O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 777

777

Discursos do sr. deputado Visconde de Moreira de Rey, proferidos na camara dos senhores deputados nas sessões de 21, 22 e 23 de agosto de 1871

Sessão de 21 de agosto, pag. 281, col, 2.ª

Sr. presidente, o illustre deputado, que acabou de fallar, declarou que concluia o seu discurso sem ter analysado os documentos, e que o fazia unicamente por excesso de fadiga.

O sr. Telles de Vasconcellos: — Não disse isso.

O Orador: — Então diga v. ex.ª o que disse. Eu aceito qualquer rectificação.

O sr. Telles de Vasconcellos: — É melhor continuar.

O Orador: — Para isso era melhor não me interromper. Eu ouvi perfeitamente o illustre deputado declarar-se fatigado, lamentar muitas vezes o longo tempo de que podia dispor, e por ultimo affirmar que, vencido pela fadiga, concluia o seu discurso sem analysar muitos documentos, e sem dar à analyse dos outros todo o desenvolvimento necessario. É verdade tambem, que depois d'isso fallou ainda mais de um quarto de hora sobre reforma parlamentar, commissões de inquerito, confiança em todos os ministros, anarchia, reacção ou communa, e peccados por ignorancia. Em todo o caso muitos documentos ficaram por analysar, e outros não foram considerados em todo o seu desenvolvimento. N'estes termos, como tanto para o illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, como para mim, o unico responsavel é o governo, requeiro a v. ex.ª que, consultada a camara, seja o sr. ministro do reino convidado a tomar agora a palavra sobre esta questão.

Vozes: — Não póde ser.

O sr. Presidente: — O sr. ministro tem o direito de se inscrever quando quizer e de fallar quando quizer (apoiados). Agora cabe a palavra ao sr. deputado, mas é sobre a ordem, e por isso convido o sr. deputado primeiro que tudo a ter a sua moção de ordem.

O Orador: — Primeiro que tudo não podia eu prescindir de revelar este desejo de ouvir s. ex.ª, o sr. presidente do conselho. Era-me indispensavel tornar bem saliente a situação, em que me vejo, tendo de fallar sobre uma questão em que as arguições ao governo foram muitas e gravissimas, e em que por parte do governo não appareceu ainda defeza alguma! Eu insisto. Ainda faço outro requerimento, se me é licito, e é para que v. ex.ª consulte a camara sobre se consente, que v. ex.ª me reserve a palavra para fallar depois do sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara, mas a ordem da inscripção não póde inverter-se; porque se se inverter em relação ao sr. deputado, todos os outros senhores podiam fazê-lo. Eu consulto a camara, mas lembro á camara que o sr. presidente do conselho ainda não está inscripto; portanto não tem depois a palavra o sr. visconde de Moreira de Rey.

(Consultada a camara foi rejeitado o requerimento.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Agora peço a palavra.

O Orador: — Eu empreguei todos os esforços, e esgotei, como v. ex.ª viu, todos os recursos que conhecia da tactica parlamentar.

Não pude conseguir que o sr. ministro do reino fallasse primeiro, e vae fallar depois de mim. Agora o que quero é tornar bem claro e conhecido, que o sr. presidente do conselho foge a que uma voz, que o deve accusar, possa fallar depois d'elle (apoiados). É este o facto de singular coragem, que cumpre tornar bem saliente não só a esta camara, mas a todo o paiz.

O sr. Presidente: — O sr. deputado póde inscrever-se depois.

O Orador: — Muito a tempo para não fallar mais, porque o debate encerra-se primeiro. O sr. ministro do reino, que podia fallar antes e depois de mim, não quiz que eu podesse fallar depois d'elle. É isto o que me basta fazer notar.

Peço ainda a v. ex.ª uma cousa; é a dispensa do regimento, não para deixar de ter a minha moção, mas apenas para adiar o cumprimento da obrigação, que tenho, de principiar por essa leitura. Faço este pedido a v. ex.ª e à camara, confiando na sua benevolencia; mas, se pedir não é sufficiente, recorrerei a outro meio, que é uma verdadeira ameaça. A minha moção de ordem é uma substituição á resposta ao discurso da corôa, e a substituição occupa dois cadernos de papel escripto por todos os lados e n'este formato (mostrando. — Riso.)

O sr. Presidente: — O sr. deputado sabe que tem obrigação de ter primeiro a moção; e sabe tambem que pelo regimento são prohibidos os discursos escriptos.

O Orador: — O discurso não está escripto; nem eu costumo, nem preciso, trazer discursos escriptos; mas eu é que tenciono fallar sobre tudo isto, que para ser resposta ao discurso da corôa aqui está escripto, porque essa resposta não póde ser fallada.

Eu vou escrever outra moção, se v. ex.ª o consente.

(Pausa.)

A minha moção é a seguinte:

«Proponho que a resposta ao discurso da corôa tenha significação politica, attenta a gravidade das circumstancias: e offereço uma substituição.»

Lerei depois a substituição em occasião opportuna, porque não quero agora abusar da attenção da camara. Eu tenho de tocar, com mais ou menos desenvolvimento, os diversos periodos que na minha substituição se contêem, e se agora tivesse de principiar lendo tudo, alem de ser cousa fastidiosa e quasi inaturavel, ver-me-ia forçado a repetir a leitura, quando tivesse de tratar em separado cada um dos diversos pontos, em que a substituição se divide. Vou, pois, principiar por uma declaração franca e categorica.

Ergo-me com o mais firme proposito de não empregar em todo o decurso da minha oração, nem uma só palavra que deva merecer da parte de v. ex.ª a minima advertencia, nem que possa ferir os ouvidos, talvez excessivamente sensiveis, do nobre presidente do conselho de ministros. Entretanto, como sou d'aquelles que se apaixonam, tenho primeiro que tudo de me felicitar pela distancia a que estamos de Arganil e pela garantia que aos membros d'esta casa concede a lei fundamental do estado; aliás reputar-me-ía muito arriscado a ser aqui preso para indagações (riso). Como eu me apaixono, e facilmente cedo á impressão que me domina, começo por uma declaração previa: «Se alguma palavra for por mim proferida no calor da discussão, que possa ferir, ou os habitos d'esta casa, ou as susceptibilidades de alguem, desde já a dou como completamente retirada, mantendo plenamente a idéa, e sustentando na expressão toda a significação necessaria para a sua absoluta clareza. Se a idéa poder, com vantagem ou sem prejuizo, ser fielmente traduzida por qualquer outra palavra, differente da que eu empregar, não tenho duvida em substituir mesmo a palavra, logo que me indiquem a maneira de n'estas condições fazer a substituição.»

Não posso ir mais longe, mas já se vê que não ha pos-

44 A

Página 778

778

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

sibilidade de offensa, desde que eu antecipadamente protesto contra toda a possibilidade de em mim se suppor animo offensivo. Esta declaração previa, talvez conveniente para todos que não trazem para aqui as palavras decoradas, é indispensavel para mim, que nunca poderia, sem sacrificar a idéa, retardar-lhe a expressão, a pretexto, ou pela necessidade, de pesar cauteloso as palavras que a exprimem. Eu não posso prescindir da liberdade da palavra. Se m'a negassem, ou restringissem, não poderia fallar.

