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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ministração corrupta tentava corromper homens livres que sabem ser eleitores independentes. Tudo fugiu ao governo; fugiu-lhe o seu candidato; voltaram-lhe as costas todos os eleitores. Eu vim á imprensa publicar então o manifesto mais hostil ao governo, e provoca-lo ainda a que substituisse por outro o candidato que se retirava. Fugiu então o governo. Ao furor da ira tinha succedido já a prostração da fraqueza. O sr. marquez d'Avila não encontrava tambem um nome decente que perante aquelle circulo eleitoral se sujeitasse a aceitar a protecção da auctoridade.

O circulo n'esta eleição deu uma severa lição de moralidade, de independencia e de dignidade ao sr. marquez d'Avila, que, como ministro do reino, sobrepõe sempre os seus pequeninos odios e os seus impotentes rancores pessoaes á liberdade da urna, aos direitos sagrados dos povos.

Qual foi, porém, a consequencia para aquelle circulo, onde por parte do governo toda a esperança de victoria era impossivel?

Qual foi o resultado da inutilidade da tentativa, desesperada para o governo, de conseguir uma votação que tivesse apparencias de algum prestigio ou de alguma popularidade?

A consequencia, o resultado immediato, foi que o sr. marquez d'Avila fez logo caír a mãos largas sobre os dois concelhos, até ali esquecidos, as manifestações da sua indole benefica, que por equivoco ali se traduziram em odios do sr. ministro do reino, em vinganças e em oppressões d'este mesmo homem, que aqui se levanta altivo e audaz, e ao mesmo tempo risonho e prasenteiro, a dizer-nos: «Pelo amor de Deus; odios, eu, que nunca tive odio a ninguem!»

Quando comparo estas palavras com o que vi e presenciei, sou forçado a crer que o habito do odio leva, qual segunda natureza, o sr. ministro do reino a persuadir-se sinceramente de que o seu odio é benevolencia. Talvez elle confunda já estes sentimentos diversos. Para mim não quero nem insisto em que faça a distincção, porque um e outro me são absolutamente indifferentes.

Era dos votos d'este circulo, que eu prescindia n'aquella epocha da dictadura, quando resisti pertinaz e inabalavel a todas as instancias, que commigo se fizeram e muitas vezes se repetiram para me deixar eleger. Fui portanto simples espectador de todos os actos politicos d'aquella epocha, dos quaes não tenho responsabilidade alguma real nem moral; mas como espectador eu vi que, tanto durante aquelle ministerio como depois quando se discutiu o bill de indemnidade, não só durante o poder, mas ainda no momento que era o unico proprio para ser accusado aquelle poder, muitas das pessoas que hoje expandem a sua serodia indignação nos mais tardios e inuteis clamores, não se recusaram a dar provas publicas de uma sympathia, que era toda abnegação, e que não direi extraordinaria, mas bastante satisfactoria para lisonjear os dictadores, e mais que sufficiente para patentear ao paiz que a dictadura não era tão nefasta nem tão horrorosa, como hoje se pretende inculcar. Combater dictadura e dictadores n'aquella epocha podia ser nobre e talvez util. Auxiliar os dictadores na dictadura, absolve-los na hora extrema, e accusa-los depois que desappareceram, parece-me inutil para o paiz, e como prova de coragem talvez não seja das mais heroicas nem das mais admiraveis.

No numero d'esses homens, talvez como o primeiro vulto politico d'esta terra, quem viamos nós testemunhar ao ministerio da dictadura a sua plena confiança? Quem parecia influir na escolha dos candidatos? De quem se dizia que a dictadura podia contar com pleno apoio? Quem se preparava para adir a herança como immediato successor? Era o sr. marquez d'Avila e de Bolama (muitos apoiados).

O sr. Luiz de Campos: — S. ex.ª pertence a todos os partidos.

O Orador: — Pertence, diz elle, ao partido dos homens de bem.

O sr. Luiz de Campos: — Em todos os partidos ha homens de bem.

