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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Esta minha proposta, sr. presidente, não está sujeita á lei das suspeitas, significa apenas a lealdade das minhas convicções em materias de liberdade eleitoral.

Uma voz: — É uma moção de censura.

O Orador: — É uma moção de censura? Não sei porque. Eu não a declarei tal; e uma moção qualquer não póde ser bem interpretada senão pelo seu proprio auctor. Se lhe quizerem dar um sentido differente d'aquelle que eu lhe dou, reprovo-o completamente. Ninguem póde interpretar as minhas palavras e as minhas intenções melhor do que eu, e, permitta-me a camara que diga, procedendo assim, eu vou conforme com a opinião que emitti na sessão passada mandando uma moção igual para a mesa. Creio que alguns dos meus collegas se recordarão d'isto perfeitamente (apoiados).

Levanta-se, sr. presidente, no meio da representação nacional portugueza um criminoso... e levanta-se... quando desce d'aquelle logar (a tribuna) um illustre ex-ministro, lavrando o diploma da sua impeccabilidade, declarando-se com a consciencia completamente limpa, e com a certeza a mais completa de nunca ter offendido as liberdades publicas, nem as liberdades particulares d'este paiz!! E quando isto acontece assim, quando desce da tribuna um illustre ex-ministro que a Providencia atirou para altas paragens, quando desce... um deputado, que chegou a ser ministro com tres pastas... e quando desce escudado no decreto da sua infallibilidade que elle mesmo lavrou e referendou n'este parlamento, não é licito a um deputado qualquer que tem de seguir-se no debate, o subir aquella tribuna. Fallo, pois, do meu logar, porque é humilde, e eu muitas vezes prezo mais os logares humildes do que os logares elevados. Quero prestar esta homenagem, quero praticar este acto de cortezia para com o illustre deputado, pela delicadeza e pela benignidade com que s. ex.ª entrou no debate, como costuma sempre entrar, todos nós conhecemos o seu caracter...

Parece-me ter chegado o tremendo dia da retractação das minhas opiniões, sinto o meu espirito altamente abatido, e elle tem sido realmente castigado; e se ha algumas armas mais de disciplina e severidade que se hajam de empregar contra este pobre penitente, peço ao illustre deputado (ajuntando para o sr. Dias Ferreira), que se modere, porque eu sinto-me desde já emendado, apesar da disposição de animo em que me encontro. Se as manobras de uma alta sciencia politica não estivessem sujeitas ás leis que regulam a marcha dos negocios publicos n'este paiz; se a perfectibilidade governativa podesse ser tirada das phrases de um discurso, ou das palavras de uma oração por uma especie de milagre mythologico, que ainda espera um novo Jupiter possa vir repetir, eu diria que, depois dos discursos da illustre deputado, a musa que o inspirou deveria ter tirado de cima d'aquellas banquetas as pastas dos ministros. Porque não acontece assim? Não acontece, porque acima... dos discursos do illustre deputado... acima... das suas boas ou más apreciações... acima... das suas justas ou injustas insinuações, está a logica inexoravel e irresistivel dos factos, tirando dos exemplos do passado... do estado do presente... e das prevenções do futuro as mais fataes e terriveis consequencias...

De que se trata, sr. presidente? Não é da resposta ao discurso da corôa, trata-se de uma cousa muito differente, trata-se de uma eleição que foi approvada n'esta casa sem contestação (apoiados), trata-se da eleição de Arganil, que idéas de menos na phrase do illustre deputado deram motivo para que fosse trazida aqui a questão, e que idéas de mais collocaram na situação em que se encontra; e na questão sujeita, estou plenamente de accordo com os illustres deputados que entendem, como eu tambem entendo, que dentro d'esta casa, no parlamento portuguez, a responsabilidade é do governo, e só do governo, e a ninguem mais póde ser exigida, nem o deve ser (apoiados); mas a responsabilidade legal é minha, porque era eu o magistrado que estava á frente do districto de Coimbra quando se deram os factos pelos quaes o governo é accusado.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não tratâmos aqui da responsabilidade legal.