N'estas condições, tendo feito notar á camara que empreguei desde logo as mais repetidas insistencias, para que o sr. ministro do reino podesse fallar antes de mim, devo principiar felicitando a camara e o paiz pela coragem politica do sr. ministro do reino. S. ex.ª notará como eu fujo de empregar a palavra cobardia, e póde ver á custa do que sacrificios eu a substituo. É surprehendente a coragem com que um governo, tendo soffrido, durante quatro dias, accusações tão graves, como nunca foram aqui dirigidas a governo algum, desapparece, desvia-se, retira-se da discussão, e emprega o maior, e tambem o mais deploravel cuidado, em evitar a replica que lhe deve fulminar qualquer evasiva, a que recorra, para se livrar de uma responsabilidade, que, para um governo compromettido pelos proprios documentos que mandou para a mesa, e por outros inteiramente authenticos, póde affirmar-se afoitamente que é uma responsabilidade sem defeza, e que não offerece evasiva possivel.

Faltava-lhe isto, o tambem só isto poderia aggravar a situação já tristissima, em que o governo se acha collocado. Depois dos excessos, das illegalidades, dos abusos e das prepotencias commettidas pelo governo, este só poderia aggravar a sua situação, fugindo com a palavra e recuando com a voz diante da responsabilidade propria, e mandando um seu delegado de confiança, o governador civil de Coimbra, dizer-nos: Me, me adsum, qui feci. In me convertite ferrum...

O sr. Presidente: — Aqui não está o governador civil de Coimbra, está um deputado da nação, o representante do circulo eleitoral da Guarda. E é prohibido trazer personalidades para a discussão.

O Orador: — Eu desejo saber em primeiro logar qual de nós tem a palavra, e se v. ex.ª póde discutir commigo d'esse logar.

O sr. Presidente: — Eu não discuto; indico-lhe apenas que é menos exacta a citação que o sr. deputado fez; ensino-lhe a verdade. Permitta-me que lh'o diga com estes termos.

O Orador: — V. ex.ª não me ensina cousa alguma, tenha paciencia; eu já não ando nas escolas e por isso recuso uma lição que em outras epochas me poderia ser muito aproveitavel. Entretanto, como a decisão de v. ex.ª não é em ultima instancia, e como me resta o recurso de appellar para a camara, digo o seguinte.

O meu collega, o sr. Telles de Vasconcellos, levantou-se outro dia do seu logar e declarou — eu sou o governador civil de Coimbra, que foi nomeado para dirigir as eleições (apoiados).

A inconveniencia, se o era, passou despercebida aos ouvidos de v. ex.ª

Agora mesmo, em todo o correr do excellente discurso do illustre deputado, elle declarou repetidas vezes que se levantava por ter sido o governador civil de Coimbra; que era elle quem tomava a defeza do governo, como seu delegado (apoiados), porque sé como tal ficasse illibado, illibado ficaria o governo.

Justiça igual. Quando v. ex.ª quizer fazer-me as suas advertencias, só peço e espero que sejam applicaveis ao caso.

E se porventura n'este incidente proferi alguma palavra que precise ser retirada, eu retiro-a, e em relação a v. ex.ª retirarei tanto a palavra como a idéa, porque a consideração que tenho por v. ex.ª não póde ser excedida.

O sr. Presidente: — As proprias palavras do sr. deputado rectificam o facto. O actual sr. governador civil de Coimbra, é o sr. Antonio de Carvalho.

O Orador: — Não é o actual; é o da epocha da eleição. Isso está claro.

O sr. Presidente: — O sr. deputado disse: «que o governo mandava o governador civil de Coimbra responder aqui»; e esse funccionario não responde n'esta casa.

Tenha a bondade de continuar.

O Orador: — O governador civil de Coimbra, que já sabemos quem é, tomando a responsabilidade d'estes factos, declarou expressa e positivamente que se defendia para defender o governo, porque, illibado o seu representante, ficava o governo illibado. Portanto vejo que o governo adoptou a unica defeza, triste e menos decorosa, que as circumstancias lhe permittiam! O sr. ministro do reino apresenta para se defender o ex-governador civil de Coimbra; este cavalheiro apresenta como sua defeza o administrador do concelho de Arganil; este cidadão, se tivesse entrada n'esta casa, seguindo o mesmo systema, viria defender-se de certo com os officios e participações dos regedores da Bemfeita e da Cerdeira; o que estes fariam, não sei eu. Mas o que sei, o que vejo, e o que é realmente admiravel, é o exemplo da instabilidade das glorias humanas, que nos dá o sr. presidente do conselho de ministros.

Outro dia ainda, modesto como sempre, affirmava elle perante esta camara, que um digno prelado d'este paiz, chefe de um dos partidos mais populares, subíra as suas escadas pedindo-lhe que o salvasse e ao seu partido; e que este partido, humilde e supplicante, lhe rogava que lhe estendesse a mão de protecção! Hoje é o contrario. Caído de tamanhas alturas, precipitado de tanta elevação, vemos o nobre presidente do conselho, hontem orgulhoso, hoje tambem humilde e supplicante, descendo da administração do concelho de Arganil até aos regedores da Bemfeita e da Cerdeira, pedindo e rogando á estes heroes illustres, que lhe estendam, a elle marquez, ministro e presidente, as mãos protectoras, e que o salvem agora, porque segunda vez lhes supplica o seu auxilio n'esta eleição! (Riso.) Chegou finalmente a este estado o sr. marquez d'Avila e de Bolama! O mundo offendido difficilmente poderá supportar esta vergonha!

Mas não é só isto: o silencio do nobre presidente do conselho é um verdadeiro insulto a toda a representação nacional (apoiados).

Desde que s. ex.ª se não defende de accusações plenamente comprovadas, indica que conta com a impunidade, apesar das provas que o condemnam. Todavia s. ex.ª não póde contar com a dedicação de todos os membros, que têem assento n'esta casa, e não póde de certo contar com a submissão de nenhum. Este procedimento é, pois, uma grave offensa, porque affirma o proposito de continuar a abusar da tolerancia que até hoje lhe tem consentido esta vida perniciosa para o paiz e prejudicial a todos, com que o sr. marquez d'Avila intenta, e quasi conseguiu, fazer desapparecer d'esta terra até as apparencias do governo representativo e da vida parlamentar!

É profundamente lamentavel que chegassemos a este abatimento! Os principios mais rudimentaes do direito publico constitucional parecem ignorados ou esquecidos; a verdade intuitiva de que perante a representação nacional é é governo o unico responsavel pelos actos dos seus agentes de confiança, parece que já se não conhece n'este paiz: o governo sophisma-a constantemente! Creio que é tempo da maioria dos membros d'esta casa — e não faço agora distincção de partidos politicos — se resolver a censurar este procedimento do governo, o qual pretende transformar em cumplicidade a tolerancia, com que a camara tem consentido na sua continuação!

Este governo ainda dura?! É um phenomeno; A camara ainda lhe consente mais alguns dias de vida?! É verdadeiramente incrivel.

É realmente duro! Haverá, pergunto eu, meio parlarmen-

Página 779

779

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tar, até hoje conhecido em algum parlamento do mundo, que possa obrigar este governo a retirar-se d'aquellas cadeiras? Não ha nenhum. Estão esgotados todos, e todos deram já a este governo demonstrações sufficientes da impossibilidade da sua conservação; mas a tudo elle resiste com a inercia e com o silencio.

