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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Telles de Vasconcellos, que devia ter sido publicado na sessão de 21 de agosto, a pag. 281 d'este Diario

O sr. Telles de Vasconcello - Começo por ter á camara a minha moção de ordem, mas antes de a ter permittam-me v. ex.ª e a camara que declare que ella vae muito desprotegida; vae apenas sob a minha responsabilidade. Não consultei sobre ella nem os srs. ministros nem nenhum dos meus collegas; por consequencia, vae muito desprotegida, vae assignada só por mim, porque entendi que nas circumstancias especiaes em que me encontrava n'esta questão, eu não podia nem devia pedir a associação de um qualquer nome, por mais respeitavel que fosse; vou portanto ter á camara a minha proposta

«A camara, compenetrada da necessidade de uma reforma na lei eleitoral, sem approvar as doutrinas da portaria de 19 de julho de 1845, nem a doutrina expendida nas circulares da dictadura de 1870, passa á ordem do dia.»

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Esta minha proposta, sr. presidente, não está sujeita á lei das suspeitas, significa apenas a lealdade das minhas convicções em materias de liberdade eleitoral.

Uma voz: — É uma moção de censura.

O Orador: — É uma moção de censura? Não sei porque. Eu não a declarei tal; e uma moção qualquer não póde ser bem interpretada senão pelo seu proprio auctor. Se lhe quizerem dar um sentido differente d'aquelle que eu lhe dou, reprovo-o completamente. Ninguem póde interpretar as minhas palavras e as minhas intenções melhor do que eu, e, permitta-me a camara que diga, procedendo assim, eu vou conforme com a opinião que emitti na sessão passada mandando uma moção igual para a mesa. Creio que alguns dos meus collegas se recordarão d'isto perfeitamente (apoiados).

Levanta-se, sr. presidente, no meio da representação nacional portugueza um criminoso... e levanta-se... quando desce d'aquelle logar (a tribuna) um illustre ex-ministro, lavrando o diploma da sua impeccabilidade, declarando-se com a consciencia completamente limpa, e com a certeza a mais completa de nunca ter offendido as liberdades publicas, nem as liberdades particulares d'este paiz!! E quando isto acontece assim, quando desce da tribuna um illustre ex-ministro que a Providencia atirou para altas paragens, quando desce... um deputado, que chegou a ser ministro com tres pastas... e quando desce escudado no decreto da sua infallibilidade que elle mesmo lavrou e referendou n'este parlamento, não é licito a um deputado qualquer que tem de seguir-se no debate, o subir aquella tribuna. Fallo, pois, do meu logar, porque é humilde, e eu muitas vezes prezo mais os logares humildes do que os logares elevados. Quero prestar esta homenagem, quero praticar este acto de cortezia para com o illustre deputado, pela delicadeza e pela benignidade com que s. ex.ª entrou no debate, como costuma sempre entrar, todos nós conhecemos o seu caracter...

Parece-me ter chegado o tremendo dia da retractação das minhas opiniões, sinto o meu espirito altamente abatido, e elle tem sido realmente castigado; e se ha algumas armas mais de disciplina e severidade que se hajam de empregar contra este pobre penitente, peço ao illustre deputado (ajuntando para o sr. Dias Ferreira), que se modere, porque eu sinto-me desde já emendado, apesar da disposição de animo em que me encontro. Se as manobras de uma alta sciencia politica não estivessem sujeitas ás leis que regulam a marcha dos negocios publicos n'este paiz; se a perfectibilidade governativa podesse ser tirada das phrases de um discurso, ou das palavras de uma oração por uma especie de milagre mythologico, que ainda espera um novo Jupiter possa vir repetir, eu diria que, depois dos discursos da illustre deputado, a musa que o inspirou deveria ter tirado de cima d'aquellas banquetas as pastas dos ministros. Porque não acontece assim? Não acontece, porque acima... dos discursos do illustre deputado... acima... das suas boas ou más apreciações... acima... das suas justas ou injustas insinuações, está a logica inexoravel e irresistivel dos factos, tirando dos exemplos do passado... do estado do presente... e das prevenções do futuro as mais fataes e terriveis consequencias...

De que se trata, sr. presidente? Não é da resposta ao discurso da corôa, trata-se de uma cousa muito differente, trata-se de uma eleição que foi approvada n'esta casa sem contestação (apoiados), trata-se da eleição de Arganil, que idéas de menos na phrase do illustre deputado deram motivo para que fosse trazida aqui a questão, e que idéas de mais collocaram na situação em que se encontra; e na questão sujeita, estou plenamente de accordo com os illustres deputados que entendem, como eu tambem entendo, que dentro d'esta casa, no parlamento portuguez, a responsabilidade é do governo, e só do governo, e a ninguem mais póde ser exigida, nem o deve ser (apoiados); mas a responsabilidade legal é minha, porque era eu o magistrado que estava á frente do districto de Coimbra quando se deram os factos pelos quaes o governo é accusado.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não tratâmos aqui da responsabilidade legal.

O Orador: — Está enganado o illustre deputado, trata-se aqui tambem a responsabilidade legal (apoiados), ninguem dirá que o parlamento não tem direito de tratar das responsabilidades legaes. Se os ministros infringirem as leis, quem lhes toma contas?... São os parlamentos e ninguem mais (apoiados); a responsabilidade legal é minha, e se o delegado do governo não tem culpas, tambem as não póde ter o governo; e eu nunca demitti de mim responsabilidades que possam pertencer-me, ainda quando ellas me prejudicassem, ainda bem que não prejudicam, louvado Deus (apoiados).

Mas sendo assim parecerá suspeito o meu juizo, e deveria suspeitar-se se eu me propozesse entrar na questão chamando-a para o campo das paixões, se me deliberasse a entrar no debate com aquelle caracter de infallibilidade com que se apresentou o sr. Dias Ferreira; mas, sr. presidente, em questões d'esta ordem e magnitude é necessaria toda a serenidade de animo, todo o socego e quietação de espirito para chegarmos á verdade, que eu acato e que os illustres deputados querem, mas para isso é necessario que ao debate presida a rasão e a intelligencia de preferencia á paixão; mas v. ex.ª e a camara têem presenciado que a paixão tem apparecido em todos os discursos dos srs. deputados, de tal fórma que elles chegam a decretar a infallibilidade para as suas opiniões sendo impacientes até ao ponto de quererem discutir sem documentos, que lançassem luz sobre a questão, para que as apreciações podessem ser justas.

Tomei ainda a palavra, sr. presidente, por um acto de delicadeza, ou antes por um acto de humildade e demasiada cortezia, da qual eu espero, que o illustre deputado que me precedeu na tribuna não ha de abusar, para que não perca os fructos da sua infallibilidade, que juntos aos da sua impaciencia, não digo que o sejam, mas poderiam parecer suspeitos para algum espirito ainda menos meticuloso.

Antes de tudo permitta v. ex.ª, que é do Porto, terra considerada com rasão baluarte inexpugnavel das nossas liberdades patrias; que tem uma pagina gloriosa na historia liberal portugueza; e consinta-me tambem a camara que eu me congratula com v. ex.ª, com ella e com todos os liberaes da cidade invicta, que eu dê os parabens a todos os senhores deputados... que felicite o meu paiz... e com elle todas as liberdades, por ver que os homens que ainda hontem rasgaram a carta constitucional! Lançaram impostos a este paiz com as camaras adiadas! Mandaram postar guardas ás portas do parlamento para que não dessemos aqui entrada! Que publicaram circulares, mandando prender todos os cidadãos, que peticionassem á corôa contra a dictadura! Ao passo que se publicava um decreto no Diario, garantindo o direito de petição! Que não era preciso, porque estava garantido pela carta (apoiados), sejam os mesmos que vem hoje pedir responsabilidades ao governo por offensa das liberdades publicas, e mostrar o seu zêlo e cuidado pelas liberdades eleitoraes; felicito-me a mim mesmo por este acontecimento notavel e inesperado. São sempre dias de prazer e de festa para os homens liberaes, aquelles, em que a liberdade vê ao seu lado mais um apostolo contrito e arrependido, e tanto mais valioso quando ainda hontem era um seu implacavel adversario!

Sr. presidente, não veja o illustre ex-ministro nas minhas palavras uma acre censura, pelo contrario a sua contricção e arrependimento do passado mostra reconhecer o erro, e o mau caminho que trilhou, e oxalá, que o futuro nos convença que é verdadeira e de convicção profunda este amor e este zêlo que o illustre ex-ministro mostra pelas liberdades do seu paiz.

Mas, sr. presidente, assalta o meu espirito um grande receio... receio... que é fundado nas proprias palavras do illustre deputado e nos seus ingenuos argumentos; e s. ex.ª

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fallando-nos ha dias das ingenuidades do sr. José Luciano de Castro e do sr. Alves Passos, s. ex.ª foi muito mais ingenuo do que aquelles cavalheiros, meus amigos, e que em ingenuidades nem sequer ha termo de comparação.

O illustre deputado no meio das suas ingenuidades, disse que «a opposição tinha deveres a cumprir, que elle era opposição, e que entrava nos debates para cumprir os seus deveres de deputado da opposição, e tirar das questões todo o partido que podesse contra o governo»; mas é certo porém, que em questões d'esta ordem, em questões de liberdade eleitoral é sempre menos bonito sujeitar os deveres de homem liberal e consciencioso aos deveres de combater o governo, que o illustre deputado julga inherentes aos deputados que militam na opposição (apoiados).

A liberdade é de todos e para todos (apoiados), e os que a amam sinceramente não procuram tratar as questões que lhe dizem respeito no campo da paixão ou das conveniencias (apoiados), e as doutrinas que o illustre deputado hoje professa, não são por certo aquellas que aprendeu ao entrar n'esta casa, porque todas as questões, e principalmente as questões de liberdade, é necessario tratá-las no campo da independencia, e a independencia não está em votar tudo o que querem as opposições, nem seguir tudo o que pretendem os governos; está em mirar á justiça, em procurar a verdade, que é uma só, e essa póde estar tanto de um lado como do outro (muitos apoiados).

