para este ponto chamo eu a attenção do sr. presidente do conselho.
Diz o § 1.° do artigo 5.°: «Para preenchimento dos vogaes effectivos, por não ter sido votado e apurado o sufficiente numero de vogaes para completar o referido quadro, ou por terem occorrido vacaturas durante o triennio, serão chamados a servir os respectivos substitutos».
As palavras das leis, como dizia Bentham, devem ser pesadas como diamantes.
A palavra respectivos indica claramente que para a substituição de qualquer vogal effectivo da maioria deve ser chamado um substituto da maioria, e que para a vacatura de qualquer vogal effectivo da minoria deve ser chamado um substituto da minoria.
É este o espirito da lei evidentemente traduzido pelas palavras, respectivos substitutos, muito de proposito escriptas no § 1.° do artigo 5.°
Mas diz o § 2.° do mesmo artigo:
«Os substitutos serão chamados a servir segundo a ordem de maior votação, preferindo os mais velhos no caso de igualdade de votos.»
Este paragrapho, a meu ver mal applicado, é que tem dado logar a que os tribunaes administrativos mandem chamar, para substituir um vogal da minoria, o substituto mais votado que evidentemente é da maioria, ficando assim a garantia da representação das minorias completamente sophismada pela substituição. (Apoiados.)
No meu entender não seria difficil a conciliação dos dois paragraphos.
Supponha v. exa. uma camara composta de sete vereadores: d'estes, cinco pertencem á maioria e dois á minoria.
Faltava um dos vogaes effectivos da minoria; como fazer a sua substituição?
Ia-se buscar ao quadro dos substitutos o seu respectivo substituto (§ 1.°), mas o mais votado (§ 2.°).
Era, portanto, o sexto substituto do quadro o que deveria ser chamado, porque os cinco primeiros são os substitutos dos vogaes da maioria. (Apoiados.)
No emtanto, como disse, os tribunaes administrativos não o têem entendido assim, e, por isso, eu peço ao nobre presidente do conselho faca, por uma portaria, explicar a idéa que presidiu á confecção da lei, não consentindo que, por uma interpretação erronea, se esteja contrariando na pratica o espirito de uma lei que s. exa. defende com tanta dedicação no seu relatorio. (Apoiados.)
Terceiro ponto:
«Organisação da fazenda local, sem prejuizo das finanças do estado, fixando-se limites ás faculdades tributarias das corporações administrativas.»
A este respeito diz o relatorio:
«Persuadem-se os abaixo assignados que o expediente proposto de serem fixados annualmente pelas côrtes os maximos até aonde podem attingir os addicionaes ás contribuições directas, e as restricções adoptadas sobre o lançamento das contribuições indirectas, serão bastantes para corrigir os defeitos da legislação existente, e assegurar aos contribuintes o alivio dos gravames, que os affligem; e maior igualdade na distribuição dos encargos tributarias.»
Vou demonstrar, sr. presidente, que os meios adoptados pelo codigo para organisar as finanças locaes não obstam ao mal porventura existente, antes peioram o actual estado.
Vejâmos:
«O maximo da percentagem será fixado annualmente pelas côrtes.»
Juntas geraes, artigo 59.°, § 1.°
Camaras municipaes, artigo 134.°
Juntas de parochia, artigo 199.°
Consideremos diversas hypotheses:
1.ª Ter o parlamento de fixar annualmente o maximo para cada uma das juntas geraes, camaras municipaes e juntas de parochia;
2.ª Ter o parlamento de fixar annualmente um só maximo alem do qual nenhuma das referidas corporações possa tributar;
3.ª Ter o parlamento de dividir aquellas corporações por classes, e fixar um maximo para cada classe;
4.ª Não fixar o parlamento o máximo, e vigorar a percentagem auctorisada no anno anterior.
Analysemos a primeira hypothese. De duas uma: o parlamento fixa o maximo ou por conhecimento proprio, ou em virtude dos esclarecimentos fornecidos pelo governo.
No primeiro caso, alem do tempo de uma sessão não chegar para fazer conscienciosamente aquelle trabalho, impossivel seria ao parlamento saber as condições em que se en-

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contra cada uma das juntas geraes, camaras municipaes e juntas de parochia, para lhe estabelecer a percentagem até aonde poderia tributar.
Pois não variam as receitas de localidade para localidade; não vivem estas corporações, umas de rendimentos proprios, outras de impostos indirectos, outras de impostos directos, e muitas de todos elles?
Não variam os encargos de anno para anno?
No segundo caso, os subsidios e informações dadas pelo governo haviam de ser colhidas pelos governadores civis, por intermedio dos administradores do concelho, os quaes ou estão de harmonia com as diversas corporações, e informam o maximo que ellas desejarem, não se evitando assim o inconveniente; ou não estão de harmonia, e tratam de lhes crear difficuldades procurando tirar-lhes os meios de vida.
Ora, a ter de ser assim, sr. presidente, melhor seria que o governo fixasse o maximum, do que estar o parlamento a fazel-o, não por conhecimento proprio, mas como chancella das informações dadas ou pelos amigos ou pelos adversarios das referidas corporações, e que, em todo o caso, são sempre suspeitas.
Segunda hypothese. - Tendo o parlamento de fixar um só maximo para todas as juntas geraes, outro para todas as camaras municipaes, e outro para as juntas de parochia, não se consegue de modo algum evitar os erros que se condemnam; pelo contrario aggravam-se. (Apoiados.)
Para fixar esse maximo ás camaras, não tinha o parlamento outro meio senão attender aos encargos actuaes da camara mais onerada, porque, se assim o não fizesse, não teria essa camara meio de satisfazer os seus compromissos nem ficaria com os elementos necessarios para a sua vida administrativa.
Supponhamos que esse máximo era de 60 por cento; póde succeder que uma camara que até ali tributava pela percentagem de 30 por cento, e que com a receita proveniente d'esta percentagem fazia face ás suas despezas, agora, á sombra d'aquelle maximo, mais á vontade dê largas ao seu esbanjamento desorganisando e compromettendo assim a fazenda do municipio. (Apoiados.)
E se o fizesse, para quem haviam de reclamar os contribuintes?
Para o parlamento? Estava fechado.
Pelo codigo de 1878 reclamavam para as juntas geraes, as quaes, ouvindo os procuradores das localidades, tinham meio de obstar a taes desperdicios. E muitas vezes obstaram.
Terceira hypothese. - Qual a base para a classificação por classes?
Qualquer seria arbitraria, porque, como já disse, d'aquellas corporações umas só vivem de rendimentos proprios, outras de impostos directos, outras de impostos indirectos, e muitas de todos estes.
Alem d'isso podia ainda dar-se o caso de que, dentro da mesma classe, estivesse uma camara onerada com grandes encargos, e para a qual o maximo fixado fosse o strictamente necessario, e outras a quem o mesmo maximo désse logar a largos esbanjamentos, (Apoiados.)
Mas a classificação, repito, seria difficilima.
Quarta hypothese. - Póde succeder:
1.° Que os encargos de uma camara terminarem no anno em que o parlamento não fixou a percentagem;
2.° Que elles augmentem, sendo reclamado esse augmento pelas necessidades municipaes.
Supponhamos que uma camara tinha contraindo um emprestimo votando a annuidade de 6:000$000 réis para a amortisação e juro.
Terminou no anno anterior a ultima annuidade, para pagamento da qual, e para fazer face ás demais despezas, a camara precisava lançar 40 por cento de percentagem.
No anno seguinte, em que já não tem de pagar aquella annuidade, não lhe é necessaria tão alta percentagem; mas, como vigora a do anno anterior, póde a camara lançar a mesma percentagem, e applicar aquelles 6:000$000 réis em obras desnecessarias, e filhas da febre esbanjadora a que se desejava pôr obices.
Supponhamos o contrario: uma camara tributara com a percentagem de 40 por cento, que era o maximo fixado pelo parlamento.
É urgente, porém, proceder á construcção de qualquer obra de extrema necessidade publica, e para esse fim precisa de recorrer a um emprestimo cuja annuidade para amortisação de capital e juros, seja de 6:000$000 réis.
Assim o delibera a camara, e esta deliberação obtém o voto dos quarenta maiores contribuintes, e a não suspensão do governador civil.
Abre a camara o emprestimo, e vendo a possibilidade de não poder a camara satisfazer aquelle compromisso, por isso que a percentagem actual não é sufficiente, e tambem porque póde dar-se o caso de a não votar o parlamento, de duas uma: ou não concorrem ao emprestimo, ou exigem um juro maior para a garantia do risco.
Em conclusão: ou a camara não faz a obra urgente e necessaria, ou encontra de frente a desconfiança senão a agiotagem. (Apoiados.)
É triste que os que tiveram a vaidade de fazer dictadura para publicar um codigo como seu nome, estabeleçam n'esse codigo disposições que levam fatalmente ao contrario do que desejavam, e que hão de contribuir para desorganisar, cada vez mais, a fazenda dos municipios.
Mas, sr. presidente, o parlamento já fixou o maximo a que a lei se refere? Não. (Apoiados.)
Subsiste a percentagem anterior emquanto o não fixar? Subsiste: mas o estado anterior é o que se pretende desviar; foi para isso que se fez a dictadura; (Apoiados) e todavia o relatorio diz:
«Não seria preciso mais do que esta parte da reforma, para mostrar a urgencia do seu decretamento.»
Para que serviu, pois, tanta urgencia, se a final não foi ainda observada aquella disposição da reforma que o governo julgava tão importante, que só por si era sufficiente para justificar a dictadura?
Estudemos agora a fazenda e contabilidade districtal.
O codigo de 1878 comprehendia nas despezas obrigatorias - as estradas municipaes e a sustentação dos expostos.
O codigo de 1886 deixa as mesmas despezas, excepto a das estradas, que até aqui eram construidas pelo districto, e que agora passam a ser pelo estado e a dos expostos menores de sete annos, que passam para as camaras, ficando o districto apenas com os expostos de sete a dezoito annos.
Vejamos o que valem estas alterações:
Não melhoram as finanças porque as estradas districtaes, em vez de serem construidas pelos districtos, o passem a ser pelo estado.
O paiz sempre as paga. É, alem d'isso, esta disposição uma injustiça para os districtos cuidadosos e fomentadores, que adiantaram a sua rede de estradas districtaes, e que têem agora de pagar, alem dos encargos contrahidos para esse fim, a quota que o governo lhes ha de lançar para a construcção das estradas em outros districtos, que por desleixo ou outro qualquer motivo as não fizeram. (Apoiados.)
No Guia itinerario de Portugal, referido a 30 de junho de 1884, trabalho organisado na repartição de obras publicas pelo distincto chefe da quarta secção, o sr. José Victor da Costa Sequeira, encontram-se os seguintes dados que servem para apreciar esta injustiça:

[Ver tabela na imagem]

Vianna ....
Braga ....
Aveiro ....
Porto ....

