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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tar, até hoje conhecido em algum parlamento do mundo, que possa obrigar este governo a retirar-se d'aquellas cadeiras? Não ha nenhum. Estão esgotados todos, e todos deram já a este governo demonstrações sufficientes da impossibilidade da sua conservação; mas a tudo elle resiste com a inercia e com o silencio.

Propõe-se uma moção de confiança; não é admittida á discussão, e o proprio governo vota para que o não seja. Declara, com o seu habitual espirito, o sr. Carlos Bento, que procede assim por modestia! (Riso.) O espirito feliz d'este illustre ministro brinca até com os actos mais serios da representação nacional (apoiados).

Propõe-se uma moção de censura; não é tambem admittida á discussão. Pronunciam-se todos os partidos d'esta casa; dois desde logo vieram em manifesta opposição; pronuncia-se outro a proposito da eleição de Villa Verde, declarando claramente que não póde continuar a confiar no governo; manifesta-se emfim o ultimo partido, declarando que o governo não representa nem as suas idéas nem a sua politica. Declara mais, como lembrança salutar, ou antes como hostil aviso, que o governo tem de sujeitar-se á lei geral da humanidade, que é preciso trabalhar, e que a sua missão não póde ser perpetuar-se no poder. O governo vota esta proposta (apoiados), e vém confundir-se voluntariamente com os membros da opposição mais declarada. Prolongar por estes meios o triste viver ministerial é caso unico nos annaes do systema parlamentar.

Ha mais. Pedem-se ao governo depois de accusações gravissimas, documentos sobre muitas eleições, sobre muitos factos publicos praticados pelo governo, fazendo-se-lhe ao mesmo tempo a declaração de que é para accusar e censurar os seus actos. O governo não manda um só documento; se vieram os documentos de Arganil, devemos todos dar parabens á fortuna, que prodiga concedeu ao sr. marquez d’Avila a distincção, de possuir em summo grau um orgulho, talvez legitimo, mas; sem duvida exagerado. A essa apreciavel qualidade devemos á apresentação dos documentos de Arganil. Para isso foi necessario que um dos oradores mais prudentes d'esta casa, tão moderado e comedido na phrase que sem exageração póde affirmar-se, que quando este orador se exalta, qualquer outro estaria perdido de indignação, foi necessario, repito, que este orador, cedendo a um momento de justa exaltação, declarasse terminantemente ao sr. presidente do conselho, que demorar por mais tempo a remessa dos documentos era um acto de cobardia. Esta palavra foi depois retirada pelo illustre deputado á quem me refiro, e eu agora não a emprego senão forçado pela necessidade de repetir o que então se disse, aliás substitui-la-ia, como costumo, pela expressão mais parlamentar — coragem politica do nobre presidente do conselho. Foi necessaria a intimação formal. Houve o comminatorio expresso e positivo. Então, mas só então, o sr. marquez d'Avila resistiu a todos os avisos prudentes dos seus amigos e conselheiros. Desde que elle, tão modesto, viu ferido o seu legitimo orgulho, vieram os documentos de Arganil; mas não veiu mais nenhum, nem vem, a não ser pelos mesmos meios. Não ha documentos em relação ás eleições de Vouzella, Mirandella e Macedo de Cavalleiros; faltam tambem os relativos aos enterramentos no cemiterio de Paranhos; não apparecem os que dizem respeito á estrada da Covilhã, questão esta que a imprensa d'este paiz classificou de evidente veniaga eleitoral, e motivo unico da saída de um ministro, de certo dos mais distinctos em qualquer epocha, e inquestionavelmente o mais estimado e o mais popular de todo o ministerio. Não vem documento nenhum.