Os primeiros verdadeiros deveres da opposição é ser justo, e sendo o, é não só mais severa... mais sensata, mais coherente com o systema parlamentar, e com mais facilidade póde conseguir os fins que o illustre deputado parece ter em vista; mas pensando o illustre deputado por outra fórma, apesar da sua contricção, e fundado nas suas ingenuidades, eu receio que, se as liberdades fizeram algumas confidenciaes ao illustre deputado, ellas possam apparecer publicadas no dia seguinte no jornal, que é orgão do seu partido (apoiados).

De que se trata, sr. presidente? Trata-se das eleições de Arganil. Colloquemos, pois, esta questão sem paixão nem azedume, encaminhando-a para o seu devido terreno, do qual ella foi desviada pelo illustre deputado que me precedeu na tribuna.

Primeiro, o que necessario é saber-se é qual o espirito de liberdade ou violencia que por parte do governo presidiu ás eleições d'aquelle circulo.

Segundo, se dois factos irregulares que ali se deram podiam dar-se em occasião e circumstancias diversas, pela desharmonia e desintelligencia manifesta entre os funccionarios judiciaes, fiscaes e administrativos.

Terceiro, saber até que ponto estes factos podiam influir directa ou indirectamente no acto eleitoral.

Quarto, indagar a maneira como os funccionarios superiores andaram respeito a esses actos, ou antes respeito aos funccionarios que os praticaram, e a responsabilidade que lhes cabe pela fórma por que os reprimiram (apoiados).

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não é esta a questão, a questão é...

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado por Fafe que não interrompa o orador; o sr. deputado está inscripto para fallar, e usará então da palavra quando lhe competir.

O Orador: — As interrupções, sr. presidente, pouco me affligem, mas seja me licito comparar o procedimento do illustre deputado com o meu; fizeram-se accusações graves ao governador civil de Coimbra, citaram-se violencias e factos attentatorios da liberdade, que este respeita, fizeram-se todas as apreciações como cada um entendeu dever faze-las, e os illustres deputados presenciaram que eu ouvi com toda a serenidade de espirito tudo quanto proxima ou remotamente me podia dizer respeito (muitos apoiados). Não fiz um áparte (apoiados), não disse uma palavra (apoiados), e este meu respeito para com o illustre deputado, esta homenagem prestada por mim ao parlamento parecia exigir da cortezia de s. ex.ª igual procedimento para commigo.

Assiste a todos igual direito de apreciar as questões, e cada um responder na altura que lhe compete (muitos apoiados).

Dizia eu que para apreciar a questão era necessario averiguar se tinha presidido á eleição espirito de violencia ou espirito de liberdade; se os factos irregulares ali praticados, segundo se diz, podiam influir directa ou indirectamente no resultado eleitoral; era necessario averiguar se essas irregularidades foram ou não foram reprimidas pela auctoridade superior do districto, e era necessario ver ainda a responsabilidade que de todos esses factos resultava para o governo e para a auctoridade.

Esta é que é a questão.

Seria o espirito de violencia, ou seria o espirito de liberdade o que presidiu á eleição por parte do governo? Não respondo eu, não precisa responder o governo, respondeu aquella pergunta o sr. Van Zeller n'uma carta de agradecimento aos eleitores, publicada no jornal O Partido constituinte.

S. ex.ª na carta referida pede a todos os srs. ministros (note a camara), não foi a um ministro só que o sr. deputado se dirigiu, pedia ao sr. ministro do reino, ao sr. ministro da justiça e fazenda não demittissem aquelles empregados por haverem trabalhado em seu favor.

O sr. Van-Zeller: — Não disse isso.

O Orador: — Peço perdão se não fui bem exacto, e eu vou ter. «Aos srs. ministros do reino, da justiça e da fazenda peço que não abram epigraphe para novo capitulo de accusação, ponham de parte quaesquer instinctos de reaccionaria intolerancia, e que não se vinguem sómente pela ruim paixão politica, demittindo empregados pela só rasão de saberem, quererem e poderem exercer o primeiro direito e a primeira obrigação.» Creio que é a mesma cousa

(Voltando-se o orador para o sr. Van-Zeller.)

O sr. Van-Zeller: — Não é a mesma cousa.

O Orador: — Não sei se é a mesma cousa ou se não é, o que sei é que o sr. deputado pede aos ministros, que lhe não demittam empregados, amigos do illustre deputado que souberam, quizeram e poderam eleger o sr. deputado que me interrompe (apoiados). O que é certo é que eu incommodei-me menos com as insinuações dos illustres deputados, assisti sereno e impassivel a todo o debate, e os illustres deputados sentem-se incommodados com as minhas palavras ao ponto de me estarem a interromper continuamente (apoiados). Se o espirito de violencia foi o que presidiu á eleição, como é que os empregados do governo dirigiam e empregavam todos os seus esforços para que vencesse o candidato da opposição? Como póde acreditar-se que o governo, querendo violentar os eleitores não principiasse por transferir ou demittir esses empregados publicos que abertamente se pronunciaram contra o candidato do governo. Pois o governo quer combater a eleição, e dá licença ao chefe dos tabacos de Coimbra e a outros empregados para irem trabalhar para o circulo de Arganil a favor da opposição? Pois não teve licença o delegado de Gouveia e não veio a Arganil? Era porque o governo confiava na força armada e nas bayonetas, como disse o illustre deputado?

Sr. presidente, confiava o governo na força que foi para Arganil na vespera da eleição quando os trabalhos estavam todos feitos, quando os votos estavam todos compromettidos, e não tinha tido o cuidado de desviar do circulo todos esses empregados que andaram em correrias pelos concelhos? Pois ha alguem que de boa fé acredite o que disse o illustre deputado? Pois os srs. ministros querem atacar a eleição do candidato da opposição, quer o delegado do governo intrometter-se na eleição, e não faz transferir ou procura inutilisar influencias que tem sua base nos empregos publicos que estes influentes exercem em Arganil? Mas ha ainda mais. O illustre ex-ministro leu um officio dirigido ao delegado do governo no sentido de fazer retirar d'alli esses em-

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pregados a que se tem alludido, por isso que elles, para favoreceram o candidato da opposição, faziam promessas, que realisadas prejudicavam a fazenda publica! e o delegado do governo respeitando a occasião, e a attitude que haviam tomado esses empregados, não attendeu ao exposto no officio do administrador de 5 de julho de 1871. Onde é que está aqui o espirito de violencia manifestado por parte do governo ou do seu delegado? (Apoiados.).

Ha uma cousa que não posso deixar de notar n'esta occasião.

Se porventura são sinceras, se são leaes as convicções do illustre ex-ministro, se n'esta eleição appareceram tantas irregularidades, se se apresentaram tantas violencias, porque não se levantou s. ex.ª n'esta casa na occasião opportuna para dizer á representação nacional — Não approveis este diploma, não reconheçaes valida esta eleição, porque ella foi feita em condições taes que não exprime a vontade dos eleitores? (Apoiados.)

Esta é que é a doutrina aceita geralmente; não se vota nem se aceita votação n'uma eleição, para a vir arguir depois de violencias e de menos liberal.

Porque é que o sr. Dias Ferreira e o sr. Van-Zeller se não levantaram e não referiram á camara tudo isso com que a tem entretido estes dias?

Mas s. ex.ªs deixaram approvar a eleição, e creio até que foram á commissão dizer — não façaes caso dos documentos que requeremos.

O sr. Dias Ferreira: — Não é exacto, peço perdão ao illustre deputado.

O Orador: — Se não foi s. ex.ª, seria o sr. Van-Zeller.

O sr. Van-Zeller: — Eu não fui pedir cousa alguma á commissão, nem a commissão fazia favores.

O Orador: — Não foi um favor que se pediu, foi uma declaração que se fez; mas a verdade é esta: de duas uma, ou as vossas convicções são reaes e verdadeiras, ou não; se as vossas convicções são verdadeiras, e a vossa boa fé vos leva a acreditar todas essas, violencias, todos esses attentados á liberdade eleitoral, vós não devieis contribuir nem consentir que a camara, sem vos ouvir, prestasse sua approvação á eleição de um deputado, cuja eleição não devia ser approvada, porque as violencias podem tanto produzir o vencimento como a perda; se as vossas convicções não são verdadeiras, como creio, desadoro completamente o vosso procedimento, não só porque me não parece rasoavel fazer politica em questões de liberdade eleitoral (apoiados), mas porque os proprios deputados aceitaram ha dias uma moção, em que se declarava que a camara reconhecia a necessidade de tratar sem descuido das questões de administração, cuja moção foi apoiada e votada por toda a camara (apoiados).

É, sr. presidente, com certeza de uma grande vantagem o ser-se velho n'esta casa, e muito bom o saber-se a historia parlamentar.

Quer v. ex.ª saber o que aconteceu em 1860? É possivel que o illustre ex-ministro, occupado com negocios de maior monta, se haja esquecido da sua propria historia.

Em 1860 foi proposto por Arganil o sr. Dias Ferreira, e tinha a protecção da_auctoridade.

O sr. Dias Ferreira: — Quem lhe disse isso?

O Orador (com muita vehemencia): — Digo-o eu... e tinha ou não tinha o sr. José Dias a protecção da auctoridade?

O sr. Dias Ferreira: — Eu era estudante em Coimbra em 1860, e emquanto á protecção peço a v. ex.ª o favor de perguntar isso á auctoridade d'esse tempo.

O Orador (voltando-se para o sr. Dias Ferreira): — Socegue v. ex.ª o seu espirito, magoa-me muito vê-lo tão encommodado.

O sr. Dias Ferreira: — Peço perdão a s. ex.ª para lhe dizer que é absolutamente inexacto o que s. ex.ª diz; repito, estava em Coimbra, estudante em 1860, e cheguei a Lisboa em maio.