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SESSÃO NOCTURNA DE 12 DE JULHO DE 1887 1721

Emquanto que:

[Ver tabela na imagem]

Villa Real ....
Bragança....
Castello Branco....
Beja....

De modo que os quatro primeiros districtos que fizeram 675 kilometros, e aos quaes falta construir 738 kilometros, têem de pagar para os quatro ultimos, que apenas fizeram 188 e a quem falta construir 1:672 kilometros.
Os diligentes são aggravados: os descuidados são premiados.
A construcção d'aquellas estradas era um direito e obrigação de divida propria: agora fica mais essa arma de centralisação na mão do governo: é mais um meio de corrupção eleitoral.
Expostos. - Até aqui estava a cargo das juntas geraes a despeza com os expostos; agora ficam os expostos até sete annos a cargo das camaras municipaes, e os de sete a dezoito a cargo das juntas geraes.
Esta disposição não melhora, antes aggrava as finanças locaes.
As camaras têem de collectar para a sustentação dos expostos até sete annos; os districtos têem de collectar tambem para a sustentação dos expostos de sete a dezoito annos.
As camaras têem de manter as repartições e casas de expostos, o que lhes augmeuta a despeza: - as juntas geraes não se furtam a estas despezas, porque têem, tambem, de ter as repartições e casas para os expostos de sete a dezoito annos.
Agora vinha o resolver uma questão.
Devem os expostos ser administrados pelas camaras ou pelas juntas geraes?
A estatistica demonstra que a mortalidade dos expostos decresceu desde que a sua administração foi centralisada nas juntas geraes, - desde que estes serviços foram uniformisados e sujeitos a uma única fiscalisação.
Diz o relatorio: "A administração dos expostos e creanças desvalidas e abandonadas até á idade de sete annos passa em conformidade com as disposições do codigo civil, para as camaras municipaes, que assim ficarão alliviadas das quotas, que actualmente pagam e que são um dos mais pesados encargos dos seus orçamentos. Interessadas directamente na fiscalisação deste serviço, empenharão sem duvida as maiores diligencias para só proverem á sustentação das creanças que pertencera aos seus concelhos e para o fazerem com menor dispendio. É por isso de presumir que dahi provenha considerável economia nas despezas concelhias.
Já fiz a demonstração em contrario; mas para que não reste duvida, eu vou ler, porque melhores argumentos não posso apresentar, o que em 1881 dizia a este respeito o sr. Emygdio Navarro. No Diario das sessões, a pag. 563, dizia s. exa.:
Eu preciso defender nesta parte o projecto, e dar as rasões porque o governo e a commissão consideraram o serviço dos expostos, o que propriamente assim deve ser chamado, como exclusivamente districtal.
Esta questão é velha; mas entendeu-se sempre que o serviço dos expostos não podia deixar de ser districtal, sob pena de gravissimos inconvenientes, tanto para a administração dos estabelecimentos em que os expostos têem de ser recolhidos, como para a fazenda municipal.
"Eu sei de uma camara municipal - provavelmente mais de uma usava do mesmo systema, que quando se tratou de centralisar esse serviço nos concelhos, tinha umas mulheres contratadas, a quem pagava para irem levar aos concelhos vizinhos os expostos que appareciam no seu concelho, de maneira que os outros concelhos vinham a pagar, não só para os seus exposto, mas para os dos concelhos vizinhos.
"Este abuso ha de dar-se necessariamente, desde que for centralisado este serviço nos concelhos, e com tanta mais rasão, por isso que a transposição para concelho differente será um meio para desnortear as investigações sobre a maternidade.
"Acresce outra rasão ponderosa. Ha muitos concelhos pobres que não podem pagar este serviço...
"Foram estas, summariamente, as rasões que influiram no espirito da commissão para manter este serviço como districtal.
"Primeiramente, a difficuldade de fiscalisação; bem sei que de districto para districto póde dar-se tambem algum abuso, mas de concelho para concelho dão-se muito mais facilmente.
"Em segundo logar, o inconveniente de fazer pesar exclusivamente sobre concelhos pobres o encargo resultante do serviço de expostos, encargo que será melhor distribuido pelo districto.
Continuava s. exa.:
"Outra rasão, e de grande peso, se offerece em abono d'esta doutrina. Centralisado o serviço nos districtos, em um ou dois estabelecimentos, presta-se elle melhor á administração e fiscalisação do que dividido pelos municipios, porque então haveria necessidade de crear em cada municipio um hospicio para expostos, e as camaras não poderiam sustentar convenientemente esses estabelecimentos. Um ou dois d'esses estabelecimentos podem ser devidamente organisados e dotados pelo districto; mas não o podem ser dez, quinze, vinte, todos no mesmo districto, segundo o numero de concelhos em que o districto estiver dividido. Nem este numero de estabelecimentos é necessário, nem poderiam ser sustentados pelo districto.
Pois, sr. presidente, o sr. Emygdio Navarro, que em 1881 defendia estas idéas, em 1886 assignou o codigo da dictadura que perfilha as doutrinas que elle então combatia. (Apoiados.)
Lá estão os expostos, apesar de todos aquelles inconvenientes, entregues á administração das camaras municipaes.
O governo, porém, já reconheceu o erro, e as portarias de 23 de fevereiro e 20 de maio de 1887 mostram evidentemente a sua contricção.
Fica, pois, demonstrado, á evidencia, creio eu, que a disposição do codigo prejudica as finanças locaes, augmentando as despezas e desorganisando os serviços. (Apoiados.)
Passemos á fazenda e contabilidade municipal.
Meios preventivos: suspensão pelo governador civil: consulta dos quarenta maiores contribuintes: quota de 25 por cento para os impostos indirectos.
O governador civil tem o direito de suspender as deliberações das camaras (artigos 118.° e 121.°):
1.° Sobre emprestimos, sua dotação e encargos, quando estes só de per si ou juntos aos encargos de emprestimos anteriores, absorvam mais da decima parte da receita ordinaria auctorisada nos orçamentos do anno corrente;
2.° Sobre estabelecimento de cemiterios municipaes na capital do concelho, sua ampliação e suppressão, na conformidade das leis e regulamentos municipaes;
3.° Sobre regulamentos para a cobrança dos impostos municipaes.
De nada serve, sr. presidente, o direito de suspensão concedido aos governadores civis, no que respeita aos emprestimos.
Pelo artigo 56.º, § 2.° do codigo de 1878, já o levantamento dos emprestimos das juntas geraes estava sujeito á confirmação do governo; e, no entanto, é o relatorio quem o diz, os emprestimos succediam-se, e o seu producto gastou-se em obras, algumas das quaes podem considerar-se como verdadeiros actos de má administração.
Improficua e sem resultado era, portanto, a acção do