Propõe-se uma moção de confiança; não é admittida á discussão, e o proprio governo vota para que o não seja. Declara, com o seu habitual espirito, o sr. Carlos Bento, que procede assim por modestia! (Riso.) O espirito feliz d'este illustre ministro brinca até com os actos mais serios da representação nacional (apoiados).

Propõe-se uma moção de censura; não é tambem admittida á discussão. Pronunciam-se todos os partidos d'esta casa; dois desde logo vieram em manifesta opposição; pronuncia-se outro a proposito da eleição de Villa Verde, declarando claramente que não póde continuar a confiar no governo; manifesta-se emfim o ultimo partido, declarando que o governo não representa nem as suas idéas nem a sua politica. Declara mais, como lembrança salutar, ou antes como hostil aviso, que o governo tem de sujeitar-se á lei geral da humanidade, que é preciso trabalhar, e que a sua missão não póde ser perpetuar-se no poder. O governo vota esta proposta (apoiados), e vém confundir-se voluntariamente com os membros da opposição mais declarada. Prolongar por estes meios o triste viver ministerial é caso unico nos annaes do systema parlamentar.

Ha mais. Pedem-se ao governo depois de accusações gravissimas, documentos sobre muitas eleições, sobre muitos factos publicos praticados pelo governo, fazendo-se-lhe ao mesmo tempo a declaração de que é para accusar e censurar os seus actos. O governo não manda um só documento; se vieram os documentos de Arganil, devemos todos dar parabens á fortuna, que prodiga concedeu ao sr. marquez d’Avila a distincção, de possuir em summo grau um orgulho, talvez legitimo, mas; sem duvida exagerado. A essa apreciavel qualidade devemos á apresentação dos documentos de Arganil. Para isso foi necessario que um dos oradores mais prudentes d'esta casa, tão moderado e comedido na phrase que sem exageração póde affirmar-se, que quando este orador se exalta, qualquer outro estaria perdido de indignação, foi necessario, repito, que este orador, cedendo a um momento de justa exaltação, declarasse terminantemente ao sr. presidente do conselho, que demorar por mais tempo a remessa dos documentos era um acto de cobardia. Esta palavra foi depois retirada pelo illustre deputado á quem me refiro, e eu agora não a emprego senão forçado pela necessidade de repetir o que então se disse, aliás substitui-la-ia, como costumo, pela expressão mais parlamentar — coragem politica do nobre presidente do conselho. Foi necessaria a intimação formal. Houve o comminatorio expresso e positivo. Então, mas só então, o sr. marquez d'Avila resistiu a todos os avisos prudentes dos seus amigos e conselheiros. Desde que elle, tão modesto, viu ferido o seu legitimo orgulho, vieram os documentos de Arganil; mas não veiu mais nenhum, nem vem, a não ser pelos mesmos meios. Não ha documentos em relação ás eleições de Vouzella, Mirandella e Macedo de Cavalleiros; faltam tambem os relativos aos enterramentos no cemiterio de Paranhos; não apparecem os que dizem respeito á estrada da Covilhã, questão esta que a imprensa d'este paiz classificou de evidente veniaga eleitoral, e motivo unico da saída de um ministro, de certo dos mais distinctos em qualquer epocha, e inquestionavelmente o mais estimado e o mais popular de todo o ministerio. Não vem documento nenhum.

O governo leva a sua audacia ao ponto de escarnecer a representação nacional (apoiados), e eu digo que o governo a escarnece, porque nem ao menos se digna salvar as apparencias, vindo declarar á camara que a apresentação d'aquelles documentos offerece alguns inconvenientes. Não faz declaração nenhuma. O seu systema é o non possumus da curia romana; é o silencio; reage com a inacção; vence-nos com a mudez; cansa-nos com a inercia. Documentos, que são essenciaes para apreciar o procedimento do governo, não apparece um n'esta casa; são perdidas todas as considerações; são inuteis todos os esforços da opposição. Mas isto assim não póde ser (apoiados), e se este inclassificavel procedimento tem de continuar, alimentado pela excessiva tolerancia da maioria, que não falla tambem, talvez a opposição se veja obrigada a reconhecer que a sua presença é de mais n'esta casa, onde perde e faz perder o tempo, porque não póde conseguir contra o silencio do maior numero resultado algum util.

Toda a camara se horrorisou na ultima sessão, ouvindo as accusações terminantes com o que o sr. Dias Ferreira fulminou o governo, ainda que sempre em phrase cortez e moderada. Eu vi a camara toda horrorisada perante a longa e quasi interminavel serie de crimes, de prepotencias, de abusos, de falsas informações, de calumnias officiaes, sempre gratuitas e officiosas, nunca comprovadas nem por um documento ao menos, e a final todas desmentidas, uma por uma, com os proprios documentos que o governo mandou, ou com outros authenticos, de que não é licito duvidar, emquanto não forem destruidos juridicamente. Nem uma só asserção houve, que não ficasse demonstrada falsa por certidão ou documento authentico que inteiramente a desmentia!

Toda a camara estava horrorisada com o que se passou em Arganil; pois o que se passou em Arganil foi o mesmo que se passou em toda a parte, onde este governo, incapaz de odios, diz elle, mandou combater as eleições das pessoas que provavelmente amava. A eleição de Arganil não é a excepção, é a regra geral, é o systema do governo, é a reacção arvorada em credo politico, é o crime de rasgar, uma a uma, todas as liberdades d'este paiz, é a tentativa insolita de um culpavel esforço para inutilisar as victorias que a geração passada a tanto custo conquistou (apoiados).

É este o governo; e só assim se explica esta recusa tenaz e pertinaz de submetter á representação nacional os documentos, que constantemente se lhe pedem, e todos os quaes nos recusa, apesar de nenhum se referir, indirecta ou remotamente, a relações diplomaticas.

Permitta-me a camara uma explicação, que facilmente justifica o calor que eu tomo, e a impressão que me domina. Quando eu me refiro ao governo, não considero os srs. ministros, como elles se acham actualmente ali sentados n'aquellas cadeiras, mansos, quasi passivos, sempre amaveis e risonhos. Tambem eu, quando assim os contemplo n'aquella beatitude seraphica, não estranho, nem devo estranhar, que não me comprehendam aquelles que, deixando-se ficar em Lisboa durante a eleição, viveram todos os dias em santa alliança com os membros do governo, e os encontraram sempre igualmente amaveis e afiaveis. Esses não viram, nem podiam ver, a acção nefasta do governo espalhada em todos os circulos eleitoraes do paiz, onde o ministerio, cego pelo odio e pelo despeito, mandou guerrear as candidaturas opposicionistas a todo o trance, fossem quaes fossem os meios.

Não estranho, pois, que taes homens me não comprehendam. Não posso estranhar mesmo que elles censurem o calor, que eu tomo n'esta questão, porque eu mesmo, se me limito a observar aqui os illustres membros do governo, quando olho só para elles, sinto, a meu pezar, diminuir pouco a pouco o fogo da minha indignação. Mas esta impressão dura em mim um momento apenas, e a indignação redobra, logo que recordo os actos a que assisti, as scenas que presenciei. Uma grande parte do paiz soffreu muito, e sei que continuará a soffrer, emquanto estes ministros, que são a unica causa d'esses soffrimentos e os auctores unicos da violação de todas as leis, continuarem no poder. Os ministros não acreditam em taes soffrimentos, porque não soffrem nada e ignoram tudo. Na sua admiravel innocencia,

Página 780

780

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

até parece, que, tranquillos e risonhos, estão á espera dos nossos agradecimentos.