O Orador: — Veja a camara como a memoria atraiçoa o illustre deputado, pois que os annaes do parlamento declaram que o illustre deputado fazia um discurso n'esta casa na sessão de 14 de abril a que eu me hei de referir, e hei de mesmo ter á camara, para que ella fique inteirada da verdade, e ver se é inexacto o que eu digo, ou o que diz o illustre deputado; e por emquanto permitta v. ex.ª que eu leia o que disse n'esta casa o sr. Secco, respeito á eleição do illustre ex-ministro: «Em Arganil estiveram dois destacamentos, os quaes andaram percorrendo as freguezias da Tocheira e outras, calcando os povos com o encargo dos aboletamentos, e intimando e ameaçando os eleitores para votarem na lista que a auctoridade lhes impunha. A taes e tantas baixezas teve a auctoridade e os seus agentes de recorrer em Arganil para que não triumphasse ali a candidatura popular do sr. José de Moraes Pinto de Almeida, cavalheiro que todos estimavamos entre nós, como os povos do mesmo circulo desejavam que lhes deixassem a liberdade de aqui o mandar».

Eu não sei quem recebeu a protecção da auctoridade, nem em favor de quem foram mandados os dois destacamentos; mas o que sei com certeza é que o sr. José de Moraes era o candidato da opposição n'aquelle tempo, e por aquelle circulo, e que foi derrotado pelo sr. José Dias, ou pelos dois destacamentos, se é verdade o que acabei de ter, e que nos disse aqui o sr. Secco.

O illustre deputado disse que para Arganil nunca haviam ido forças em occasiões eleitoraes, a não ser o anno passado por um engano feito ao ministro d'essa epocha: veja como a memoria o atraiçoa a ponto de se não recordar, que para s. ex.ª ser eleito em 1860 foi necessario mandar dois destacamentos.

(Interrupção do sr. Dias Ferreira, que se não percebeu).

Que melhores documentos quer o illustre deputado do que aquelles que acabei de ter, e do que o testemunho do sr. Secco que é um homem serio.

O sr. Dias Ferreira: — Tudo o que quizer.

O Orador: — Não é o que eu quero, são os testemunhos insuspeitos, da historia firmada n'esta casa pelos annaes parlamentares e que hoje mesmo se poderia ainda escrever mais correcta e augmentada, porque felizmente estão vivos todos os homens d'esse tempo, e são muito insuspeitos os seus testemunhos, e quando nos fossem precisos nem elles os negariam.

(Interrupção do sr. Dias Ferreira).

O Orador: — Esteja v. ex.ª muito á sua vontade como eu tambem o estou; sinto muito magua-lo, e não é essa a minha vontade, nem o meu desejo.

(Interrupção do sr. Dias Ferreira.)

O sr. Presidente: — Peço aos srs. deputados que não interrompam o orador, e ao sr. Telles de Vasconcellos peço que continue o seu discurso.

O Orador: — Sr. presidente, as interrupções não me incommodam, e n'este caminho em que eu vou são até muito salutares, porque fazem com que eu descanse e tenha o prazer de ouvir por mais uma vez as apreciações do illustre deputado que, preso aos altos negocios publicos, tem a infelicidade de esquecer o passado.

Vou ter á camara a opinião do sr. Barros e Cunha, exarada no parecer que deu com relação á eleição de Arganil, e peço licença para notar que as irregularidades que a commissão encontrou não appareceram nos concelhos de Poiares e Louzã, onde era maior o numero dos amigos do governo, e para onde as auctoridades administrativas não requesitaram força, o que me leva a crer que não eram os amigos do governo que provocaram a necessidade da mesma força para manter a ordem publica; o que me leva tambem a crer que, se os amigos da opposição andassem com a mesma cordura, por certo nos outros concelhos não appareceriam as irregularidades notadas no parecer que, se não foram julgadas bastantes para annullar a eleição, são comtudo sufficientes para mostrar o excesso das paixões e a necessidade da força para manter a ordem.

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Pois alguem despreoccupado, e de espirito sereno, póde acreditar que, se fosse mandada força para Arganil com o fim de violentar os eleitores, o candidato da opposição vencia por 600 votos? Pois em 1860, que, para ser eleito o sr. Dias Ferreira, se mandaram para ali dois destacamentos, quem venceu? Foi o candidato governamental; note a camara a differença, e nota ao mesmo tempo a distancia que vae da apreciação desapaixonada á argumentação motivada pelas paixões.

Sr. presidente, em que concelhos, em que assembléas appareceram desordens ou tumultos? Não foi por certo nos concelhos em que a maioria dos votantes eram os amigos do governo; e isto faz-me crer que algumas irregularidades notadas no parecer da commissão, com relação ás eleições de Arganil, foram promovidas não pelos amigos do governo, mas pelos amigos do sr. José Dias Ferreira.

O sr. Dias Ferreira: — Peço a v. ex.ª ordem. O sr. deputado acaba de dizer que os meus amigos são os desordeiros.

O Orador: — Não se assuste o illustre deputado, tranquillise o seu espirito, que não ha offensa nas minhas palavras; eu não quero irritar o debate, nem mesmo maguar os srs. deputados; se alguma palavra me escapar no calor da discussão é sempre sem intenção offensiva, e quando alguma phrase, embora parlamentar, incommodar o illustre deputado peço me avise, porque não tenho duvida em a retirar.

Não é, nem foi nunca, meu desejo offender ou desacreditar alguem, e sinto immenso que o illustre deputado me collocasse na posição de ter que dizer-lhe verdades amargas; respeitador do parlamento e das conveniencias, creia a camara e o illustre deputado que as não ultrapassarei (apoiados).

A verdade é que a força militar em Arganil obstou ás desordens de antemão preparadas, e a eleição correu livre e regularmente, e foi este o serviço da força militar, e foi este o fim para que ella foi requisitada, e a requisição satisfeita.

(Interrupção do sr. Dias Ferreira, que se não percebeu.)

Não as poderam fazer? Não, e repito ainda, não e não, porque estava lá a força. Aceito as proprias palavras do illustre deputado; não poderam fazer a desordem, já se vê que a força foi quem a evitou.

Não desejo cansar a camara (Vozes: — Não cansa), nem mesmo alongar este debate; mas v. ex.ª e a camara sabem perfeitamente que, depois das apreciações do sr. deputado que me precedeu, eu não posso deixar de o seguir na sua argumentação, e dar todas as explicações, rectificando factos, destruindo apreciações menos justas, insinuações a que eu não chamo perfidas, mas classificarei de innocentes!

É necessario dar todas as explicações, e o que eu sinto é a irritação do sr. deputado, e esta inquietação constante e manifesta que, se não denota apreciações infundadas feitas pelo illustre deputado, poderá mostrar a impeccabilida-de de s. ex.ª, e como está limpa a sua consciencia que nunca offendeu as liberdades, do seu paiz (riso).

Sr. presidente, deu-se em Arganil, no dia 7 á tarde, um facto irregular, e que eu lastimo o ter-se dado, que foi a prisão de Antonio Pinto, de Pomares, prisão da qual a auctoridade superior do districto não teve conhecimento senão quando o preso lhe foi enviado no dia 10 pelo administrador, com um officio, onde se declaravam os motivos da prisão; o magistrado superior do districto, desapprovando o procedimento do administrador de Arganil, mandou soltar o preso em nome da liberdade individual (apoiados).

Suspendeu o funccionario que ordenou a prisão, e mandou syndicar, por administrador estranho ao circulo, do procedimento do funccionario e dos motivos que o levaram a effectuar a prisão do cidadão Antonio Pinto, motivos que não podiam ser eleitoraes, por isso que aquelle cidadão nem recenseado é no concelho, e se o administrador empregasse meios violentos e prisões para vencer a eleição, prenderia os influentes de maior importancia, e não iria prender um homem que nem recenseado é, e que appareceu em Villa Cova para satisfazer a deveres de gratidão (segundo elle mesmo diz em uma carta que li em um jornal).

Sr. presidente, onde e quando foi aggravada a liberdade individual pelo ex-governador civil de Coimbra ou pelo governo? Foi aggravada por ser posto em liberdade o preso logo que ao conhecimento do governador civil chegou a existencia do facto, e os motivos que o determinaram?

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não devia soltar se...

O Orador (com muita vehemencia): — Não devia soltar-se?... Pois ha quem assevere isto com caracter de infallibilidade? Pode ser essa a sua opinião, mas é uma opinião e nada mais. Querem os srs. deputados a infallibilidade para si! Eu não quero a infallibilidade nem para mim nem para os illustres deputados (muitos apoiados), o que eu quero é a liberdade para todos. (Vozes: — Muito bem.) N'este meu querer, sou mais liberal que os illustres deputados.

Pois s. ex.ª querem apreciar os factos como lhes parece, querem a infallibilidade para as suas opiniões, e levam a sua intolerancia ao ponto de não nos querer permittir o direito de emittirmos as nossas opiniões, e de avaliarmos as suas? E dizem-se mais liberaes que os outros? Tenham paciencia, porque os nossos direitos são iguaes, emittam a sua opinião, nós estamos aqui para discutir, discutam comnosco, e o paiz que avalie quaes são as opiniões verdadeiras, e quem é que tem rasão, ou quaes são os verdadeiros liberaes (apoiados).

Appello para a camara, e appellando para ella felicito-me por ter tomado sobre mim a responsabilidade de desaggravar a liberdade individual (muitos apoiados).

Pois vós accusaes o governo porque offendeu a liberdade individual, e vindes accusa-lo ao mesmo tempo porque desaggravou a liberdade individual? Vejam a triste posição em que os illustres deputados se collocam!

Pois havia algum motivo, vinha o preso acompanhado de algum auto, para que devesse ser entregue ao poder judicial? Pois a quem cumpre apreciar dos actos de policia praticados pelos seus subalternos, é ao governador civil ou é ao juiz de direito? Pois o juiz de direito tem alguma superintendencia sobre o governador civil? É que o illustre deputado desconhece o artigo 226.° do codigo, e o direito que lhe é correlativo.