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governo emquanto às juntas geraes, como improficua e sem resultado ha de ser a acção dos governadores civis sobre as deliberações das camaras municipaes.
De duas uma: ou as camaras, politicamente, lhe são affeiçoadas ou não:
No primeiro caso, mãos rotas, e as camaras poderão contrahir os emprestimos menos justificadose nas peiores condições, que certas deverão estar em que os governadores civis lhas approvarão; (Apoiados.)
No segundo caso, ainda que esses emprestimos sejam de justiça e nas melhores condições, os governadores civis hão de sempre difficultar lhos, e mais tarde os approvarão às camaras que lhe forem affeiçoadas, ficando assim á disposição dos governadores civis mais esta arma de compressão e corrupção eleitoral. (Apoiados.)
Mas suppondo que a acção dos governadores civis valerá alguma cousa, lendo o código, só quem não tiver pratica e conhecimento das administrações locaes, é que não verá que tanto as deliberações difinitivas como as provisorias sujeitas às juntas geraes são aquellas que justamente mais concorrem para aggravar o estado das finanças.
Sendo assim, de estranhar é que á suspensão ou não suspensão dos governadores civis se entreguem os n.ºs 13.° e 19.° do artigo 118, estabelecimento de cemiterios municipaes na capital do concelho, e regulamentos para a cobrança dos impostos municipaes,- e se deixem livres da sua suspensão deliberações quer definitivas, provisorias, algumas de muita mais importancia, e das quaes as provisorias ficam sujeitas apenas á suspensão das juntas geraes que é um tribunal condemnado. (Apoiados.)
Consulta dos quarenta maiores contribuintes:
Têem apenas os quarenta maiores contribuintes voto consultivo, que de nada valerá, quando as camaras o queiram desprezar.
Serve apenas para embaraçar a administração e incommodar os cidadãos quarenta maiores contribuintes: melhor, então, era o conselho municipal do codigo do 1842 que tutelava os actos das camaras, mas com voto deliberativo.
A quota de 25 por cento sobre os generos isentos do real de agua ha de encontrar grandes reluctancias nas localidades que a este respeito têem usos e habitos inveterados. A pratica evidenciará a inanidade desta disposição. (Apoiados.)
Passemos agora ao outro ponto enumerado no relatorio.
"Constituição nas sedes dos districtos de tribunaes administrativos independentes, tanto da pressão dos governos, como da influencia dos interesses partidarios, que assegurem a todos os cidadãos a recta e imparcial administração da justiça."
Disse no seu discurso o nobre presidente do conselho que se vangloriava de ter introduzido na sua reforma administrativa a organisação dos actuaes tribunaes administrativos e que se outro motivo não houvesse para louvar a reforma este só bastaria, tão alta é a sua importancia, para relevar completamente a dictadura.
E apesar d'isto, sr. presidente, eu condemno a organisação dos tribunaes administrativos, tal qual se encontra no codigo, em these e em hypothese.
Em these porque elles representam a confusão de dois poderes distinctos: em hypothese porque são para a magistratura uma escola de facciosismo e muitas vezes de subserviencia.
E vou demonstral-o.
É principio consignado em todas as constituições dos povos cultos a divisão dos poderes.
A nossa carta constitucional estabelece-a expressamente no artigo 10.°
"A divisão e harmonia dos poderes politicos é o principio conservador dos direitos dos cidadãos, e o mais seguro meio de fazer effectivas as garantias que a constituição offerece.
Assim a auctoridade administrativa deve ser independente da auctoridade judiciaria.
Mr. Chaveau Adolphe escreveu:
"Que o principio de que a auctoridade admnistrativa e judiciaria são independentes uma da outra, uma vez estabelecido em França pela assembléa nacional de 24 de agosto de 1790 atravessou, sem nunca morrer, as tormentas revolucionarias da França; foi creado sob a monarchia de 1789, foi desenvolvido sob o imperio, ficou em pé sob a restauração e subsistiu depois da revolução de julho.
"Qual é em França de todos os principies de ordem aquelle que póde revindicar uma origem tão antiga e respeitavel, uma tão constante e vivaz pertinacia?"
É principio assente por todos os publicistas que a administração tanto administra quando exerce funcções graciosas, como quando decide sobre as contestações do contencioso administrativo.
Diz Colmeiro:
"O principio de separação e mutua independência dos poderes constitucionaes reclama a instituição desta justiça de ordem publica. Se administração carecesse de poder para explicar os seus actos, decidir as reclamações que suscitassem as suas providencias, resolver as duvidas e difficuldades relativas á sua execução, se não podesse remover os obstáculos, que oppozessem á sua marcha um interesse ou um direito de terceiro, não teria liberdade de acção: e sem esta nem na ordem politica, nem na ordem moral, póde exigir-se responsabilidade alguma.
Daqui a necessidade de crear jurisdicção e tribunaes administrativos que tivessem competwncia exclusiva para decidir sobre as contestações do contencioso administrativo.
Disse o sr. presidente do conselho, que os tribunaes administrativos, taes como os que se achavam constituidos, eram juizes e partes ao mesmo tempo.
Creio que s. exa. se engana profundamente.
"A administração, diz Portalis, figura nos litigios administrativos não como proprietária de bens seus ou como exercendo actos civis, mas como conservadora da ordem social e publica."
Dupont-Wite combatendo aquella opinião diz que em França o conselho d'estado, de 195 connictos, annullou completamente 78 e parcialmente 41, isto desde 25 de janeiro de 1852 a 31 de dezembro de 1860.
E continua:
"A nossa justiça administrativa assenta sobre o seguinte facto: uma sociedade que confia muito no estado, não por uma superstição official, mas pelo bem publico do qual ella faz uma idéa tão levantada, que o não póde confiar aos árbitros do poder individual.
Se a rasão do sr. presidente do conselho colhesse, então juiz, e parte seriam todos os outros tribunaes quando são chamados a julgar os actos da propria classe e outra differente.
E se a rasão tivesse fundamento, porque é que subsiste, ainda, o supremo tribunal administrativo para julgar as contestações do contencioso administrativo?
Se percorrermos as nações da Europa, em parte alguma, sr. presidente, encontramos os tribunaes administrativos como se acham organisados pelo nosso codigo.
O sr. presidente do conselho diz que foi buscar esta instituição á Rússia, e que os seus tribunaes administrativos têem muitas analogias com os tribunaes de circulo prussianos.
Parece-me, porém, que s. exa. viu mal a organisação d'aquelles tribunaes.
Os tribunaes de circulo prussianos organisados pelas leis de 13 de dezembro de 1872, 3 de julho de 1870 e 26 de julho de 1876, em cousa alguma se parecem com os actuaes tribunaes administrativos. A dicta ou assembléa do circulo é quem escolhe esses tribunaes.

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Poezl, nos seus estudos sobre o contencioso administrativo na Allemanha, depois de fallar das instituições germanicas, pelas quaes os tribunaes julgam as causas do contencioso administrativo, escreve:
"Na Allemanha esta legislação é incompativel com o principio da divisão dos poderes, e adoptaram-se ali instituições análogas às francezas.
"O systema francez prevaleceu sobretudo na Baviera e Wutemberg aonde ha tribunaes de circulo, e d'estes cabe recurso para o conselho d'estado e conselho privado.
"Estes tribunaes, gouvernements de cercle são comités administrativos, que fazem lembrar os conselhos de prefeitura em França.
"Nos outros estados as questões são julgadas pelas auctoridades administrativas, e d'estas cabe recurso até ao ministro competente, que é quem decide as reclamações contra os actos dos funccionarios seus delegados.
Já vê v. exa. que em nada se parecem os tribunaes de circulo prussianos com os nossos tribunaes administrativos.
A respeito da organisação dos tribunaes administrativos ha duas escolas: uma que sustenta que os tribunaes administrativos devem ser independentes dos tribunaes de justiça ordinaria; outra, que sustenta que os tribunaes ordinarios devem ser incumbidos de julgar sobre as contestações do contencioso administrativo.
O sr. presidente do conselho adoptou uma terceira, que appareceu em França, mas que não conseguiu lograr existencia duradoura, tão viva e tenazmente foi ella combatida pelos sectarios das duas escolas.
Desdobrou o poder judicial em dois: um julga as causas civis, commerciaes e criminaes, outro julga as questões do contencioso administrativo.
Um composto de individuos que entraram para a magistratura segundo as regras e praxes estabelecidas: outro, de juizes de galão branco, (Riso) que o favoritismo póde ir procurar não só aos delegados, mas aos administradores, conservadores e advogados.
Mr. de Broglie combatendo estes tribunaes escrevia:
"De duas uma: ou estes tribunaes de nova espécie seriam tribunaes, reunindo todas as condições de independencia, que estão inherentes á magistratura judiciaria e a collocam no seu logar para o respeito publico e a confiança das partes, e então as objeções que acabamos de fazer se reproduziriam e com muito mais valor contra os corpos judiciários, cuja única funcção seria a de ter a espada e balança suspensa sobre a cabeça do governo, cital-o á -sua barra e por-se-lhe de frente; seriam as espheras de Esparta; seriam uma sombra do grande magistrado judiciario de Aragão; ou estes tribunaes apenas seriam tribunaes no nome, não pertenceriam a si próprios e estariam na mão e sob a inspiração do governo: triste e esteril apparato, miserável charlataneria, que a ninguem podia enganar e que seriam creados unicamente com o fim de diminuir a responsabilidade dos ministros.)
Ahi fica, sr. presidente, a critica dos tribunaes administrativos.
Porque acabou o sr. presidente do conselho com os conselhos de districto?
Eu sou o primeiro a confessar que estes tribunaes precisavam de uma reforma, mas reforma que não compromettesse de modo algum a divisão de poderes, estabelecida pela constituição.
Não gosta d'elles o nobre presidente do conselho por serem filhos da eleição.
Quem ler as palavras do relatorio que não tire d'ellas as ultimas consequencias; o systema representativo seria logicamente condemnado. (Apoiados.)
Depois de demonstrar que a actual organisação dos tribunaes administrativos representa a confusão de dois poderes distinctos, demonstrarei ainda:
Que elles são prejudiciaes às partes;
Que estabelecem um conflicto de competencia;
Que educam a magistratura no facciosismo;
Que n'elles perdem os juizes o melhor tempo para os estudos que de futuro lhe hão de ser necessarios;
Que são mais caros;
Que contrariam as regras até hoje estabelecidas para a admissão á magistratura judicial;
Que não podem exercer as funcções consultivas.
Vejamos:
A justiça administrativa tem como caracter predominante o ser toda de harmonia verdadeiramente paternal.
Dizia Broglie:
"Acrescentemos ainda que mesmo no que diz respeito às funcções juridicas de administração, as partes mais teriam a perder do que a ganhar. Estas funcções são muito diversas; é muito difficil, senão impossivel, reduzil-as ao mesmo principio.
"A administração na sua marcha livre e branda provê por expedientes differentes á extrema diversidade das materias.
"Creae tribunaes uniformes na sua composição, sujeitae-os a formas immutaveis, e esta vantagem desapparecerá.
Colmeiro e outros publicistas sustentam a mesma opinião.
Conflicto de competencias: ou estabelece a dependencia do poder executivo do poder judicial, ou colloca este na subserviencia d'aquelle.
Diz o artigo 288.°:
"No exercicio das suas funcções contenciosas compete ao tribunal administrativo julgar:
"§ 2.° Sobre reclamações contra actos dos administradores dos concelhos por incompetencia, excesso de poder, violencia da lei ou offensa de direito, sem prejuizo da competencia do governador civil para a emenda dos actos arguidos.
Uma pergunta: os tribunaes podem julgar e reformar os actos dos administradores dos concelhos, mesmo quando o governador civil os tenha julgado legaes e validos? Ou o julgamento fica dependente da competencia do governador civil?
Supponhamos que o administrador do concelho pratica um dos actos enumerados no § 2.° do artigo 228.°, e que d'esse acto leva a parte reclamação para o governador civil, que julga legal o procedimento do administrador do concelho.
A parte leva, em seguida, reclamação para o tribunal administrativo, e o tribunal decide exactamente o contrario; isto é, julga illegal o procedimento do administrador.
Qual das duas decisões prefere? A do governador civil ou a do tribunal administrativo?
Não é fácil a interpretação do artigo.
Seja, porém, como for o governador civil sempre tem os meios para fazer valer a sua opinião.
Diz o artigo 298.°, § 2.° do n.º 5.°: "As ordens expedidas às auctoridades e repartições subordinadas ao governador civil carecem do visto desse magistrado, o qual poderá recusal-o, quando para a recusa achar motivos de conveniencia publica, expondo ao tribunal os motivos da recusa.
Sr. presidente, v. exa. comprehende bem como um governador civil encontrará, com facilidade, motivos de conveniencia publica, quando porventura não deseje que as ordens do tribunal sejam cumpridas. (Apoiados.)
E ahi ficam os juizes convertidos em instrumentos! (Apoiados.)
O poder judicial na dependência do executivo! (Apoiados.)
Os governadores civis a fazerem uso do placet, quando muito lhes convier!
Demais, sr. presidente, como se concebe que as sentenças dos tribunaes administrativos, compostos de juizes,

