1436-H DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
linhas porque todas vão alimentar a circulação da linha principal.
Ramal é a linha destinada a servir uma certa região ou um centro de producção e de consumo; mas qual é aquella que não está em alguma d'estas condições?
Por consequencia a definição de ramal a que s. exa. se abrigou para fazer esta concessão, é de uma tal latitude que com ella desapparecem as attribuições do poder legislativo na feitura das leio que auctorisam o governo a construir por sua conta ou a contratar com particulares a construcção do qualquer via ferrea.
Fundou-se o nobre ministro das obras publicas tambem no artigo 2.º do decreto de 31 de novembro do 1864. Eu não concordo com a doutrina de s. exa. e considero-a incorrecta.
O decreto de 31 de dezembro de 1864 não se póde applicar ás relações estabelecidas entre a companhia do norte e leste e o governo portuguez, porque essas relações vem de contratos anteriores e o decreto do poder executivo por uma auctorisação do poder legislativo não póde de maneira nenhuma referir-se senão a contratos feitos posteriormente á existencia d'essa lei.
Se se admittir a doutrina contraria, de que o decreto de 1864, posterior ao contrato com a companhia do norte e leste, e applicavel a esse contrato, chegaremos á consequencia de que o poder legislativo póde alterar de qualquer maneira as condições de um contrato bilateral feito entre o governo e uma companhia.
As condições de um contrato são sagradas, e o parlamento não tem o direito de as alterar, nem fazendo beneficios ás companhias nem prejudicando-as.
Se o sr. ministro entende poder applicar as disposições d'este decreto quando se trata de fazer favores a uma companhia, deve tambem applical-as em detrimento d'essa companhia para beneficiar o estado. Ora a jurisprudencia sobre caminhos de ferro está claramente estabelecida a este respeito e s. exa. praticou manifestamente um erro juridico, invocando as disposições do decreto de 31 de dezembro do 1864.
O contrato feito entre a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste e o governo estabelece, por exemplo, que a companhia tem de dar passagem nas linhas, e em grande velocidade, ás malas do correio devidamente acondicionadas e aos seus conductores. Veiu depois um decreto, expedido pelo poder executivo em virtude de auctorisação legislativa, que estabeleceu o regimen das ambulancias e é evidente que se o contrato com a companhia se podesse alterar em qualquer sentido, o governo a teria obrigado ao transporte tambem gratuito das carruagens das ambulancias estabelecidas por lei posterior em 1879; no entanto, publicada essa lei, a companhia reclamou, convocou-se um tribunal arbitrai, e esse tribunal estabeleceu a doutrina, inteiramente verdadeira, de quedas condições estabelecidas no contrato de 1859 não podiam ser alteradas por qualquer lei ou decreto posterior.
Por consequencia, a companhia tinha direito a indemnisação porque não podia transportar gratuitamente as ambulancias postaes, visto que não eram do systema de 1859.
Este argumento prova para todo o caso em que o governo faz uma alteração no contrato.
O decreto de 31 de dezembro de 1864 que o sr. ministro invocou não é applicavel; e ainda que fosse applicavel, elle condemnaria o acto praticado por s. exa. O que diz o decreto de 1864? Diz que o governo póde contratar directamente com as companhias os ramaes das linhas já concedidas com as mesmas condições dos seus contratos ou com outras, mas sem encargos para o estado: pergunto eu, ainda que fosse applicavel o decreto de 31 de dezembro estaria comprehendida n'elle a concessão da linha de Santa Apolonia a Alcantara, por ser a sua construcção sem encargo para o thesouro?
V. exa. sabe perfeitamente que segundo a lei de 1SS5, metade das terrenos conquistados ao Tejo são para o empreiteiro, e a outra metade para sor vendida, entrando como dinheiro para a satisfação dos encargos de 10.800:000$000 réis, preço da obra; por conseguinte é evidente que quanto mais renderem os terrenos conquistados, menos obrigações tem o governo que emittir, menos tem que satisfazer com relação aos 10.800:000$000 réis; quanto menos forem os terrenos conquistados, maior numero de acções o governo tem a emittir, maiores são os encargos.
O proprio decreto de 31 de dezembro de 1864, foi pois desprezado por s. exa., porque permittindo que se fizesse a concessão sem encargos da linha de Santa Apolonia a Alcantara, não póde harmonisar-se com a concessão d'esses terrenos á companhia, porque metade do valor d'elles deixa de se encontrar nos 10.800:000$000 réis, e por conseguinte d'ahi resulta encargo para o governo.
A companhia reconhecendo a inanidade das suas rasões invocava o artigo 25.º do alvará de 7 de julho de 1886 que é o que concedeu o ramal de Bemfica; e a companhia que possuia o ramal de Bemfica derivava d'este artigo que se lhe devia conceder o ramal de Santa Apolonia a Alcantara.
Eu leio o artigo 25.º do alvará e não vejo lá que isto lhe fosse concedido da parte do governo.
Está aqui no artigo 25.° para o governo, a obrigação do fazer esta concessão á companhia? Aqui o que está é que o governo não tinha que entregar nada á companhia do caminho de ferro, mas sim elle ao governo, quando o serviço militar estivesse organisado.
Portanto está demonstrado, creio eu, com toda a evidencia, que esta concessão feita por alvará á companhia dos caminhos de ferro de sorte e leste, é pelo menos uma revoltante illegalidade. (Apoiados.)
Resta-me fallar ainda das irregularidades do concurso e da questão do processo Hersent, mas eu não desejava levar a palavra para casa, e peço por isso á camara para me ouvir mais alguns minutos.
Quanto ás irregularidades do concurso, basta ler o processo: quem ler a acta do concurso ha de imaginar que correu tudo com a maxima regularidade; ha de imaginar que não houve o mais pequeno protesto, nem reclamação; ha de pensar que tudo correu o mais regularmente que é possivel.
Pois eu chamo a attenção do sr. presidente do conselho para o que diz a acta do concurso. A acta não está exacta, não refere os factos que se passaram no concurso, e s. exa. como habil jurisconsulto que é, sabe que a falsidade civil de um documento prova-se, ou com a falsidade da assignatura, ou por o documento mencionar como praticados factos que se não realisaram.
A acta em cada uma das suas partes diz que não houve reclamação de especie alguma e eu encontro no processo um protesto do engenheiro Reeves em que diz que a primeira proposta do sr. Hersent tinha indicações exteriores, o que era prohibido pela lei e pelo programma: diz-se mais no processo que o engenheiro Reeves queria protestar, e que o presidente lhe dissera que tinha que protestar em portuguez e não em francez.
Consta isto do processo, e desde que a acta não refere estes acontecimentos, desde que as instrucções de 19 de março do 1861 obrigam a exarar todas as occorrencias que tiveram logar, eu julgo-me no direito de dizer que a acta é falsa, juridicamente fallando.
Foi o processo á procuradoria geral da corôa e qual foi a minha admiração ao ver que o sr. procurador geral da corôa confirma todos estes factos.
Diz o sr. procurador geral da corôa:
" A procuração de mr. Hersent não se encontrou no primeiro sobrescripto. Interrogado em publico o apresentante declarou publicamente: que a procuração estava no segundo sobrescripto. N'esta supposição se formou a, lista dos