Mas ha um telegramma meu para o illustre ministro do reino com data errada, e que eu pretendo rectificar; quando recebi no dia 8 o telegramma do sr. presidente do conselho já eu havia respondido em 6 ao administrador, mandando entregar os presos do poder judicial com os autos declarando que se o juiz os pozesse em liberdade a responsabilidade seria d'elle e só d'elle; e o meu telegramma referindo-se a este facto, é do dia 8 á noite, e não de 9 como no telegramma se diz; appello para o sr. presidente de ministros, a fim de s. ex.ª declarar se o telegramma que está n'estes documentos, com differença de vinte e quatro horas, está exacto emquanto á data; preciso que s. ex.ª declare se recebeu esse telegramma no dia 8, se no dia 9.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não sei se v. ex.ª me permitte satisfazer ao pedido do illustre deputado.

O sr. Presidente: — Sim, senhor.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — É verdade o que o illustre deputado asseverou á camara; mas tambem é verdade que o telegramma veiu com data errada do telegrapho.

O Orador: — Eu não tenho culpa.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Peço perdão, eu quero explicar como as cousas se passaram. Eu

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recebi effectivamente o telegramma no dia 8 de julho quando tive a honra de ter uma conferencia com o sr. Van-Zeller, e que mandei o telegramma que está aqui na collecção. Ao ultimo que mandei ao sr. Telles de Vasconcellos, com relação ao que me disse o sr. Van-Zeller, respondeu-me s. ex.ª n'esse mesmo dia, e eu recebi essa resposta ás nove horas da noite, que é a hora da expedição de Coimbra. Affirmo á camara que recebi essa resposta em 8 de julho, mas infelizmente a verdade é que no telegramma vem a data de 9, ás nove horas, pouco mais ou menos, devendo ser a data de 8, isto é facil de verificar na telegraphia em Coimbra.

O Orador: — Aceito a declaração do sr. ministro do reino que vem rectificar uma data importante, porque este erro de data deu logar a um argumento apresentado pelo illustre ex-ministro o sr. Dias Ferreira, mas desde o momento em que é rectificada a data, o argumento do meu adversario morreu completamente.

Mas, sr. presidente, ha um facto notavel, que nos assevera a historia, e que o illustre deputado não tem aceitado como mestra da vida, facto altamente importante.

Quando o sr. Dias Ferreira veiu em 1860 a esta casa estava contra toda esta gente que hoje são seus amigos; este Antonio Pinto que agora é um cavalheiro, n'aquella epocha era um homem atroz, incrivel e detestavel...

O sr. Dias Ferreira: — V. ex.ª dá-me licença? Não é nada d'isto.

O Orador: — O illustre deputado está sempre a interromper-me, vejo que está incommodado, mas tenha paciencia.

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado por Aveiro que não interrompa. O sr. deputado pela Guarda ouviu-o em religioso silencio por muitos dias e não perturbou nenhuma das suas observações. Agora tenha o sr. deputado a longanimidade de não interromper. O sr. deputado está inscripto e depois rectificará ou rebaterá as opiniões apresentadas pelo orador.

O Orador: — Sr. presidente, o sr. deputado que acaba de me interromper, e ao mesmo tempo de me querer contrariar, é infeliz mais uma vez, porque os annaes parlamentares vão dar á camara testemunho insuspeito da exactidão das minhas asseverações, e da pouca exactidão das do illustre deputado; a memoria atraiçoou-o mais uma vez. Quer a camara ver o que o illustre deputado veiu dizer aqui em 14 de abril de 1860, quer ver como elle considerava então Antonio Pinto, de Pomares, e José Joaquim Jorge, que era em 1860 juiz de direito substituto de Arganil, e que hoje tambem o é, e um dos melhores amigos do sr. Dias Ferreira, bem como o administrador d'aquella epocha, e que hoje tambem é um amigo do sr. Dias Ferreira?

Na sessão de 14 de abril de 1860 disse o sr. José Dias Ferreira, depois de ter uma queixa assignada pelo dr. Agostinho Albano da Costa contra o juiz de Arganil o seguinte, e eu vou ter á camara:

«O juiz de direito de Arganil veiu coroar a obra da desanimação dos povos a respeito da perseguição dos criminosos de Midões, propondo para seus substitutos os intimos amigos e mais decididos protectores dos criminosos, em cujo facto os povos vêem, e com rasão, uma protecção manifesta aquelles malfeitores.

«Dois d'estes substitutos nunca tomam conta das varas, e os outros dois são altamente suspeitos de parcialidade a favor de João Brandão. Um d'elles (note a camara), que é o sr. Antonio Pinto, de Pomares, é o maior amigo de João Brandão, entram em casa um do outro com tanta confiança que até se tratam por tu, convivencia esta que faz desesperar os povos de que a auctoridade judicial tenha boa vontade de perseguir aquelle malfeitor, e assim não se animam a fazer-lhe uma guerra aberta e declarada. O outro substituto, que é o sr. José Joaquim Jorge, de Arganil, protege-os tão decididamente que deu fiança a um co-réu de João Brandão, aquelle sobre quem pesavam circumstancias mais aggravantes no delicto do homicidio do ferreiro da Varzea, porque foi o administrador que acompanhou e guiou os malfeitores que assassinaram o ferreiro. Este co-réu é o sr. Francisco Augusto, de Covaes, e o sr. ministro da justiça tem um meio prompto de obter a prova d'este facto, pedindo ao seu delegado em Arganil uma certidão do despacho que concedeu a fiança, que ha de estar assignado por aquelle substituto.

«Ora, um juiz que concede fiança a um co-réu de João Brandão terá muita duvida em a conceder a este que está nas mesmas se não em mais favoraveis circumstancias?»

Note a camara o que disse o sr. José Dias de todas estas pessoas em 1860.

Pois o juiz substituto que em 1860 protegia os Brandões (segundo nos disse o sr. José Dias) é o mesmo que hoje está servindo de juiz substituto em Arganil...

O sr. Leão: — Já ha muitos annos, e é um homem honrado.

O Orador: — Folgo com esse testemunho, porque se isso é verdade o sr. Dias Ferreira veiu aqui calumniar um homem honrado, pois que veiu dizer á camara em 1860 que este juiz substituto era um protector dos Brandões ao ponto de dar fiança a um co réu de João Brandão (sensação na camara); eu torno a ter:

«O outro substituto, que é o sr. José Joaquim Jorge, de Arganil, protege-os (referindo se aos Brandões) tão decididamente que deu fiança a um co-réu de João Brandão, aquelle sobre quem pesavam circumstancias mais aggravantes no delicto do homicidio do ferreiro.»

Então quando é que eu devo acreditar o sr. Dias Ferreira; é hoje que elle vem fazer a apologia do juiz substituto de Arganil, José Joaquim Jorge, ou hontem quando o julgou protector dos Brandões?! Veja a camara como são apaixonadas as apreciações do illustre deputado.

Sr. presidente, como é que o illustre deputado dentro em tão poucos annos regenerou todos aquelles homens que em 1860 andavam implicados nos attentados da Beira? São muito necessarios homens como o sr. Dias Ferreira, porque são aquelles que conduzem o paiz ás verdadeiras condições de moralidade, em dez annos apenas o sr. Dias Ferreira morigerou aquelles que elle mesmo julgou malvados e de impossivel regeneração; e note a camara, reservou-os ao ponto de os tornar aptos para os cargos publicos, e tanto que, por decreto de 1 de junho de 1870, o mesmo sr. Dias Ferreira despachou para fiscal dos tabacos em Coimbra aquelle Antonio Pinto, de Pomares, que em 1860 era o primeiro amigo de João Brandão, que se tratava por tu com elle, que vivia em toda a intimidade com os assassinos!... Pois saibam a camara e o paiz que este despacho foi feito contra a lei de 23 de dezembro de 1867, que diz o seguinte:

«§ 3.° Os fiscaes dos corpos de fiscalisação das alfandegas serão escolhidos d'entre os guardas de primeira classe, em attenção ao melhor serviço que tiverem prestado; guardas de segunda classe sempre para a raia, para a primeira classe os de segunda com serviço.»

Não póde, segundo a lei, ser despachado chefe dos tabacos ninguem que não seja d'entre os guardas de primeira classe, e d'estes preferindo os de melhor serviço; o sr. Dias Ferreira fez uma excepção para o sr. Antonio Pinto, que tinha sido mau homem em 1860, e que agora estava regenerado; e note ainda a camara que foi despachado Antonio Pinto contra lei, e havendo gente a mais e do quadro, que tinha direito ao provimento; mas isto naturalmente foi para firmar mais uma regra de economia (riso).

Sr. presidente, não era só o sr. Dias Ferreira que n'aquella epocha de 1860 vinha fazer accusações no parlamento portuguez contra Antonio Pinto e outros; havia um jornal em Coimbra, que se chamava Conimbricense, que ainda hoje existe, e que todos sabem é inspirado pelo sr. Dias Ferreira, e, sendo um jornal serio, dizia o seguinte:

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«Marcharam todos os da Maia e foram almoçar a casa do presidente da camara de Avô, onde os malvados tiveram a recepção costumada. N'aquella casa os esperava já o torpe juiz ordinario de Avô, Antonio Pinto, e ali almoçaram as auctoridades juntamente com os assassinos. Finda a orgia, abraçaram-se e despediram se, fazendo aquellas infames auctoridades novos votos de eterna amisade, e promettendo aos assassinos de os avisarem de quanto soubessem.»

Sr. presidente, será isto verdade? Que é o mesmo que em 1860 nos disse n'esta casa o sr. Dias Ferreira, ou será verdade o que elle nos assevera hoje?

E era necessario houvesse tudo isto, não para outro fim, senão para mais facilitar a chegada d'estes tempos de regeneração, para nos trazer estes tempos felizes, porque effectivamente tudo isto concorre, sr. presidente, para nos approximarmos de uma maior civilisação, tudo isto concorre para caminharmos para um melhor futuro, porque eu espero que o illustre deputado que poude regenerar esta gente, ha de poder regenerar este paiz inteiro (riso).

Sr. presidente, o illustre deputado ha de desculpar-me se eu n'este momento appello para um argumento de s. ex.ª; aproveitando todavia esta occasião para lhe dar um testemunho de quanto me felicito por velo n'esta camara, e por ser um dos seus amigos. Sou amigo de s. ex.ª, respeito as suas boas qualidades, e quero dar-lhe aqui este testemunho.