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sejam revogadas por um decreto do poder executivo, mediante a consulta do supremo tribunal administrativo?
E o poder executivo em lucta com o poder judicial. (Apoiados.)
Terceiro ponto: Educa os magistrados administrativos no faccionismo politico.
Para o demonstrar, sr. presidente, os argumentos serão fornecidos pelo sr. presidente do conselho. São de valia e insuspeitos.
Dizia s. exa. em 1878 (Diario das sessões, pag. 394):
"Eu sei bem que os tribunaes judicias têem uma indolo peculiar, que os não torna os mais proprios para o julgamento dos processos do contencioso administrativo.
"Nutro sinceros receius, de que a nossa magistratura singular venha a perder a isenção, o desassombro, a tranquilla e inflexivel imparcialidade que actualmente a distingue e ennobrece.
Receio que os nossos juizes de direito, collocados no meio dos embates das paixões politicas, obrigados a decidir entre contradictorios o oppostos interesses partidarios, percam, na decisão dos pleitos, a serenidade, a placidez, a insuspeita rectidão que, por fortuna nossa, a caracterisa na sua maxima parte.
"Eu não quero isto."
E depois de dizer e escrever isto organisa os tribunaes administrativos com os delegados e demais candidatos á magistratura! (Apoiados.)
E na escola aonde ha o embate das paixões partidárias, aonde elles podem perder a isenção, o desassombro, a inflexivel imparcialidade, aonde lhes póde faltar a serenidade, a placidez, a insuspeita rectidão, e julgando questões contenciosas aonde nem sempre lograriam manter a sua auctoridade immaculada de suspeições, é ahi que o sr. presidente do conselho manda fazer aprendizagem os que mais tarde, sendo promovidos, passam a julgar questões de propriedade e honra! (Vozes:-Muito bem.)
Bello aprendizado; optimo tirocinio! (Apoiados.)
Se ao menos estes tribunaes fossem compostos de juizes de primeira instancia, como s. exa. propunha em 1878, ainda se comprehendia; (Apoiados.) mas de juizes de 3.ª classe, que ainda têem diante de si largos annos de promoção e dependencias, não se sustenta. (Apoiados.)
Disse ha pouco o illustre presidente do conselho que sabia já de alguns conflictos dados entre os governadores civis e os tribunaes administrativos, e que estes magistrados tinham resistido a todas as pressões, mantendo a toda a altura a sua dignidade, e que s. exa. tem procurado sempre dar-lhes força.
E diz-se isto, sr. presidente! (Apoiados.)
De duas uma: ou os conflictos havidos são de competencia e provenientes da organisação d'aquelles tribunaes, e, n'esse caso, vae, na affirmação, a condemnação do modo como os tribunaes estão organisados, ou esses conflictos são provenientes de exigencias menos justas e menos dignas feitas pelos governadores civis aos tribunaes, exigencias a que elles têem resistido com dignidade, e, no emtanto, esses governadores civis continuam a ser da confiança do sr. ministro do reino. (Muitos apoiados.)
Não me consta, nem s. exa. o disse, que, pelo menos, os censurasse.
E, todavia, esses governadores civis, delegados de confiança do governo, exigem, foi o illustre presidente do conselho quem o disse, cousas menos dignas dos magistrados dos tribunaes administrativos.
Então suspenda os ou demitta-os, sr. presidente do conselho. (Apoiados.)
Ainda é cedo para se fazer a historia dos tribunaes administrativos.
Eu respeito e considero muito a magistratura portugueza; mas os nossos juizes até aqui julgavam questões crimes e de propriedade.
N'estas condições, uma sentença, contra direito, importava um crime e uma violencia inqualificavel.
Agora quando julgarem sobre a validade ou não validade de uma eleição, sobre o chamamento de um substituto, ou outra causa de natureza identica, então a injustiça é... apenas um peccado venial. (Riso.)
É esta a nossa educação.
Colloque v. exa., sr. presidente, todos os meus collegas da maioria na cadeira de um juiz e eu desde já asseguro a v. exa. que, mesmo aquelles que nunca se entregaram a esses estudos, não serão capazes de entender o flagrante delicto como a maioria o entendeu na questão Ferreira de Almeida, (Riso.) nem de interpretar o logo e immediatamente da carta constitucional como o illustre presidente do conselho o interpretou a proposito dos presos do Porto. (Apoiados.)
É que acolá imperava unicamente a sua consciência, aqui ha... a disciplina partidaria.
Pois nos tribunaes administrativos ha peor do que isso: ha muitas armas de dependencia do governo e ha muitos governadores civis empenhados em causas sujeitas ao seu julgamento. (Apoiados.)
Fico por aqui; a historia dirá o resto.
4.° ponto. Perdem os juizes o melhor tempo para os estudos que de futuro lhes hão de ser necessarios.
Os nossos delegados, e raros são aquelles a quem isto não acontece, conhecem apenas o direito penal e orphanologico.
Quando eram promovidos a juizes de terceira classe preparavam-se então, em comarcas de pequeno movimento, para julgarem com sciencia e consciencia.
Agora vão por seis annos para os tribunaes administrativos, esquecem ahi o que sabiam de direito penal e orphanologico, e mais tarde, já cansados, não estão em condições de estudar o muito que lhes faltava. (Apoiados.)
5.° ponto. São mais caros. Não se deve unicamente attender aos ordenados que recebem, mas levar em conta os emolumentos, os quaes, em alguns districtos, têem sido esticados a mais não poder ser.
Os emolumentos se não saem directamente do thesouro, saem do bolso do contribuinte, que é o verdadeiro thesouro publico.
E não poderiam aquelles tribunaes ser constituidos com um só juiz?
Eu não levanto aqui agora a velha questão das vantagens ou inconvenientes dos tribunaes collectivos. Todos conhecem os argumentos pro e contra de R. Bordeaux, Bellot, Bodin e Bentham.
No entanto, se nos tribunaes de primeira instancia é sufficiente um só juiz, ali, aonde se julgam questões importantissimas, parece-me que nos tribunaes administrativos, aonde as questões são de menor importancia, podiam tambem ser constituidos por um só juiz.
E poderia então esse juiz ser mais bem remunerado; mas o que o governo desejava era uma promoção larguissima, para servir os amigos. (Apoiados.)
Disse o sr. presidente do conselho que estes tribunaes têem trabalhado muito, fazendo ver o serviço que elles têem prestado, quanto ao julgamento das contas das juntas de parochia e irmandades, que os conselhos de districtos não tinham julgado.
E v. exa. quer saber a rasão? É porque os tribunaes administrativos recebem emolumentos por aquelles julgamentos, o que não acontecia aos conselhos de districto.
A este respeito chamo a attenção do sr. presidente do conselho para o seguinte facto.
Alguns governadores civis mandaram circulares aos administradores dos concelhos, ordenando-lhes que intimassem os presidentes das juntas de parochia, das irmandades e confrarias, para que apresentassem as contas da sua administração, e bem assim as das gerencias passadas que porventura as não tenham prestado perante o tribunal admi-

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nistrativo, nos termos dos artigos 31.° e seguintes do regulamento do mesmo tribunal. Preceitua-se tambem nas mesmas circulares, que as contas que derem entrada nas administrações do concelho devem vir acompanhadas do emolumento que cabe, por sua approvação, ao tribunal administrativo, segundo a tabella annexa ao codigo administrativo, sem o que não serão recebidas.
Esta intimação, sr. presidente, é illegal e de todo o ponto vexatoria e injusta. (Apoiados.)
V. exa. e a camara sabem que os tribunaes administrativos foram creados pelo decreto de 17 de julho de 1886, e que as corporações a que me refiro organisaram, como eram obrigadas, os seus orçamentos muito antes da creação dos mesmos tribunaes. Não se acha, portanto, descripta nos seus orçamentos a verba dos emolumentos que pertencem ao mesmo tribunal.
Sendo assim, e não permittindo o codigo administrativo ao presidente d'aquellas corporações senão que ordene os pagamentos em harmonia com os orçamentos, evidente é a illegalidade ordenada pelos governadores civis, a não ser que o sr. presidente do conselho, cansado já de fazer dictadura, incumbisse os seus delegados de a fazerem tambem e de derogarem as disposições dos seus decretos dictatoriaes.
Sr. presidente, ou os membros d'aquellas corporações praticam uma illegalidade, ordenando despezas não auctorisadas, ou então têem de adiantar do seu bolso a importancia dos emolumentos, que podem ser importantes, visto que grande numero de juntas de parochia e confrarias as não têem approvadas ha muitos annos. (Apoiados.)
Isto é injusto, isto é vexatorio, principalmente para os cidadãos que lucros alguns auferem pelas administrações a seu cargo.
Condemnavel expediente que tem por fim a recepção de emolumentos!
Ahi fica o primeiro capitulo para a historia.
Sexto ponto. Contraria as regras até hoje estabelecidas para a admissão á magistratura.
Ficam existindo duas ordens de magistrados, uns admittidos pelas praxes até hoje observadas, outros nomeados pelo favor dos governos.
Sétimo. Não podem exercer as funcções consultivas.
Sr. presidente, não se devem confundir as attribuições de julgar com as de consultar.
Pelo artigo 287.°, tem tambem o tribunal administrativo funcções consultivas.
Não é rasoavel obrigar o tribunal administrativo a dar o seu voto sobre um assumpto que depois tenha de conhecer por motivo de reclamação, e que não poderá julgar por ter prevenido o seu julgamento, tendo de se dar por sus peito, em virtude do disposto no artigo 293.° do codigo administrativo. - Mas deixemos os tribunaes administrativos.
Já dizia Cormenin - que é mister não tocar sem extremas precauções nas attribuições das jurisdicções administrativas, e que mais valia regulal-as do que destruil-as.
As extremas precauções tomou-as o sr. presidente do conselho, reformando em dictadura. (Apoiados.)
Um outro ponto que o relatório apresenta, como importante, é: "a organisação de um regimen especial, largamente descentralisador, nos concelhos de mais de 40:000 habitantes quando o requeiram as respectivas camaras municipaes, e dois terços dos elegiveis para os cargos administrativos-".
Sr. presidente: como justifica o governo esta organisação especial?
Não póde, diz o relatorio, a povoação rural e o burgo sertanejo gorvernar-se pela mesma forma que rege a cidade populosa, industrial, cortada de fabricas e officinas, onde floresce o commercio a par da miseria, onde a civilisação e a riqueza se ostentam soberbas ao lado dos profundos infortunios, que solicitam a todos os instantes o amparo de beneficencia, o auxilio da hygiene e a intervenção da auctoridade publica.
D'este periodo já vê v. exa. e a camara que o governo que tomou para base da classificação dos concelhos unicamente a população, pretende justificar o regimen especial attendendo tambem ao movimento industrial, ao commercio, á civilisação e á riqueza.
Rasão tinha, pois, o sr. conselheiro Julio Vilhena para affirmar que a classificação dos concelhos se devia basear não só na população, mas na riqueza e superficie d'esses concelhos.
Sr. presidente: ao ler estas linhas accodem-me precipitadamente á memoria os nomes de Vienna, Berlim, Paris, Copenhague e Lisboa, cidades que, a meu ver, com rasão gosam de um regimen especial.
Cervantes na sua munificencia litteraria chamou visconde dos rios ao Manzanares, e no entanto o Manzanares é um pequeno rio que timido o muito a custo beija os pés de Madrid. (Riso.)
O sr. presidente do conselho na sua munificencia de dictador, dos pobres concelhos, hoje autonomos, onde faltam as industrias, o commercio estiola, e a agricultura definha vergada ao peso de enormes tributos e despida de toda a protecção dos governos, - d'estes pobres concelhos fez s. exa. cidades populosas, cortadas de fabricas e officinas, onde floresce o commercio, onde a civilisação e riqueza se ostentam soberbas! Munificencia de dictador em dia de jubileu! (Vozes: - Muito bem.)
Mas, para que serve este regimen especial?
As camaras têem mais attribuições? Não; exactamente as mesmas.
Os individuos que dirigem o municipio têem mais habilitações? Não; são as exigidas pelo artigo 7.°; exactamente as mesmas para todos os vereadores.
Este regimen especial será largamente descentralisador, como s. exa. diz no seu relatorio? Não, de certo; as camaras d'estes municipios estão em condições de mais centralisação.
As deliberações provisorias das outras camaras só em tres casos do artigo 118.°, n.ºs 12.°, 13.° e 19.°, estão sujeitas (artigo 121.º°) á suspensão ou não suspensão do governador civil.
As deliberações provisorias das camaras com regimen especial, enumeradas no artigo 126.°, estão todas sujeitas pelo artigo 127.° á suspensão ou não suspensão do governador civil; quer dizer, alem d'aquelles tres casos, estão ainda sujeitas á acção do governo, ou do governador civil, as dos n.ºs 3.°, 6.°, 7.°, 8.º, 9.°, 10.°, 11.°, 17.° e 20.°! (Apoiados.)
Alem d'isso, para as camaras em geral o direito de suspensão é só por tres dias (artigo 121.°); para as camaras de regimen especial o direito de suspensão é por sessenta dias.
Qual dos regimens é mais centralisador?
A resposta é escusada.
Ahi fica demonstrado como o sr. presidente do conselho deu mais largas attribuições às camaras com regimen especial, e porque classifica este regimen de largamente descentralisador. (Apoiados.)
Ahi fica a dictadura administrativa analysada nos seus pontos fundamentaes.
O tempo não me permitte uma analise como eu a desejava fazer d'esse codigo, que muitas outras disposições encerra que eu combateria.
Assim, não deixaria de analysar a disposição do artigo 7.°, § 18.°, que serve apenas para crear difficuldades e embaraços às pequenas localidades.
É uma exclusão injustificavel; é uma restricção ao direito de escolha.
Qual o motivo por que o eleitor não poderá ao fim do segundo triennio eleger para vereador o individuo que durante dois triennios successivos bem serviu o municipio?