O Orador: — E por isso elle tem pertencido e conta pertencer a todos os partidos passados e futuros.

O sr. Rodrigues Sampaio: — Ha muitos assim.

O Orador: — Eu sei que ha muitos assim, e sei tambem que ha outros peiores; mas trato agora apenas do sr. presidente do conselho, que reputo merecer incontestavel preferencia. Não posso fazer agora a resenha minuciosa de tudo que ha, e muito menos alargar-me em referencias pessoaes a cada uma das diversas pessoas, que a allusão póde comprehender, quer estejam presentes, quer não tenham logar n'esta casa. Limitei-me e limito-me a fazer referencia especialissima ao sr. presidente do conselho, exactamente por se dar a rara e notavel coincidencia de ser um seu ex-delegado de confiança, que hoje apparece a accusar a dictadura, que o sr. marquez d'Avila principal e distinctamente apoiou. E mais notavel é ainda esta coincidencia, porque o illustre deputado que me precedeu, defendendo é governo contra accusações que só ao governo se dirigem, e defendendo-o antes d'elle se defender, parece que substitue o governo tanto na defeza como nas aggressões, pois claramente se viu que o sr. presidente do conselho quiz ceder-lhe a precedencia da palavra, e não o fez de certo sem poderosos motivos para assim proceder.

É o sr. marquez d'Avila que pelo seu defensor accusa a dictadura, que o sr. marquez d'Avila favoreceu, apoiou e apreciou. Parece-me digno, coherente e corajoso, este procedimento do nobre ministro do reino!

Porque a não guerrearam, emquanto ella durou? Porque a não combateram, emquanto existiu? Poderão acaso dizer que estavam coactos, e que os obrigava a ceder o receio de violencias da parte dos dictadores?

Seria triste essa evasiva; mas nem esse ultimo recurso lhes ha de restar.

A dictadura caíu e foi substituida pelo modo que todos nós sabemos, e que não foi com certeza por meio nenhum parlamentar nem mesmo muito liberal. Isso pouco me importa, e quanto á dictadura eu posso afoitamente affirmar que me foi tão indifferente a sua morte, como me tinha sido a sua organisação. Mas a dictadura tinha caído, não podia já assustar ninguem. O sr. marquez d'Avila, ligado pela gratidão, tomou a sua parte de herança no ministerio seguinte, e veiu trazer aqui o bill de indemnidade para os dictadores, e alem d'isso pedir ao parlamento a approvação e confirmação de muitos dos seus actos. Era então para accusar inteiramente proprio o momento, opportuna a occasião. Ninguem accusou. Um dos representantes da dictadura, o ministro das tres pastas, como lhe chama o sr. Telles de Vasconcellos, tinha logar n'esta casa, não fugiu nem trepidou, subiu aquella tribuna e provocou a todos que o accusassem; pediu por favor, como especial obsequio, que houvesse quem ao menos dirigisse algum áparte contra as asserções que elle fazia. O sr. Telles de Vasconcellos, hoje irado e accusador, então benevolo e prasenteiro, movido sempre pela voz da sua consciencia, assistia impassivel e silencioso a todas estas interrogações e pedidos. É verdade. Recordo-me agora que s. ex.ª fez um áparte, mas esse áparte saiu, lhe talvez caro, porque teve immediata resposta, a qual lhe não foi, creio eu, muito agradavel. Em todo o caso mostrou-se plenamente n'essa occasião que não havia accusadores. Um homem publico, que zela a coherencia das suas opiniões, não póde deixar de reconhecer que não tinha accusação a fazer, desde que deixou passar o momento proprio sem fazer a accusação. Aquelle que tinha logar n'esta casa, quando chegou a occasião do accusar, e não accusou, expressamente reconheceu, que não tinha motivos para accusar (apoiados).

Disse mais o illustre deputado, que me precedeu, ou antes pela sua voz declarou o governo, que, se houve tantos crimes e violencias, a eleição de Arganil devia ter sido an-