A ignorancia é hoje, segundo parece, a mais feliz condição de um governo. Arvoraremos em principio constitucional a nova e singular doutrina ou theoria do erro por ignorancia, proclamada pelo illustre deputado que acabou de fallar.

Se chegarmos á suprema perfeição de considerar o erro por ignorancia não só motivo do plena absolvição, mas caso ainda para agradecimentos, eu proporei, plenamente convicto, que esta camara, fazendo inteira justiça ao sr. marquez d'Avila perante esta singular theoria, decrete ao sr. ministro do reino um monumento que materialmente o immortalise, e digo, materialmente, porque em espirito, nas recordações da historia e na gratidão dos povos, não só d'este paiz, mas de todo o mundo conhecido, já elle é immortal, ha de ser eterno e sempre lembrado. Se santificarmos a ignorancia por erro, como condição essencial de governo, a proposta do monumento é justa; deve ser unanimemente votada (riso).

Não é caso para rir. O assumpto é grave e solemne, e nenhum de nós póde pôr em duvida o que constantemente aqui se vê.

O sr. ministro do reino, á menor accusação que se lhe faz, responde invariavelmente: eu não sei nada, nunca me constou isso, é a primeira vez que em tal ouço fallar. O sr. marquez d'Avila converte assim as lutas da tribuna parlamentar, onde a sciencia deve apparecer e brilhar, exactamente no contrario d'aquillo que ellas devem ser (apoiados).

As accusações feitas ao governo e especialmente ao sr. ministro do reino estão todas de pé (apoiados).

S. ex.ª, muito tempo antes da eleição, teve conhecimento de que o administrador, que o governo sustentava no concelho de Arganil, tencionava recorrer á força, e s. ex.ª não só não tomou providencia alguma para que essa auctoridade não empregasse a força, mas pelo contrario deu a esse administrador todos os meios de execução, que lhe faltavam, entregando-lhe toda a força que elle pediu (apoiados).

Está de pé a accusação á auctoridade administrativa, representante do governo ou do sr. ministro do reino no concelho de Arganil, de ter prendido, sem culpa formada, e arbitrariamente, um cidadão que pacificamente descansava em sua casa (apoiados), tendo-o detido na prisão ou na enxovia, e mostrando-o em espectaculo publico pelas feiras e mercados que se faziam desde a localidade de Pomares até á cidade de Coimbra, onde o esperava o governador civil, talvez satisfeito por encontrar mais uma occasião de desaffrontar as liberdades individuaes (apoiados).

Provou-se pelos documentos authenticos, que o sr. ministro do reino teve pleno conhecimento de que o seu representante no concelho de Arganil arrancou um criminoso das mãos da justiça, e prendeu, para o metter tambem na enxovia em vez d'esse criminoso, o official de diligencias, que com o mandado do seu juiz tinha effectuado aquella prisão (apoiados).

Provou-se que o sr. ministro do reino teve pleno conhecimento de que o seu representante n'aquelle concelho, na correspondencia official, chamava faccioso, e creio que corrupto, ao representante do poder judicial (poder independente) n'aquella localidade.

Provou-se mais, e plenamente, que o sr. ministro do reino depois de officialmente instruido de todas estas circumstancias, continuou a conservar esse administrador e a dar-lhe os meios de official e publicamente calumniar não só o juiz de direito, mas todos os outros funccionarios, porque o que acontecia em relação ao juiz de direito, acontecia tambem em relação a todas as outras auctoridades ecclesiasticas, civis e fiscaes.

Provou-se que o sr. ministro do reino teve completa certeza e perfeitissimo conhecimento official, de que com o ordenado da administração do concelho de Arganil se tinha creado em Coimbra uma sentina de odios nuns para insultar com torpes injurias e ignobeis calumnias toda uma localidade, todos os homens importantes de um circulo, e especialmente um homem que s. ex.ª deveria talvez respeitar, se não por outros motivos, ao menos pelas recordações de antiga camaradagem.

Provou-se, que o sr. ministro do reino continuou a patrocinar esse administrador, e espontaneamente se encarregou de dar-lhe parte dos meios de fazer aquella publicação, porque o jornal tinha declarado, que se publicava á custa do ordenado da administração do concelho de Arganil, alem de outros recursos particulares.

Provou-se, finalmente, que á custa de sacrificios mais importantes, que o sr. marquez d'Avila realisou sem hesitar, s. ex.ª salvou sempre ajusta applicação d'aquelle ordenado, e não quiz nunca sacrificar aquella sentina de odios ruins, jornal official da administração do concelho de Arganil, e por consequencia jornal official do sr. ministro do reino, porque o era do seu representante n'aquella localidade.

Como responde o sr. ministro do reino a estas accusações comprovadas; com documentos? Com o silencio! (Apoiados.)

Póde algum paiz supportar isto, sr. presidente? A coragem civica, o valor politico, tem limites.

Eu peço ao sr. ministro do reino que não seja tão corajoso; não seja tão impavido e impassivel, responda confunda as accusações que se lhe fazem, justifique os seus actos, não por causa da sua pessoa; nem por credito do seu nome, porque isso pouco me importa, mas por causa da dignidade d'este paiz, por causa do respeito que todos nós devemos ás leis, por causa das liberdades publicas e individuaes que todos nós temos obrigação de manter (apoiados).

Sr. Presidente, desapparece o governo; para fugir á replica tarda em pedir á palavra; recusa o logar que lhe pertence, apesar de toda a minha insistencia, e mette de permeio n'uma accusação; que só a elle é directamente dirigida, o sue antigo delegado de confiança, ex-governador civil de Coimbra!

E mette o de permeio para que? Não é para oppor documentos authenticos aos documentos authenticos, que evidentemente fulminaram o procedimento do governo, nem para destruir com plausiveis argumentos as asserções que se colhem dos proprios; documentos do governo! O ex-governador, civil de Coimbra levanta-se para pedir ao sr. ministro do reino que declare estar errada a data de um telegramma! Então o sr ministro do reino, sempre condescendente para tudo que pensa poder aproveitar-lhe, ergue-se pressuroso para declarar que é exacto estar essa data errada (riso).

Ora, sr. presidente, as accusações são feitas por documentos authenticos, e a palavra do sr. ministro do reino nunca foi documento authentico (riso).

Quando se accusa com documentos publicos não é admissivel como defeza a palavra do accusado, embora seja ministro do reino. É muito respeitavel, eu mesmo a respeito, como qualquer outro, em cousas particulares, mas o que não posso é aceita-la em accusações, que lhe são directamente dirigidas, para destruir documentos authenticos, com fé publica; e muito menos a aceito, quando a publicação, que se diz errada, se fez e por largos dias correu, sem que houvesse reclamação alguma, e quando a rectificação só é pedida no momento em que póde servir e aproveitar como defeza contra um dos pontos cardiaes da accusação, e só depois de ouvida essa accusação.