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Que o cidadão eleito tenha o direito de isenção, comprehende-se, porque seria obrigal-o a um encargo pesado; mas tornal-o inelegivel, idéa é que, alem de não ter justificação, collocará em difficuldades as pequenas localidades. Não abundam individuos com habilitações e aptidão sufficiente para bem desempenharem aquelles cargos. (Apoiados.)
O artigo 149.° determina que os recebedores da comarca serão os thesoureiros da camara. Equivale a pôr á disposição da camara um empregado que ella não póde reprehender, suspender, nem demittir.
Não se percebe qual a conveniencia d'esta disposição. Dá logar, alem disso, a hypotheses difficeis, que eu não exponho para não alongar o meu discurso.
O artigo 105.° é offensivo para as regalias mimicipaes.
É esta a dictadura administrativa.
Não cumpriram as suas promessas: rasgaram o seu programma: desorganisaram os serviços: manietaram as corporações locaes, alteraram, á vontade, os direitos e obrigações dos eleitores, fizeram das leis do paiz armas partidarias e furtaram tudo isto á discussão parlamentar. (Apoiados.)
Era necessaria a reforma? Que o parlamento a elucidasse, corrigisse e modificasse. (Apoiados.)
Passo agora a analysar a reforma judiciaria.
Sr. presidente, eu vou tratar muito mal esta reforma, e para isso terei de empregar um excesso de coragem sobre a muita sympathia que me inspiram as nobres qualidades do sr. ministro da justiça a quem testemunho a minha consideração pelo seu talento, de que nos deu sobejas provas como jurisconsulto distincto.
E, depois de fallar d'este modo, no talento do sr. ministro da justiça, que s. exa. me não leve a mal o declarar-lhe que a sua reforma é o leito em que o seu talento dormiu Bomno solto e bem pesado. (Riso.)
Analysemos o relatorio:
Principia o sr. ministro da justiça por declarar que o poder judicial não tem assegurada a sua independência; affirma a geral modicidade, se não parcimonia, dos proventos dos legares da magistratura; faz ver a desigual retribuição de muitos d'elles, embora iguaes em categoria, e lamenta s. exa., com rasão, a posição em que se encontra a magistratura portugueza.
Ao ler este periodo do relatorio eu pensava, sr. presidente, que o illustre ministro iria apresentar qualquer medida tendente a firmar, de vez e em bases solidas, a independencia do poder judicial.
Enganei-me, porém, sr. presidente.
S. exa. declara em seguida que a confiança que justa mente inspira a magisttatura judicial não torna desde já urgente a reforma no sentido indicado.
A esperança é o premio de consolação que o sr. ministro da justiça offerece á integridade da magistratura portugueza. (Apoiados.)
Se não fossem rectas, se não inspirassem confiança, talvez se fizesse a reforma. (Riso)
Que a magistratura portugueza, por honra sua, não perfilhe a conclusão.
Mas, sr. presidente, se fosse isto só! (Apoiados.)
S. exa. o sr. ministro deseja tentar ainda a proverbial probidade dos magistrados portuguezes, diminuindo-lhes os emolumentos! E para este fim creou os julgados municipaes!
Justifica v. exa. os julgados municipaes e a mudança das attribuições do juiz ordidario para o juiz de paz, com a approximação da justiça dos que a procuram; com a diminuição de despezas, para os que a ella recorrem; e com a vantagem de evitar sacrificios aos que, só por obrigação e não por interessses, têem de comparecer nos tribunaes.
Diz s. exa.: "reforma radical pareceria ser a creação de tantas comarcas, quantas as localidades, em que fosse indispensável a administração da justiça",
Tem graça! Faz lembrar mr. Proudhome ordenando que os aguadeiros morassem ao pé dos incendios(Riso.)
É verdade que s. exa. logo depois affirma, fazendo a critica ao que pareceria reforma radical "que nem as condições do thesouro aconselhariam o augmento de despeza resultante de tal solução, nem a propria multiplicidade de juizes, superiores em graduação e com largas attribuições, corresponderia a uma verdadeira necessidade social".
É só para os que vivem em localidades invias e afastadas que s. exa. quer justiça barata.
Para as localidades invias melhor fora que s. exa., em vez de juizes, lhes mandasse exploradores. (Riso.)
Para as pequenas questões, para julgar dos interesses que não exijem a intervenção de um juiz de elevada categoria e jurisdicção superior, basta, diz s. exa., um magistrado que, dando penhor de sciencia e consciencia, lhes derima de prompto essas pequenas questões.
Escreve o sr. ministro da justiça: "O actual juiz ordinario nem para tão pouco tem jurisdicção e alçada, nem dá segurança de poder derimir pleitos, que, embora pequenos em valor, podem ser graves em direito.
Sabe v. exa., sr. presidente, quaes são os doutores, quaes são os jurisconsultos a quem o sr. ministro da justiça entrega ar resolução destes pleitos, que podem ser graves em direito?
São os juizes do paz! (Riso.)
"Isto posto, parece ao governo de urgencia, extinguir os juizes ordinarios, transferindo as suas attribuições onde o não poder ser para os juizes de direito, para os juizes de paz, os quaes, alem de poderem ter as mesmas habilitações que aquelles, como são em maior numero, e com área mais limitada, poderão exercer as respectivas funcções mais fecil e promptamente, corrigindo-se um dos não pequenos defeitos d'aquella magistratura.
Parece ao governo de urgencia? Pois, sr. presidente, apesar de tanta urgencia, ainda continuam a funccionar os juizes ordinarios. (Apoiados.)
As habilitações podem ser as mesmas! É o sr. ministro da justiça quem o diz; e, no entanto, repito, são estes os doutores que hão de resolver os pleitos que muitas vezes podem ser graves em direito. (Apoiados.)
Depois falla-nos s. exa. dos julgados municipaes pagos pelas camaras que os pretenderem "aonde se praticarão, salvo casos mais graves e por isso menos frequentes, todos os actos judiciaes, não só respectivos a acções e ao officio de juiz, o que já é muito, mas principalmente com respeito a inventarios, o que é ainda mais.
Principio da analyse da lei:
O artigo 1.° extingue os julgados ordinarios.
Pelo artigo 2.° as attribuições judiciaes que, pela legislação vigente, pertencem aos juizes ordinarios, ficam competindo:
Primeiro, aos juizes de direito, em todos os actuaes julgados ordinarios, que forem cabeça de comarca ou fizerem parte de cidade ou villa, onde haja cabeça de comarca, com excepção de Lisboa e Porto.
Segundo, aos juizes de paz, nos respectivos districtos, em todos os outros julgados.
Assim, temos juizes de paz na cabeça da comarca que são só avindores, e juizes de paz nos outros julgados, que alem de avindores têem tambem as attribuições do juiz ordinario.
Temos certas causas que até hoje eram da competencia do juiz ordinario e agora são julgadas em a cabeça de comarca pelo juiz de direito, e em as restantes julgadas pelo juiz de paz.
Temos ainda comarcas aonde só os juizes de direito ficam com competencia para julgar as causas que até aqui competiam ao juiz ordinario; taes são as comarcas que tinham os julgados ordinarios na sede, como Braga e outras.
Sr. presidente, não tem fundamento de especie alguma