Mas desde o momento em que s. ex.ª disse n'esta casa: «eu que fui ministro do reino, e n'essa occasião preparei eleições, não julguei preciso mandar força para nenhum concelho».

(Ápartes do sr. Dias Ferreira.)

É necessario que s. ex.ª ouça, deixe-me acabar, não seja impaciente (riso).

E acrescentou: « mas manda-la-ía, se porventura me fosse preciso».

Pois não era preciso... no tempo do sr. Dias Ferreira não era preciso força em concelho nenhum. E a camara precisa saber isso, e eu vou citar factos que o demonstram, dando a minha palavra de cavalheiro e a minha palavra de honra, que se algum dos meus collegas o quizer saber por meio de documentos hei de traze-los á camara.

Sr. presidente, era um meio muito simples o que se empregava. Havia, por exemplo, um delegado do thesouro na Guarda; foi despachado pelo sr. Braamcamp, é suspeito; transferido para Villa Real, immediatamente, porque não gosta de dictaduras, mas a transferencia aggravou as circumstancias, pois que toda a gente era respeitadora do empregado, e gritavam por toda parte que a transferencia era inqualificavel; dizia o povo — transferir este homem d'aqui não póde ser?... Um homem d'esta importancia, que tem prestado tantos serviços a este districto, que veiu para aqui pôr em dia as contribuições? Não póde ser.

E respondia-se n'um telegramma — fique no mesmo logar, mas venha a Lisboa a pretexto de serviço publico. Chega a Lisboa o homem, e dizem-lhe: oh senhor! Este governo vae regenerar o paiz; isto que você vê é que são as verdadeiras liberdades. Não é assim que você pensa? — «Não, senhor, não estou conforme com isto». — Pois então, uma vez que iria votar contra, e que era contra isto, fique em Lisboa, dão-se-lhe 2$000 réis por dia, (riso).

Sabem v. ex.ªs quem é este homem? É o delegado que está em Castello Branco.

Perdôe-me s. ex.ª o sr. Dias Ferreira, mas é preciso dizer-se isto, que é a verdade.

Mas fez-se mais alguma cousa.

Havia um professor de instrucção secundaria, fôra despachado por um outro ministro, não se gostava d'elle. O que se ha de fazer? Demitte-se. É o meio mais prompto (riso). Notem v. ex.ª e a camara, estas é que são as taes liberdades.

Havia um chefe da fiscalisação dos tabacos que não queria ir votar no candidato do governo, nem auxiliar a eleição, pois que não lhe agradava a dictadura, demittia-se immediatamente.

Pergunto eu, pois procedendo-se d'este modo era preciso empregar a força publica? (Muitos apoiados.)

Mais ainda.

Havia uma freguezia que precisava fazer obras na igreja, mas não tinha dinheiro. Dizia-se-lhe: votem com o governo, e elle dá o dinheiro, exigia-se, mandava se logo telegramma fazendo entregar a quantia; isto sim... isto é que são liberdades eleitoraes (riso).

Mas não fica aqui.

Precisavam-se administradores eleitoraes, por exemplo, para Loulé e para Idanha, onde imaginam que se iriam encontrar? nos subdirectores ou sub-chefes das alfandegas!!... Mandava-se, por exemplo, o Caimoto para Loulé e o filho do director da alfandega de Idanha, que é sub-chefe na mesma alfandega, para administrador da Idanha! E despachavam-se interinamente, e tudo em nome da liberdade, e com a consciencia limpa sem ter nunca offendido as liberdades do seu paiz (riso).

Mas ha cousas mais extraordinarias e que põem de parte todas quantas portarias ha ou possa haver de 1845, porque as providencias recommendadas nas circulares da dictadura, são de jurisprudencia muito mais aprimorada; quer a camara ouvir uma circular do administrador do concelho de Castello Branco aos seus administrados, isto é, quando era ministro do reino o sr. Dias Ferreira, eu vou ter e admire-se esta liberdade que é de nova especie.

«Ill.mo sr. — Constando-me que tem apparecido n'essa freguezia um papel injurioso com algumas assignaturas de pessoas d'este concelho, em que se desconsidera e calumnia indigna e infamemente o presidente do conselho de ministros, o duque de Saldanha, sustentaculo inabalavel da independencia nacional e das liberdades patrias, cumpre-me ordenar a v. s.ª que, sem perda de um momento, haja de apprehender o dito papel, fazendo para isso todas as diligencias ao seu alcance (e mesmo até qualquer despeza que precisa seja, pois lhe será abonada), remettendo-me immediatamente a esta administração, acompanhado debaixo de prisão, da pessoa ou pessoas que por ahi o tiverem apresentado ou em cujo poder se ache, formando de tudo o competente auto de apprehensão com as testemunhas precisas, pelo menos duas, que conjunctamente com os presos me enviará.

«Deus guarde a v. s.ª Castello Branco, em 26 de agosto de 1870. = O administrador,...

O sr. Dias Ferreira: — Que data tem?

O Orador: — É de 26 de agosto de 1870.

O sr. Dias Ferreira: — Eu saí em 29 de agosto, portanto não posso ter responsabilidade alguma.

O Orador (com muita vehemencia): — Pois s. ex.ª não veiu dizer aqui que foi o ministro que mandou prender em Arganil o Antonio Pinto por occasião das eleições? Então o administrador mandou em 26 de agosto, s. ex.ª deixou o poder em 29 do mesmo mez, quem é o responsavel? Quem foi que mandou? Seguindo as theorias e a argumentação do illustre deputado foi s. ex.ª, e ninguem mais. Mas ha mais, porque ha circulares dos governos civis, e eu sinto que o illustre deputado chamasse a questão para este terreno, vindo argumentar com os seus precedentes ministeriaes, e já se vê que os registros publicos têem alguma vantagem e servem para alguma cousa, e peço licença á camara para ter uma circular de um governador civil, dirigida aos seus subalternos.

«Ill.mo sr. — Sou informado de que alguem tenta sugerir ás camaras municipaes d'este districto a idéa altamente impolitica de representarem contra o governo de Sua Magestade. Alem da offensa que n'isso iria ao mesmo senhor, deixo á illustração de v. s.ª e da digna corporação a que preside o avaliar o alcance funesto de similhante acto no momento em que os poderes publicos se empenham em mi-

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norar os males que affligem o paiz. Deus guarde a v. ex.ª, 3 de julho de 1870.»

É do districto de Vianna; faço esta citação por causa d'estas duvidas que todas as minhas palavras apresentam ao espirito do illustre deputado.

Quando um homem publico no seu paiz tem sido ministro, e por mais de uma vez, precisa ter muita cautella, e não aggredir os seus adversarios só porque são adversarios; é preciso ter muito cuidado, repito, porque apparecem d'estes documentos, que revelam, que o illustre deputado aproveita as questões para fazer politica, mas não quer aprecia-las no campo da justiça e da imparcialidade.

Eu estou um pouco cansado, mas v. ex.ª e a camara sabem que o illustre deputado durante tres dias teve a palavra fallando apenas uma hora ou hora e meia por dia, o que lhe tornava mais facil a exposição das suas idéas e sem tanta fadiga; eu porém sou tão infeliz, que tenho de discutir em umas poucas de horas seguidas, e sentindo-me cansado, espero que a camara me permitta que eu vá respondendo e seguindo a argumentação do sr. Dias Ferreira; e ao illustre deputado que tanto se afflige com a minha argumentação, peço que se não mortifique, porque as minhas palavras são benevolas, e se alguma lhe incommodar os ouvidos, eu não tenho duvida em a retirar.

Fallava eu de um facto irregular que se havia dado, a respeito do qual a camara sabe como procedeu a auctoridade superior do districto, e eu appello para todos os jurisconsultos que estão n'esta casa, sem distincção de partidos, appello para todos os homens a quem a administração civil é familiar, e peço-lhes que emittam franca e lealmente a sua opinião, respeito ao procedimento do delegado do governo no districto de Coimbra.

Faziam se telegrammas para Lisboa, pediam-se providencias em Lisboa, e ao delegado do governo ninguem lhe dava conhecimento dos factos, ninguem se queixava, e todos sabem que elle estava a nove leguas de distancia de Arganil. Chegou á cabeça do districto um homem preso, com um officio, sem auto pelo qual devesse ser entregue ao judicial; que fez o chefe do districto? Mandou-o soltar em nome da liberdade individual (muitos apoiados).

Que motivo havia para ser remettido ao poder judicial? Pois o poder judicial, ou antes um juiz, tem alguma preponderancia sobre os actos de policia civil, para lhe serem entregues todos os presos, que bem ou mal presos pelos delegados administrativos, foram levados á presença do magistrado superior do districto?

Os illustres deputados parece desconhecerem a doutrina do artigo 224.º do codigo administrativo e das leis n'esta parte.

A auctoridade superior do districto não póde intrometter-se nas funcções do poder judicial, mas tem obrigação de informar sobre a maneira como se distribue a justiça, e isto só póde ser feito baseando-se nas informações dos seus delegados; esta é que é a doutrina, este é que é o direito.

Peço á camara que me diga, que responsabilidade pesa sobre o ex-governador civil de Coimbra por haver mandado soltar um homem que havia sido preso para averiguações, mandando ao mesmo tempo syndicar do acto e das circumstancias que se haviam dado; marque-se bem, e note-se qual é essa responsabilidade em nome do direito administrativo.

Vozes: — Nenhuma.

O Orador: — Folgo muito que os illustres deputados trouxessem para aqui esta questão, porque é sempre para mim um dia grande aquelle em que eu sou accusado de ter desaggravado a liberdade individual (apoiados). Feliz culpa esta! (Apoiados).

(Com vehemencia.) Aceito com muito prazer os apoiados dos illustres deputados, aceito-os porque são sinceros, aceito-os porque são liberaes (apoiados).