Isto não é serio. Se por uma credulidade infantil nos prestassemos a admittir este systema, não me admiraria muito de ver o sr. ministro do reino d'aqui a pouco declarar, que todos os documentos estão errados e carecem de rectificações; e não estranharia que elle, animado por este precedente, viesse ainda pedir á camara licença para mandar fazer outros documentos, que sejam regulares e apro-

Página 781

781

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

priados á defeza, que debalde procura n'esta situação deploravel.

Tambem é esse, creio eu, o unico meio que o governo póde ter de escapar ás accusações que se lhe têem feito, e que em vista dos documentos apresentados ficam sem defeza possivel.

O governo intromette tambem na discussão o seu ex-governador civil de Coimbra, não para combater os documentos, não para o defender das accusações que se lhe fazem, e que elles provam, mas principalmente e de proposito para vir accusar com tardio zêlo os ministros da dictadura, especialmente o ministro das tres pastas, pelo seu procedimento eleitoral e politico n'uma epocha que passou. Triste recurso invoca o governo na sua posição desesperada!

Este meio, muito conhecido e muito usado, não póde aproveitar. Accusações dos outros não são defeza propria. Defendam-se agora os que agora são accusados. Accusem depois, se quizerem, mas não confundam as accusações, que são distinctas e separadas.

Nós não tratâmos agora de saber qual foi o procedimento da dictadura, nem nos importa averiguar hoje qual foi o procedimento de todos os ministerios que passaram; tratâmos unicamente de accusar o ministerio actual pelos seus abusos e pelos crimes proprios praticados nas eleições, que ultimamente tiveram logar.

Tem o governo coragem e meios de se defender d'estas accusações? Defenda-se, destrua todas ás accusações que se lhe fazem, invalide os documentos, desminta as provas, confunda os accusadores. Se o peso do proprio crime o esmaga, se a voz da sua consciencia o condemna, se não tem coragem, se lhe faltam todos os meios de defeza, confesse.

Confesse?!... Já confessou. O réu que não contraría, quando tem interesse e, obrigação de contraria, confessa tacitamente. Nós temos já a confissão tacita, que transparece d'entre os arrojos incriveis com que o desespero da propria causa leva o accusado á insolita tentativa de se transformar em accusador. Reum habemus confitentem.

Confesse, mas confesse contricto e humilde, de fórma que o seu arrependimento possa aproveitar-lhe como attenuante das gravissimas culpas

Não venha, porém, o governo, nem intrometta o seu delegado a querer illudir ou desviar a attenção das accusações directas, que só a este governo são feitas, com uma supposta accusação contra os ministerios ou contra as dictaduras anteriores.

A este respeito eu posso declarar-me inteiramente insuspeito. Tanto da organisação, como dos actos da ultima dictadura eu fui simples espectador, mais ou menos indifferente, mas sempre completamente estranho a todos os actos politicos d'essa epocha.

Nas eleições, em que essa dictadura consultava o paiz, eu tinha retirado pela imprensa a minha candidatura e manifestei logo e terminantemente o meu proposito firme e inabalavel de retirar-me do parlamento.

N'este ponto devo explicar-me com toda a clareza, para que possa avaliar-se o alcance d'este meu procedimento.

A recusa da eleição, que n'aquella epocha eu vim fazer publicamente pela imprensa, não significava que desistia ou prescendia de pedir ou de solicitar, como especial mercê ou favor de qualquer governo, a concessão de um circulo eleitoral, onde esse governo apresentasse, ou me deixasse apresentar a minha candidatura, não aos votos dos eleitores, mas á influencia das auctoridades; não significava nada d'isso: significava pelo contrario, que era eu que espontaneamente deixava vago um circulo, pelo qual tinha a certeza plena e absoluta de ser eleito pela vontade dos eleitores, sem compromissos de especie alguma o sem ter que attender á vontade de mais ninguem.

Esse circulo eleitoral, em que me glorio de ter nascido e que me honro de ter representado, elegeu sempre livremente, desde que o direito eleitoral se exerce n'este paiz.

Ainda agora acabou de mostrar como sabe eleger contra todos os abusos e todas as tentativas de qualquer governo.

Ora, um circulo que não faz isto só agora, nem só a mim, mas que o tem feito constantemente, porque nunca aceitou imposições de governo algum; um circulo que escolhe livremente os homens que lhe parecem mais competentes, e que os elege com absoluta independencia, do que póde dar testemunho o sr. Mártens Ferrão, uma vez por ali proposto, quando se julgava arriscada a sua candidatura por outro circulo, e por ali eleito sem que para isso concorresse influencia alguma do governo; um circulo habituado e investido na posse permanente de impor os candidatos ao governo, e de não aceitar do governo imposição nem indicação de genero algum; um circulo n'estas condições parecia predestinado para dar uma lição monumental no orgulho e na vaidade do sr. ministro do reino, que a levou tão severa, como a merecia.

O sr. marquez d'Avila foi humilde o supplicante, primeiro diante de um homem de bem, que recusou ceder ás suas instancias, e depois diante de um partido politico implorar que, para obrigar aquelle cavalheiro, lhe estendessem a mão de protecção. Como questão de governo e de lealdade eleitoral exigiu ao partido que resolvesse, ou coagisse, a deixar-se propor um cavalheiro respeitabilissimo, meu antigo collega e amigo, a quem muito respeito pelas suas excellentes qualidades, e ao qual dei perante os eleitores do circulo, durante a eleição, e tanto antes como depois d'elle retirar a sua candidatura, as maiores provas de estima e de consideração de que esse cavalheiro é incontestavelmente digno.

Mas o sr. marquez d'Avila não se limitou a curvar-se humilde e supplicante, implorando como supremo favor a concessão de um nome, digno e honrado, para oppor ao meu. Fez mais. Illudiu e enganou o homem honrado, que a muito custo cedeu ás instancias dos seus amigos politicos, promettendo-lhe como certo, seguro e infallivel, o apoio de influentes, que não podiam deixar de o hostilisar, desde que eram elles os que mais se empenhavam a favor da minha eleição.

Prometteu lhe solemnemente o apoio d'esses influentes em Celorico de Basto, obrigou-o a escrever-lhes, e, illudindo-o, sujeitou-o a receber respostas, todas honrosas para esse cavalheiro, mas todas desfavoraveis á sua eleição, que o obrigaram a desistir da candidatura vinte dias antes do designado para a eleição geral.

O sr. ministro do reino não quiz deixar publicar essa desistencia, e recusou-se a communica-la officialmente, porque no seu furor cego e crescente queria obrigar aquelle nome honrado a soffrer uma derrota eleitoral, que seria altamente significativa, ainda que a significação se dirigisse só e directamente ao governo, que todos os eleitores consideram ali inepto e nefasto, e não ao candidato que todos estimam e respeitam.

Emquanto o candidato instava para que o governo mandasse retirar a candidatura, o sr. marquez d'Avila insistia e teimava em a conservar, e os seus agentes, seus dignos representantes no districto e no circulo, punham em hasta publica os livramentos dos recrutas, as diminuições do imposto, todas as violações das leis de administração, offereciam um logar de secretario, geral, um baronato, empregos publicos, e até a insigne e revoltante impostura de que o governo, em troca da eleição, mandaria construir por conta do estado uma estrada já estudada e approvada como districtal!

Para levar o escandalo, ao ultimo excesso os agentes do governo obrigavam-se a entregar os decretos aos interessados no dia da eleição, talvez á bôca da uma!