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a rasão por que o sr. ministro da justiça extinguiu os juizes ordinarios e transferiu as suas attribuições para os juizes de paz.
Primeiro: o juiz de paz é de eleição popular.
É este o primeiro inconveniente; e, antes de o demonstrar, permitta-me v. exa. que eu note a contradicção entre o sr. ministro da justiça e o sr. presidente do conselho.
O sr. presidente do conselho condemna os conselhos de districto como incapazes para julgar por serem provenientes da eleição popular; o sr. ministro da justiça passa as attribuições do juiz ordinario para o juizes de paz que são de eleição popular. (Apoiados.)
De hoje em diante a politica entrara tambem na eleição do juiz de paz. (Apoiados.)
V. exa. sabe quaes as attribuições que o código lhe confere e o quanto póde convir a uma politica pequena e mesquinha ter a seu favor o juiz que as ha de julgar.
Diz no seu relatório, assignado tambem pelo sr. ministro da justiça, o sr. presidente do conselho a propósito dos conselhos de districto:
"Nascidos da eleição e das combinações partidarias, não podiam esses tribunaes deixar de reflectir nas suas decisões as idéas e interesses que presidiram a sua constituição. Só representam a justiça; defendem a politica dos seus amigos. Não são juizes; são apenas instrumentos. Não servem as leis; servem o seu partido ou o seu grupo".
Pois, sr. presidente, não o entendeu assim o sr. ministro da justiça, e os juizes de paz, magistrados electivos, que, como dizia o sr. conselheiro Barjona de Freitas, são nascidos na agitação e tumulto das paixões populares, affeiçoados nos moldes e nos interesses dos caprichos das paixões locaes, carecidos de saber e de habilitações, viciados logo na origem pela eleição, que lhes tolhe a independencia e lhes da por inspiração os interesses e paixões locaes, são esses os magistrados para quem o sr. ministro da justiça transferiu as attribuições dos juizes ordinarios! (Apoiados.)
E por isso que o sr. conselheiro Barjona de Freitas quando em 23 de novembro de 1865 apresentou uma proposta supprimindo os juizes ordinarios para passar as suas attribuições para os juizes de paz entendeu, desde logo, que devia fazer com que os juizes de paz que, até ali, eram de eleição popular, passassem a ser nomeados pelo governo sob proposta de tres nomes para cada districto feita pelo presidente da respectiva relação.
Não approvo, portanto, que aos juizes de paz se dêem aquellas attribuições judiciaes.
O povo, mesmo de boa fé, nem sempre conhece quaes são os homens mais aptos para desempenhar o difficil papel de julgador; e muitas vezes, levados por aquelles que lhe fallam aos seus interesses e paixões, facilmente esquece os homens integros e de intelligencia.
Segundo: o juiz de paz, na maioria dos casos, ha de ter menos habilitações que o juiz ordinario.
Os juizes ordinarios eram em menor numero e, d'ahi, maiores proventos.
Não era, portanto, difficil encontrar um cidadão probo e honesto e com algumas habilitações que acceitasse aquelle encargo.
Não acontecera assim com os juizes, de paz, a quem o grande numero diminue os proventos, e difficil sera encontrar homem honesto e habilitado que se sacrifique aquelle logar.
Terceiro: os juizes de paz perdem o seu caracter de avindores. O seu interesse será o de que a causa continue; que as partes não se componham, que só, assim, elles encontrarão o meio de tirar alguns proventos do logar que exercem. (Apoiados.)
Mas, alem d'estes são outros os motivos porque eu com bato a transferencia das attribuições do juiz ordinario para o juiz de paz.
V. exa. e a camara sabem que a circumscripção dos julgados de paz é mais antiga que a circumscripção comarca.
Dão-se muitos casos de um julgado de paz comprehender freguezias pertencentes a duas comarcas. (Apoiados,)
Qual o juiz que tem de fazer a correção ao julgado?
Qual o juiz para onde as partes têem de levar recurso?
Para o juiz da comarca das partes, ou para o juiz da comarca onde o juiz de paz tem o seu domicilio?
Innumeras são as hypotheses que neste sentido poderia apresentar e a que a lei não responde.
Diz ainda o § único do artigo 2.°: "Aquelles para quem passarem as attribuições dos juizes ordinarios, ficam competindo, exclusivamente, o julgamento das coimas, transgressões de posturas e regulamentos municipaes".
O que quer dizer aqui a palavra exclusivamente.
E que aos juizes de paz só fica pertencendo unicamente o julgamento das coimas, transgressões e posturas e regulamentos municipaes?
Não me parece; seria contrariar abertamente outras disposições da lei.
Mas então quererá o exclusivamente dizer que para o julgamento das coimas, transgressões de posturas e regulamentos municipaes, havera uma só instancia?
Seria contrariar o disposto na constituição do estado. (Apoiados.)
Mas então a que vem ali o exclusivamente!
Não sei, nem é facil comprehendel-o.
Artigo 3.° "Em cada concelho não cabeça de comarca, e onde a maior parte da população ficar a mais de 15 kilometros da sede da comarca, excepto nas que fazem parte de Lisboa e Porto, poderá haver um julgado municipal, com sede na localidade de cabeça de concelho, da qual tomara a denominação quando se justifique a conveniencia de tal creação".
A este respeito deixe-me v. exa. dizer que o primeiro dos julgados municipaes creados pelo sr. ministro da justiça foi o de Espozende. Pois, sr. presidente, das freguezias que compõem aquelle julgado, que são quinze, segundo uma tabella organisada na direcção dos trabalhos geodesicos e topographicos do reino, só duas freguezias estão alem de 15 kilometros.
É que o sr. ministro da justiça quiz dar uma prova de sympathia ao concelho de Espozende, contrariando os interesses da comarca de Barcellos e o disposto no artigo 3.° da sua lei.
Foi menos legal este procedimento, e eu, como filho de Barcellos, que já tive a honra de representar nesta casa, condemno-o perante a camara.
§ unico do artigo 3.°: "Sera permittida a qualquer freguezia distante da sede da comarca mais de 15 kilometros, e que pertença a concelho onde se não tenha creado julgado municipal, a annexação a um julgado municipal limitrophe, quando se justifique a conveniencia de tal annexação ".
Esta disposição é inexequivel. Nos casos extremos é que melhor se conhece o valor das leis.
As despezas com os julgados municipaes são feitas (artigo 17.°) pelas respectivas camaras.
Ora, de duas uma: ou a freguezia que se annexou fica com justiça barata, porque não paga para ella, ou ha de pagar e, nesse caso, eu pergunto ao sr. ministro da justiça como ha de a camara de um concelho differente lançar collecta a uma freguezia pertencente a outro concelho? (Apoiados.)
E qual a base para esta collecta? E qual a percentagem? (Apoiados.)
Que s. exa. me resolva o problema, se poder.
Artigo 5.° Os juizes muncipaes exercerão, "dentro dos respectivos julgados, todas as attribuições que não forem da competencia dos juizes de paz, e que por lei competirem ao juiz de direito, excepto no que respeita aos seguintes processos ... "