Tantas vezes se alludiu aqui a uma celebre portaria de 1845, e não se reparou para a redacção do officio dirigido ao governo pelo seu delegado em Coimbra; dizia este «poderia o administrador proceder assim fundando-se no artigo 248.° do codigo administrativo (se bem me recordo) e na portaria de 19 de julho de 1845»; quer isto dizer que o delegado do governo ou o governo participam das doutrinas ou das opiniões de 1845? Veja a camara como são justas e sinceras as apreciações do illustre deputado que me precedeu. Pois o governador civil não devia mandar investigar respeito aos motivos que determinaram o administrador a proceder como procedeu? Pois succede um facto qualquer, e respeito a esse facto ha de proceder o magistrado superior por insinuações extranhas, sem indagar pelos meios legaes e ordinarios a origem d'esse facto? E ha de proceder, porque um ou outro individuo lhe indique — faça-se isto ou aquillo (apoiados).

Digo bem alto, e no seio do parlamento portuguez, que se o sr. ministro do reino me desse uma qualquer ordem respeito a um facto desconhecido officialmente para mim, e portanto para elle, eu não cumpria sem proceder pelos meios legaes á averiguação das circumstancias e motivos que determinaram a existencia d'esse mesmo facto; e respondia para o governo «não procedo emquanto não poder apreciar devidamente o facto e as circumstancias que o originaram»; e n'este meu proceder por certo havia o respeito ás leis e ao direito, que não deve ser letra morta (apoiados).

Appello para a camara e para as suas sensatas apreciações.

Não são para extranhar estas nossas divergencias de opiniões e de apreciações, e não é... porque infelizmente os illustres deputados que entraram no debate fizeram d'esta questão uma questão politica; não preside á discussão a rasão desapaixonada, mas a intelligencia mirando a um unico fim — o de derribar o governo; é esta uma circumstancia assás ponderosa, para modificar opiniões, e buscar toda a ordem de argumentos para se chegar a certo e determinado fim...

Mas eu peço aos illustres deputados que attentem primeiro que tudo para o que se está passando na Europa, não se circumscrevam a pequeninas questões, quando é necessario olhar para o futuro dos paizes e para o futuro das liberdades (apoiados); peço aos governos que se compenetrem da sua posição, que se elevem á altura d'ella, que attentem para a consciencia do dever e para a responsabilidade que lhes cabe, e mirando ao futuro dos paizes lhes tornem seguras e duradouras as liberdades, que não tenhamos de as ver substituidas pela mais completa anarchia (apoiados).

Sou liberal, e prezo os homens liberaes, como prezo os que o não são, quando as suas convicções se firmam na fé e não na especulação. (Com vehemencia.) Venho da junta do Porto, militei nos batalhões nacionaes, e honro-me com este diploma (apoiados); um homem n'estas circumstancias é insuspeito, e póde citar todas as portarias, mesmo sem ser a de 1845, sem lhe poderem dizer que partilha as suas doutrinas. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Não se podem perfilhar, são doutrinas reaccionarias.

O Orador: — São reaccionarias, não as perfilho, não as quero, mas o facto é que existem no corpo do nosso direito administrativo; e esses homens immaculados, que andam de consciencia limpa, que se inculcam os primeiros liberaes d'este paiz, esses impeccaveis ante as liberdades publicas e individuaes, têem estado no poder, e não se atreveram ainda a reagir, e por qualquer fórma aniquilar para sempre, extinguir e retirar do meio das nossas leis essas portarias que só agora os incommodam (apoiados); tenham coragem e trabalho, examinem as leis para as modificarem ou substituirem, e não procurem só os meios de obter ephemeras e ridiculas popularidades (apoiados).

(Interrupção do sr. Santos e Silva, que não se ouviu.)

Aceito o áparte do meu amigo, sei que é liberal, conheço o da universidade e durante esse tempo, e n'esta camara-

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dagem não lhe conheci outras idéas. Mas s. ex.ª que por vezes tem conversado commigo em negocios de administração, sei como pensa, respeito a sua opinião e a de todos, para ter o direito de que me respeitem a minha...

(Interrupção do sr. Thomás de Carvalho que se não ouviu).

O sr. Presidente: — Peço que não interrompam.

O Orador: — Sr. presidente, tenha v. ex.ª dó de mim. Estas interrupções são muito salutares n'este momento; n'este caminho em que vou tão prolongado e cheio de espinhos todas as camaradagens são uteis, e de agradecer. (Vozes: — Muito bem.) Parece-me que o sr. Santos e Silva tomou as minhas palavras em sentido que lhe não dei (o orador voltando-se para o sr. Santos e Silva não pôde ser ouvido na mesa dos tachygraphos, e por isso falta esta parte do discurso)...

Vejam como eu respeito os homens liberaes do meu paiz, rendo-lhes sempre a homenagem que lhes é devida em toda a parte onde os encontro.

Sr. presidente, eu tive a infelicidade de não ver publicados os discursos do illustre deputado, aliás poderia seguir mais de perto a sua argumentação, e avaliar com mais vantagem as inexactidões a que o levou o calor da discussão, guiado por estas notas que tomei, e pela apreciação dos documentos que tenho diante de mim, a camara ha de relevar-me, que lhe occupe mais algum tempo, para poder mostrar quanto foi apaixonado e injusto o illustre deputado.

Sr. presidente, ha uma serie de factos, um conjuncto de coincidencias e circumstancias, as quaes levam o meu espirito a crer que no concelho de Arganil existia uma formal e completa antinomia entre os funccionarios administrativos e judiciaes; e n'este meu pensar, e n'esta minha opinião não venho desacompanhado, tenho em meu favor a opinião de um homem que respeito, que toda a camara conhece, e insuspeito; homem que não milita na politica, e que está á frente de um dos tribunaes de segunda instancia, o qual no seu officio de 8 de julho do corrente, dirigido ao sr. ministro da justiça, diz: «Em tudo isto verá v. ex.ª a confirmação do que eu já disse, de que ha um completo antagonismo entre o juiz e o administrador, ao que me parece que o governo deverá attender». Opinião desapaixonada e insuspeita baseada nos officios do juiz e do delegado.

Mas ha mais; está n'esta casa um homem, que todos nós conhecemos e respeitâmos, que é o sr. Mártens Ferrão (apoiados), e n'estes mesmos documentos está a resposta de s. ex.ª, dada depois dos documentos que lhe foram presentes, e sobre elles; e por ella se vê que a s. ex.ª lhe pareceu existir a antinomia entre os funccionarios administrativos e judiciaes.

O sr. Van-Zeller: — Não disse isso.

O Orador: — Eu lhe leio a resposta, que está aqui: «do officio do delegado comprehendem-se duas cousas, que a administração civil e a acção do ministerio publico não são ali dirigidas com a imparcialidade que é mister»; note a camara se é verdade o que eu assevero, e se estes documentos provam ou não a existencia de uma antinomia completa e absoluta entre os empregados administrativos e judiciaes...

(Interrupções dos srs. Vasco Leão e Dias Ferreira, que se não perceberam.)

(O orador, voltando-se para o lado esquerdo e fallando muito apressadamente e com muita vehemencia, não póde ser percebido na mesa dos tachygraphos, faltando alguns periodos.)

Eu creio que para a administração da justiça são necessarias todas estas entidades, e vê-se que não são muitas para o concelho de Arganil, porque, apesar da existencia d'ellas, a administração da justiça não corria ali livre de suspeitas.

Sr. presidente, ha uma parte importante do discurso do illustre deputado por Aveiro que eu me proponho combater; s. ex.ª disse-nos, que vinha armado de documentos, tudo official... tudo infallivel... tudo destruidor das asseverações que se faziam em um relatorio que está junto a este processo; pois, sr. presidente, não venho rodeiado de tanta artilheria, porque não é necessaria para destruir os manejos da intelligencia do illustre deputado; verdade é que eu esperava uma certidão no correio de hoje e que não chegou, mas ainda bem que tenho este telegramma do governador civil, que é insuspeito.

O relatorio do governador civil é baseado nos officios dos seus delegados, e nos proprios officios do magistrado judicial de Arganil e do delegado, e que estão juntos a estes documentos.

Em officio de 27 de junho dizia o magistrado judicial para a relação:

«Tambem em 10 de maio ultimo me participou o dito administrador ter sido capturado administrativamente, em Portalegre, um individuo suspeito de crime de morte, e respondendo-lhe eu que logo que o preso (note a camara), chegasse a esta villa, m'o apresentasse antes d'elle, por qualquer modo, poder communicar com um outro que se acha na cadeia, e a que eu já tinha feito interrogatorio, até esta data nada sei de tal preso.»

Aqui está um telegramma, no qual se declara que o preso, tendo-o sido em Portalegre, só chegou a Arganil no dia 30 de junho. Como é que o juiz de Arganil queria que o administrador lhe entregasse um preso que não tinha á sua disposição?

E faz-se uma accusação d'estas a um empregado administrativo, sabendo-se que o preso não havia chegado a Arganil? Pois aquelle juiz, que todos os dias ía ao tribunal, que estava face a face com o carcereiro, não lhe perguntava por este preso e pela sua chegada? O que revela isto, sr. presidente? Pois aquelle magistrado tem tanto interesse pelo preso, e quando officia para a relação a 27 de junho não sabe que o preso não está ás ordens do administrador, nem está em Arganil, porque só chegou no dia 30 de junho?

O sr. Vasco Leão: — O preso não me foi entregue.

O Orador: — Estava elle nas cadeias de Arganil quando dizia para a relação que lhe não fôra entregue pelo administrador?

(Interrupção do sr. Vasco Leão, que não se percebeu.)

Tudo isto, estas mesmas inquietações e interrupções dos illustres deputados, mostram-me a existencia da desharmonia entre os empregados administrativos e judiciaes (apoiados).

Vejam v. ex.ª e a camara como estas interrupções repetidas e estas infallibilidades (com muita vehemencia) dão motivo a que eu mais me firme na minha opinião!

Mas ha em tudo isto factos e circumstancias notaveis que têem feito impressão no meu espirito.

Pois o magistrado judicial em Arganil está armado de toda a imparcialidade, o administrador reclama no dia 5 de junho o regedor da Cerdeira em virtude da garantia administrativa, o juiz manda (note a camara) suspender a prisão e dar vista ao delegado no dia 6, estando é juiz no tribunal é preso o regedor?