Tudo foi inutil. O candidato, meu honrado antagonista, vendo-se enganado e burlado pelo governo, veiu elle mesmo pela imprensa desistir da candidatura.

Todos os influentes, sem excepção de um só, repelliram com indignação e com desprezo as offertas com que a ad-

Página 782

782

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ministração corrupta tentava corromper homens livres que sabem ser eleitores independentes. Tudo fugiu ao governo; fugiu-lhe o seu candidato; voltaram-lhe as costas todos os eleitores. Eu vim á imprensa publicar então o manifesto mais hostil ao governo, e provoca-lo ainda a que substituisse por outro o candidato que se retirava. Fugiu então o governo. Ao furor da ira tinha succedido já a prostração da fraqueza. O sr. marquez d'Avila não encontrava tambem um nome decente que perante aquelle circulo eleitoral se sujeitasse a aceitar a protecção da auctoridade.

O circulo n'esta eleição deu uma severa lição de moralidade, de independencia e de dignidade ao sr. marquez d'Avila, que, como ministro do reino, sobrepõe sempre os seus pequeninos odios e os seus impotentes rancores pessoaes á liberdade da urna, aos direitos sagrados dos povos.

Qual foi, porém, a consequencia para aquelle circulo, onde por parte do governo toda a esperança de victoria era impossivel?

Qual foi o resultado da inutilidade da tentativa, desesperada para o governo, de conseguir uma votação que tivesse apparencias de algum prestigio ou de alguma popularidade?

A consequencia, o resultado immediato, foi que o sr. marquez d'Avila fez logo caír a mãos largas sobre os dois concelhos, até ali esquecidos, as manifestações da sua indole benefica, que por equivoco ali se traduziram em odios do sr. ministro do reino, em vinganças e em oppressões d'este mesmo homem, que aqui se levanta altivo e audaz, e ao mesmo tempo risonho e prasenteiro, a dizer-nos: «Pelo amor de Deus; odios, eu, que nunca tive odio a ninguem!»

Quando comparo estas palavras com o que vi e presenciei, sou forçado a crer que o habito do odio leva, qual segunda natureza, o sr. ministro do reino a persuadir-se sinceramente de que o seu odio é benevolencia. Talvez elle confunda já estes sentimentos diversos. Para mim não quero nem insisto em que faça a distincção, porque um e outro me são absolutamente indifferentes.

Era dos votos d'este circulo, que eu prescindia n'aquella epocha da dictadura, quando resisti pertinaz e inabalavel a todas as instancias, que commigo se fizeram e muitas vezes se repetiram para me deixar eleger. Fui portanto simples espectador de todos os actos politicos d'aquella epocha, dos quaes não tenho responsabilidade alguma real nem moral; mas como espectador eu vi que, tanto durante aquelle ministerio como depois quando se discutiu o bill de indemnidade, não só durante o poder, mas ainda no momento que era o unico proprio para ser accusado aquelle poder, muitas das pessoas que hoje expandem a sua serodia indignação nos mais tardios e inuteis clamores, não se recusaram a dar provas publicas de uma sympathia, que era toda abnegação, e que não direi extraordinaria, mas bastante satisfactoria para lisonjear os dictadores, e mais que sufficiente para patentear ao paiz que a dictadura não era tão nefasta nem tão horrorosa, como hoje se pretende inculcar. Combater dictadura e dictadores n'aquella epocha podia ser nobre e talvez util. Auxiliar os dictadores na dictadura, absolve-los na hora extrema, e accusa-los depois que desappareceram, parece-me inutil para o paiz, e como prova de coragem talvez não seja das mais heroicas nem das mais admiraveis.

No numero d'esses homens, talvez como o primeiro vulto politico d'esta terra, quem viamos nós testemunhar ao ministerio da dictadura a sua plena confiança? Quem parecia influir na escolha dos candidatos? De quem se dizia que a dictadura podia contar com pleno apoio? Quem se preparava para adir a herança como immediato successor? Era o sr. marquez d'Avila e de Bolama (muitos apoiados).

O sr. Luiz de Campos: — S. ex.ª pertence a todos os partidos.

O Orador: — Pertence, diz elle, ao partido dos homens de bem.

O sr. Luiz de Campos: — Em todos os partidos ha homens de bem.

O Orador: — E por isso elle tem pertencido e conta pertencer a todos os partidos passados e futuros.

O sr. Rodrigues Sampaio: — Ha muitos assim.

O Orador: — Eu sei que ha muitos assim, e sei tambem que ha outros peiores; mas trato agora apenas do sr. presidente do conselho, que reputo merecer incontestavel preferencia. Não posso fazer agora a resenha minuciosa de tudo que ha, e muito menos alargar-me em referencias pessoaes a cada uma das diversas pessoas, que a allusão póde comprehender, quer estejam presentes, quer não tenham logar n'esta casa. Limitei-me e limito-me a fazer referencia especialissima ao sr. presidente do conselho, exactamente por se dar a rara e notavel coincidencia de ser um seu ex-delegado de confiança, que hoje apparece a accusar a dictadura, que o sr. marquez d'Avila principal e distinctamente apoiou. E mais notavel é ainda esta coincidencia, porque o illustre deputado que me precedeu, defendendo é governo contra accusações que só ao governo se dirigem, e defendendo-o antes d'elle se defender, parece que substitue o governo tanto na defeza como nas aggressões, pois claramente se viu que o sr. presidente do conselho quiz ceder-lhe a precedencia da palavra, e não o fez de certo sem poderosos motivos para assim proceder.

É o sr. marquez d'Avila que pelo seu defensor accusa a dictadura, que o sr. marquez d'Avila favoreceu, apoiou e apreciou. Parece-me digno, coherente e corajoso, este procedimento do nobre ministro do reino!

Porque a não guerrearam, emquanto ella durou? Porque a não combateram, emquanto existiu? Poderão acaso dizer que estavam coactos, e que os obrigava a ceder o receio de violencias da parte dos dictadores?

Seria triste essa evasiva; mas nem esse ultimo recurso lhes ha de restar.

A dictadura caíu e foi substituida pelo modo que todos nós sabemos, e que não foi com certeza por meio nenhum parlamentar nem mesmo muito liberal. Isso pouco me importa, e quanto á dictadura eu posso afoitamente affirmar que me foi tão indifferente a sua morte, como me tinha sido a sua organisação. Mas a dictadura tinha caído, não podia já assustar ninguem. O sr. marquez d'Avila, ligado pela gratidão, tomou a sua parte de herança no ministerio seguinte, e veiu trazer aqui o bill de indemnidade para os dictadores, e alem d'isso pedir ao parlamento a approvação e confirmação de muitos dos seus actos. Era então para accusar inteiramente proprio o momento, opportuna a occasião. Ninguem accusou. Um dos representantes da dictadura, o ministro das tres pastas, como lhe chama o sr. Telles de Vasconcellos, tinha logar n'esta casa, não fugiu nem trepidou, subiu aquella tribuna e provocou a todos que o accusassem; pediu por favor, como especial obsequio, que houvesse quem ao menos dirigisse algum áparte contra as asserções que elle fazia. O sr. Telles de Vasconcellos, hoje irado e accusador, então benevolo e prasenteiro, movido sempre pela voz da sua consciencia, assistia impassivel e silencioso a todas estas interrogações e pedidos. É verdade. Recordo-me agora que s. ex.ª fez um áparte, mas esse áparte saiu, lhe talvez caro, porque teve immediata resposta, a qual lhe não foi, creio eu, muito agradavel. Em todo o caso mostrou-se plenamente n'essa occasião que não havia accusadores. Um homem publico, que zela a coherencia das suas opiniões, não póde deixar de reconhecer que não tinha accusação a fazer, desde que deixou passar o momento proprio sem fazer a accusação. Aquelle que tinha logar n'esta casa, quando chegou a occasião do accusar, e não accusou, expressamente reconheceu, que não tinha motivos para accusar (apoiados).