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Pergunta-se: quem prepara e julga em primeira instancia, as acções sobre bens mobiliários até ao valor de réis 10$000?
Quem conhece das questões sobre damno, causado dentro do respectivo julgado até ao valor de 10$000 réis ?
Quem procede á imposição dos sellos ?
Quem, em resumo, pratica todos os actos enumerados no artigo 34.° do codigo do processo civil, e que até aqui eram da competencia do juiz ordinario?
É o juiz ordinario, ou o juiz municipal?
Diz o artigo 5.° que os juizes municipaes exercerão dentro dos respectivos julgados, todas as attribuições que não forem da competencia do juiz de paz; mas as attribuições enumeradas no artigo 34.° isto hoje da competencia do juiz de paz, excepto na cabeça da comarca; parece, portanto, que o juiz municipal não tem competencia para ellas.
Mas, por outro lado o artigo 5.°, exceptuando as attribuições que pertencem ao juiz de direito, diz no n.º 12.° de execuções communs, quando a penhora houver de verificar-se em bens immobiliarios, porque n'este caso será o processo remettido para o juizo de direito, e ali seguirá os mais termos".
Logo póde o juiz municipal conhecer das execuções communs, quando a penhora se verificar em bens mobiliarios.
E no emtanto, o artigo 34.° do codigo do processo civil, enumerando as attribuições do juiz ordinario, diz:
"§ 3.° Conhecer das execuções até o valor de 10$000 réis, salvo quando a penhora houver de verificasse sobre bens immobiliarios, porque n'este caso será o processo remettido para o juizo de direito, e ahi seguirá os mais termos.
Mas estas attribuições passaram para o juiz de paz; portanto, ahi fica a pergunta: quem conhece das execuções até ao valor de 10$000 réis, quando a penhora houver de verificar-se sobre bens mobiliarios, é o juiz municipal ou o juiz de paz?
Mas ha mais: em quem ha de o juiz delegar o deferimento do juramento aos louvados, tutores, curadores, cabeças de casal, presidir aos conselhos de familia, ao arrolamento e avaliação de bens, á arrematação de moveis, que pelo § 6.° do artigo 34.° praticavam até aqui os juizes ordinarios por delegação? No juiz municipal ou no juiz de paz?
Quem tem competencia para julgar das coimas e transgressões das posturas e regulamentos municipaes? O juiz municipal ou o juiz de paz?
Innumeras, sr. presidente, seriam as hypotheses que eu poderia propor para demonstrar a desorganisação de serviços que esta reforma veiu causar.
"Artigo 14.° Um anno depois de se achar em execução o presente decreto não serão admittidos aos concursos para delegados do procurador regio, candidatos alguns que não tenham, pelo menos, seis mezes de bom e effectivo serviço como sub-delegados.
Supponha s. exa. que em um concelho, concluiram o seu curso tres individuos, os quaes pretendem fazer concurso para delegado.
Um só póde ser proposto como sub-delegado, e os outros têem de ir, verdadeiros Ashaverus da delegacia, de comarca em comarca a pedir ao delegado que os proponha como sub-delegados para poderem habilitar-se para o concurso.
E o delegado, de comarca estranha, que os não conhece poderá depositar confiança n'elles?
E elles deverão ser obrigados ao sacrificio de irem para uma camara estranha fazer serviço gratuito?
E para os habilitar? N'esse caso exigisse o sr. ministro um anno de advocacia, e acharia os delegados sem a falta de pratica que hoje se lhes nota.
"Artigo 22.° Junto de cada juiz de paz haverá um official de diligencias nomeado pelo juiz de direito respectivo.
V. exa. quer ver como esta lei foi pensada?
E ler o artigo 7.° do decreto de 5 de agosto de 1886, referendado pelo sr. ministro da justiça, sete dias depois do decreto que estou a analysar.
Diz o artigo 7.°: "Findo o praso mencionado no artigo antecedente, o governo proverá os officios de escrivão do juizo de paz a que ficam competindo as attribuições dos actuaes escrivães dos juizes ordinarios, e bem assim os empregos dos respectivos officiaes de deligencia.
Então quem nomeia o official do juiz de paz: é o juiz de direito ou o governo?
O sr. ministro da justiça póde escolher o decreto que mais lhe agradar. (Riso.)
Artigo 27.°: "As tabellas actualmente em vigor, nos juizos ordinarios, regularão os emolumentos judiciaes em todas as causas que eram da competencia de taes juízos.
Artigo 28.°: "As tabellas actualmente em vigor, nos juízos de direito, mas com abatimento de um terço, regularão os emolumentos nos julgados municipaes em todas as causas em que forem competentes os juizes municipaes.
Pergunto: os juizes de direito, julgando em as causas que até aqui eram da competencia dos juizes ordinarios, recebem os emolumentos que estes recebiam pela tabella de 12 de abril de 1877, ou recebem os emolumentos que por a mesma tabella pertencem ao juiz de direito?
Primeira hypothese: pelo artigo 27.° parece que os juizes de direito e os juizes de paz ficam recebendo nas causas que até aqui eram de competencia dos juizes ordinarios os emolumentos que estes recebiam.
Mas n'este caso acontece que, por uma sentença até réis 10$000, segundo o artigo 37.° § 1.° da tabella de 12 de abril de 1877, recebe o juiz de paz, 200 réis e o juiz de direito, 200 réis.
Ficam portanto os juizes de direito equiparados aos juízos de paz.
Mas o mais extraordinario é o seguinte:
Quer v. exa. saber quanto recebe pelo mesmo acto o juiz municipal?
Dil-o o artigo 28.°: recebe menos um terço dos emolumentos que pelas tabellas em vigor pertence ao juiz de direito, em todas as causas.
Ora por cada sentença recebia o juiz de direito, o minimo, 500 réis; logo o juiz municipal recebe 334 réis.
Segunda hypothese: ficar o juiz, por aquellas causas, a receber os emolumentos que até aqui lhe pertenciam.
N'este caso a justiça fica mais cara para partes que têem domicilio na cabeça da comarca, onde as causas tem de ser julgadas pelo juiz de direito, do que, para as mais afastadas, que têem de ser julgadas pelo juiz de paz.
N'este caso os sacrifícios que até aqui soffriam os cidadãos das extremidades das comarcas, passaram agora, mas muito mais aggravados, para os da cabeça de comarca.
Mas ha mais:
Como já disse, havia comarcas aonde os julgados ordinarios tinham a sua sede na cabeça da comarca. Uma d'ellas é Braga, por exemplo.
Extinctos os juizes ordinarios, n'este caso, as suas attribuições passará para o juiz de direito, e os juizes de paz continuam, sómente, a ser avindores.
E a justiça fica carissima para as partes, e os sacrificios continuam! (Apoiados.)
Continuam os sacrificios das distancias, porque as partes para dirimir pequenos pleitos têem de continuar a ir á cabeça da comarca; mas a justiça fica muito mais cara porque até aqui havia certos actos que o juiz de direito podia delegar nos juizes ordinarios, como são os enunciados no § 6.° do artigo 34.° do codigo de processo civil, o deferir juramento a louvados, a tutores, curadores e cabeças de casal; presidir a conselhos de familia, e outros, pelos quaes compete receber, segundo o § 21.° do artigo 21.° da tabella e § 2.° do artigo 37.°, ao juiz de direito, 300 réis; ao juiz ordinário, 100 réis.

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Hoje, nas comarcas, onde os julgados ordinários eram ha sede d'ellas, o juiz de direito não tem em quem delegar esses actos, e por consequência as partes pagam muito mais. (Apoiados.)
Mas não só isto:
Diz o § 1.° do artigo 34.° do codigo de processo civil:
"Os louvados, tutores, curadores, cabeças de casal, prestarão sempre juramento perante o juiz ordinario, quando residirem a 10 kilometros, ou mais, da cabeça da comarca.
Os juizes ordinários recebiam 150 réis, os juizes de direito recebem 300 féis.
Na comarca de Braga e em outras que se acham nas mesmas circumstancias, não podem as partes aproveitar do favor do § 1.º do artigo 34.° do codigo de processo civil.
Mais: diz o § 4.° do artigo 180.° do codigo de processo civil:

"Quando a citação ou intimação, ordenada pelo juiz de direito, tiver de verificar-se a mais de 10 kilometros da sede da comarca, em algum dos julgados d'ella, a diligencia será feita pelo escrivão ou official do respectivo julgado, em vista do requerimento e despacho, ou por mandado, quando o despacho tiver sido proferido no processo ou em requerimento já distribuido em começo de causa.
Era um favor feito em interesse das partes, quando a citação fosse a mais de 10 kilometros de distancia.
Para aquellas comarcas desapparece este favor da lei. (Apoiados.)
Podiam, alem d'isso, requerer-se autos crimes perante os juizes ordinarios; mas hoje em aquellas comarcas, por isso que os julgados ordinarios eram na sede d'ellas só perante os juizes de direito podem ser levantados aquelles autos, o que importa mais despezas para as partes, por isso que os emolumentos são maiores.
É assim que o sr. ministro da justiça fez uma reforma, que, longe de remediar o mal, que tinha em propósito, antes o aggrava com violência para as partes: (Apoiados.)

O artigo 31.° trata da substituição dos juizes de direito.

Nas comarcas, capitães de districto, são substituídos pelos vogaes dos tribunaes administrativos.

Nas outras comarcas são substituídos, em primeiro logar, pelo conservador; no seu impedimento, pelo juiz municipal; e, em terceiro logar, por um bacharel formado em direito; e, não o havendo em condições apropriadas, por uma pessoa idónea, proposta pelo juiz de direito, antes de faltar ou de se impedir, se o poder fazer, ou pelo presidente da respectiva relação, quando aquelle o não possa fazer e appro-vado pelo governo. Nesta ultima hypothese, emquanto não chegar a nomeação, servirá o presidente da camara.

Voltamos outra vez á nomeação dos juizes ad hoc, juizes de que a nossa historia não resa as melhores tradições. (Apoiados.}

Acho graves inconvenientes na substituição dos juizes de direito, tal como está determinada na reforma.

Nos casos em que o conservador estiver impedido, serve o juiz municipal, nas comarcas em que houver julgados municipaes.

Como obrigar o juiz municipal que póde residir, e é natural que resida, na sede do seu julgado, a vir estabelecer residência na sede da comarca, a 15 kilometros de distancia, para vir substituir o juiz de direito? (Apoiados.)

Prepara, alem disso, o juiz municipal certos processos de inventario que depois têem de continuar perante o juiz de direito; como continuar esses processos perante o juiz municipal, agora substituto do juiz de direito?

Mas analysemos algumas hypothesés que é ahi onde melhor se conhece o valor da lei.

Diz o código do processo civil-artigo 792.°:

"O conselho de tutela é composto do juiz que estiver servindo na comarca ou vara, dos seus primeiros substitutos e do curador dos orphãos.

"§ 1.° No impedimento de qualquer substituto, servirá o seguinte na ordem da nomeação ou substituição.º

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Artigo 794.° § único. "O juiz designará dia para julgamento dentro dos cinco dias seguintes ao da conclusão".

Appliquemos a lei da reforma.

A parte leva um recurso para o conselho de tutela e depois de concluso ha de ser julgado dentro de cinco dias.

Emquanto ao conselho de tutela diz a portaria de 14 de agosto de 1886:

"Os substitutos que têem de fazer parte do conselho de tutela serão.. . e nas outras comarcas o conservador privativo do registo predial da respectiva comarca, havendo-o, e nos casos em que não tiver impedimento, o juiz municipal, havendo-o; na falta de um destes a pessoa que o juiz de direito propbzer nos termos dá hypothese terceira do n.° 2.° do artigo 31.°.. .º

Supponhamos que o conservador está impedido, que não ha juiz municipal, que o presidente da- camara é suspeito por interessado.

Tem, neste caso, o juiz de direito de propor dois substitutos nos termos do § 3.° do n.° 2.° do artigo 31.°

Mas esta proposta leva pelo menos dois dias, e no caso de o governo a approvar, e suppbndo que o faz immediata-mente, temos outros dois dias para a communieação.

Estes juizes têem de ir tomar posse ou prestar juramento na sede da relação do districto, e com isto gasta-se tempo.

Como ha de pois, o recurso ser resolvido dentro do praso de cinco dias, estabelecido no § único do artigo 794.°?

E no caso de o governo não approvar os juizes substitutos propostos pelo juiz.de direito?

E como applicar-se o disposto na actual reforma aos juizes substitutos das comarcas das ilhas, propostos para fazerem parte do conselho de tutela?

Para esses é impossível. (Apoiados.)

Alem disso, como ha comarcas em que os recursos de tutelas são frequentes, e como ha poucos indivíduos no caso de serem substitutos, vê v. exa. o quanto póde ser sacrificado com repetidos juramentos e actos de posse feitos na relação do districto, o pequeno grupo de indivíduos entre os quaes o juiz tem de escolher os substitutos.

Mais poderia dizer a este respeito; creio, porém, ter demonstrado á camara os gravíssimos inconvenientes da substituição dos juizes, como se acha determinada na reforma e na portaria de 14 de agosto de 1886. (Apoiados.)

Pelo artigo 37.° determina-se que os louvados serão nomeados pelo governo, precedendo concurso.

A rasão desta disposição encontra-se nas seguintes palavras do relatório: "Propoz-se o governo acudir á falta de peritos e louvados idóneos, que todos os dias se está sentindo, ou melhor, soffrendo no foro, tomando as providencias conducentes a haver no paiz um pessoal habilitado, de entre o qual aquelles possam ser escolhidos".

Insurjo-me, sr. presidente, contra a nomeação feita pelo governo.

O artigo 12.° do regulamento para o provimento dós logares de arbitradores, considera-os, para todos os efíeitos, como empregados de justiça da respectiva camara.