Pois está suspensa a prisão por despacho do juiz, e o seu official prende depois do despacho, que inutilisou os mandados de captura? (Com muita vehemencia.) Que significa isto? Imparcialidade, talvez.

Já se vê que é verdadeiro o relatorio quando diz, que ou o juiz não suspendeu a ordem de prisão, ou o official desobedeceu». Ainda de pé o relatorio, e sem serem necessarios mais do que os documentos em que elle se firmou.

Diz-se que foram pronunciados dois amigos do governo; ninguem póde contestar isto, porque o attesta o mappa junto a estes documentos, e foi pronunciado o regedor de

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Cerdeira, porque deu uma parte, que o delegado, de seu motu proprio, teve como calumniosa, e um padre porque ensinou o regedor a dar a parte? Diz-se que principiaram as querelas depois da ultima eleição; peço aos illustres deputados que consultem o mappa a folhas 23 d'estes documentos, e encontram pronunciados nada menos de cinco, e pronunciados em 27 de outubro de 1870; creio que foi depois da ultima eleição. Mas no outro mappa encontra-se a folhas 22 d'estes documentos pronunciado o bacharel Jorge Albano de Oliveira, de Coja, em 29 de novembro de 1870, e este até era o administrador que assistiu á eleição, e foi pronunciado por ter votado na assembléa onde como administrador foi assistir!

Já se vê que foi depois da ultima eleição que tudo isto se fez, não entro na questão se bem, se mal, porque o magistrado havia de apreciar o que encontrasse nos autos, mesmo porque o direito exige que o julgador decida pelas provas do processo, e não pelo que possa saber estranho a elle; este é o direito (apoiados).

Ha n'estes documentos um officio do ex-delegado de Arganil, Palma, que eu não desço a apreciar, foi apreciado pelo dignissimo procurador geral da corôa, e s. ex.ª deduziu d'elle a antinomia entre o proprio delegado e o administrador.

Sr. presidente, foi preso um official quando havia capturado o regedor da Cerdeira, preso quando por despacho do magistrado judicial estava suspensa a prisão, e portanto annullado o mandado do juiz, porque o despacho annullou o mandado, quer fosse recolhido, quer estivesse nas mãos do official; depois do despacho o mandado era um papel sem valia, e por força do qual o regedor não podia ser preso (apoiados); e eu appello para os jurisconsultos d'esta casa, e peço me digam se o mandado não estava inutilisado ou se valia alguma cousa; tudo me revela, tudo me indica a antinomia entre aquelles empregados, tudo me mostra não sei o que de sinistro; e já que fallâmos de sinistros, não quero deixar de notar aquelles de que fallou o administrador de Goes, e que tanto mereceram a attenção do sr. deputado por Aveiro. S. ex.ª admirava se que o administrador de Goes receiasse dos sinistros que, na phrase do illustre deputado, elle só conhecia por dentro e não por fóra; não sei se o illustre deputado os conhece por dentro e por fóra, eu é que os não conheço nem quero conhecer.

Mas que admira que o administrador de Goes, vivendo lá nas serras, tivesse medo dos sinistros, quando este paiz já teve um ministro do reino, que, apesar de ter o poder na mão, tudo para elle eram sinistros. De quem elle tinha medo, e sem os conhecer nem por dentro nem por fóra (riso); e era tal o susto dos taes sinistros que, apesar de ter as ruas patrulhadas, a força postada ás portas de casa, foi necessario pedir ao duque de Saldanha que lhe desse um quarto na sua casa onde se fosse metter...

O sr. Dias Ferreira: — Não é exacto.

O Orador: — O illustre ex-ministro que me interrompe, tinha tal medo aos sinistros, que até considerou sinistro o sr. juiz Vasconcellos, homem pacifico e socegado, que não tem cousa alguma de sinistro, é o menos sinistro que eu conheço, pois este cavalheiro tinha força na rua e era um dos sinistros que aterravam o illustre deputado (riso); que admira pois que o administrador de Goes receasse dos sinistros que elle conhecia só por dentro, quando um ministro receava não os conhecendo nem por dentro nem por fóra.

Sr. presidente, fallou se da prisão do regedor da Cerdeira, e ainda na parte que se refere a este facto o relatorio é verdadeiro.

O regedor da Cerdeira deu uma parte para a administração contra o recebedor e escrivão de fazenda dizendo, que estes empregados não só prejudicavam o serviço, mas levavam aos contribuintes dinheiro de avisos que não deviam; deu esta parte em papel sellado, segundo se diz e eu creio, e assignou-se José da Eufemia, regedor da Cerdeira; a circumstancia do papel sellado é, ao que parece, e o ter elle posto o nome, e não ter assignado só regedor da Cerdeira, é que o pozeram fóra do alcance da garantia administrativa.

Sr. presidente, ha n'estes documentos cousa da maxima curiosidade; ha um auto de investigação levantado na administração do concelho sobre a parte dada pelo regedor da Cerdeira, em que depozeram sete ou oito testemunhas cumpridamente, auto que foi remettido ao delegado da comarca, e que deu em resultado, apesar da prova não proceder, e ficar culpado o que deu a parte, que não era nem podia ser parte em juizo!! E é notavel... o illustre deputado que me precedeu, analysando os depoimentos, disse com certa ironia «tres das testemunhas vivem da sua agencia.»

Sr. presidente, ha muita gente que vive da sua agencia e é honesta e é honrada (apoiados); ha muito homem pobre, que por ser pobre não é menos honrado que o rico (apoiados); ha muito homem n'este paiz que vive da sua agencia... do seu trabalho... e da caridade publica; e muitos ricos apertam-lhe a mão, não se envergonham da sua companhia, porque têem por titulos de nobreza os melhores que póde ter o homem, que é a honradez e a probidade (apoiados).

O sr. Dias Ferreira: — Eu não disse que ellas juraram falso.

O Orador: — Não disse (com vehemencia) que estas testemunhas, juraram falso, mas é esta a consequencia que se póde tirar das suas palavras quando disse «vejam isto... tres mulheres que vivem da sua agencia!!! »

Note porém a camara que ha n'este auto outras testemunhas, que não serão suspeitas por viverem da sua agencia, que são o sr. José Albano de Oliveira, bacharel formado, e um professor, ha dois padres, e todas estas testemunhas depõem não só sobre as irregularidades do serviço, mas até sobre o facto de que taes empregados fiscaes tinham assignado conhecimentos levando em cada um 40 réis e outros 60 réis, o que em grande somma de conhecimentos dá uma quantia importante; mas que fez o delegado, quando lhe foi enviado o auto? consultou o delegado do thesouro de Coimbra sobre o merito dos accusados, e se estavam ou não alcançados!! e por estas informações creio eu, fez obra, desprezando os depoimentos!!

Eu tambem conheço os tribunaes e a fórma do processo, mas declaro á camara que tudo isto para mim é novo.

Sabe v. ex.ª o que eu tenho visto fazer é proceder a corpo de delicto com as mesmas testemunhas do auto de investigação, e quando o agente do ministerio publico entende não dever querelar, dá as rasões por que o não faz; e o juiz, ou manda archivar ou dá parte ao procurador regio, para este mandar dar a querela, isto é o que mandam as leis que eu conheço; mas não inquerir as testemunhas do auto, e guiado por informações julgar elle, delegado, calumniosa uma participação, e requerer contra quem não podia ser parte em juizo, para mim é novo. Pois uma denuncia não póde deixar de proceder por falta de prova, e ser comtudo verdadeira? Pôde um delegado, de seu moto proprio, declarar uma denuncia calumniosa, só porque ha falta de prova? Declaro a v. ex.ª e á camara que não comprehendo nada d'isto, isto é uma jurisprudencia nova, que só se explica em Arganil.

Mas o que é muito para notar é o zêlo do delegado pelo serviço publico, porque querelou do regedor por ter dado a parte que elle, delegado, julgou calumniosa, primeiro do que o escrivão, contra quem foi dada!! O escrivão foi querelar, mas muito depois de ter querelado o delegado!!

Isto são factos que constam d'estes documentos, que eu peço lêam com attenção, e da sua leitura e combinação se deduz francamente a antinomia entre todos estes funccionarios, antinomia que havia de produzir o conflicto sempre e em todas as occasiões.

Alem de tudo abona o meu pensamento as proprias palavras do illustre deputado por Aveiro «pois o jornal o

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Trovão tem estado a insultar as auctoridades de Arganil e a mim, contribue para elle o administrador, e queriam que essas auctoridades lhes fossem apertar a mão?» Quer dizer, as auctoridades estão resentidas, porque attribuem ao administrador o que a imprensa lhes tem dito; e isto, combinado com tudo o que consta d'esses papeis, que significa? A desarmonia e desintelligencia entre aquelles funccionarios.

Sr. presidente, não escapou ao illustre deputado o alvará de dissolução da santa casa de misericordia de Arganil; até n'este documento, que aqui tenho e que me honro de ter assignado, s. ex.ª quiz ver manejos eleitoraes; com este alvará (mostrando á camara um papel) cumpriu a lei, mas o illustre deputado viu ainda n'este acto uma offensa ás liberdades. É notavel que o sr. Van-Zeller me encontrasse e apreciasse como homem liberal, que os jornaes do sr. José Dias me considerassem como tal, só o sr. José Dias me encontrou reaccionario; folgo com esta apreciação de s. ex.ª; os seus jornaes acharam-me «magistrado liberal que acima de tudo prezava o meu nome e a dignidade do elevado cargo que exercia». O sr. Van-Zeller chamou-me liberal e seu amigo, só o sr. Dias Ferreira me encontrou tantos defeitos; folgo com a apreciação que s. ex.ª fez da minha pessoa; se tanto é necessario agradeço-lh'a, porque revela os poucos pontos de contacto que ha entre nós.