Disse mais o illustre deputado, que me precedeu, ou antes pela sua voz declarou o governo, que, se houve tantos crimes e violencias, a eleição de Arganil devia ter sido an-

Página 783

783

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

nullada, e que nós deveriamos ter pedido aqui a annullação em vez de votarmos para que fosse approvada.

É incrivel este arrojo de argumentação. Não sei se a audacia basta para explicar rasoavelmente o apparecimento d'esta singular theoria, que ouvi expor ha pouco ao illustre deputado, mas que eu conhecia já por a ter visto sustentada n'um orgão da imprensa politica.

É realmente admiravel a tenacidade, com que abusam da rasão, da logica e da paciencia de todos nós. Demonstrou-se á ultima evidencia, que na eleição de Arganil houve violencias e abusos praticados pela auctoridade, ordenados ou, pelo menos, approvados pelo governo, e dirigidos todos contra a opposição (apoiados). A opposição venceu, é verdade que em pequena força, ou por um numero muito menor do que venceria, se os adversarios só empregassem os meios legaes; mas venceu.

N'estas circumstancias, os homens que confessam ter havido irregularidades, ousam dizer-nos a nós, que com documentos authenticos demonstrámos ter havido toda a qualidade de violencias, abusos e attentados commettidos pelos delegados do governo, e por este consentidos, ousam dizer-nos, atrevem-se a convidar-nos, para que os auxiliemos na sua obra, para que consummemos a iniquidade, deixando-lhes a elles os meios de renovarem com mais ardor a empreza, em que tanto se distinguiram! São elles, são os defensores do governo, que se inculcam amantes da legalidade, os que se levantam e dizem: «Annullemos a eleição, porque a victima, apesar do tanto soffrimento, commetteu o crime insolito de resistir, e ainda venceu!» Já é preciso levar longe a audacia! Eu não sei qual estranhe mais, se a singularidade, se a impudencia de tal doutrina. Realmente, é preciso affrontar com singular temeridade a indignação de todo o paiz, contida até hoje, mas que, assim provocada, talvez se não contenha por muito tempo (apoiados).

(Interrupção do sr. Sant'Anna e Vasconcellos.)

Eu julgo e entendo que a palavra impudência, applicada a qualquer doutrina ou theoria, não é offensiva pessoalmente. Mas se o illustre deputado quer e sabe substituir por qualquer outra esta palavra, difficuldade para mim invencivel, se essa nova palavra exprimir a minha idéa, concordo na substituição, e até estimo que possa fazer-se. Tenho o maior prazer em ser para isso interrompido.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Estou prompto e peço a v. ex.ª que me permitta explicar as minhas palavras.

O sr. Presidente: — Sim, senhor.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Estou ha muito afastado d'esta casa. Tenho permanecido aqui, desde que novamente voltei a ella, expectador tranquillo e imparcial de todas as discussões; mas confesso a v. ex.ª que, pelos sentimentos de educação que recebi no berço, estranho ver qualificar de impudentes os actos de um cavalheiro que está ausente, e sinto principalmente que esta aggressão viesse da parte de um cavalheiro que muito considero e respeito.

O Orador: — Bem: primeiro que tudo desejo saber, se as altas funcções da presidencia d'esta casa passaram agora para o illustre deputado, que me interrompeu.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Eu não fallei sem permissão do sr. presidente.

O Orador: — Não me refiro a ter fallado, nem podia referir-me, porque eu mesmo convidei o illustre deputado a explicar-se. Refiro-me só á especie de correcção, que quiz fazer-me, e que eu recuso, porque não aceito correcções de ninguem.

Eu declarei muito explicitamente no principio do meu discurso, que, se alguma palavra podesse ferir os ouvidos de alguns dos meus illustres collegas, a considerassem desde logo como retirada.

Eu não chamei impudente a pessoa alguma. Referi-me á doutrina, e disse pouco mais ou menos, que era levar muito longe a audacia, e que não sabia qual era mais estranhavel, se a singularidade, se a impudencia da theoria que vinha affirmar n'esta casa uma cousa d'esta ordem perante o paiz indignado.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — É um circumloquio, que é a mesma cousa.

O Orador: — Seja ou não seja circumloquio, o que não é, é chamar impudente a ninguem, e o illustre deputado não tem o direito de...

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — V. ex.ª dá-me licença?

O Orador: — Posso dar-lhe, e dou, licença para me fazer as interrupções que quizer, mas não lh'a dou para me dar lições de educação.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Eu não quero por fórma alguma irritar os debates, mas permitta-se a quem desde que entrou n'esta casa tem estado tranquillo espectador das discussões, tendo visto atacar por lucios violentos, não os quero qualificar por outra fórma, os homens e os actos com que não sympathisa; permitta-se a um deputado que tem tido para com os seus collegas, não direi benevolencia, porque não é essa a palavra propria para exprimir os meus sentimentos, mas todo o respeito e toda a consideração que lhes são devidos; permitta-se-me estranhar que na ausencia de um deputado, de um amigo politico, se pronuncie uma phrase que póde feri-lo na sua dignidade. Parecia-me que essa palavra podia ser substituida por outra.

O Orador. — Não sabia que o illustre deputado, que me precedeu, estava ausente. Se está ausente, é porque quiz ausentar-se; eu não o mandei. Eu arguo o governo, não arguo o sr. Telles de Vasconcellos, e já disse mais de uma vez que para mim perante o parlamento só o governo é responsavel, e só o governo é culpado. Se tenho atacado violentamente os homens e os actos do governo, tenho cumprido o meu dever, como sei e como sinto, usando do direito que me confere o diploma que recebi de legitimo representante do povo. A violencia que emprego está ainda longe de corresponder á que merecem os actos que censuro e o governo que os mandou praticar. A dignidade do deputado, que me precedeu, nunca podia ser ferida nem julgar-se offendida com palavras, que a elle não eram pessoalmente dirigidas, de mais a mais sabendo elle, como sabe, como e quanto eu o estimo e considero ha muito tempo. A declaração, que no principio tive o cuidado de fazer, era alem d'isso bastante para tranquillisar, creio eu, todas as susceptibilidades, por mais exageradas que se apresentem.

Eu preciso e não prescindo da mais ampla liberdade de palavra, porque fallo como sinto, não domino o sentimento, é elle que me domina, e não é possivel disfarça-lo na expressão. Não trago palavras estudadas. Não venho para esta casa, como vae um actor para o palco de qualquer theatro com o seu papel repetido e decorado. Apaixono-me talvez, mas digo o que sinto, e a rapida successão das idéas não me deixa tempo para estar em continua meditação, ou antes em verdadeiro disfarce, a abandonar cada palavra que me occorre, para a substituir por outra que não me occorre. Imporem-me a obrigação de fallar assim, principalmente depois da declaração que fiz no principio do meu discurso, seria a suprema tyrannia; e seria tolher-me a manifestação do pensamento, porque equivalia exactamente a imporem-me silencio, e a privarem-me do direito que os eleitores me conferiram.