O Orador: — Está enganado o illustre deputado, trata-se aqui tambem a responsabilidade legal (apoiados), ninguem dirá que o parlamento não tem direito de tratar das responsabilidades legaes. Se os ministros infringirem as leis, quem lhes toma contas?... São os parlamentos e ninguem mais (apoiados); a responsabilidade legal é minha, e se o delegado do governo não tem culpas, tambem as não póde ter o governo; e eu nunca demitti de mim responsabilidades que possam pertencer-me, ainda quando ellas me prejudicassem, ainda bem que não prejudicam, louvado Deus (apoiados).

Mas sendo assim parecerá suspeito o meu juizo, e deveria suspeitar-se se eu me propozesse entrar na questão chamando-a para o campo das paixões, se me deliberasse a entrar no debate com aquelle caracter de infallibilidade com que se apresentou o sr. Dias Ferreira; mas, sr. presidente, em questões d'esta ordem e magnitude é necessaria toda a serenidade de animo, todo o socego e quietação de espirito para chegarmos á verdade, que eu acato e que os illustres deputados querem, mas para isso é necessario que ao debate presida a rasão e a intelligencia de preferencia á paixão; mas v. ex.ª e a camara têem presenciado que a paixão tem apparecido em todos os discursos dos srs. deputados, de tal fórma que elles chegam a decretar a infallibilidade para as suas opiniões sendo impacientes até ao ponto de quererem discutir sem documentos, que lançassem luz sobre a questão, para que as apreciações podessem ser justas.

Tomei ainda a palavra, sr. presidente, por um acto de delicadeza, ou antes por um acto de humildade e demasiada cortezia, da qual eu espero, que o illustre deputado que me precedeu na tribuna não ha de abusar, para que não perca os fructos da sua infallibilidade, que juntos aos da sua impaciencia, não digo que o sejam, mas poderiam parecer suspeitos para algum espirito ainda menos meticuloso.

Antes de tudo permitta v. ex.ª, que é do Porto, terra considerada com rasão baluarte inexpugnavel das nossas liberdades patrias; que tem uma pagina gloriosa na historia liberal portugueza; e consinta-me tambem a camara que eu me congratula com v. ex.ª, com ella e com todos os liberaes da cidade invicta, que eu dê os parabens a todos os senhores deputados... que felicite o meu paiz... e com elle todas as liberdades, por ver que os homens que ainda hontem rasgaram a carta constitucional! Lançaram impostos a este paiz com as camaras adiadas! Mandaram postar guardas ás portas do parlamento para que não dessemos aqui entrada! Que publicaram circulares, mandando prender todos os cidadãos, que peticionassem á corôa contra a dictadura! Ao passo que se publicava um decreto no Diario, garantindo o direito de petição! Que não era preciso, porque estava garantido pela carta (apoiados), sejam os mesmos que vem hoje pedir responsabilidades ao governo por offensa das liberdades publicas, e mostrar o seu zêlo e cuidado pelas liberdades eleitoraes; felicito-me a mim mesmo por este acontecimento notavel e inesperado. São sempre dias de prazer e de festa para os homens liberaes, aquelles, em que a liberdade vê ao seu lado mais um apostolo contrito e arrependido, e tanto mais valioso quando ainda hontem era um seu implacavel adversario!

Sr. presidente, não veja o illustre ex-ministro nas minhas palavras uma acre censura, pelo contrario a sua contricção e arrependimento do passado mostra reconhecer o erro, e o mau caminho que trilhou, e oxalá, que o futuro nos convença que é verdadeira e de convicção profunda este amor e este zêlo que o illustre ex-ministro mostra pelas liberdades do seu paiz.

Mas, sr. presidente, assalta o meu espirito um grande receio... receio... que é fundado nas proprias palavras do illustre deputado e nos seus ingenuos argumentos; e s. ex.ª