O governo leva a sua audacia ao ponto de escarnecer a representação nacional (apoiados), e eu digo que o governo a escarnece, porque nem ao menos se digna salvar as apparencias, vindo declarar á camara que a apresentação d'aquelles documentos offerece alguns inconvenientes. Não faz declaração nenhuma. O seu systema é o non possumus da curia romana; é o silencio; reage com a inacção; vence-nos com a mudez; cansa-nos com a inercia. Documentos, que são essenciaes para apreciar o procedimento do governo, não apparece um n'esta casa; são perdidas todas as considerações; são inuteis todos os esforços da opposição. Mas isto assim não póde ser (apoiados), e se este inclassificavel procedimento tem de continuar, alimentado pela excessiva tolerancia da maioria, que não falla tambem, talvez a opposição se veja obrigada a reconhecer que a sua presença é de mais n'esta casa, onde perde e faz perder o tempo, porque não póde conseguir contra o silencio do maior numero resultado algum util.

Toda a camara se horrorisou na ultima sessão, ouvindo as accusações terminantes com o que o sr. Dias Ferreira fulminou o governo, ainda que sempre em phrase cortez e moderada. Eu vi a camara toda horrorisada perante a longa e quasi interminavel serie de crimes, de prepotencias, de abusos, de falsas informações, de calumnias officiaes, sempre gratuitas e officiosas, nunca comprovadas nem por um documento ao menos, e a final todas desmentidas, uma por uma, com os proprios documentos que o governo mandou, ou com outros authenticos, de que não é licito duvidar, emquanto não forem destruidos juridicamente. Nem uma só asserção houve, que não ficasse demonstrada falsa por certidão ou documento authentico que inteiramente a desmentia!

Toda a camara estava horrorisada com o que se passou em Arganil; pois o que se passou em Arganil foi o mesmo que se passou em toda a parte, onde este governo, incapaz de odios, diz elle, mandou combater as eleições das pessoas que provavelmente amava. A eleição de Arganil não é a excepção, é a regra geral, é o systema do governo, é a reacção arvorada em credo politico, é o crime de rasgar, uma a uma, todas as liberdades d'este paiz, é a tentativa insolita de um culpavel esforço para inutilisar as victorias que a geração passada a tanto custo conquistou (apoiados).

É este o governo; e só assim se explica esta recusa tenaz e pertinaz de submetter á representação nacional os documentos, que constantemente se lhe pedem, e todos os quaes nos recusa, apesar de nenhum se referir, indirecta ou remotamente, a relações diplomaticas.

Permitta-me a camara uma explicação, que facilmente justifica o calor que eu tomo, e a impressão que me domina. Quando eu me refiro ao governo, não considero os srs. ministros, como elles se acham actualmente ali sentados n'aquellas cadeiras, mansos, quasi passivos, sempre amaveis e risonhos. Tambem eu, quando assim os contemplo n'aquella beatitude seraphica, não estranho, nem devo estranhar, que não me comprehendam aquelles que, deixando-se ficar em Lisboa durante a eleição, viveram todos os dias em santa alliança com os membros do governo, e os encontraram sempre igualmente amaveis e afiaveis. Esses não viram, nem podiam ver, a acção nefasta do governo espalhada em todos os circulos eleitoraes do paiz, onde o ministerio, cego pelo odio e pelo despeito, mandou guerrear as candidaturas opposicionistas a todo o trance, fossem quaes fossem os meios.

Não estranho, pois, que taes homens me não comprehendam. Não posso estranhar mesmo que elles censurem o calor, que eu tomo n'esta questão, porque eu mesmo, se me limito a observar aqui os illustres membros do governo, quando olho só para elles, sinto, a meu pezar, diminuir pouco a pouco o fogo da minha indignação. Mas esta impressão dura em mim um momento apenas, e a indignação redobra, logo que recordo os actos a que assisti, as scenas que presenciei. Uma grande parte do paiz soffreu muito, e sei que continuará a soffrer, emquanto estes ministros, que são a unica causa d'esses soffrimentos e os auctores unicos da violação de todas as leis, continuarem no poder. Os ministros não acreditam em taes soffrimentos, porque não soffrem nada e ignoram tudo. Na sua admiravel innocencia,