Sr. presidente, disse que folgava muito de ter assignado o alvará que dissolveu a mesa da misericordia de Arganil. Narremos o facto como elle é e se passou. A mesa da misericordia não havia prestado contas desde muito, resistindo a todas as intimações; o meu antecessor dissolveu-a e fez muito bem, fez o que devia, reelegeram os mesmos individuos, e eu dissolvi, e n'esta parte não fiz mais do que cumprir a lei, porque é expresso que subsistindo os mesmos motivos que deram logar á primeira dissolução, a segunda era uma consequencia necessaria e inevitavel; e creia o illustre deputado que me satisfez trazendo á camara este acto da minha administração.

Disse o sr. Dias Ferreira que os juizes não têem obrigação de fazer os corpos de delicto em crimes acontecidos a duas leguas da cabeça da comarca; sei que não tem a obrigação legal, mas a obrigação moral em crimes graves, como era o acontecido em S. Martinho, valia muito a pena que o magistrado judicial se incommodasse e não o confiasse a um juiz eleito; se eu fosse auctoridade (com muita vehemencia) e tivesse conhecimento de um crime de morte não obedecia á regalia legal, mas partia para o local do crime em nome da obrigação moral.

Não sei se nas secretarias d'estado ha mais documentos que dizem respeito á questão que aqui se trata; eu podia ter pedido ás secretarias esses documentos usando do direito que tenho n'esta casa; não o fiz, não o faço ainda agora, porque desadoro completamente o systema de se mandarem confidenciaes ao parlamento; desadoro a doutrina, e desde que a desadoro, eu não devo pedir esses documentos, ainda que me aproveitassem para a minha argumentação. Perdoe-me s. ex.ª, o sr. presidente do conselho, mas eu no seu logar não satisfazia os pedidos dos illustres deputados, dizia-lhes — não mando á camara documentos que são confidenciaes (apoiados), e quando os illustres deputados me não quizessem reconhecer este direito, dizia-lhes... não mando... não quero (apoiados).

Eu é que não podia negar-me a votar que os documentos viessem e se publicassem; não podia, não devia (apoiados), reconhecendo que a questão é excepcional e que s. ex.ª, o sr. presidente, mandando-os, obedeceu a esta especialidade da questão, que os proprios documentos elucidavam.

Sr. presidente, tinha muitas mais considerações que fazer sobre o assumpto, mas sinto-me por tal fórma fatigado que vou resumir o mais que eu podér.

Sinto que um ex-ministro, e que tem vontade de o tornar a ser, dissesse d'aquella tribuna — o sr. ministro é um criminoso! Os homens que têem tido o poder precisam ser mais cautelosos e não confiar tanto das suas infallibilidades.

Sr. presidente, não me surprehendem nem me admiram as apreciações injustas e apaixonadas do illustre deputado. S. ex.ª é natural d'aquella localidade; está ligado a ella por amisades, por odios e por interesses; tem ali amigos e parentes, e por mais que faça por serenar o seu animo, por minorar seus intuitos, não está nunca senhor de si por mais que o queira apparentar.

Sr. presidente, parece-me ter mostrado á camara que por parte do governo o espirito que presidiu ás eleições de Arganil foi um espirito da mais completa liberdade; que dois factos irregulares que ali se deram podiam dar-se em qualquer outra occasião, pelas circumstancias excepcionaes e difficeis em que se encontrava a auctoridade administrativa, e pela antinomia entre os differentes funccionarios publicos; bem como me parece ter mostrado que não influindo esses actos no acto eleitoral, elles foram repellidos pelo chefe do districto e pelo governo pelo modo por que o podiam ser, e com o assentimento da opinião e até da propria imprensa (apoiados).

Sr. presidente, mandei para a mesa uma moção, da minha inteira e unica responsabilidade, expuz na primeira parte da proposta os meus sentimentos e as minhas idéas com relação á necessidade da reforma da lei eleitoral, idéa que eu já tive occasião de apresentar aqui na sessão passada; poderei estar em erro, mas é convicção minha que uma das mais necessarias reformas é da lei eleitoral, e uma boa lei eleitoral, que assegure a vontade espontanea e livre do paiz; é uma grande garantia para as liberdades (apoiados).

Creio que todos os homens, verdadeiramente liberaes, estão convencidos de que é preciso adequar as leis aos paizes em que vivem, e ás situações em que esses paizes se encontram; e as condições de moralidade, de civilisação e de progresso em que se encontram os povos é que determinam o legislador e os governos a modificarem as leis, as quaes não são nem devem ser, nem eu quero que sejam, senão a traducção dos costumes (apoiados).

Sr. presidente, eu vou concluir, mas antes d'isso permitta-me a camara que eu lamente a maneira como o illustre deputado por Aveiro concluiu o seu discurso, e que lhe diga que é bom ser sempre mais cauteloso para não avançar proposições que não póde provar, e que ao mesmo tempo eu sinta que um professor da universidade viesse aqui chamar criminoso ao governo, sem se lembrar que para haver criminoso é necessario que haja intenção do individuo que, abusando da sua vontade, quer por actos externos, á vontade juridica geral, oppõe a sua vontade particular, só desde este momento é que a par de um crime existe um criminoso, dois principios ou factores, e uma resultante constituem a idéa de crime — os principios são a vontade e a acção, a resultante é a violação do direito realisado, e dos tres elementos constitutivos do crime. O segundo é a idéa intermediaria entre a vontade e a acção, que é a liberdade, e esta em sciencia criminal não é uma simples crença como queria Kant, é um facto igual em certeza a tudo quanto ha de mais certo: se estes são os principios, se esta é a verdade, nos crimes de que nos accusaes, onde está a intenção, onde está a vontade? Naturalmente no officio do administrador, que pede força para manter a ordem e a liberdade eleitoral, no meio da agitação dos espiritos, no meio do tumultuar das paixões.

Sr. presidente, nunca vi provocações tão pimponas (não sei se a palavra é parlamentar, se não é retiro-a) nem tão ridiculas.

Quando um homem publico é obrigado a folhear os annaes dos parlamentos estrangeiros, não fica humilhado pela inferioridade dos nossos talentos, nem pela nossa capacidade governativa, mas fica humilhado e abatido por ver aquella grandeza de sentimentos, a largueza de vistas, a consciencia do dever, e sempre o interesse publico, que é

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constantemente posto acima de todas as personalidades e de todas as paixões.

Tenho dado ao debate maior largueza do que eu mesmo queria. Sinto-me um pouco cansado, e limito-me a dizer á camara que, se ella assim o entender, e a mim apraz-me a idéa, agrada ao meu espirito, nomeie uma commissão de dois ou mais de seus membros, que todos me são insuspeitos, e mande syndicar ao districto de Coimbra respeito aos actos de administração do ex-governador civil d'aquelle districto.

Uma voz: — A todo o paiz.

O Orador: — Aonde a camara entender, eu limito-me a pedir para o districto que eu administrei, não tenho direito a pedir para os outros, tanto mais quanto eu sou contra as syndicancias n'estes casos; aceito-a, quero-a, e peço-a n'esta situação especial em que me encontro, fóra d'ella voto contra, e o illustre (voltando-se para o sr. visconde de Moreira de Rey) deputado póde chamar-me o que quizer, póde chamar-me reaccionario, que eu não me offendo com isso; o que lhe digo é que não quero partilhar opiniões nem aceitar doutrinas que nos possam conduzir para a anarchia.

Sr. presidente, derribar para não construir não me parece que deva ser o officio dos homens que têem voto nos negocios publicos; tomar nas mãos o camartello, nivellar com o solo um edificio, sem ter já desenhado uma planta e accumulado os materiaes para uma nova construcção, é um acto que póde consolar a vista, por se não ver um objecto que não agrada, mas tem o grande perigo de expor o demolidor a ficar sem abrigo para o resto do corpo (apoiados).

Estou certo que todos os homens que têem sido ministros, e os que o são, se não fazem mais é porque não podem, todos aspiram á gloria, ninguem quer desacreditar-se; e n'este momento eu peço a todos os homens publicos, ministros e não ministros, que attentem muito para o futuro, e tenham cautela que as liberdades não degenerem em licenças, e estas em anarchias; e se ao illustre deputado lhe apraz accusar-me de reaccionario, digo francamente e bem alto, porque desejo ser bem ouvido por todos os homens publicos e do paiz, não voto n'esta casa nem fóra d'ella cousa alguma que ao meu espirito se apresente como passo para a anarchia; e digo ao illustre deputado, que se me derem a escolher entre um governo reaccionario e a communa de París, eu prefiro o governo reaccionario.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Já estamos n'esse estado.

O Orador (com vehemencia): — Não estamos, mas não quero caminhar para lá, respeito todas as liberdades quando são liberdades, respeito todos os homens liberaes, e respeito mesmo os que não são quando a sua crença se firma na fé (apoiados); muitas vezes mesmo póde dar-se a circumstancia de que as suas convicções sejam firmadas em estudo pouco pensado, mas desde que ha a boa fé, desde que o seu intuito é seguir o que se lhes apresentou melhor, entendo que o dever é respeitar essa crença, quando se não póde fazer mudar para melhor caminho. Não fica mal a ninguem procurar todos os meios para formar uma convicção segura, nem fica mal o enganar-se, o que fica mal é persistir no erro depois de o conhecer.

Desejo que todas as liberdades se apreciem, desejo que todas ellas se acatem e respeitem; e se alguma vez me desviar d'este caminho, se alguma vez não seguir no desempenho de quaesquer funcções o caminho mais conveniente, é porque não sei outro melhor, e não terei nunca pejo nem vergonha em dizer — fiz isto, e não fiz melhor porque não pude, ou porque não soube; esta confissão não fica mal a ninguem.

Sr. presidente, concluo dizendo á camara que, se lhe parecer conveniente mandar uma syndicancia ao districto que administrei, não ponho duvida em approvar, antes é para mim muito lisonjeiro que a camara me dê esse testemunho de consideração, e desde já lh'o agradeço, porque creia a camara que a maior prova de benevolencia, o maior testemunho de consideração que me póde dar é mandar syndicar dos meus actos como governador civil, que fui, do districto de Coimbra.

Peço desculpa, e concluo aqui, porque estou fatigado.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por grande parte dos seus collegas, e ouvido com attenção.)

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