D'esse direito, que consiste em expor aqui livremente a minha opinião, como souber e poder, affirmo eu que ninguem me priva com certeza.

A constituição d'este paiz não obriga os eleitores a mandarem os seus eleitos a nenhuma escola de amabilidades ou de ironias, e não me consta tambem que esteja em costume entregar-se aos deputados nenhum diccionario especial para uso d'esta casa. A liberdade de opinião exige ou antes envolve a liberdade de expressão. Cada um exprime o seu pensamento, como póde e sabe, conforme as condições es-

Página 784

784

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

peciaes da sua natureza ou organismo; e cumpre que todos aqui tenham, a par da liberdade plena de dizer, a independencia sufficiente para ouvir. Fóra d'estas condições não ha systema parlamentar.

Parece que as susceptibilidades aqui se vão exagerando excessivamente. Não era assim em outro tempo, e nunca assim foi nos parlamentos mais notaveis, que deveriam servir-nos de exemplo. Eu tenho algum conhecimento das discussões parlamentares, não só d'este paiz, mas de muitos outros; e posso facilmente apresentar expressões mais fortes e algumas até offensivas, empregadas frequentemente nos melhores discursos pelos primeiros e mais distinctos oradores, que todos estamos habituados a estudar e a admirar, quasi desde a infancia. Conheço outro systema diverso, e esse é propriamente nosso e mais especialmente usado nos ultimos tempos, ainda que o não seja por todos os oradores. Eu tenho presenceado discussões n'esta casa, em que apparentemente se segue o systema não só da mais apurada cortezia convencional, mas até do elogio constante aos adversarios, cujos meritos assim se exaltam na apparencia para logo depois, em phrase estudada e sempre amavel, se offenderem ainda mais por meio do ridiculo e da ironia pungente. A questão é de fórma, a differença é apenas de estylo, mas a offensa fica a mesma ou peior ainda, porque a intenção offensiva é mais manifesta, desde que a vehemencia da palavra não póde desculpar-se nem explicar-se pela violencia do sentimento. Vejo tambem que depois de um tal procedimento apertam-se as mãos offensores e offendidos, abraçam-se reciprocamente, e vivem todos na maior harmonia, como se a offensa não existisse, e como se os elogios fossem reaes e sinceros. Para isso não nasci eu. Não pertenço a essa especie.

Eu não sou d'esta qualidade; nunca o fiz, nem o hei de fazer. Quando, no uso pleno do meu direito, dirijo accusações ao governo, é porque entendo que tenho motivo para lh'as dirigir, e que o cumprimento do meu dever, como deputado da nação, me obriga a accusar com a mesma vehemencia com que o meu espirito sente a necessidade da accusação.

Podemos sentir de modo diverso, e nada ha mais natural que corresponder á diversidade do sentimento a diversidade da expressão. N'esta casa podem uns estar serenos, e até satisfeitos ou contentes, com o procedimento do governo; mas estão outros, não só particularmente offendidos, mas justamente indignados pelo que soffreram e pelo que viram soffrer. Eu já me referi a este ponto, e já disse que eu não sou dos que estiveram a fazer, nem a ver fazer eleições no ministerio do reino; estive no meu circulo; tratei de eleições sómente com os eleitores; estive na provincia; sei o que por lá se passou; vi a pressão e a corrupção que os agentes do governo empregaram; assisti ás violencias e ás vinganças; presenciei os soffrimentos infligidos pelo governo aos eleitores independentes.

Eu, representante do povo, digo aqui a opinião dos meus eleitores que, felizmente, é a minha opinião tambem. Não ha, não póde haver, digo-o alto e bem claro, consideração alguma, nem imposição de nenhum genero, que me obrigue a desfarçar n'um só ponto ou uma só vez o meu pensamento.

Esta energia de caracter, esta força de vontade, herdei eu com o sangue que me gira nas veias. Se juntamente com o nome, que tenho, eu não tivesse herdado da minha familia a coragem para sustentar e manter a plena liberdade da minha opinião, nunca aceitaria n'esta casa um logar, que o meu procedimento podesse deshonrar com hesitações, por fraqueza ou por cobardia, que n'um momento desmentiriam todas as tradições de familia e a propria dignidade do meu nome (apoiados).

Como representante livre de um povo livre hei de cumprir o meu dever, e hei de zelar e manter os direitos que o meu diploma me confere.

Sr. presidente, disse tambem o illustre deputado, o sr. Telles de Vasconcellos, que vinha aqui tratar a questão do procedimento do governador civil de Coimbra; e que tinha direito de examinar os seus actos como governador civil, porque queria tratar aqui da responsabilidade legal, a qual se trata em toda a parte. A um áparte meu respondeu s. ex.ª que n'esta camara se tratava da responsabilidade legal dos ministros, e que por consequencia era este não só o logar proprio, mas até o unico competente, para se tratar da responsabilidade. Estou de accordo em que se trata aqui da responsabilidade legal de ministros; mas não posso estar de accordo em que se trate aqui de responsabilidade nenhuma do sr. Telles de Vasconcellos, como governador civil de Coimbra, sem que s. ex.ª nos apresente previamente como documento authentico a nomeação que conferisse ao illustre deputado o cargo de ministro n'aquella epocha. Sem a exhibição, por maior que seja a minha dedicação por s. ex.ª, nunca póde chegar a ponto de eu fingir que confundo um governador civil com um ministro da corôa.

Aqui não póde tratar-se da responsabilidade legal de nenhum governador civil. Sei que o governador civil tem responsabilidades, como as têem todos os individuos e todos os funccionarios, mas a responsabilidade moral ou legal dos governadores civis não se trata no parlamento; quem quizer vá pedi-la ou trata-la no logar competente.

Perante o parlamento é o governo o unico responsavel, não só pelos seus actos, como pelos dos seus delegados de confiança; e tanto por uns, como por outros, porque todos se reputam igualmente praticados pelo governo.

Portanto quando a accusação se dirige ao governo, como nós a estamos dirigindo, nunca se dirige ao governador civil, nem este póde entremetter-se na questão com a sua qualidade de agente responsavel.

Eu respeito muito o illustre deputado, que me precedeu tenho com elle relações antigas, e talvez tão estreitas, como as póde ter o sr. Sant'Anna e Vasconcellos, que inutilmente tomou a defeza d'aquelle illustre deputado, julgando ver uma offensa onde não a havia. Tenho estas relações com o sr. Telles de Vasconcellos, mas não posso ver n'elle o governador civil de Coimbra, nem achar na sua pessoa, nem na sua qualidade de funccionario, culpa ou desculpa para os actos praticados.

Como membro d'esta camara tenho restricta obrigação de ver apenas o governo, unico responsavel por todos os actos praticados pelos seus delegados de confiança. Não é objecto de escolha, não póde ser opção para ninguem, o que está fixado e determinado por todos os principios de responsabilidade do poder executivo.

(Deram cinco horas.)

O sr. Presidente: — Lembro ao sr. deputado que deu a hora.

O Orador: — Então peço a v. ex.ª o obsequio de me reservar a palavra.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×