Já vê v. exa. que estes empregados ficam na dependência dos mandões da localidade, que muitas vezes, por uma política mesquinha e condemnavel, se proponham fazer pressão sobre elles. (Apoiados.)

Podem ser transferidos, suspensos e demittidós pelo governo, e evidentemente se vê como ellés hão de procurar ser agradáveis aquelles quê, porventura, queiram abusar da sua influencia política a favor dos seus interesses ou dos interesses dos seus amigos. (Apoiados.)

Alem disso, ficam as partes prejudicadas, porque não têem o direito de escolher arbitrador em quem confiem e que, por assim dizer, corrijam os excessos ou erros dos outros louvados. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, é isto agora é extraordinário, pro-põe-sé o sr. ministro dá justiça ã dar-nos louvados idóneos

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1730 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

e habilitados e v. exa. quer ver como? Admittindo louvados sem saber ler nem escrever! (Riso.)
A camara ri-se? Pois é verdade.
Diz o artigo 5.° do regulamento:
"Os requerimentos dos individuos que pretenderem ser admittidos ao concurso deverão ser escriptos e assignados pelos proprios concorrentes, quando saibam, ou possa fazel-o, reconhecidas a letra e a assignatura por tabellas, ou por outra pessoa, a rogo, quando não saiba ou possa escrever."
O mesmo diz o § 4.° do artigo 14.° do citado regulamento;
E são estes os louvados idóneos e habilitados! (Apoiados.)
Foi para prestar homenagem aos analphabetos que o sr. ministro da justiça fez dictadura! (Apoiados.)
Mas como há de observar-se o disposto no artigo 708.° do codigo do processo civil? Diz-se n'elle o seguinte:
"Os louvados passarão certidão da avaliação, em seguida ao mandado, designando o valor dos diversos bens, descrevendo-os com as declarações necessarias para se conhecer a sua identidade, e declarando sempre a situação e as confrontações dos immoveis, bem como os numeros de policia se os tiverem.
V. exa. sabe como os louvados idoneos e habilitados do sr. ministro da justiça, mas que podem não saber ler nem escrever, hão de passar esta certidão?
De cruz, sr. presidente! (Riso.)
O artigo 253.° do codigo do processo diz o modo como tem de se proceder á avaliação dos predios rusticos, dos moveis, do valor do senhorio directo na emphyteuse, ou do emphyteuta na sub-emphyteuse, do valor do censo quer perpetuo, quer temporario, do valor do dominio util nos prazos; mas como hão de os louvados, que não souberem ler nem escrever, fazer as operações que ali se exigem? (Apoiados.)
Confiam uns nos outros? E se nenhum dos tres souber ler nem escrever?
Pedem ao vizinho, ao mestre escola da freguezia, que lhes faça as operações?! (Riso.)
E se forem enganados?
Não admirará isso: o sr. ministro da justiça tambem se enganou com a sua reforma.
Tudo isto é extraordinario! É um cumulo! (Riso.)
Exige-se ainda para o concurso:
"1.° Certidão de ser o concorrente de maior idade, ou, por direito, havido como tal.
Ora, os emancipados são por direito havidos como maiores, e como os expostos podem ser emancipados aos quinze annos, poderão ser concorrentes ao logar de arbitradores?
(Interrupção.)
Eu bem sei que o § 3.° exige certidão pela qual o concorrente prove ter satisfeito á lei do recrutamenio: mas então porque é que o sr. ministro redigiu assim o n.º 1.° do artigo 5.° (Apoiados.)
Dizia o illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, que o governo, com a dictadura, teve era vista unicamente crear logares para os seus amigos.
Pois eu vou dar uma noticia á maioria, que lhe ha de ser agradavel.
O numero de arbitradores por comarca não póde ser inferior a doze; ora, cento e sessenta comarcas a doze arbitradores, dá nada menos de 1:920 empregados. (Riso.)
Uma brigada! E isto é para breve, (Riso.) e a maioria poderá então celebrar o jubileu do seu ministro da justiça, que tanto se empenha em lhe ser agradavel. (Riso.)
Não se esqueçam v. exa.: a fatia chega para todos os afilhados. (Riso.)
Passemos ainda a um outro ponto.
Diz o sr. ministro da justiça no seu relatorio: "Com respeito a algumas verbas da tabella dos emolumentos e salarios judiciaes, relativos á remuneração dos avaliadores que têem suscitado mais justificadas queixas, propoz-se a reducção d'ellas, em termos que se afiguram rascaveis.
V. exa. e a camara querem ver como? Augmentando-lhes a remuneração. (Riso.)
Diz o artigo 38 da reforma: "As verbas constantes do artigo 44.° da tabella de emolumentos e salarios judiciaes, nos processos eiveis e orphanologicos, approvada por carta de lei de 12 de abril de 1877, ficam reduzidas a um quinto menos de cada uma das respectivas importancias".
"§ unico. Para os effeitos do mesmo artigo só se contará serviço de mais de um dia, quando não seja inferior, em cada um d'elles, a seis horas de trabalho, e os caminhos serão contados, segundo a distancia, por kilometros de ida e volta.
Ora o artigo 44.° da tabella dizia:
"Avaliadores: Cada um pela avaliação de predios rusticos ou urbanos, qualquer que seja o numero, dentro da cidade ou villa, por dia, 700 réis.
"Fora da cidade ou villa acrescerá o caminho, que será contado segundo a distancia, por kilometro, 200 réis.
Comparemos: - Supponhamos que o prédio fica a 10 kilometros de distancia. Recebia, n'este caso, cada um dos avaliadores:

De louvação ..... 700 réis

e caminho (10 kilometros) ...... 2$000 "

Ao todo..... .............. 2$700 "

porque como a lei dizia: "segundo a distancia por kilometro", entendia-se, e com rasão, só a ida.
Hoje manda o sr. ministro contar a ida e volta, o que dá ao avaliador:

De louvação................... 700 réis
De caminhos (20 kilometros)...... 4$000 "

Ao todo.... 4$700 "
Menos um quinto (artigo 38.°) 940 "

Recebe liquido.... 3$760 "

Portanto até aqui recebia o avaliador 2$700 réis; hoje, depois da reducção feita pelo sr. ministro da justiça, recebe 30760 réis! (Apoiados.)
Bella reducção! Prestimoso serviço feito às partes! Admiravel deferimento às queixas justificadas! (Apoiados.)
Reforme a sua reforma, sr. ministro da justiça. (Apoiados.)
Sr. presidente, está a dar a hora, e eu estou a discursar ha mais de duas. Desejava ainda fallar sobre outros decretos com a assignatura do sr. ministro da justiça; queria tambem analysar a organisação dos serviços de fazenda, e os decretos n.ºs 1 e 2 sobre as aposentações; mas v. exa. comprehende como devo estar fatigado.
Os meus illustres collegas da minoria, que estão inscriptos, analysarão aquelles decretos com mais vigor do que eu o posso agora fazer.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por quasi todos os deputados presentes.)

Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, considerando que a dictadura representa a não observancia das promessas feitas pelo governo ao parlamento; a contradicção dos principios sustentados e defendidos pelo partido progressista e cerceamento dos principios liberaes escriptos na nossa legislação, e uma desorganisação completa dos serviços publicos, com augmento de despeza, passa á ordem do dia. = José Novaes.
Foi admittida ficando em discussão conjunctamente.

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SESSÃO NOCTURNA DE 12 DE JULHO DE 1887 1731

O sr. Carrillho: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda.
A imprimir.
O sr. Baptista de Sousa: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre uma emenda votada na camara dos dignos pares a um artigo do projecto de lei sobre a contribuição de renda de casas e sumptuaria.
A commissão de fazenda acceita a emenda, por ter reconhecido que ella nada influe na economia do projecto e pede que se dispense o regimento para que o parecer entre desde já em discussão.
Dispensado o regimento, leu-se na mesa o seguinte

PARECER

A vossa commissão de fazenda foi presente a mensagem da camara dos dignos pares enviando a esta camara a alteração realisada por aquella no projecto do lei, regulando o lançamento e cobrança das contribuições de renda de casas e sumptuaria. E porque esta alteração não modifica a economia do projecto, entende que deve ser approvada para a proposição subir á sancção real.
Sala da commissão, aos 12 de julho de 1887.= José Dias Ferreira = Carlos Lobo d'Avila = Alves da Fonseca = Antonio Eduardo Villaça = Antonio Candido = Antonio M. Pereira Carrilho = José Frederico Laranjo = A. Baptista de Sousa.

Alteração feita pela camara dos pares ao projecto de lei da camara dos senhores deputados, que tem por mira regular o lançamento e cobrança das contribuições de renda de casas e sumptuaria.

No n.º 4.° do artigo 5.° das bases, onde se lê: "As cavalgaduras destinadas ao serviço da agricultura e éguas de creação, quando, tanto estas como aquellas, se conservem em manada e não prestem commodo pessoal.
Substitua-se:
"4.° As cavalgaduras que se empregarem exclusivamente no serviço da agricultura e as eguas que forem exclusivamente de creação, quando, tanto estas como aquellas, não prestem commodo pessoal.
Palacio das côrtes, em 9 de julho de 1887. = Antonio J. de Barros e Sá - Frederico Ressano Garcia, par do reino, secretario = Conde de Paraty, par do reino, vice-secretario.
Não havendo quem pedisse a palavra, sobre o parecer, foi este posto á votação e approvado.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Participo a v. exa. que Sua Magestade El-Rei recebe ámanhã às duas horas da tarde a deputação que tenha de lhe apresentar alguns autographos das cortes.
O sr. Presidente: - A deputação que ámanhã às duas horas da tarde, ha de apresentar a Sua Magestade El-Rei um autographo das cortes, é composta dos srs. :
Visconde de Silves.
Dr. Joaquim José Maria de Oliveira Valle.
Francisco José Machado.
Albano de Mello Ribeiro Pinto.
Visconde da Torre.
Francisco de Almeida e Brito.
José Alves de Moura.

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - O illustre deputado o sr. Novaes disse que eu tinha dormido sobre a reforma judicial e que s. exa. é que teve a bondade de me despertar. Preciso responder a s. exa., mas como a hora está a dar, e a occasião é mais para dormir do que para estar acordado, peço a v. exa. que mo reserve a palavra para ámanhã.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada. Está levantada a sessão.

Era meia noite.

Redactor = S. Rego.

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